Os afrodescendentes no Brasil e nos EUA. Negros aqui e lá

O presente texto expõe as diferentes lutas dos negros no Brasil e nos EUA e, aponta para cruel invisibilidade do segregacionismo brasileiro e para necessidade de mobilização em rol dos direitos dos negros e de igualdade e justiça.

Fonte: Gisele Leite

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Estranhamente o nosso país se orgulha em ser uma democracia racial[1] ao passo que nos Estados Unidos há uma estridente aspereza e hostilidade nas suas relações interraciais. Aliás, desde o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, os chamados afroamericanos representavam somente doze por cento do total da população norte-americana, mesmo assim, os negros têm demonstrado ter uma vigorosa força política em seu país, bem maior do que a obtida pelos afrobrasileiros que representam mais de cinquenta por cento[2] de toda população brasileira.


Relembremos as conquistas dos afroamericanos já ocorridas no pós-guerra, quando em sua primeira fase compareceram ao movimento em prol dos direitos civis nas décadas de cinquenta e sessenta. E, lá os progressos foram extraordinários e a segregação, por fim, foi vencida quando o sufrágio definitivo fora estendido também ao negro através do Ato dos Direitos de Voto em 1965[3], quando o próprio governo americano instituiu políticas públicas voltadas para a igualdade de oportunidades e ação afirmativa para combater o racismo.


Tais conquistas mudaram o Estado que antes era firme impositor de desigualdade racial, passando a ser o exatamente oposto, isto é, assumindo ser um poderoso oponente da discriminação racial e fiador das oportunidades para o povo negro (e outras minorias raciais, como os indígenas norte-americanos, porto-riquenhos, mexicanos e latinos[4] em geral) em áreas como educação, saúde, moradia e emprego.


Consigne-se que as conquistas políticas do negro continuaram na década de setenta, principalmente em níveis estaduais e regionais. Assim, observou-se que afrodescendentes foram elementos para as câmaras municipais e legislativos estaduais nos EUA, e principais comarcas norte-americanas como Los Angeles, Chicago, Detroit, Washington e Filadélfia que foram governadas por prefeitos negros.


Apesar de que em nível nacional deu-se na década de setenta um período de estagnação e incerteza principalmente em face do assassinato de líder Martin Luther King[5] em 1968.


Num primeiro momento, e tendo vencido as mais violentas formas de discriminação racial, o movimento pelos direitos civis[6] conseguiu cumprir seus objetivos. Mas, os tipos de discriminação ainda continuaram, e continuam a existir ainda que de formas sutis e difíceis de detectar, o que dificulta ainda mais a mobilização de pessoas demonstrando seu repúdio.


Num segundo momento, os programas políticos de oportunidades iguais possibilitaram que uma nova geração de afroamericanos viesse a ter acesso às universidades, tornando-os assim parte da sociedade civil e de profissionais liberais da classe média. Observou-se que a jovem e crescente elite negra correspondente a pelo menos vinte por cento da população negra conseguiu ter o sonho americano realizado.


Ainda assim para combater o racismo sedimentado ao longo de muitos séculos não é realmente fácil e, infelizmente, nem será rapidamente extinto.


Enquanto que essa nova classe média negra se beneficiava de oportunidades abertas pelas políticas públicas, o mesmo não acontecia com outras minorias, principalmente os latinos. E, a grande parte da população negra ainda permanecia com baixa participação na renda nacional norte-americana, e permaneceu quase que imutável entre 1960 a 1980.


E, na década de setenta houve uma retomada progressiva do ressentimento e de ódio dos brancos contra os programas governamentais que presumivelmente favoreciam os negros e, tal movimento encontrou sua maior expressão durante a eleição de Ronald Reagan[7]  que chegou à presidência e, prometeu eliminar os programas de igualdade de oportunidade e reduzir a ajuda governamental aos menos favorecidos, que, em grande parte, são negros.


Diante desse contexto surgiu a necessidade de revitalizar o movimento negro para defender e reafirmar as conquistas já alcançadas nas décadas anteriores. Surgiu Jesse Jackson, um ex-colaborador de Luther King que emergiu como novo líder reconhecendo a necessidade se estender para além da população negra e, assim, criar uma aliança interracial que englobaria várias etnias não brancas, e, mulheres e simpatizantes brancos e liberais. Formou-se o famoso conceito de coalização arco-íris de Jackson[8].


É verdade que não obteve sucesso na formação de tal coalizão pois suas posições antissemitas[9] foram destrutivas ao alienar o apoio da etnia que tradicionalmente sempre foi simpática às aspirações dos negros. Apesar dessa falha, a campanha promovida por Jackson para sua candidatura democrata em 1984 demonstrou ter grande força política, vencendo eleições em diversos vários do Sul dos EUA e, galgando até vinte e cinco por cento de votos em Estados mais  industrializados tais como Illinois e  Nova York e, forçando assim, o comprometimento do partido democrata em manter e até estender as conquistas políticas dos negros adquiridas na década de sessenta.


O movimento dos negros nos EUA entra na década de oitenta com fôlego renovado. Em 2008 Barack Obama[10] foi o primeiro presidente negro dos EUA. E, tal fato foi considerado por muitos como o anúncio de uma nova era, sem as tensões raciais que haviam marcado a história do país.


Já aqui no Brasil, há um caminho mais longo e árduo. E, sabemos que a experiência norte-americana não pode ser comparada com a do Brasil. É difícil refutar o mito da democracia racial[11] que tem longa tradição na história de luta dos negros. E, nesse último século, as políticas públicas[12] e, a mais famosa foi a Frente Negra Brasileira[13], que foi banida por Getúlio Vargas de 1937.


O que já corresponde à uma evidência conclusiva da contínua existência de discriminação e desigualdade racial na sociedade brasileira.


Após o pós-guerra tais movimentos têm atraído milhares de seguidores e tem sido um estímulo para dar continuidade ao debate público sobre as deficiências e incongruências do paraíso racial brasileiro Porém, nenhum deles, conseguiu gerar um movimento de massa, com expressivo peso moral e político como fez Luther King, Julian Bond[14], Jesse Jackson e outros líderes de expressão nacional nos EUA.


Porque não Brasil não temos essa liderança? A resposta vem do caráter paternalista e autoritário das relações sociais[15] e políticas brasileiras, que, mesmo durante os períodos de democracia, torna muito difícil a construção de movimento político de massa que seja autônomo e nacional.


Cumpre igualmente observar que o movimento pelos direitos civis nos EUA surgiu e obteve suas vitórias na região mais tradicionalista, autoritária e repressora do país, ou seja, nos Estados do Sul dos EUA[16].


Mas, sozinho o autoritarismo não consegue explicar as diferentes trajetórias das lutas dos negros nesses dois país, deve-se ver também a natureza das relações raciais brasileiras, onde não existe a separação racial imposta pelo Estado, tal como se verifica na segregação ianque ou ainda no apartheid[17] da África do Sul. O caráter mais relaxado ou, mesmo, frouxe da hierarquia racial brasileira acaba por minar a mobilização e resistência da política afrobrasileira de múltiplas formas.


O fato de haver integração dos afrobrasileiros nas instituições básicas da sociedade, reduz necessidade do povo negro de desenvolver instituições sociais e culturais próprias, e, por essa razão, de modo mais autônomo, conforme a segregação racial exigiu nos EUA. O nosso país não compartilha com os EUA de ter a tradição de igrejas e faculdades independentes, que favoreceram sensivelmente a formação de base ideológica e institucional e de liderança para o desenvolvimento do movimento dos direitos civis.


Aqui também não vige um limite evidente e claro existente entre negro e branco, o que torna possível a cooptação, por parte do grupo branco, de afrobrasileiros particularmente talentosos e ambiciosos.


Assim, num sistema mais rígido, onde os indivíduos permaneçam em sua casta racial e, assumem posições de liderança dentre desta.  Infelizmente, aqui não é impossível para estes negar a sua própria negritude, por vezes, se assumindo tão-somente como morenos[18], e daí ser mais difícil existir e manter a identidade afrobrasileira, para se tornar um exercício consciente de força que muitos ainda relutam em assumir.


Registre-se ainda que de forma mais efetiva o sistema de hierarquia racial brasileiro labora contrário a formação de movimento político afrobrasileiro, sendo depreciada a base moral desse movimento, sendo incapaz de mobilizar tantos os brancos oponentes ao racismo quanto os negros.


Finalmente, os segregacionistas restam impossibilitados de legitimar seu sistema que contradiz visivelmente os princípios que definem uma sociedade livre e democrática que são os valores como justiça, igualdade e liberdade, além da preservação da dignidade humana.


Enquanto que brutalidade do racismo ianque expôs sua fraqueza, aqui, entre nós, vige certa flexibilidade e uma sutileza bem peculiar do racismo brasileiro reafirmando sua força.


Conclui-se que para haver a indignação moral contra a desigualdade[19] racial é mais difícil de ser gerada num país onde a discriminação baseia-se em formas silenciosas, inconsistentes e hipócritas, ficando cada vez mais difícil de identificar e transformar em ação política. Impede mesmo que haja a indignação contra o racismo bem como a necessidade de combater injustiças que transitam livremente na sociedade brasileira.


Há milhões de negros brasileiros[20] que sofrem continuamente injúrias e aflições decorrentes da discriminação racial. E, mesmo há também milhões de brasileiros, de diferentes etnias e origens que sofrem muito com as mais corriqueiras ofensas, como da miséria, desnutrição, ausência de real acesso à educação, ausência de real acesso ao pleno emprego,  à saúde pública e se submetem não só a poluição ambiental, como também aos desmandos de sucessivos governos corruptos e combalidos que ainda se perpetuam no poder.


Evidentemente o racismo opera a mais grave ofensa[21] e, na medida em que a sociedade é racialmente dividida, mais se torna vulnerável à dominação e exploração das ditas camadas sociais superiores. E, mesmo os membros do grupo racial dominante sofrem em si mesmo a situação, quando se aglomeram na multidão de “brancos pobres” da América do Sul e do Brasil que enfrentam múltiplos desafios agudos[22] e presentes numa sociedade brasileira imersa numa recessão econômica expressiva, onde até o racismo perde importância, em face de sociedades mais prósperas e mais equânimes como revela ser os EUA.


Há muitos fortes obstáculos para a criação e atuação de um movimento antirracismo e, mesmo a partir de 1980[23] os variados partidos políticos reconhecem publicamente a existência de discriminação racial e desigualdade racial em nosso país, tanto que até instituíram comissões especiais e grupos de trabalho para prepara políticas nessa área[24].


Nosso país infelizmente historicamente tem preferido ignorar qualquer indicação de desarmonia racial em suas fronteiras. Observa-se que recentemente os líderes negros têm gerado significativo capital político capaz de chamar a atenção para um dos mais cruéis aspectos das relações raciais brasileiras como a que existe na repressão policial de afrobrasileiros e o preconceito por parte de órgãos jurisdicionais penais, de que  "negro é bandido até que se prove o contrário"[25]. Precisamos denunciar tais práticas para gerar aquele senso de indignação moral que é tão importante para agregar o movimento afrobrasileiro.


Faz-se necessário criar um movimento nacional de massas, os líderes afrobrasileiros[26] tem um íngreme percurso a seguir, o que obrigatoriamente inclui a educação[27]. E que se estenda até as áreas mais renitentes e tradicionais, onde a até hoje a mobilização negra enfrenta mórbidos obstáculos políticos, sociais e culturais.


É verdade que o movimento afrobrasileiro enfrenta um inimigo mutante, disfarçado e, principalmente, invisível[28], que precisa ser revelado e desmascarado para enfim poder ser derrotado. Precisamos conclamar para uma segunda e definitiva abolição[29], para combater o injusto e triste segregacionismo racial.


Referências:


ANDREWS, George Reid. O negro no Brasil e nos Estados Unidos. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451985000200013 Acesso em 09.4.2019.


DOMINGUES, Petrônio. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: Senac, 2003.


FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala, Rio de Janeiro, Schmidt Editor, 1933.


HASEBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, Rio de Janeiro, Graal, 1979.


MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2005.


NUCCI, Guilherme de Souza. Racismo: uma interpretação à luz da Constituição Federal. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/racismo-uma-interpretacao-a-luz-da-constituicao-federal/5447 Acesso em 9.4.2019.


RAMOS, Arthur: O Negro Brasileiro, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1934; 2. ed. São Paulo, Ed. Nacional, 1940.


REIS, Fábio Wanderley. O mito e o valor da democracia racial. Disponível em: http://books.scielo.org/id/v7ywf/pdf/reis-9788599662793-16.pdf  Acesso em 9.4.2019.


RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia de Bolso, 2003.


SCHARCZ, Lilia Moritz: O espetáculo das raças: Cientistas, Instituições e a Questão Racial no Brasil 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.


SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso. Rio de Janeiro: Leya, 2017.


VALENCIA, Robert. Tradução de Rosane Bujes. Disponível em:https://pt.globalvoices.org/2017/09/23/racismo-um-assunto-tabu-dentro-da-comunidade-latina-nos-estados-unidos/ Acesso e 9.4.2019.


Notas:


[1] Carlos Hasenbalg afirma que desde o fim do Segundo Império brasileiro e início da República já acreditava que o país tinha escapado do problema do preconceito racial. E, isso se deve a concepção e a comparação feita com o conflito racial observado nos EUA. Mas, diferentemente dos padrões raciais encontrados nos EUA, o Brasil bem como outros países latino-americanos, há dois aspectos importantes, a saber: O primeiro se refere ao embranquecimento ou ao ideal de branqueamento, entendido como um projeto nacional implementado pela miscigenação seletiva e as políticas de povoamento e a imigração europeia. O segundo aspecto é a concepção desenvolvida pelas elites políticas e intelectuais sobre seus próprios países, que supostamente são caracterizados pela harmonia e tolerância racial e, ainda, pela ausência de preconceito e a discriminação racial.


[2] Lembremos que a tese de branqueamento se sustenta na presunção da superioridade branca. E, tal tese enxerga a miscigenação como a saída para tornar a população mais clara e, por acreditar que gene da raça branca prevaleceria sobre as demais e, que as pessoas, em geral, procurariam por parceiros mais claros que estas. Assim o branqueamento produziria uma população mestiça e sadia, capaz de sempre se tornar mais branca tanto no aspecto cultural como o físico. O ideal da miscigenação adquiriu roupagem diferente particularmente com a obra intitulada "Casa Grande e Senzala” de autoria do historiador e sociólogo Gilberto Freyre, assim passou a ser encarada como mecanismo de um processo, que tem por fim, a democracia racial.


[3] A referida legislação denominada originalmente de Voting Rights Act representa um marco legislativo federal nos EUA, decretando o fim de práticas eleitorais discriminatórias, foi sancionada pelo Presidente Lyndon B. Johson, no ápice do movimento dos direitos civis. Contudo, a segregação racial nunca acabou e ainda persiste no presente, mesmo sem ter qualquer amparo em lei. As diferenças em qualidade de vida, trabalho, educação, e saúde estão presenes na realidade contemporânea. Destaque-se que surgiram leis estaduais norte-americanos criaram algumas ações afirmativas com o fito de tentar reparar a infâmia histórica da segregação racial.


[4] Em recente estudo do Pew Research Center se constatou que cerca de cinquenta por cento dos hispânicos têm sofrido uma forma de discriminação por raça ou enia. Entretanto, setenta e cinco por cento dos afro-americanos sofreram e ainda sofrem racismo ou tratamento injusto. Aliás, o racismo é assunto considerado tabu dentro da comunidade latina dos EUA. (In: VALENCIA, Robert. Tradução de Rosane Bujes. Disponível em:https://pt.globalvoices.org/2017/09/23/racismo-um-assunto-tabu-dentro-da-comunidade-latina-nos-estados-unidos/ Acesso e 9.4.2019).


[5] Um dos mais expressivos exemplos das diversas lutas feitas por Luther King citam-se a marcha de Selma à Montgomery (Alabama), em março de 1965, e a de Washington, em agosto de 1963, com o fim de aumentar os direitos eleitorais do cidadão negro. Houve a adoção de uma política de não violência, a qual ajudou a pressionar, apesar das prisões e espancamentos de diversos indivíduos, o governo ianque foi forçado a ampliar os direitos civis de grande parte da população dos EUA.


[6] A escravidão dos negros nos EUA foi de 1619 a 1863 e, com o fim da Guerra Civil, a Proclamação de Emancipação e o início da Reconstrução Americana. Mas a situação legal dos negros nos EUA permaneceu por muito tempo inferior aos demais cidadãos, tanto que as leis Jim Crow, a segregação racial adotou a doutrina separados, mas iguais e admitiu-se a atuação da Ku, Klux Klan. Apesar da Constituição americana admitir e garantir direitos fundamentais a todos os cidadãos desde 1787, os negros tinham suas prerrogativas legais renegadas por legislações estaduais, baseadas no princípio dos direitos dos Estados.


[7] O atual governo dos EUA, representado por Donald Trump há a preocupação de oitenta e quatro por centro dos afroamericanos entrevistados que afirmaram que sentem que o país está no caminho errado. E o movimento Black Lives Matter (As vidas dos negros importam) que denuncia a violência policial que afeta particularmente esta comunidade, obteve oitenta e um por cento no mesmo índice. Aliás, em suas bombásticas declarações Trump afirmou para a imprensa que o Haiti, El Salvador e países africanos são "buracos de merda", e mesmo assim, ainda negou ser racista. (Vide em: https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2018-01-15/trump-diz-nao-ser-racista.html ).


[8] Jesse Louis Jackson é ativista norte-americano dos direitos civis e pastor batista. Foi candidato à presidência pelo Partido Democrático em 1984 e 1988. Fundou entidades que se fundiram para formar o Rainbow/PUSH. Em 2006 foi votado como o mais importante líder negro. Em 1984 Jackson organizou a Rainbow Coalition (Coalizão Arco-Íris) que se fundiu, em 1966, com a Operação PUSH.  A nova organização, no desempenho de seu papel, tornou-se eficaz e importante.  Al Sharpton também deixou a SCLC, em protesto, e formou o National Youth Movement (Movimento da Juventude Nacional).


[9] Martin Luther King afirmou em 1965, in litteris: "Como poderia haver antissemitismo entre os negros quando os nossos amigos judeus têm demonstrado seu compromisso com os princípios de tolerância e de fraternidade, não através de contribuições consideráveis, mas de todas as formas possíveis,  muitas vezes com um grande sacrifício pessoal? Podemos sempre expressar a nossa gratidão aos rabinos que deram seus testemunhos  morais ao nosso lado em St. Augustine. Será que ainda é preciso lembrar a todos sobre o terrível espancamento sofrido pelo rabino Arthur Lelyveld, de Cleveland, quando este se uniu aos militantes dos direitos civis em Hattiesburg, no Mississippi?  E quem poderia esquecer o sacrifício de duas vidas judaicas, Andrew Goodman e Michael Schwerner, nos pântanos do Mississippi? Seria impossível registrar de forma exata a contribuição que o povo judeu tem feito para a luta do negro pela liberdade.".


[10] Obama durante o biênio inaugural de seu mandato, nomeou duas mulheres para a Suprema Corte. Sonia Sotomayor que foi confirmada pelo Senado em 2009 e, Elena Kagan que foi confirmada em 2010, elevando assim o número de mulhres na Corte para três, o que representou a maior composição feminina na história do tribunal norte-americano. E, em 2015, com o falecimento do juiz Antonin Scalla, indicou Marreck Garland, porém a maioria republicana de senadores, negou-se a considerara e aceitar a indicação do presidente.


[11] Sem dúvida, a miscigenação é antigo processo de enriquecimento racial e cultural dos povos, capaz de gerar civilizações que se formam de forma livre e democrática. Porém, a miscigenação de raças no Brasil nunca fora um processo livre e espontâneo. Ao revés, a dignidade da mulher negra vítima de violência sexual, atingida em sua honra moral e sexual, e mesmo através de uniões forçadas sob a égide do medo, da insegurança e onde as crianças eram legalmente concebidas sem pai, permanecendo em seu status de escrava. Portanto, sem existe, nenhum enriquecimento racial e cultura. Destacou Sylvio Fleming Batalha da Silveira que aceita a tese da democracia racial pautado nos cientistas sociais norte-americanos como Donald Pierson e Marvin Harris que realizaram em 1945 e 1967, estudos sobre as relações sociais no Brasil.


[12] Através da Lei 10.558/2002 foi criado o Programa Diversidade na Universidade e o Decreto 4.876/2003 definiu critério de financiamento e premiação no âmbito do Programa Diversidade na Universidade. E, tal decreto foi depois alterado pelo Decreto 5.193/2004, que estabelece, dentre outras questões, o Ministério da Educação como o responsável pela execução do Programa Diversidade na Universidade.  E, a Lei 12.711/2012 que define as cotas reservadas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e oriundos de famílias de renda igual ou inferior a um e meio salário mínimo, assim como pessoas autodeclaradas pretas, pardas, indígenas e por pessoas com deficiência no ingresso em cursos de graduação, constituindo, portanto um sistema de cotas misto que tanto contempla as questões sociais como econômicas e raciais. Depois, foi regulamentada pelo Decreto 7.824/2012 que detalhou os critérios de seleção a serem aplicados aos cotistas.  Já Lei 12.990/2014 tratou de reservar aos negros, vinte por cento de vagas oferecidas em concursos públicos.


[13] Foi movimento negro brasileiro, fundado em 16.09.1931, tendo sido reconhecido como partido político em 1936. Seus principais fundadores foi Arlindo Veiga dos Santos, José Correia Leite, Isaltino Veiga dos Santos, Gervásio de Moraes, Jaime d Aguiar, Justiniano Costa que foi presidente da segunda diretoria e na gestão na qual se torna partido político e, é fechado por Getúlio Vargas em 1937. Para Abdias, o fracionamento da FNB se deveu à polarização política das lideranças do movimento. Enquanto Arlindo Veiga dos Santos liderava o Movimento Patrianovista, movimento nacionalista, tradicionalista, católico e monarquista alinhado à Ação Integralista Brasileira, José Correia Leite se filiava ao pensamento socialista.


[14] Em 16.08.2015 faleceu Julian Bond, ex-líder do NAACP (associação de defesa dos direitos da população negra) que atuou em defesa dos direitos da população negra. Bond foi o primeiro negro nomeado para a vice-presidência dos Estados Unidos por um grande partido político, mas teve que desistir da candidatura porque era sete anos mais jovem que o necessário para ocupar o segundo cargo mais alto da democracia norte-americana.


[15] Havia um particular trauma sofrido pelos brasileiros de 1950, quando a Seleção brasileira de futebol fora derrotada pela Seleção uruguaia de futebol, ao final da Copa do Mundo no Maracanã (RJ). Tal fenômeno foi alcunhado pelo escritor brasileiro Nelson Rodrigues como vira-latismo ou viralatismo, ou simplesmente, complexo de vira-lata. E parece que esse complexo não se limitava apenas ao futebol, pois entendia que sentia a inferioridade em que o brasileiro se colocava, voluntariamente, em face do restante do mundo. Assim, se traduzia que o brasileiro era uma espécie de narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Pois não encontramos pretextos pessoais ou históricos para haver autoestima.


[16] Cumpre assinalar que o conservadorismo, o racismo e mesmo a xenofobia não sao de exclusividade norte-americana. Pois na Europa através da ultranacionalista Marina Le Pen (da Frente Nacional) e que chegou ao segundo turna dentro da disputa presidencial francesa e, tem assistido de perto os grupos conservadores que ganharam expressão e força em outros países, como na Holanda, Alemanha e das nações do Mar Mediterrâneo. Em todos esses país, o debate racial tem ganhado espaços maiores, principalmente com relação aos imigrantes africanos e árabes.


[17] O apartheid significa separação foi um regime de segregação racial implementado na África do Sul em 1948 pelo pastor protestante Daniel François Malan, primeiro-ministro, e vigente até 1994, pelos sucessivos governos do Partido Nacional, no qual os direitos da maioria dos habitantes foram cerceados pela minoria branca no poder.


[18] Clóvis Moura, apresentando uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE no recenseamento de 1980, verificou que os não brancos, ao serem inquiridos sobre qual seria a sua cor, definiram-se em regra de modos variados, surgindo, nas respostas, um total de cento e trinta e seis cores diferentes. O que demonstra que a divisão bicolor entre brancos/negros não tem qualquer relevância na ideia do cidadão brasileiro, que vive sem se preocupar em definir a si mesmo de que grupo "racial” ele faz parte. Enquanto num país como os Estados Unidos questões como "raça" são primordiais, constando em todos os formulários, escolares,  empregatícios etc., a pergunta -raça-, em que o cidadão precisa declarar a que grupo pertence, ou a que "nação", segregada,  deve pertencer, no Brasil tal exigência não faria qualquer sentido e chegaria mesmo a ser ofensiva.


[19] Segundo os dados da Pesquisa Mensal do Emprego de 2015, os trabalhadores negros ganharam, em média, 59,2% do rendimento que os brancos ganham, o que também pode ser justificado pela diferença de educação entre esses dois grupos. Afora isso, segundo o estudo realizado pelo Ipea, o percentual de negros assassinados no Brasil é 132% maior que o de brancos. Há relatório divulgado pela ONU em 2014, com base em dados coletados no fim de 2013,  apontou que os negros do país são os que mais são assassinados, os que têm menor escolaridade, menores salários,  menor acesso ao sistema de saúde e os que morrem mais cedo. Também é o grupo populacional brasileiro que mais está  presente no sistema prisional e o que menos ocupa postos nos governos. Segundo o relatório, o desemprego entre os  afro-brasileiros é 50% superior ao restante da sociedade, enquanto a renda é metade da registrada entre a população  branca. As taxas de analfabetismo são duas vezes superiores ao registrado entre o restante dos habitantes.  Além disso, apesar de fazerem parte de mais de 50% da população (entre pretos e pardos), os negros representam  apenas 20% da produção do produto interno bruto (PIB) do Brasil.


[20] Entre os mais famosos e geniais negros do Brasil podemos citar: Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) considerado por muitos o maior nome da literatura do Brasil. Tendo escritos em praticamente todos os gêneros literários, foi poeta, cronista, romancista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista e crítico literário. Outro nome importante é João da Cruz e Sousa (1861-1898) foi alcunhado de Dante Negro ou Cisne negro, reverenciado como um dos precursores do simbolismo no Brasil. Nas Ciências Jurídicas podemos citar: Evaristo de Moraes, Hermenegildo de Barros, Joaquim Benedito Barbosa Gomes, Pedro Lessa, Tobias Barreto e Nelson Joaquim.


[21] Deve-se lembrar que a Lei 7.716/1989 tipifica alguns delitos de racismos. E, já em seu primeiro artigo afirma literalmente: "Serão punidos na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". E, segundo o Desembargador Guilherme Nucci a injúria racial prevista no artigo 40,3º do Código Penal brasileiro quando lastreada em discriminação racial, constitui nítida prática de racismo.


[22] As estatísticas demonstram que a democracia racial não foi alcançada existindo muito ainda por fazer para se combater com eficácia as desigualdades no Brasil. Segundo o Atlas da Violência de 2018 produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros, na proporção de 16% contra 40,2%.


[23] Em 1980 iniciou-se o encarceramento em massa de negros e latinos, com a polícia norte-americana desempenhando como função primordial. A guerra às drogaras nos EUA ampara-se a partir da aplicação de leis rigorosas e depende da liberdade de ação de promotores e policiais, que reproduzem o racismo a partir de uma racialização do crime. E, dentro dessa lógica, as operações policiais encaram os negros como elementos suspeitos com maior frequência que os brancos. E, tal fenômeno é relevante para entender os atuais conflitos raciais nos EUA, nos quais a brutalidade policial se apresenta comumente aos jovens negros. Não se observa a evolução do processo de integração racial e, há um racismo que funciona de forma distinta.


[24] Nesse sentido, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) promulgado em 2010 durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, visa coibir a discriminação racial e ainda estabelecer as políticas públicas para diminuir a desigualdade social existente entre os diferentes grupos raciais.


[25] A esse respeito houve até pronunciamento judicial da juíza, in litteris: “Vale anotar que o réu não possui estereótipo padrão de bandido, pois possui pele, olhos e cabelos claros não estando sujeito a ser facilmente confundido". A afirmação foi feita por Lissandra Reis Ceccoon, da Quinta Vara Criminal de Campinas, na sentença onde condenou Klayner Renan Sousa Masferrer a trinta anos de prisão por latrocínio. A decisão judicial é de julho de 2016.


[26] Mesmo após mais de três décadas da Constituição Brasileira de 1988 e ainda que com o impulso dado pela edição de relevantes marcos políticos, conforme afirma Vilma Reis, da Ouvidoria Geral da Defensoria Pública da Bahia literalmente: "Em trinta anos da Constituição, intitulada cidadã, nós vivenciamos uma situação-limite. Quando você olha para os espaços de poder, a possibilidade de equidade no trabalho, entre outros aspectos, definitivamente nós precisamos marcar que a população negra continua a margem". Vilma cita o Decreto 4.887/2003 que regulamenta o reconhecimento e a demarcação das terras ocupadas por quilombolas, entre outras conquistas, como o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei 10.639/2003 que determinou o ensino da história afro-brasileira nas escolas.


[27] A educação é uma das principais ferramentas contra a discriminação racial e em favor da inserção pessoal, cultural e social da população afrodescendente, ressaltaram participantes de debate, em 21.03.2019, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Como objetivo perpassar por um contexto histórico no que se refere às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de História e Cultura Afro Brasileira e Africana. Iremos analisar as resoluções, bem como os pareceres, a fim de vislumbramos o bojo da Lei 10.639/03. O Ministério da Educação tem uma linha de construção do processo democrático de acesso à Educação com garantia  de oportunidades para todos, mas sabe-se que diante dos chamados direitos há as falhas de deveres e  o pertencimento étnico racial tem peso muito alto, haja vista, que para os negros a interdição sempre foi uma praxe.


[28] No PSL, partido do atual presidente eleito do Brasil, um negro foi o mais votado deputado federal no Rio de Janeiro, Hélio Lopes, que passou a ser Hélio Bolsonaro e, recentemente, postou uma fotografia sua ao lado de Bolsonaro e de Alana Passos, sargento do Exército que foi a terceira deputada estadual mais votado no RJ, e a primeira entre as mulheres. Aliás, ele nega sofrer racismo. Afirmou que sua cor é o Brasil. Alguns afirmam que Bolsonaro emprestou seu sobrenome a um candidato negro na tentativa de se blindar de acusações de racismo.


[29] Os escravos que foram libertos imediatamente pela Lei Áurea quando se tornaram cidadãos com todos os direitos civis garantidos.  A única exceção era que, até 1881, os escravos libertos foram impedidos de votar nas eleições, embora seus filhos e descendentes pudessem participar do processo eleitoral. Segundo Darcy Ribeiro, as atuais classes dominantes brasileiras "guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil" que seus antepassados escravocratas tinham. Os pobres e os negros em geral são vistos como culpados de sua própria desgraça, explicada por suas características raciais e não devido à escravidão e à opressão. Mas, segundo Darcy Ribeiro, não é só o branco que discrimina no Brasil. O mesmo preconceito é igualmente assimilados pelos próprios multaos e até por negros que ascenderam socialmente. Aliás, Jessé de Souza também aludiu a chamada "ralé brasileira" formada por brancos de classes sociais inferiores e considera que o racismo científico sempre influenciou as ciências sociais no Brasil. (in: RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia de Bolso, 2003; SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso. Rio de Janeiro: Leya, 2017).


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Negros Segregacionismo Preconceito Políticas Públicas Racismo

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