O Jusnaturalismo do Século XXI
O jusnaturalismo "contemporâneo” aludindo-se com o termo ao que vem com Kant[1] ou com Hegel e traz consigo, assim, o legado das discussões anteriores, e a partir do século XIX este legado se desdobra em referências que crescem e se diversificam com a ajuda da historiografia acadêmica. A teoria do direito natural aceita que a lei pode ser considerada e falada tanto como um simples fato social de poder e prática, como um conjunto de razões para a ação que pode ser e muitas vezes são sólidas como razões e, portanto, normativas para pessoas razoáveis por elas abordadas. Esse duplo caráter do direito positivo é pressuposto pelo conhecido bordão "As leis injustas não são leis". A primeira questão que Tomás de Aquino aborda sobre a lei humana em sua discussão sobre a lei, Suma de Teologia, I-II, q 95, a.1, é se a lei humana é benéfica – não podemos fazer melhor com exortações e advertências, ou com juízes nomeados simplesmente para "fazer justiça", ou com líderes sábios governando como acharem conveniente? E, os textos contemporâneos clássicos e líderes da teoria do direito natural tratam a lei como moralmente problemática, compreendendo como um instrumento normalmente indispensável de grande bem, mas que facilmente se torna um instrumento de grande mal, a menos que seus autores firmemente e vigilante o tornem bom reconhecendo e cumprindo seus deveres morais para fazê-lo, tanto no estabelecimento do conteúdo de suas regras e princípios e nos procedimentos e instituições por meio dos quais eles fazem e administram. Todas as teorias da lei natural compreendem a lei como um remédio contra os grandes males de, por um lado, a anarquia (anarquia) e, por outro lado, a tirania. E uma das formas características da tirania é a cooptação da lei como uma máscara para decisões fundamentalmente sem lei encobertas nas formas de lei e legalidade
A paradoxal convivência do
jusnaturalismo num cenário progressivamente mais individualista e tecnocrático da pós-modernidade. Enfim, o
jusnaturalismo se viu revigorado a partir da segunda metade do século XX,
depois da Segunda Guerra Mundial, diante da peremptória necessidade de
reincorporar os valores antes esquecidos, mas que se mostraram imprescindíveis
para a proteção da dignidade humana[2] diante das arbitrariedades
perpetradas por regimes totalitários.
Quanto à racionalidade que se
fulcrava o direito natural, desde o fim da Idade Média, ligou-se a necessidade
de invocar a justiça nas suas mais variadas dimensões, com base nos sistemas
jurídicos que nasceram no pós-guerra.
Até diante do enfático texto
da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948 onde portentosos aspectos
metafísicos surgiram para a aceitação de elementos derivados da razão que apelavam ao senso comum de justiça humana
e tais componentes se disseminaram em sucessivas declarações de direitos
produzidas por organismos internacionais, destacando-se os pactos de direitos
políticos, civis e, principalmente, os ligados ao desenvolvimento econômico e
social.
A ideia original de que o
homem é portador de direitos universais serviu como belo elemento retórico
poderoso para a inserção do vasto catálogo de direitos fundamentais nas mais
diversas cartas constitucionais dos países centrais, especialmente, os
periféricos.
Questiona-se se ainda é pertinente
cogitar em jusnaturalismo em sociedades impregnadas de avassalador
individualismo, estimulado por novas formas de arranjos econômicos, bem como
diante de textos legais cada vez mais restritos diante da condição humana, e ainda
em face do utilitarismo e às condições econômicas que ditam a reserva do
possível.
O debate situa-se precisamente
entre a frieza a tecnocracia exacerbada,
e ainda de um antropocentrismo holístico que enxerga o direito como ferramenta
de regulação social.
A dimensão inarredável dos
modernos sistemas jurídicos, corrobora ainda para a convivência do direito
natural nos ordenamentos jurídicos existentes no século XXI, sendo pauta
indispensável quando se fala da interpretação e aplicação desse mesmo direito.
Ou seja, é imprescindível o
uso da retórica do direito natural, se quisermos praticar a justiça social[3].
Além da evolução histórica do
jusnaturalismo, o ensaio projeta a manutenção do uso da concepção racional da condição
humana como elemento de modelagem da aplicação do direito a cada caso concreto,
especialmente aqueles mais difíceis, onde se estabelece o embate entre
princípios constitucionais díspares.
Através da evolução histórica
do direito natural e suas sucessivas migrações em seu sentido, nas concepções
de mundo, em particular na Europa. E, depois com a ascensão e decadência do
positivismo, com ênfase no normativismo, construindo o cenário ao renascimento
do jusnaturalismo, nos anos de 1940.
Enfim, buscamos a confirmação
da hipótese, asseverando que o século nascente prenuncia o fim da dicotomia
entre o direito positivo e o direito natural, a partir da centralidade da
pessoa humana, elevada à condição de valor universal e potencialmente
direcionado à tolerância e articulação com as realidades locais, atuando tanto
na feitura das normas mas, especialmente, no processo de interpretação e de
aplicação das normas jurídicas.
O direito natural tem seu
histórico intimamente ligado ao do desenvolvimento da filosofia do direito,
razão pela qual as suas bases teóricas são sistematicamente chamadas para explicar
a compreensão do pensamento jurídico acerca do tema em análise.
O jusnaturalismo busca
demonstrar a existência de uma ordem jurídica imutável, superior, anterior ao
próprio homem, acima de todas as prescrições criadas pela cultura humana e que
dá fundamento ao direito.
Apesar da proximidade, direito
natural e jusnaturalismo são coisas distintas. O jusnaturalismo é a teoria que explica
e fundamenta a existência do direito natural. Porém, a evolução de ambos ocorre
conjuntamente, razão pela qual se optou por tratá-los como sinônimos.
Em grande medida, a história
da filosofia do direito é idêntica à história do direito natural.
A partir de algo indisponível,
isto é, a natureza (e um dos maiores problemas é o de saber qual tipo de
natureza que deverá estar em causa), critérios e normas para o comportamento
humano, que se revelam resistentes perante o arbítrio humano.
Esta é uma pergunta tão actual
hoje como há dois mil anos, no tempo das tecnologias nuclear e genética.
O pensamento jusnaturalista
está baseado no verdadeiro, justo e obrigatório, onde a justiça se apresenta
como imperativo máximo, ou melhor, no valor a ser perseguido, e que conduz à
verdade.
O direito natural é o conjunto
mínimo de valores, extraídos pela natureza humana inerente a cada homem, bem
como pela vontade de Deus e pela força da natureza.
O direito natural precede o
ser humano, porém, precisa ser descoberto, revelado e esse tarefa é possível
por meio do uso da razão, uma concepção grega constituída como um dos traços
distintivos da raça humana.
A razão é o pensar segundo
princípios e valores universais, sendo também a aptidão do homem de acumular
conhecimento e transmiti-lo através da linguagem, “representa, também, a
percepção do outro, do próximo, em sua humanidade e direitos. Idealmente, a
razão é o caminho da justiça, o domínio da inteligência sobre os instintos,
interesses e paixões”.
A escola do direito natural,
ou a teoria do jusnaturalismo, é uma corrente jusfilosófica que sustenta a existência
de leis objetivas que espelham uma ordem preestabelecida e na possibilidade de
seu descobrimento por meio da razão.
Assim, a validade do
ordenamento jurídico (ou o seu reconhecimento como um poder, pelos membros da
comunidade) é obtida por meio de sua identificação com essa ordem superior
objetiva.
É notável a carga axiológica
que reside no direito natural, sendo intrínseco ao jusnaturalismo a existência
de valores, deles sendo indissociável, sob pena de descaracterizar a sua
formação. E, tais valores viabiliza suas ideias, sempre voltadas para
consecução do justo.
Na era arcaica pré-científica
(antes do século VII a. C), não havia nenhuma base científica, tudo era
explicado através dos mitos.
O homem explicava os
acontecimentos a partir das suas observações sem nenhuma metodologia,
prevalecendo o sobrenatural, a fatalidade, as forças místicas. Nesta seara, o direito
apenas existia nas sagas e nos contos, aceito sem maiores questionamentos.
Vislumbramos o jusnaturalismo
clássico na peça teatral do pensador grego Sófocles – Antígona[4] - é um marco referencial
citado por muitos autores. Nesta, Antígona desafia Creonte, contrariando suas
ordens, sob o pretexto de que as leis ditadas pelos homens não possuem aptidão
de revogar as leis naturais , aquelas já promulgadas nas eras imemoriais pelos
porta-vozes dos deuses.
É possível perceber a
superação do mítico para o racional, a ordem tradicional passou a sofrer
críticas, deixando de lado o pensamento cdirosmológico (explicação através de
deuses, fenômenos da natureza, etc.) para consolidar uma visão antropológica;
na Grécia Antiga teve início com os sofistas.
O que se buscava com isso era,
na verdade, incutir no homem a ideia de moral, o domínio das paixões, levando
ao domínio sobre si mesmo, constituindo a verdadeira liberdade.
Na Roma Antiga sempre houve o
divórcio da moral e do direito com base com o que fora desenvolvido pela
filosofia grega. Apesar da longevidade do Império Romano, seus homens
ocupavam-se mais do direito e da política, permitindo, nesse ponto, a
influência do pensamento externo, no entanto, aperfeiçoado com a prática no uso
em questões concretas. Frise-se que o sistema jurídico da Antiguidade Clássica
mais elaborado foi o romano trazendo sua influência até os presentes dias.
Já a Idade Média traz consigo
a construção do jusnaturalismo de raiz teológica, haja vista a grande
influência religiosa nesta quadra histórica. Não sem razão, viviam-se tempos em
que a religião – cristianismo[5] – ditava todas as regras
de conduta, e por consequência definia a moral, estabelecendo os limites para o
entendimento do que seria o Direito.
O pensamento, via de regra,
era voltado para o aspecto divino, relacionando-o com todos os fatos e
justificando os acontecimentos, quase um retorno aos mitos da era arcaica, onde,
inclusive, os questionamentos não poderiam ser expressos com plena liberdade
para não contrariar os dogmas impostos.
Contudo, a lei natural não foi
refutada, mas recepcionada e analisada sob a concepção de ter sido uma lei
revelada no seio da Cristandade.
São Tomás de Aquino buscava
conciliar o dogma da fé inserido no Novo Testamento e a Lei Natural a partir
das premissas dessa última; ele entendia que o direito natural é uma parte do
intelecto humano dado pelo Criador, logo, as verdades reveladas são acessíveis
à simples razão.
Assim, as ordens divinas
existentes na Bíblia são compatíveis com o entendimento da razão humana, pois
ambos, no final, possuem a mesma origem divina.
O legislador da lei natural e
o legislador da lei revelada são o mesmo. O Deus cristão legisla tipos de leis
com matrizes diferentes.
O fato de Deus, como único
legislador, estar isento de contradição, ao promulgar a lei criada e a lei
revelada, não esclarece se iria se contradizer caso viesse a legislar duas ou
mais leis reveladas.
Segundo uma doutrina, Deus fez
as leis naturais com o mundo que criou e, desde então, respeita que esse
funcione de acordo com aquelas, quer dizer, o legislador divino não altera a
ordem natural dada pela constituição originária do cosmo.
Ao homem cabe ater-se ao ius naturale
e, como guardião fiel, rejeitar qualquer violação daquelas leis como ofensivas
ao Criador.
O tomismo foi muito influente
no sistema filosófico e teológico da época medieval, e notabilizou-se por fixar
os limites entre a fé e a razão, estabelecendo ser a lei um ato originário da
razão, e não da vontade, classificando-se em quatro espécies, a saber: a lei
eterna, a lei natural, lei positiva humana e a lei positiva humana[6].
A decadência de Idade Média
trouxe novos pensamentos, principalmente dissociados do aspecto teológico e dos
dogmas então estabelecidos, a nova cultura laica deixa de lado o caráter divino
para dar lugar à razão humana.
O renascimento[7] e depois o iluminismo trouxeram
a ciência como base para o novo modo de pensar, e o homem para o centro das ideias.
A nova ordem implantada pelo
renascimento cultural e o iluminismo é caracterizada por uma ciência ampliada e
aprofundada, onde a razão estava presente não só no aspecto teórico das
concepções ora desenvolvidas, mas também na sua atuação prática.
Tornou-se imprescindível que
houvesse um método, até para atribuir caráter científico ao que estava sendo desenvolvido,
com o intuito de comprovar a veracidade de argumentos apresentados que não
estavam mais associados ao aspecto divino e seus dogmas. E, assim, vivencia-se
uma ruptura na história.
O jusnaturalismo moderno rompe
não só com o medieval, mas também com o clássico quando deixa de lado os
fundamentos ontológicos e teológicos para adotar um racionalismo subjetivista e
abstrato, as normas não emanam mais de Deus, mas da natureza e esse
entendimento é percebido pelo próprio homem através do uso de sua razão.
As especulações são deixadas
de lado, o conhecimento – ciência e filosofia – não é buscado pela simples
curiosidade e desejo de aprender, mas pela vontade de dominar, não basta apenas
sentir.
O direito natural moderno está
completamente sujeito ao encanto do conceito científico racionalista, ela é
também a sua fonte. A ratio – a ratio humanae – dá ao homem a lei
natural.
Não há nenhum logos, nem
ideias em si mesmas existentes, nem Lex aeterna, não há verdade
preestabelecida como na escolástica (em todo caso, ela serve de ponto de
partida para argumentação), o homem conta apenas e só com sua capacidade de conhecimento.
Autoridade e tradição já não
determinam o que seja o direito correcto; só deve vigorar aquilo que faça
racionalmente sentido, que seja razoável (direito racionalista). A filosofia do
direito libertava-se da teologia, o direito natural era secularizado.
Mudança de paradigma começou
com o Renascimento, séculos XVI e XVII, tendo seu apogeu com o Iluminismo,
século XVIII, representando o ideal de que a humanidade sairia de uma era de
escuridão para outra de luzes, através do uso da razão.
Com o advento do Iluminismo[8], e sua busca pela razão,
conhecimento e liberdade, os entraves ao pensamento e produção intelectual
foram superados, deixando para trás o autoritarismo e a superstição vividas na
Idade Média, consagrando o novo modelo de vida baseada no homem como centro das
coisas, desenvolvimento da ciência, tolerância religiosa, dentre outras expressões
da liberdade.
A influência do jusnaturalismo
no Iluminismo propunha uma sociedade construída a partir de bases naturais e
racionais, sem diferenças entre os homens, onde estes poderiam construir sua
felicidade, o que serviu de substrato para a formação das primeiras legislações
codificadas.
Esse também foi o contexto
histórico da Revolução Francesa[9] , que consagrou os direitos
individuais do homem, a partir da abstenção do Estado em intervir na sua esfera
privada.
A burguesia emergente
precisava sacramentar a igualdade entre todos os homens, pouco importa sua
origem, e deveria constar de um documento escrito, positivado.
Também já era chegado o tempo
da maturidade para se transformar o direito natural do iluminismo em
codificação. O sistema global delineado por Christian Wolff[10] (a ideia de um sistema
fechado de todo o conhecimento é característica do racionalismo) aplanou o
caminho para os códigos jusnaturalistas dos séculos XVIII e XIX.
Essas codificações não representavam o ápice
do direito natural na modernidade, ao, em tese, compilar seus ideais; na verdade,
o que pareceu uma evolução representou o fim.
Não houve uma busca racional e
empírica, levando em consideração as circunstâncias do contexto histórico
vivido naquele momento, o que garantiria validade universal para o que estava
sendo produzido.
Os grandes códigos foram concebidos
adotando procedimentos de acordo com a escolástica, extraindo as normas a
partir de alguns poucos princípios.
Em verdade, deu-se uma
projeção do que seria o Direito, a perspectiva da racionalidade dentro do
contexto iluminista, mas que cedeu lugar ao procedimento de outrora, de certa
forma, idealizando o que se entenderia por justiça. Destaque-se também a
formação dos Estados Modernos.
Para tanto, tornava-se necessário
um fundamento que justificasse a sua concepção como algo anterior ao ordenamento
jurídico, antecedendo ao que já existe e de onde emanaria toda a estrutura estatal.
Eis quei há diversas teses
para explicar o surgimento dessa nova forma de organização política soberana:
Grotius[11], Hobbes[12], Rousseau[13], etc., porém, não cabe
traçá-las e discuti-las, haja vista o propósito estabelecido não coincidir com
essa temática, mas importa deixar registrado esse aspecto do direito natural na
modernidade, bem como a sua importância da formação e justificação da atual
forma de organização estatal.
É a partir desses eventos que
a racionalização do Direito ganhou mais força tomando por base a filosofia do iluminismo,
por sua estrutura objetiva, formal, tecnicista, que depende de definições claras,
objetivas, coercitivas e universais, para proclamar suas “verdades eternas”.
Como pensamento filosófico, o
iluminismo buscou, no “apriorismo” do Direito, a fundamentação de que devem
existir normas jurídicas absolutas e universalmente válidas, obrigatórias e
imutáveis.
Foi desse modo, com efeito,
que na doutrina do iluminismo o conceito[14] de mundo jurídico se
dissociou do mundo dos fatos, passando a caracterizar o espírito científico
dessa época”.
O direito natural, antecedente
a toda humanidade e sua criação cultural, atribui a todo ser humano,
independentemente dos elementos exteriores à sua essência, o rol mínimo de direitos
em virtude da simples constatação de ser um membro da raça humana[15].
Portanto, essas faculdades
garantidas pela própria natureza são de tamanha grandeza que não podem sequer serem
violadas pelo Estado, inclusive no eventual exercício de uma atividade
indispensável, ao contrário, existe um espaço onde cada indivíduo poderá
exercer suas liberdades sem que haja qualquer interferência na sua busca pela
felicidade[16].
A crença de que o homem possui
direitos naturais, vale dizer, um espaço de integridade e de liberdade a ser
preservado e respeitado pelo próprio Estado, foi o combustível das revoluções
liberais e fundamento das doutrinas políticas de cunho individualista que
enfrentaram a monarquia absoluta.
É nesse contexto que é
idealizada a Revolução Francesa, juntamente com a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789), a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776),
e com menos destaque, por ser bem anterior, a Revolução Gloriosa (1689),
fazendo surgir o Estado Liberal, bem como o constitucionalismo moderno.
O jusnaturalismo, a partir da compreensão
proclamada pelo Iluminismo, foi o responsável pelo movimento de codificação do
direito iniciado no século XIX, destacando-se o Código Civil francês, ou Código
de Napoleão[17].
Isto só foi possível diante da
postura assumida por essa nova filosofia racional, concreta e centrada, que
além de trazer a tolerância religiosa com a ruptura com conhecimento a partir
das bases teológicas, permitiu também a impor limites ao poder do Estado.
O propósito do jusnaturalismo,
com apoio do Iluminismo, ao compilar os textos era dar clareza, unidade e
simplificar ao entendimento dos novos parâmetros após a ascensão da burguesia e
o surgimento do Estado Liberal, bem como o novo entendimento racional dado ao Direito
Natural.
Foi o advento do Estado Liberal,
a consolidação de ideais constitucionais em textos escritos e o êxito da
codificação simbolizaram a vitória do direito natural e o seu apogeu. E,
paradoxalmente, representaram, também a sua superação histórica.
No início do século XIX, os
direitos naturais, cultivados e desenvolvidos ao longo de mais de dois
milênios, haviam se incorporado de forma generalizada aos ordenamentos
jurídicos.
Já não traziam a revolução,
mas a conservação. Considerado metafísico e anticientífico, o direito natural é
empurrado para a margem da história pela onipotência positivista do século XIX.
O cientificismo e a razão
levados ao extremo, tratando toda espécie de conhecimento humano com a menor
carga de subjetivismo possível, trouxe essa nova forma de concepção do Direito,
fazendo surgir o positivismo.
A vontade e a ação humana são
absolutamente afastadas, porque se buscava abordar todos os conhecimentos como
uma ciência exata, sem variáveis e interferências humanas.
O Direito Natural esteve
preocupado em trazer um direito tão racional e científico que acabou por
modificar suas próprias bases, dando lugar a uma nova forma de pensamento.
“Para muitos autores, o Direito Positivo tem seu fundamento no Direito Natural[18].
Os que defendem essa postura
amparam-se na convicção de que o direito Natural oferece os pressupostos
filosóficos da construção ontológica do Direito Positivo”[19].
A busca de objetividade
científica, com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófica,
apartou o Direito da moral e dos valores transcendentes.
Direito é norma, ato emanado
do Estado com caráter imperativo e força coativa. A ciência do Direito, como
todas as demais, deve fundar-se em juízos de fato, que visam ao conhecimento da
realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição
diante da realidade. Não é no âmbito do Direito que se deve travar a discussão
acerca de questões como legitimidade e justiça.
A ciência do direito vivia um
momento em que as observações sociais não ocupavam um lugar de destaque nas
suas avaliações e construção, deixou-se de lado os métodos das ciências sociais
para aplicar os das ciências exatas, mesmo se tratando de esferas do conhecimento
distintas, apesar de não estanques, porém, com referenciais que não permitiam a
absoluta identidade da metodologia do estudo.
Afastamento da dimensão axiológica das leis[20], o direito se distanciou
dos valores, bem como da moral, passando a ser estritamente objetivo.
Acreditava-se que a transformação do direito em ciência passaria
necessariamente por isolar qualquer tipo de elemento que precisasse da análise
subjetiva na composição das leis. A norma passou a ser quase uma fórmula
matemática.
Essa ruptura ocorreu num
contexto histórico de mudança no modo em que os Estados eram governados.
Primeiramente, existia um soberano que, dentre outras atribuições, criava as
leis e por ser detentor da “vontade do Estado” essas normas eram
incontestáveis.
A lei era válida apenas por
ter origem na figura do possuidor absoluto do poder. Depois esse poder foi
limitado, passando a existir a distinção entre a lei em sentido formal e
material, o seu conteúdo e a forma, todavia, a validade da lei era aferida
apenas pelo seu aspecto formal, não pelo conteúdo.
A lei passa a ter seu
nascedouro no Estado e não através de uma atividade dirigida pelo soberano, mas
por alguém legitimado pelo povo, face a nova compreensão estatal – onde os
homens transferem para os governantes essa função, validando, por consequência,
a produção legislativa por expressar a vontade do povo.
Desta feita, a lei válida é aquele que percorre
os trâmites para sua elaboração, estabelecidos pelos representantes do povo,
sem perquirir acerca do seu conteúdo, diante do excessivo formalismo e busca
pela cientificidade, sem esquecer o afastamento dos valores. Vale mais a forma
do que a essência[21].
O positivismo jurídico[22] foi o pensamento
filosófico que dominou o início do século XX. Buscando a cientificidade,
trouxe, na verdade, dogmas para o direito, haja vista as leis serem válidas tão
somente por obedecerem ao processo legislativo correto, sem nenhuma avaliação
criteriosa quanto ao aspecto material do conteúdo que era veiculado.
“O homem chegara à sua
maioridade racional e tudo passara a ser ciência: o único conhecimento válido,
a única moral, até mesmo a única religião. O universo conforme divulgado por Galileu,
teria uma linguagem matemática, integrando-se a um sistema de leis a serem
descobertas, e os métodos válidos nas ciências da natureza deveriam ser
estendidos as ciências sociais”.
Nos termos expostos acima,
isso aconteceu em razão da busca incessante pela razão, no sentido de obter
exatamente as respostas do mundo através da ciência.
O homem não aceitava mais
explicações baseadas em metafísica ou na teologia, era imprescindível uma base concreta
e lógica.
Todavia, para muitos , essa
nova perspectiva de visualizar o Direito findou permitindo a utilização do
próprio ordenamento jurídico para avalizar a prática de diversos crimes contra
a humanidade.
O positivismo[23] pretendeu ser uma teoria
do Direito, na qual o estudioso assumisse uma atitude cognoscitiva (de
conhecimento), fundada em juízos de fato. Mas, resultou sendo uma ideologia,
movida por juízos de valor, por ter se tornando não apenas um modo de entender
o Direito, como também de querer o Direito.
Ultrapassado o contexto
histórico da II Guerra Mundial e perante a necessidade imperiosa de mudança nos
paradigmas da formação do Direito, o jusnaturalismo ressurgiu como o resgate
dos valores essenciais do ser humano.
Achava-se que sob sua tutela não seria mais
possível acontecer novamente todas as barbáries incontáveis experimentadas amargamente
pelos homens daquele momento histórico, acreditando na cooperação do positivismo
para o deslinde indesejado.
E essa nova ideia, surgiu o
movimento do neoconstitucionalismo numa tentativa de reaproximação entre a
ética e o Direito, onde os principais valores compartilhados pela comunidade
são veiculados através dos princípios, seja implícita ou explicitamente citados
nos ordenamentos jurídicos.
“Os princípios, como se
percebe, vêm de longe e desempenham papéis variados. O que há de singular na
dogmática jurídica da quadra histórica atual é o reconhecimento de sua
normatividade.”
Além da superação do legalismo
estrito experimentado no positivismo, a outra grande mudança ocorrida é a
migração da Constituição para o centro do ordenamento jurídico não apenas
formalmente; essa novidade traz consigo a pessoa humana como referencial, valor
supremo e fim em si mesmo, o Estado possui a ter obrigação de protegê-la e promovê-la.
O novo direito positivado é
compreendido sempre através dos valores que agora fazem parte do seu contexto
normativo, seja no próprio texto de lei, seja por intermédio da interpretação
conforme os princípios fundadores do ordenamento jurídico, onde é exigida estrita
obediência aos seus preceitos. Importante destacar que esses valores são
reconhecidos por todos, são fundamentais para todo sistema jurídico.
Todo o edifício jurídico, na
modernidade, em relação àqueles países que se dizem civilizados, adotam como
eixo dogmático o primado da dignidade da pessoa humana.
É um valor representativo e
diretivo dos sistemas normativos, elevado à condição de universalmente aceito.
Por ele, são canalizadas as mais diversas demandas sociais, que se relativizam
quando tratamos de temas locais, de demandas específicas, de casos concretos.
Isso porque ele é uma resultante de um feixe de temas que intercruzam.
A dignidade da pessoa humana,
como valor universal, apresenta as três características da universalidade
apontadas por Joseph Raz[24]: as condições de sua
aplicação podem ser postuladas sem o uso a referências particulares, tais como
tempo ou espaço, ligadas a algum indivíduo em especial; pode ser invocado em qualquer
lugar e tempo e, por fim, é possível que cada indivíduo possa manifestá-lo em
sua inteireza.
Superando a dicotomia anterior, o jusnaturalismo[25] é chamado para impor limites com a reinserção do elemento valorativo nos textos legais, juntamente com uma nova forma de interpretar o ordenamento baseado em princípios (mandamentos de forte carga axiológica), mesmo quando eles não possuam previsão expressa nos textos legais. “A tarefa que nos é dada é a limitação da arbitrariedade na legislação e na aplicação da lei”.
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Direitos Fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado. 2001.
SCHIAVON, Giovanne Henrique
Bressan. O jusnaturalismo clássico. Scientia Iuris, v. 5, 2001, p.
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SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade
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[S.I]: eBooks Brasil, 2005. Tradução: J. B. de Mello e Souza. Disponível
em : < http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/antigone.pdf>. Acesso em: 25.3.2024.
Notas:
[1]
As duas obras principais de Kant (Crítica da Razão Teórica e Crítica da Razão
Prática) revelaram-se sempre contraditórias, ao menos quanto a seus resultados.
A primeira concluiu pela impossibilidade do conhecimento da essência das coisas
e a segunda iniciou-se exatamente pela aceitação do conhecimento essencial dos
principais objetos do conhecimento humano (a existência de Deus, a liberdade e
a imortalidade da alma) como exigências, como postulados, como ato de fé,
indispensáveis à Moral, ao Direito e à Religião. Desta dualidade resultaram,
após sua morte, as duas escolas também
contraditórias, embora ambas kantianas e a ele fiéis – a Escola de Baden
e a de Marburg –, cada uma delas aprisionada a uma de suas grandes Críticas.
[2]
Se Schopenhauer estiver certo sobre a motivação principal e fundamental do
homem (o egoísmo), muitas outras questões envolvendo ofensas ao princípio da
dignidade da pessoa humana ainda serão trazidas ao Poder Judiciário. Em todos
os casos, caberá ao julgador, na dignidade do exercício de sua função, buscar a
defesa e a concretização do princípio constitucional que exige o respeito à
dignidade inerente a todo ser humano.
[3]
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define justiça social como o meio
pelo qual todo trabalhador ou trabalhadora pode reivindicar livremente e com
base na igualdade de oportunidades sua justa parte da riqueza que ajudou a
gerar. Uma sociedade será justa se respeitar três princípios: Garantia das
liberdades fundamentais para todos. Igualdade equitativa de oportunidades.
Manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos. A
justiça social se manifesta através de políticas públicas voltadas para a
diminuição das desigualdades, como investimentos em educação, saúde e programas
de transferência de renda. Desse modo, ela promove uma coexistência pacífica e
próspera entre os indivíduos e grupos de uma sociedade.
[4]
Antígona foi a única filha que não abandonou o seu pai, Édipo – amaldiçoado que
fora por Zeus, e cego -, quando foi expulso de Tebas, acompanhando-o em seu
exílio até a sua morte, como uma filha apaixonada e devotada. A tragédia conta
o incondicional, absoluto e mortal! "A peça teatral grega Antígona é a
continuação dramática de Édipo Rei de Sófocles. Depois da tragédia ocorrida na
primeira peça, a desgraça parece ter sido o legado deixado por Édipo aos seus
quatro filhos (Etéocles, Polinice, Antígona e Ismênia). Com sua partida para o
exílio, os filhos lutaram pelo poder e chegaram a um acordo de revezamento no
comando a cada ano. No entanto, Etéocles, que foi o primeiro a governar, ao fim
do mandato, não quis ceder o lugar do poder ao irmão Polinice, que revoltado
foi para a cidade vizinha e rival da grande Tebas."
"Entretanto, Antígona, irmã dos herdeiros e protagonista da peça, entendeu que esse procedimento do Tio Creonte, agora rei, era arbitrário, não respeitando as leis naturais mais antigas ou divinas que estabeleciam que todo homem devia ter o seu devido sepultamento. Era crença antiga que os rituais de passagem eram importantes para que a alma não ficasse vagando eternamente sem destino. Com essa preocupação, Antígona preferiu correr o risco da morte para enterrar seu irmão despojado."
[5]
O cristianismo é uma doutrina religiosa surgida na Antiguidade, durante o
Império Romano (I a.C. – V), de caráter monoteísta, ou seja, que professa sua
fé em apenas um Deus. Ao longo dos séculos, o cristianismo passou por diversas
transformações, dando origem a várias religiões que existem ainda hoje. Em
termos técnicos, o cristianismo é uma religião monoteísta que há cerca de dois
mil anos se derivou do judaísmo na região do Oriente Médio. Sua figura central
é a de Jesus, que se acredita ser o Filho de Deus, a encarnação humana da
própria Divindade.
[6]
Elementos constitutivos da lei , segundo Santo Tomás. Encontramos, pois quatro
elementos: 1) ordenação da razão – causa material; 2) Promulgação – causa
formal ; 3) Causa eficiente – representante da comunidade; 4) Bem comum – causa
final. Segundo o Doutor Angélico o efeito geral da lei é produzir a bondade
moral nos súditos. Mas esta bondade está condicionada a espécie de lei: Assim
que a lei eterna, a lei natural e a lei divino – positiva tem como finalidade
tornar o homem absolutamente bom. Já quando adentramos no terreno da lei
humana, esta só atinge os atos externos, produzindo uma bondade relativa.
A Lei eterna, esclarece
Santo Tomás se constitui na “ razão ou plano da divina sabedoria, enquanto
dirige todos os atos e movimentos das criaturas” ( I-II. Q. 93, a 1). Trata-se
do plano de Deus, para o governo de suas criaturas. É uma consequência da
divina providência. A Lei natural vem a ser a “ participatio legis aeternae
in rationali creatura” (I-II, q.91, 2), ou seja, participação da lei eterna
na criatura racional. Lei eterna e lei natural formam uma só e mesma lei
enquanto a raiz. Porém, devemos reconhecer a existência das duas leis. A lei
eterna, por ser a própria razão divina, abarca todo o universo criado,
incluindo a vida humana, tanto na ordem natural como sobrenatural. A lei
natural refere-se exclusivamente a atividade humana moral, em sua esfera moral,
sendo conhecida pelo homem progressivamente. Ao ser uma “participação” da lei
eterna será consequentemente finita e temporal, como o homem que a recebe. Como
vimos, a lei natural é uma participação da ei eterna na criatura racional. No
entanto, essa participação se limita a alguns princípios comuns, gerais, não
chegando até a atividade humana específica, múltipla e variável. Da necessidade
do homem de determinar normas particulares, a partir desses primeiros
princípios, se chega à lei humana.
[7]
O século XVI marcou o fim da teoria dos direitos naturais de Gerson, a qual foi
combatida não apenas por intelectuais reformadores, mesmo na França, mas principalmente
por Lutero, pelos Calvinistas e pela Igreja Católica. Calvinistas e católicos
apresentavam visões do mundo relativamente próximas, embora a abordagem
calvinista fosse mais humanista. Para os juristas humanistas, a abordagem dos
direitos naturais tornou-se muito difícil na medida em que buscavam uma lei
humanista que recorresse a soluções civis.
[8]
O Iluminismo foi um movimento intelectual que surgiu na Europa no século XVIII,
marcado por valorizar a razão e tecer críticas ao absolutismo e ao mercantilismo.
O Iluminismo foi um movimento político-intelectual que surgiu na Europa no
século XVIII e fez com que ele ficasse conhecido como “século das luzes”. O
Iluminismo era baseado em três pilares, que são: razão, liberdade e o avanço da
sociedade em relação ao pensamento racional e à ciência. As características que
você verá a seguir mostram que essas três ideias centrais nortearam o
movimento.
[9]
Os direitos fundamentais foram utilizados pelos revolucionários de 1789 contra
todo o sistema político e social porque o antigo regime era considerado fonte
de injustiça e desordens. A Revolução Francesa teve o objetivo de legitimar a
classe política forte e representar o povo para romper com o antigo regime. O
conceito e o vocabulário do nacionalismo, desenvolvido com educação universal,
e o recrutamento de cidadãos de todas as classes para o exército foram mais
umas das influências da Revolução Francesa.
[10]
Christian Wolff foi um filósofo alemão. Depois de receber um título
nobiliárquico passou a chamar-se Christian Freiherr von Wolff. Trabalhou na
Universidade de Halle. Christian Wolff foi o mais importante filósofo alemão
entre Leibniz e Kant. Popularizou o deísmo, Leibniz e Confúcio. Christian Wolff (1679-1754) foi uma figura
fundamental não só na cultura alemã do século XVIII como também no
desenvolvimento histórico da psicologia. No entanto, sua obra permanece
desconhecida por grande parte dos psicólogos contemporâneos. O objetivo do
presente artigo é mostrar a importância de Wolff na constituição histórica da
psicologia. Inicialmente, será feita uma breve contextualização
histórico-cultural do Iluminismo alemão.
[11]
Este holandês foi muito influenciado pelo humanismo, pelo calvinismo e pelo
protestantismo; embora tenha começado a desprender-se dessas influências com
pouco mais de vinte anos, apenas abandonou as duas últimas no final da sua
vida. A sua deserção do protestantismo alterou a cultura protestante e tornou
possíveis as teorias políticas dos séculos XVII e XVIII. A discussão dos
problemas criados pelos conflitos coloniais permitiu-lhe incursões nas áreas da
lei natural e das relações políticas; produziu uma teoria de justiça assente na
premissa básica que o que Deus mostrou ser a sua vontade, é a sua lei, sendo a
vontade de Deus expressa em termos da sociabilidade inata dos homens,
relativamente aos quais as leis naturais deveriam, também, relacionar-se. A
transformação da sociabilidade do homem em única premissa de facto da sua
explicação constitui o primeiro sinal de uma possível teoria ateísta.
[12]
O direito natural seria utilizado nas lacunas do direito positivo. Para
ilustrar tal afirmação, leia-se a opinião de Hobbes: "Uma vez que é
impossível promulgar leis gerais com as quais se possa prever todas as
controvérsias a surgir, e são infinitas, evidencia-se que, em todo o caso não
contemplado pelas leis escritas, se deve seguir a lei da equidade natural, que
ordena atribuir a pessoas iguais coisas iguais..."
[13]
Autores pioneiros do contratualismo. Hobbes, Locke e Rousseau por si só tem uma
relevância muita grande para a Ciência Política, contudo, quando pensados em
conjunto essa importância se torna inigualável. Sendo os precursores da teoria
contratualista Hobbes, Locke e Rousseau. Este último, considerado o maior
pensador do século XVIII, e tido por Kant como o “Newton da Moral,” é autor do
renomado Contrato Social, e John Locke e Hobbes, ambos pensadores do século
XVII, Locke contribuinte da teoria do estado de natureza, vê este como um
estado de paz instável (Locke, 1983), já em relação a Hobbes, segundo Noberto
Bobbio, é a partir dele que a teoria dos direitos naturais, passa a ser
responsável pela doutrina jurídica que funda os direitos humanos, ou seja, o
jusnaturalismo moderno, superando a tradição dos direitos naturais antigos e
medievais (BOBBIO, 1986).
[14]
O conceito de direito cunhado por Gustav Radbruch, como “uma realidade cujo
sentido é o de estar a serviço de valores”, somente encontra esse desiderato se
servir ao valor jurídica, a ideia de direito, e esta, não pode ser outra senão
a justiça (2010, p. 47). Apesar dessa diretiva, interessante ainda notarmos a
observação de Luis Recásens Siches, a situar os princípios do jusnaturalismo
como elementos de indispensável consideração na fase de produção das normas,
isto é, as normas positivas derivariam da inspiração valorativa que adviria do
direito natural (1997, p. 43). Entretanto, a práxis jurídica está a sinalizar
demanda diversa, impondo a observância a valores universalmente reconhecidos, a
partir da construção dos direitos humanos com uma base racional compartilhada
pelo gênero humano. Desde que não exista questionamentos sobre a absoluta
validade dos princípios considerados absolutos pelo jusnaturalismo, ele poderá
ser considerado como elemento argumentativo na fase de interpretação e aplicação
do direito positivo.
[15]
Liberdade, justiça e solidariedade são valores que estão vinculados,
indissociavelmente, à dignidade humana, porque constituem condições para a sua
efetivação. No plano jurídico, como em tudo mais, “o homem é a medida de todas
as coisas”. A finalidade última do direito é a realização dos valores do ser
humano. Pode-se, pois, dizer que o direito mais se aproxima de sua finalidade
quanto mais considere o homem, em todas as suas dimensões, realizando os
valores que lhe são mais caros.
[16] O ministro do STF Luiz Fux declarou que "O direito à busca pela felicidade , implícito no artigo 1º, III da CRFB/88, ao tempo que eleva o indivíduo a centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece sua capacidade de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha". "Em 'Ética a Nicômaco' a felicidade, para Aristóteles, é composta de tantos ingredientes que seria praticamente impossível a quem quer que seja, usando os parâmetros ali estabelecidos, sentir-se realmente feliz. De qualquer modo, a nossa Constituição Federal, primeiramente em seu preâmbulo e mais adiante no inciso IV do art. 3º, erige o bem-estar, o bem de todos, como valor supremo. Não só Aristóteles, outros já afirmavam - Jesus, Buda e Pitágoras (em seus versos de ouro) - o papel precípuo dos governantes concernentes a tornar o povo feliz. A felicidade não é sinônima de bem-estar. Mas, com certeza, este é importantíssimo ingrediente daquela."
[17]
O Código Civil estabeleceu a igualdade perante a lei, a garantiu do direito de
propriedade e ratificou a reforma agrária ocorrida na Revolução Francesa.
Também assegurou a separação entre a Igreja e o Estado e eliminava os
privilégios feudais. O novo código eliminou os privilégios dos nobres, garantiu
a todos os cidadãos masculinos a igualdade perante a lei, separou Igreja e
Estado, legalizou o divórcio, além de dividir o direito civil em duas
categorias: o da propriedade e o da família, e de codificar diversos ramos do
direito ainda organizados em documentos esparsos.
[18]
Mas este Direito Natural que Radbruch reconhece como indispensável à solução
das grandes questões do Direito não é caminho seguro se e enquanto pensado,
como em Kant, como meramente racional, se admitido apenas como um conjunto de
regras editadas pela razão. Radbruch precisaria sair de Kant, conflitar com seu
mestre, superar as antinomias de sua obra, para só então chegar às respostas
que tanto buscava. Precisaria, mas não fez. Certamente porque, como escreveu em
carta a seu amigo e colega Erik Wolf, quatro anos antes da morte, a viragem das
coisas tivesse chegado tarde demais para ele, só lhe permitindo fazer alguma
coisa dentro de limites muito estreitos...
[19]
O novo direito positivado é compreendido sempre através dos valores que agora
fazem parte do seu contexto normativo, seja no próprio texto de lei, seja por
intermédio da interpretação conforme os princípios fundadores do ordenamento
jurídico, onde é exigida estrita obediência aos seus preceitos. Importante
destacar que esses valores são reconhecidos por todos, são fundamentais para
todo sistema jurídico.
[20]
A dimensão de valor, segundo Reale, diz respeito aos valores éticos, morais e
sociais que orientam as normas jurídicas. Ela é responsável por definir o que é
justo, o que é bom e o que é importante para a sociedade. Assim, a dimensão de
valor está diretamente relacionada aos princípios fundamentais do direito, tais
como a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a liberdade, a solidariedade, a
justiça e a segurança jurídica. Essa dimensão é essencial para a compreensão do
direito, pois é a partir dos valores que são definidos os fins que o direito
deve perseguir. Por exemplo, o valor da dignidade da pessoa humana é um dos
princípios fundamentais do direito brasileiro e deve orientar a elaboração e
aplicação das normas jurídicas. Dessa forma, é possível afirmar que a dimensão
de valor é responsável por conferir sentido e legitimidade às normas jurídicas.
[21] A dimensão de valor do direito tridimensional
de Miguel Reale é essencial para a compreensão do papel do direito na
sociedade. Ela define os fins que o direito deve perseguir e orienta a
elaboração e aplicação das normas jurídicas. Por isso, é fundamental que os
operadores do direito compreendam essa dimensão e a levem em consideração em
suas decisões.
[22] O termo “positivismo jurídico” decorre da
preocupação de estudar, de maneira isolada, o direito posto por uma autoridade,
o ius positivum ou ius positum. Pesquisas históricas revelam que termos
relacionados com a positividade do direito foram utilizados na Europa a partir
da terceira década do século XII, para indicar o direito criado e (im)posto
pelos legisladores. O termo iustitia positiva se encontra na obra
Didascalicon de Hugo de Saint-Victor, escrita provavelmente em 1127. A mais
antiga referência ao termo ius positivum foi identificada em texto de Thierry
de Chartres, jurista e teólogo francês, conhecido como Theodoricus. O
positivismo jurídico no sentido amplo é uma teoria monista sobre o direito,
contrastando o dualismo jurídico que admite a existência de um direito natural
ao lado do direito criado por legisladores humanos.
[23] A ideia de um direito inato, de caráter universal, foi recusada pela Escola Histórica. O Positivismo Jurídico, por seu turno, negou a existência de um direito de personalidade de caráter geral, reconhecendo como direitos (subjetivos) apenas aqueles positivados pelo Estado.
[24]
Joseph Raz ( /rɑːz/; em
hebraico: יוסף רז; Mandato Britânico da
Palestina, 21 de março de 1939 – Hammersmith, 2 de maio de 2022) foi um
filósofo israelense especializado em filosofia moral, do direito e da política.
Ele foi um dos defensores mais proeminentes do positivismo jurídico, e é
conhecido por sua concepção do liberalismo perfeccionista. Raz, passou a maior
parte de sua carreira como professor de filosofia do direito na Universidade de
Oxford, associado com o Balliol College, e por último, foi professor da
Faculdade de Direito da Universidade Columbia e do King's College de Londres.