O muro de Berlim

Para se conhecer um pouco do que representou o Muro de Berlim precisa-se refletir sobre a relação entre a Liberdade e a ausência desta. E, num enquadramento no tempo e espaço, a sociedade política na Alemanha do Pós-Guerra até 1990, este período relata o jogo político tanto nos bastidores como em público

Fonte: Gisele Leite

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Logo após ao término da Segunda Guerra Mundial, os EUA, Reino Unido, França e União Soviética dividiram a Alemanha em quatro zonas de ocupação. A área leste ficou conhecida como Alemanha Oriental e estava sob influência da URSS, sendo posteriormente chamada de República Democrática Alemã (RDA). Já a área oeste correspondia as áreas controladas por EUA, Reino Unido e França e que foram

unificadas em 1948, na denominada Alemanha Ocidental, e depois chamada de República Federal Alemã (REA). Berlim apesar de localizada na área soviética, também fora dividida em quatro zonas, sob a influência dos quatro vencedores.  O Muro de Berlim separava Berlim Oriental da Berlim Ocidental.

Reconheçamos que Berlim se tornou um espaço peculiar, era uma cidade ilhada e dividida em quatro, pelos quatro vencedores, cada um com seu próprio setor, mas localizada dentro da zona soviética e a mais de cento e sessenta quilômetros das áreas ocidentais dos EUA, Reino Unido e França.

Em represália contra as tentativas de formar o Estado da Alemanha Ocidental separado em 1948, Jose Stálin que era líder da URSS havia explorada a posição exposta de Berlim Ocidental, cortando suas ligações terrestres com o Oeste.

Enfim, Berlim Ocidental se convertera num espinho permanente para a Alemanha Oriental que a circundava. E, a CIA e o MI6(agência de inteligência britânica) a utilizavam como base de espionagem avançada e, sua economia atraía dezenas de milhares de viajantes da Alemanha Oriental.

Em treze de agosto de 1961 essa rachadura na Cortina de Ferro se fechou abruptamente e dramaticamente. Haviam cordões humanos da polícia fronteiriça da Alemanha Oriental e milicianos desceram até o limite do setor soviético para enfrentar a polícia de Berlim Ocidental e as tropas norte-americanas, britânicas e francesas.

Na ocasião grandes depósitos de arame farpada e malhas metálicas e postes de concreto foram erigidos dentro do setor lestes, por vezes, até aproveitando os postes de iluminação e trilhos de bondes para construir barreiras improvisadas.

Quatro dias após, sem haver a reação ocidental, as autoridades da Alemanha Oriental começaram então a construir estrutura mais permanente com blocos de cimento e lajes de concreto: enfim, o Muro de Berlim propriamente dito. Interessante destacar de uma só tacada, a RDA pôs fim ao grande êxodo humano que vinha desde 1945 e alcançou grandes proporções no verão de 1961.

Apelidado de Republikflucht, a fuga da República, quando se registrou que um a cada seis alemães do leste se mudaram para o oeste, a maioria através de Berlim. E, as autoridades comunistas da época ficaram alarmadas com grande fuga de médicos, enfermeiras, professores e engenheiros. De súbito, o muro edificado veio divorciar pessoas que antes eram vizinhas.

A metáfora política de cenoura e chicote fazia referência a um burro tratado na base da cenoura e do açoite, indicando a política que oferecia incentivos, e por outro lado, punição e chicotadas. Não conseguiam dissuadir os desertores e os fugitivos enquanto a fronteira estava aberta, como era, existindo um Estado quadripartido, especialmente a cidade de Berlim.

Foi a partir de maio de 1960, a Stase, a então temida polícia secreta da Alemanha Oriental, foi recrutada e conseguiu interceptar um de cada cinco fugitivos que tentavam escapar da Alemanha Ocidental. E, conclui ser necessário o absoluto fechamento de Berlim. Argumentava que a solução drástica era necessária para prover o isolamento físico e material de Berlim Ocidental, assim impedia-se o acesso do ocidente ao oriente.

Já, em maio de 1961 o então líder da Alemanha Oriental, Walter Ulbricht, solicitou formalmente a Moscou que fechasse a fronteira. Principalmente em face do confronto entre o primeiro-ministro soviético Khruschev como então presidente norte-americano John F. Kennedy, em junho

Principalmente quando Kennedy fez um intransigente discurso exibido na televisão fazendo com que o então líder soviético finalmente cedeu. De toda sorte, a decisão sobre a construção do muro foi levada a cabo em absoluto segredo para evitar novamente grande fuga de pessoas.

Logo no dia seguinte ao duro discurso de Kennedy, o líder soviético ordenou ao embaixador soviético que informasse aa Ulbricht que tinha que usar a tensão nas relações internacionais para rodear Berlim com um anel de ferro. E, por segurança, os britânicos colocaram do lado ocidental um arame farpado próximo da Porta de Brandemburgo.

Deu-se uma crise diplomática desencadeada desde novembro de 1958 ao emitir um ultimado às potências ocidentais para desalojar Berlim Ocidental ou aceitar uma cordo de paz que os obrigaria então aceitar e reconhecer o que consideravam um Estado fantoche soviética que era chamada de República Democrática Alemã.

A soberania da RDA oferecida aos alemães orientais dando o controle direta sobre todas as estradas entre Berlim Ocidental e Alemanha Ocidental, bem como sobre os corredores aéreos.

O contundente discurso de Kennedy deixou evidente que os EUA estavam dispostos à guerra para defender Berlim Ocidental, mas não houver qualquer compromisso com Berlim Oriental aberta, implicitamente, haviam dado passagem livre aos comunistas em seu setor.

Foi a partir de então, que a Operação Rosa, o plano de cortar Berlim Ocidental se desenvolveu com celeridade e sob estrito segredo. E, cerca de sessenta funcionários da RDA sabiam da operação.

Enfim, o fechamento da fronteira foi terminado e, a partir de sábado à noite até o domingo de manhã para se evitar as possíveis paralisações nas fábricas. Afinal, o partido comunista guardara duras recordações das greves em massa de 17 de junho de 1953. A área de segurança levava quase quinhentas toneladas de arame farpado.

Progressivamente, os materiais de construção do muro foram secretamente transportados para Berlim, vindos de outras regiões fronteiriças e unidades policias e, não era apenas mais uma ação policial.

O chefe do Estado Maior das forças soviéticas, Ariko se reuniu com seus pares na Alemanha Oriental e o major Riedel para debater sobre a coordenação do anel de ferro dos tanques soviéticos e alemães orientais que proporcionaria uma forte dissuasão.

Na época, os norte-americanos tinha superespião no Kremlin, Oleg Penkovksy que em nove de agosto soube da iminente ação, porém, não conseguira transmitir a informação antes do evento. E, as prévias estimativas da CIA, no outono de 1957 já previam o possível fechamento da fronteira.

 Em 1961, no entanto, os analistas da CIA estavam mais preocupados com o que poderia ocorrer se os soviéticos tentassem repetir o bloqueio de 1948 para expulsar os aliados de Berlim ocidental, atacando as rotas de transporte.

Também houve relatos de acúmulo de arame farpado, mas isso não era algo novo. E, como a maioria das avaliações de inteligência, o problema era uma sobrecarga de informação. As missões militares dos aliados ocidentais, que poderiam contar com inteligência abertamente, não encontraram nenhuma evidência de ação iminente.

Como os americanos informaram em 2 de agosto: "Situação em grande medida igual à da semana passada".

Em 12 de agosto, os britânicos também descartaram soluções drásticas. "Os russos provavelmente estão mais preocupados com os riscos de distúrbios se a rota de escape for completamente cortada do que com o dano atual à RDA".

"A lição estratégica e tática mais importante da exitosa ação de 13 de agosto", como foi registrado na Stasi, "é a importância de manter em segredo o momento no tempo, como um requisito prévio decisivo para mais golpes exitosos contra o inimigo, no momento correto e no lugar correto".

Já no primeiro dia, no que provavelmente foi uma reunião privada com Khruschev, o líder da RDA havia elaborado os elementos essenciais do que estava por vir, e para isso tinha uma data: 13 de agosto. "Nós brincamos entre nós, porque o Ocidente supõe que o 13 é um dia de azar", recordou Khruschev mais tarde. "Brinquei que, para nós e para todo o campo socialista, seria um dia muito afortunado."

"A divisão da Alemanha foi o exemplo máximo da polarização da Guerra Fria, mas não foi exclusividade da Alemanha. Como consequência das negociações entre os Aliados (países que se opuseram à Alemanha, Japão e Itália na Segunda Guerra Mundial), a Coreia e o Vietnã também foram divididos em duas nações distintas, cada qual aliado ou dos EUA ou da URSS."

"Os alemães orientais (o governo) defendiam o segredo como forma de lidar com a Republikflucht (como chamavam essa fuga de população) porque, primeiro, evitaria pânico e que milhares de pessoas tentassem fugir de “última hora”; segundo, poderia evitar qualquer tipo de reação negativa do Ocidente que os fizesse abortar a construção do muro.

Erich Honecker, na época o chefe de segurança do Politburo (comitê do Partido Comunista na Alemanha Oriental), foi nomeado para ser o líder da operação que construiu o Muro de Berlim. Honecker, mais tarde, tornou-se governante da Alemanha Oriental e esteve à frente do país de 1976 a 1989."

"A construção do muro teve êxito em seu propósito. Depois do dia 13 de agosto de 1961, o número de pessoas que conseguiram fugir da Alemanha Oriental foi de aproximadamente cinco mil pessoas. Ao todo, 140 pessoas foram mortas no Muro de Berlim, entre civis e soldados que tentaram cruzar o muro e morreram alvejados, acidentados ou cometeram suicídio, segundo o Memorial do Muro de Berlim".

"A queda do Muro de Berlim foi consequência da crise enfrentada pelo bloco socialista na década de 1980. Levando em consideração o contexto da Alemanha Oriental, a população do país estava insatisfeita, pois o país enfrentava uma grande crise econômica. A insatisfação era amplificada pela repressão e censura do governo.

Protestos espalharam-se pelo país e, quando a Hungria determinou a abertura de sua fronteira com o Ocidente, milhares de cidadãos da Alemanha Oriental procuraram fugir por essa abertura. Só em julho de 1989, cerca de 25 mil pessoas haviam pedido autorização para passar férias na Hungria. Com as fronteiras húngaras abertas, as pessoas que fossem para lá poderiam ir para a Áustria facilmente."

"Em 9 de novembro de 1989, em uma coletiva de imprensa, o porta-voz do governo da RDA anunciou equivocadamente que as fronteiras do país com o Ocidente estavam abertas. No mesmo dia, milhares de pessoas foram para os postos de fronteira exigindo direito de atravessar para a Alemanha Ocidental.

Para evitar uma tragédia, o governo da RDA confirmou a abertura das fronteiras e, na virada do dia 9 para 10 de novembro, milhares de pessoas uniram-se para derrubar o Muro de Berlim. No ano seguinte, a Alemanha reunificou-se. Para saber mais sobre o assunto, confira o nosso podcast: Muro de Berlim — da construção à queda."

A queda do Muro de Berlim foi um ato apenas simbólico, mas marcou o início de um processo político que culminou com a reunificação da Alemanha. O chanceler da Alemanha Ocidental, Helmut Kohl, engajou-se para isso e, no dia 3 de outubro de 1990, a Alemanha reunificava-se e o lado socialista deixaria de existir.

O Muro de Berlim, maior símbolo da Guerra Fria, nunca separou as Alemanhas. Ele nem sequer foi construído na fronteira entre os dois países. Ficava inteirinho na Alemanha Oriental, isolando a parte ocidental.

Referências

ANTLIFF. Allan. Anarquia e Arte: Da Comuna de Paris à Queda do Muro de Berlim. São Paulo: Madras, 2009.

BANCHER, Flávia. A Queda do Muro de Berlim: E a Presentificação da História. São Paulo; Ateliê Editorial; Apoio DAPESP, 2003.

BEEVOR, Antony. Berlim 1945: A Queda. Tradução de Maria Beatriz de Medina. São Paulo: BestBolso, 2015.

KEMPE, Frederick. Berlim 1961. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.

MARSHALL, Tim. A Era dos Muros. Por que vivemos em um mundo dividido. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.

MEYER, Michael.1989: O ano que mudou o Mundo: A verdadeira história da queda do Muro de Berlim. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

PINTO, Tales dos Santos. "O que foi o Muro de Berlim?"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-muro-berlim.htm. Acesso em 14 de fevereiro de 2024.

SCHMOI, Roberta Caldas. Guia Prático do Muro de Berlim. São Paulo: Editora Autografia, 2020.

TAYLOR, Frederic. O Muro de Berlim. Rio de Janeiro: Record, 2009.

MAJOR, Patrick. A história secreta de como o Muro de Berlim foi erguido pela Alemanha

Oriental e a União Soviética. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-47859411.

Acesso em 2.2.2024.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Alemanha Muro de Berlim Unificação Queda do Muro de Berlim História

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