Patologia chamada carnaval
Por Gisele Leite e Ramiro Luiz Pereira da Cruz
A alegria patológica do
carnaval é mais que apenas uma doença, enfermidade ou desordem. Aliás, a
patologia pode se expressar tanto pelo corpo, como pela mente e, poderá ainda
ser endógena ou exógena, dependendo do contexto peculiar do fenômeno ou da
observação.
O phatos é um
sofrimento e sua representação médica e orgânica nos faz refletir sobre o
conceito de patologia, especialmente no carnaval conforme defende o sociólogo
Robert K. Merton. De fato, como patologia social é uma anomia, um mal
funcionamento da sociedade relacionado com a cultura, com as regras
institucionais e costumes.
Há de se classificar os
sujeitos desviantes e identificar a insegurança social o que nos aproxima do
conceito e grau de anomie de um sistema social, o que nos permite ver a
falta de acordo às normas que são legítimas e colaborativas aliadas às
incertezas e inseguranças das relações sociais e subjetivas.
Essa anomia que foi um termo
criado por outro sociólogo Émile Durkheim veio nos remeter a insegurança
individual, ou até a perda da fé, e o firme descontentamento com as normas e
instituições sociais. Ninguém está onde gostaria de permanecer.
O carnaval enfatiza as
próprias mudanças do meio social, envolve economia, política, leis, alterações
socioculturais e, principalmente criminológicas. A patologia do carnaval é uma
patologia social que se instalou no país e certamente, é um reflexo cruel de
nossas heranças sócio-históricas.
O carnaval contemporâneo se
traduz num grande mercado, dotado de mídia e de comercialização tanto de
produtos, fantasias, adereços, bebidas, e tantos outros itens lícitos ou não, e
ganhou status de norma sagrada que jamais poderá ser usurpada da população que
já demonstra ter dependência crônica e incurável.
E, uma grave abstinência geraria sérios efeitos colaterais que espalharia por todo espectro do político ao econômico.
Infelizmente, como
manifestação cultural é diagnosticada como patologia social pois a insegurança
social cotidiana, refletida no espelho nacional nos faz promover o exorcismo,
tanto que vige o adágio de que "só começam os trabalhos no Brasil, depois
do carnaval".
Por vezes, o carnaval é visto
como rito de passagem ou de mera afirmação, pois nem todos aderiram à festa,
nem ao valor simbólico da manifestação e, passam por dinâmicas cognitivas de
isolamento e estranhamento.
A indisposição social
concretizada em qualquer comportamento de risco que afronta a tudo e a todos e
que compõe a experiência carnavalesca numa plêiade de condutas desviantes e por
vezes ilícitas e perigosas.
Enfim, a anomia se revela por
condutas desafiadoras a sociedade em destaque a generalização de agressões
sociais e sexuais.
Afinal, tudo é permitido. Sob
o pálio da patologia social só há incerteza e insegurança e pessoas que seguem perdidas
e sem esperança, pois a tênue regulação social acaba por resultar em grave
prejuízo para a coletividade.
A fantasia romantizada, a purpurina ou máscara não consegue disfarçar a desigualdade social, a miséria e, pior, a invisibilidade de graves problemas sociais e políticos que continuam vigentes e dançantes no cenário brasileiro.