Entre Shakespeare e Machado de Assis

Foi Eugênio Gomes, um dos primeiros estudiosos e críticos a perceber Shakespeare na obra machadiana, por volta de meados do século XX, quando apontou frequentes alusões. E, ainda a crítica norte-americana Helen Caldwell indicou cerca de duzentos e vinte e cinco referência, apesar de não as listar. Em comum, os referidos escritores tinham uma visão negativa, pessimista com relação à sociedade e, tentados a adentrarem na essência da natureza humana com coragem e boa dose de ironia.

Fonte: Gisele Leite

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Foi comemorado o primeiro centenário da morte de Machado de Assis em 29 de setembro de 2008 e, merece das letras nacionais toda a consideração. Mais de cento e quatorze anos depois da morte do célebre Bruxo do Cosme Velho. Merece destacar que Machado de Assis foi cioso leitor de Shakespeare, particularmente, das obras Othelo, Hamlet e Macbeth, bem como de outras peças do autor inglês que direta ou indiretamente estão mencionadas em sua extensa obra.

Vejamos, por exemplo, a tragédia de Othello[1], o mouro de Veneza que muito impactou o Bruxo do Cosme Velho, a julgar pelas muitas referências a esta em toda sua obra.

O personagem principal de “Ressurreição” (1872), o seu primeiro romance, era rico, entediado e ciumento Félix, é, segundo o autor, um homem complexo, além de caprichoso e ilógico.

No capítulo IX do livro, Félix e Luís Batista são rivais que tentam conquistar as graças da formosa viúva Lívia. O “observador e perspicaz” Luís Batista logo percebeu “que quanto mais o amor de Félix se tornasse suspeito e tirânico, tanto mais perderia terreno no coração da viúva, e assim, roto e quebrado o encanto, chegaria a hora de reparações generosas com que ele [Luís Batista] se propunha a consolar a moça dos seus tardios arrependimentos”.

Para alcançar este resultado, prosseguiu Machado de Assis, “era mister multiplicar as suspeitas do médico [Félix], cavar-lhe fundamente no coração a ferida do ciúme, torná-lo em suma instrumento de sua própria ruína.

Não adotou o método de Iago, que lhe parecia arriscado e pueril; em vez de insinuar-lhe a suspeita pelo ouvido, meteu-lha pelos olhos”. Luís Batista converte-se assim em Iago, o alferes do general mouro, disposto a enciumar o incauto Félix, ao “afetar com a moça uma intimidade misteriosa, mas discreta, sem aparato, antes cercada de infinitas cautelas, tão hábil que ela não percebesse, mas tão claramente dissimulada que fosse direito ao coração de Félix”.

Mais adiante, no romance intitulado "A Mão e a Luva" (1874), o tímido e apaixonado Estevão decidiu morrer logo no primeiro capítulo, e apesar de ser muito aborrecível a noção da morte, pior que esta, é a obrigação de viver. Afinal, Estevão fora salvo pelo esperto amigo Luís Alves, que o convenceu, dizendo-lhe que se em cada caso de namoro gorado morresse um homem, já havia sido extinto o gênero humano.

Tal passagem em muito se assemelha à terceira cena do Primeiro Ato de Othello. O apaixonado Rodrigo, desanimado com a partida anunciada Desdêmona para Chipre, toma uma decisão extrema: “Vou afogar-me logo em seguida” (I will incontinently down myself).

O alferes Iago, interessado na fortuna de Rodrigo, convence-o a vender tudo e rumar para Chipre, concluindo com este conselho encorajador: “Procure antes ser enforcado satisfazendo seu desejo a afogar-se e partir sem ela” (seek thou Rather to be hanged in compassem thy joy than to be donde and go without her).

A ideia do suicídio de um amante sem esperanças poderia ser uma simples coincidência. No entanto, no capítulo III há duas referências à representação da ópera Othello, de Giuseppe Verdi, no Rio de Janeiro.

No capítulo XIII, a governanta inglesa Mrs. Oswald parece o alferes Iago de saias. Disse o autor que ela “interpôs-se para servir aos outros, e mais ainda a si própria”.

De fato, na primeira cena da peça, Iago diz ao seu amigo Rodrigo, referindo-se a Othello: “Servindo-o, estou servindo apenas a mim mesmo” (In following sim, I follow but mel).

Em “Helena”, há três referências à Othello e, no capítulo XII, num carta que não chegou a ser expedida, Helena se referia aos que tendo nascido sob a influência de má estrela, só têm felicidades intermitentes e mutáveis. Othello, refere-se à Desdemôna, após a morte desta, na derradeira cena da peça, como jovem nascida sob má estrela ou il starr’d Winch.

Mais adiante, no capítulo XXI, disse o autor que “quando a suspeita germina na alma, o menor incidente assume um aspecto decisivo”. Lembra uma frase de Iago em Othello: “Ninharias leves como o ar/ são para o ciumento confirmações fortes/ como provas da Sagrada Escritura” (Triles light as air/ Are to the pealou confirmations strong/ As profs. of hoy Writ). Finalmente, no capítulo XXV, o pai de Helena relata:

Poucos dias antes, a bordo, um engenheiro inglês que vinha do Rio Grande para esta Corte, emprestara-me um volume truncado de Shakespeare. Pouco me restava do pouco inglês que aprendi; fui soletrando como pude, e uma frase que ali achei fez-me estremecer, na ocasião, como uma profecia; recordei-a depois quando Ângela me escreveu. “Ela enganou seu pai, diz Brabantio a Othello, há de enganar-te a ti também.”

Em “Iaiá Garcia” (1878) o autor revela que o viúvo Luís Garcia, que era pai da protagonista, não se casara por amor nem interesse, casara-se apenas porque era amado. E, assim foi, Othello, referindo-se a Desdêmona, admitia que ela me amou pelos perigos que passei  e, eu a amei porque ela se comoveu com eles. Toda a idealização da relação entre os amantes é totalmente shakespeariana.

Em “Quincas Borba” (1892), o bruxo se referiu-a no capítulo XL, às “castas estrelas”, lembrando uma das falas mais conhecidas de Othello, na última cena da peça: “É a causa, é a causa, minha alma!/ Permitam-me que não a nomeie, castas estrelas” (It is the cause, it is the cause, my soul,/ Let me not name it to you, you chiaste stars!).

No curto capítulo CXLIII, o autor recorre novamente a Othello nesta descrição: “Sofia caiu com graça. Estava singularmente esbelta, vestida de amazona, corpinho tentador de justeza. Othello exclamaria, se a visse ‘Oh! minha bela guerreira!’”. De fato, ao chegar à ilha de Chipre, em pé de guerra contra os turcos, Othello entra em cena com sua comitiva e saúda a esposa: “Oh, minha bela guerreira!

Nota-se, igualmente, a presença de Othello em Dom Casmurro (1900) e impressiona tanto que a escritora norte-americana Helen Caldwell, que foi a tradutora do romance brasileiro para o inglês em 1953, reuniu suas impressões numa obra, in litteris:

“O Otelo Brasileiro de Machado de Assis” (The Brazilian Othello of Machado de Assis). A edição original é de 1960, da University of California Press, e traz o subtítulo “A Study of Dom Casmurro” (Um Estudo de Dom Casmurro)”. O livro compara Dom Casmurro com a tragédia de Othello.

O tradutor Fábio Fonseca de Melo, na introdução de seus “Agradecimentos”, ressalta sua surpresa ao constatar que um livro como este “tenha ficado sem tradução no Brasil por mais de quarenta anos”.

Machado de Assis não deixou claro no romance se Capitu é inocente ou culpada, o que até hoje provoca discussões apaixonadas, mas a autora é de tal forma convincente que o leitor não pode deixar de ver em Capitu uma autêntica Desdêmona brasileira e, portanto, inocente. Capitu não morre como Desdêmona, mas seu banimento assemelha-se a uma morte em vida.

Machado de Assis deu ao capítulo LXII de Dom Casmurro o título de “Uma Ponta de Iago”, pelo ciúme sofrido por Bentinho em razão do comentário mordaz do agregado José Dias sobre Capitu: “Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha.

Aquilo enquanto não pegar um peralta da vizinhança, que case com ela…” Já no capítulo LXXII, Othello, Desdêmona e Iago são citados nominalmente. Há ainda neste capítulo uma bela tradução machadiana da fala de Othello mencionada acima, no parágrafo sobre Iaiá Garcia: “Ela amou o que me afligira,/ eu amei a piedade dela”. Significativamente, o título do capítulo CXXXV de Dom Casmurro é Othello.

Suas primeiras frases merecem ser reproduzidas:

“Jantei fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamente Othello, que eu não vira nem lera nunca; sabia apenas o assunto, e estimei a coincidência. Vi as grandes raivas do mouro, por causa de um lenço, ― um simples lenço! ― e aqui dou matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes, pois não me pude furtar à observação de que um lenço bastou a acender os ciúmes de Othello e compor a mais sublime tragédia deste mundo”.

Os lenços perderam-se, hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há e valem só as camisas. Tais eram as ideias que me iam passando pela cabeça, vagas e turvas, à medida que o mouro rolava de raiva convulso, e Iago destilava a sua calúnia.

No romance seguinte, “Esaú e Jacó” (1904), o autor se pergunta, no capítulo LVIII, “como é que se matam saudades”, já que para elas “não há ferro nem fogo, corda nem veneno”, numa alusão a esta fala de um Othello irado, ao jurar vingança contra Desdêmona: “Se existem cordas, facas,/ veneno ou fogo, ou riachos sufocantes,/ não tolerarei isso” (If there be cords, or cives,/ Poison, or fire, or suffocating streams,/ I’ll not endure it).

No seu último romance, “Memorial de Aires” (1908), escreve o memorialista, numa anotação de 2 de agosto de 1888: “Nem tudo se perde nos bancos; o mesmo dinheiro, quando alguma vez se perde, muda apenas de dono”.

O raciocínio é o mesmo da primeira parte desta famosa fala de Iago: “Quem furta minha bolsa, furta lixo; é algo, um nada;/ era minha, é dele e tem sido escrava de milhares;/ Mas aquele que surrupia meu bom nome/ rouba de mim o que não o enriquece/ e me torna deveras pobre” (Good name in man and woman, dear my lord,/ Is the immediate jewel of their souls:/ Who steals my purse steals trash; ’tis something, nothing;/ ’Twas mine, ’tis his, and has been slave to thousands).

À semelhança do apaixonado Rodrigo, em Othello, dois outros personagens dos contos machadianos pretendem a tolice de afogar-se por amor. Norberto, em Eterno! um jovem estudante de medicina que nutre uma paixão impossível por uma baronesa, ameaça em uma carta a um amigo “atirar-se ao mar”.

Já em “Um Capitão de Voluntários”, um dos personagens confessa: “pensei em meter-me na barca de Niterói, que primeiro acolheu os nossos amores, e, no meio da baía, atirar-me ao mar”. Pode-se ver no conto “História de Uma Fita Azul” alguns traços do ciúme provocado pela perda do lenço da desafortunada Desdêmona.

No conto “Um Esqueleto”, um marido ciumento admite, à semelhança de Othello: “Algumas aparências me enganaram”. Há outros exemplos da presença de Othello nos demais contos, nas crônicas, nas críticas literárias e no poema Lúcia, cuja descoberta ficará a cargo do leitor curioso.

A presença de Hamlet na obra de Machado de Assis rivaliza-se com a do desafortunado mouro de Veneza.

No romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), o personagem principal assim descreve sua própria morte, no primeiro capítulo do livro: “E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego como quem se retira tarde do espetáculo”.

Pois bem, as palavras undiscovered country fazem parte do famoso solilóquio “Ser ou não ser, eis a questão”. A propósito, há uma tradução de Machado de Assis deste solilóquio[2], na coletânea Ocidentais (1879-1880), que ele intitulou To be or not to be.

A expressão undiscovered country aparece no poema machadiano como “esse eterno país misterioso”. Esta passagem volta a ser lembrada no capítulo XXIII do romance, em que ele se refere à morte como “esse duelo do ser e do não ser”. Mais adiante, uma outra expressão do solilóquio é mencionada, no capítulo LXXXIII, neste trecho: “Que me cumpria fazer? Era o caso de Hamlet: ou dobrar-me à fortuna, ou lutar com ela ou subjugá-la”.

O célebre  solilóquio apareceu como referência em alguns contos. Em “A Mulher de Preto”, Estêvão reconhece: “Eis-me na dúvida de Hamlet”. No conto “Aurora Sem Dia”, há a seguinte descrição do personagem Luís Tinoco: “Ele respigava nas alheias produções uma coleção de alusões e nomes literários, com que fazia as despesas de sua erudição, e não lhe era preciso, por exemplo, ter lido Shakespeare para falar do to be or not to be, do balcão de Julieta e das torturas de Othello”.

Em “Uns Braços”, está a expressão “dormir e talvez sonhar”. No conto Troca de Datas, Machado citou  no original: That is the rub, sem traduzir a frase nem se referir à sua origem. O elegante autor pressupõe que seu leitor leu Hamlet no original e, portanto, dispensa referências adicionais.

O mesmo ocorreu na crônica “História de 15 Dias”, em que apareceu a expressão That is the question, e numa outra crônica, de 30 de dezembro de 1894, em que o Bruxo  usou a frase: Outrageous Fortune!

Em “Quincas Borba”, no capítulo CVI, Machado de Assis  faz uma paródia de uma fala bem conhecida de Hamlet: “Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que pode sonhar tua filosofia” (There are more things in heaven and earth, Horatio,/ Then are dreamt of in your philosophy). Variantes desta fala aparecem no conto A Cartomante e em três crônicas machadianas.

Machado de Assis fez muitas referências a Ofélia, a namorada do príncipe Hamlet. Um de seus poemas é justamente uma paráfrase designada A Morte de Ofélia[3], que encerra o livro “Falenas” (1870).

No conto “A Chave”, Machado de Assis  citou no original a fala famosa de Laertes: Too much water hast thou, poor Ophelia!( Você tem muita água, pobre Ofélia!). Na crítica sobre Eça de Queirós e “O Primo Basílio”, a jovem Ofélia é mencionada como uma “das mais castas figuras do teatro”, entre outras “eternas figuras, sobre as quais hão de repousar eternamente os olhos dos homens”.

A cena do encontro de Hamlet, Horácio e os coveiros no cemitério também mereceu muitos comentários do Bruxo do Cosme Velho. No capítulo CVIII do romance “Esaú e Jacó”, o narrador comenta: “Ainda uma vez, não há novidade nos enterros.

Daí, o provável tédio dos coveiros, abrindo e fechando covas todos os dias. Não cantam, como os de Hamlet, que temperam as tristezas do ofício com as trovas do mesmo ofício”.

Como é sabido, a naturalidade do coveiro, que cantava enquanto trabalhava, provocou a estranheza do príncipe: “Será que este sujeito não tem consciência de seu ofício, já que canta enquanto abre uma cova?” (Has this fellow no feelings of his business, that he sings at grave-making?).

A resposta de Horácio assemelha-se a este comentário do narrador do conto Identidade: “o uso encruara naquela gente a piedade e a sensibilidade”.

Nesta cena, Hamlet emociona-se ao se deparar com o crânio de Yorick, o bobo da corte. Um dos contos machadianos refere-se ao episódio e chama-se “A Cena do Cemitério”. Nele o narrador exclama: “_ Alas, poor Yorick! Eu o conheci, Horácio”.

Numa crônica de 21 de janeiro de 1889, o autor acrescenta: “Tiro o chapéu às caveiras; gosto da respeitosa liberdade com que Hamlet fala à do bobo Yorick”.

Numa crítica a Álvares de Azevedo (1831-1852), autor da “ Lira dos Vinte Anos”, disse  Machado de Assis: “O poeta fazia uma frequente leitura de Shakespeare, e pode-se afirmar que a cena de Hamlet e Horácio, diante da caveira de Yorick[4], inspirou-lhe mais de uma página de versos”. Afinal, nosso Bruxo foi, um grande leitor de Shakespeare, tanto que reconheceu no então jovem autor um gosto literário semelhante ao seu.

Ainda no conto “A Cena do Cemitério”, a passagem incorpora-se a um sonho do protagonista: “Era o enterro da Ofélia. Aqui o pesadelo foi-se tornando cada vez mais aflitivo. Vi os padres, o rei e a rainha, o séquito, o caixão. Tudo se me fez turvo e confuso. Vi a rainha deitar flores sobre a defunta. Quando o jovem Laertes saltou dentro da cova, saltei também; ali dentro atracamo-nos, esbofeteamo-nos”.

Numa crônica de 23 de abril de 1893, Machado registrou o seguinte comentário sobre a resposta evasiva de Hamlet a Polônio[5], quando este perguntou o que o príncipe estava lendo: “Eu, se tivesse de dar o título “Hamlet” em língua puramente carioca, traduziria a célebre resposta do príncipe da Dinamarca Words, words, words, por esta: Boatos, boatos, boatos.

Com efeito, não há outra melhor que diga o sentido do grande melancólico. Palavras, boatos, poeira, nada, coisa nenhuma”. Ou, como nesta fala do príncipe antes de morrer: “O resto é silêncio”.

Um outro poema machadiano referiu-se a uma passagem da peça, quando Laertes diz ao rei que se arriscará “como o carinhoso pelicano, que entrega sua própria vida” (like the kind life-rendering pelican).

Em “Versos a Corina”, parte VI, disse Machado: “Pelicano do amor, dilacerei meu peito,/ E com meu próprio sangue os filhos meus aleito”.

Uma frase da senhora Macbeth, ao tentar aliviar as preocupações do marido, tornou-se uma das mais conhecidas da peça: “O que está feito está feito” (What’s done is done). Machado, um leitor de Macbeth, usou esta frase em diversas ocasiões. Os exemplos mais expressivos estão nos romances. Em “Helena”, o doutor Camargo comenta com a frase a disposição testamentária do conselheiro Vale.

Em “Iaiá Garcia”, a expressão serviu para o jovem Jorge consolidar sua decisão de ir à guerra do Paraguai, no capítulo II. Mais adiante, no capítulo XVI, cabe à própria Iaiá usar a frase numa discussão com a madrasta Estela.

Em outra fala, bem conhecida, a senhora Macbeth, sonâmbula, tenta lavar as mãos de manchas de sangue imaginárias: “Fora, mancha maldita! Fora, já disse!” (Out, damned spot! Out, I say!). Esta passagem também impressionou Machado, que se refere a ela, no original, no romance Iaiá Garcia, no capítulo VI, e no conto “Uma Senhora”.

Já no romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas’, no capítulo CXXIX, “lady Macbeth passeia à volta da sala a sua mancha de sangue”. A senhora Macbeth está ainda na crítica “A Nova Geração”, em versos do poeta francês e ensaísta Charles Baudelaire (1821-1867).

As três feiticeiras[6] que apareceram para o general Macbeth e seu colega Banquo, bem como a mais famosa de suas profecias “Salve, Macbeth, você será rei!” (All hail, Macbeth, that shalt be King hereafter!) estão presentes em dois dos romances machadianos.

Em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, ele se referiu de passagem, no capítulo XV, a “uma bruxa de Shakespeare”.

Em “Esaú e Jacó”, as promessas das feiticeiras estão devidamente parodiadas: “Ao som da música, à vista das galas, ouvia umas feiticeiras cariocas, que se pareciam com as escocesas; pelo menos, as palavras eram análogas às que saudaram Macbeth: — Salve, Batista, ex-presidente de província! — Salve, Batista, próximo presidente de província! — Salve, Batista, tu serás ministro um dia!”

Já no conto “Aurora Sem Dia”, elas estão neste conselho: “Há de ter lido Macbeth… Cuidado com a voz das feiticeiras, meu amigo”. A profecia famosa está também no poema La Marchesa de Miramar, do livro “Falenas”: “Então surge dos tronos/ A profética voz que anunciava/ Ao teu crédulo esposo:/ — Tu serás rei, Macbeth!”

O fantasma do general Bânquo, que tanto assombrou Macbeth, está mencionado de passagem na crônica História de 15 Dias, na expressão “como uma sombra de Bânquo”.

Na peça original, ao comentar a escuridão da noite, Bânquo diz ao filho Fleance: “Há economia no céu;/ suas velas estão todas apagadas” (There’s husbandry in heaven,/ Their candles are all out) (2.1). Esta alusão de Bânquo está presente no conto “Marcha Fúnebre”: “o céu fazia economia de estrelas, apagando-as à medida que o sol ia chegando para o seu ofício”.

Romeu e Julieta

A tragédia dos desafortunados amantes de Verona é outra das predileções machadianas. Curiosamente, há poucas referências a eles no romances. Em Helena, no capítulo XX, há uma vaga menção a um “Romeu de contrabando”, como sinônimo de “amante clandestino”. No “Memorial de Aires” há uma referência um pouco mais extensa:

A única particularidade da biografia de Fidélia é que o pai e o sogro eram inimigos políticos, chefes de partido na Paraíba do Sul. Inimizade de famílias não tem impedido que moços se amem, mas é preciso ir a Verona ou alhures.

E, ainda os de Verona dizem comentadores que as famílias de Romeu e Julieta eram antes amigas e do mesmo partido; também dizem que nunca existiram, salvo na tradição ou somente na cabeça de Shakespeare.

É nos contos que está a presença mais expressiva do casal enamorado. Em “Aurora Sem Dia”, além da citação acima, no parágrafo sobre Hamlet, o jovem Luís Tinoco refere-se à amada como “a minha Julieta”. Em “Curta História”, logo no primeiro parágrafo, o narrador elogia o ator Rossi, “que uma noite era terrível como Othello, outra noite meigo como Romeu”.

Mais adiante, neste conto, está a pergunta famosa de Julieta: “Que importa um nome?” A mesma pergunta, dita de outra forma, está em Evolução, neste tradução machadiana da fala de Julieta: “Que valem nomes? perguntava ela ao namorado. A rosa, como quer que se lhe chame, terá sempre o mesmo cheiro”.

Em “Letra Vencida”, o escritor lembrou uma passagem relacionada ao jovem casal: “Enfim bateram duas horas: era o rouxinol? Era a cotovia? Romeu preparou-se para ir embora; Julieta pediu alguns minutos”.

Já o conto “Lágrimas de Xerxes” é todo um curioso diálogo machadiano entre frei Lourenço e o casal de namorados, antes do casamento de ambos.

“Romeu e Julieta” estão presentes em três poemas de Machado, todos do livro Falenas. Na epígrafe de Quando Ela Fala, constam estes versos de uma fala de Romeu, citados no original: “She speaks!/ O speak again, bright angel!”.

Em “Pálida Elvira”, disse nosso poeta: “Eu bem sei que é preceito dominante/ Não misturar comidas com amores. Mas, eu não vi, nem sei se algum amante/ vive de orvalho ou pétalas de flores;/ Namorados estômagos consomem;/ Comem Romeus e Julietas comem”.

Finalmente, em “No Espaço”, estão estes belos versos: “E o Senhor que tudo ouvira,/ Voltou os olhos imensos/ Para a alma de Romeu:/ “E tu?” — “Eu amei na vida/ Uma só vez, e subi/ Daquela cruenta lida,/ Senhor, a acolher-me em ti”.

Sonho de Uma Noite de Verão

A magia e o encanto desta sofisticada comédia, que envolve fadas e um duende desastrado, fez dela a de maior presença na obra de Machado de Assis.

Em “Iaiá Garcia”, no capítulo XI, diz o personagem Procópio Dias que “nada se deve imputar aos dementes e aos namorados”, parodiando Teseu, o duque de Atenas, segundo o qual “os amantes e os loucos têm cérebros de tal forma ardentes,/ fantasias tão visionárias que apreendem/ o que a razão fria jamais entenderá” (Lovers and madmen have such seething brains,/ Such shaping phantasies, that apprehend/ More than cool reason ever comprehends). Em A “Mão e a Luva” há, no capítulo III, uma rápida referência a “uma fada de Shakespeare”.

No conto “Trio em Lá Menor”, o narrador compara a personagem Maria Regina com Titânia, a rainha das fadas, que se apaixona por um tecelão por artes de encantamento: “Assim Titânia, ouvindo namorada a cantiga do tecelão, admirava-lhe as belas formas, sem advertir que a cabeça era de burro”.

No romance “A Mão e a Luva”, a governanta inglesa Mrs. Oswald, no capítulo IV, refere-se indiretamente a esta peça: “Bem está o que bem acaba, disse um poeta nosso, homem de juízo”.

Numa crônica de 23 de abril de 1893, dia de aniversário de Shakespeare, Machado encerra assim sua crônica alusiva à data: “E acabemos aqui; acabemos com ele mesmo, que acabaremos bem. All is well that ends well”.

Na crítica intitulada O Teatro de José de Alencar, de março de 1866, Machado comenta a peça alencarina “O Demônio Familiar”, que ele classifica como “um protesto contra a instituição do cativeiro”, duas décadas antes de sua efetiva abolição.

A certa altura, disse Machado: “A peça acaba, sem abalos nem grandes peripécias, com a volta da paz da família e da felicidade geral. All is well that ends well, como na comédia de Shakespeare”.

Rei Lear

Esta tragédia mereceu uma única referência machadiana, numa crítica denominada Castro Alves, de fevereiro de 1868, em resposta a uma carta de José de Alencar. Disse Machado sobre nosso poeta abolicionista: “Não podiam ser melhores as impressões. Encontrei uma vocação literária, cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do futuro”.

Para um jovem poeta, que apenas completaria 21(vinte e um) anos no mês seguinte, foi sem dúvida um reconhecimento generoso. Sobre o drama Gonzaga ou “A Revolução de Minas”[7], que Castro Alves concluíra no ano anterior, Machado assim encerra um de seus parágrafos:

Por isso, quando no terceiro ato Luís encontra a filha já cadáver, e prorrompe em exclamações e soluços, o coração chora com ele, e a memória, se a memória pode dominar tais comoções, nos traz aos olhos a bela cena do Rei Lear, carregando nos braços Cordélia morta. Quem os compara não vê nem o rei nem o escravo: vê o homem.

A tragédia de “Júlio César” é mencionada em apenas duas das crônicas machadianas. Na primeira, de 23 de abril de 1893, já mencionada, Machado refere-se à “multidão, a eterna multidão forte e movediça, que execra e brada contra César, ouvindo a Bruto, e chora e aclama César, ouvindo a Antônio”.

Mais tarde, num texto de novembro de 1897, referindo-se a uma espada posta em leilão, observa Machado, filosoficamente: “Como iria lá ter uma espada que pode ser a cada instante intimada a comparecer ao serviço? […] Eventualmente, pode ser útil em defender a vida ao dono. Também pode servir para que este se mate, como Bruto”.

Machado usou uma de suas falas da comédia “Medida por medida” como prólogo de seu romance “Ressurreição”. Disse o autor: “Minha ideia ao escrever este livro foi pôr em ação aquele pensamento de Shakespeare”:

Our doubts are traitors

And make us lose the good we oft might win,

By fearing to attempt.

Nossas dúvidas são traidores

E nos fazer perder o bem que muitas vezes poderíamos ganhar,

Por medo de tentar.

Ao longo do texto machadiano, percebe-se que as “dúvidas traidoras” referem-se ao ciumento Félix, já referido.

A respeito da peça “Como Gostais”, no romance “Brás Cubas[8]”, o narrador cita uma fala do melancólico Jacques, personagem da comédia acima: “Que bom é estar triste e não dizer coisa nenhuma”. Machado deixou passar a pronta resposta a esse comentário, por parte da espirituosa Rosalinda: “Ora, então é bom ser um poste” (Why, then, ’tis good to be a post).

O escritor voltou a se referir à peça numa crônica de 16 de setembro de 1888, traduzindo o título original “As you like it” por “Como aprouver a Vossa Excelência”. Aliás, acertadamente, já que o pronome you é de uso mais formal no teatro de Shakespeare do que o tratamento thou, equivalente ao nosso “tu”.

Vida e Morte do Rei Ricardo II

O duque de Hereford, Henrique Bolingbroke., personagem desta peça histórica, aparece de passagem numa crônica de agosto de 1878, numa referência a um certo “ator Rodrigues”.

Uma expressão famosa deste personagem é “o pão amargo do exílio” (the bitter bread of banishment), citada por Machado de Assis numa crônica de julho de 1896: “o pão do exílio é amargo e duro; força é barrá-lo com manteiga”. O dito “pão amargo” aparece também no capítulo XXVI do romance Helena.

Antônio e Cleópatra

No conto “Confissões de uma Viúva Moça”, diz Emílio que o “o amor que calcula, não é amor”. Na peça acima, quando Cleópatra pede a Marco Antônio que diga o quanto a ama, este responde: “Pobre é o amor que pode ser medido” (There is beggary in the love that can be reckon’d). É possível ainda que Charmian, uma das aias de Cleópatra, tenha inspirado o nome da “bela Charmion, palmeira única, posta ao sol do Egito”, do conto Identidade.

O Mercador de Veneza

Em Veneza, passa-se o Primeiro Ato de Othello e as cenas principais de “O Mercador de Veneza”. É curioso que Machado, que tanto se referiu a Othello, tenha dedicado a esta segunda peça pouco mais que uma menção a um diálogo entre Shylock e seu amigo Tubal, em que o primeiro lamenta a perda de seus preciosos ducados, no conto “O Espelho”.

Outras peças

A crítica acima sobre Eça de Queirós e O Primo Basílio cita, além de Ofélia, três outras personagens femininas das peças de Shakespeare. A primeira destas três é Imogene, a desventurada filha do rei na peça Cimbelino.

É curioso que a grafia machadiana difere do original de Shakespeare (Imogen) e de sua tradução mais usual (Imogênia). A segunda é Miranda, a jovem filha de Próspero em “A Tempestade”.

O selvagem habitante da ilha mágica desta peça é mencionado de passagem numa crônica de julho de 1878, na expressão “alma de Bruto no corpo de Calibã”. A terceira personagem é a destemida Viola, de “Noite de Reis”. Finalmente, numa crônica de 16 de setembro de 1888, já referida, Machado mencionou de passagem Muito Barulho para Nada.

Um testemunho machadiano

Numa crônica de 23 de abril de 1893, Machado dá um extenso testemunho de sua admiração por Shakespeare:

Tudo e todos são aniversários. Que é hoje senão o dia aniversário natalício de Shakespeare? Respiremos, amigos; a poesia é um ar eternamente respirável. Miremos este grande homem; miremos as suas belas figuras, terríveis, heroicas, ternas, cômicas, melancólicas, apaixonadas, varões e matronas, donzéis e donzelas, robustos, frágeis, pálidos, e a multidão, a eterna multidão forte e movediça, que execra e brada contra César, ouvindo a Bruto, e chora e aclama César, ouvindo a Antônio, toda essa humanidade real e verdadeira. E acabemos aqui; acabemos com ele mesmo, que acabaremos bem. All is well that ends well.

Há ainda, aqui e ali, outras depoimentos generosos. Na crítica “Instinto de Nacionalidade”, Machado de Assis afirmou que Shakespeare é “além de um gênio universal, um poeta essencialmente inglês” e, mais adiante, declara que “se há casos em que eles rompem as leis e as regras, é porque as fazem novas, é porque se chamam Shakespeare, Dante, Goethe, Camões”.

No conto “Tempo de Crise”, afirma um personagem: “Dizem de Shakespeare que, se a humanidade perecesse, ele só poderia compô-la, pois que não deixou intacta uma fibra sequer do coração humano”.

Depois de cem anos depois de sua morte, reler Machado é a maior homenagem que se pode prestar a ele. Que frutifique o exemplo de Helen Caldwell, que viu nele “uma joia que deve ser motivo de inveja para todo o mundo”, conforme registra o prefácio de sua edição americana.

Segundo Leandro Karnal, na obra intitulada "O que aprendi com Hamlet” cada capítulo descreve um ato da tragédia e, como esta, lança um olhar sobre a espécie humana e a sociedade daquele tempo e de hoje: o mundo de Shakespeare e dos autores e leitores, a dificuldade em se diluir no mundo, as duplicidades afetivas, o amor e o ódio e os impulsos humanos.

“O que aprendi com Hamlet”, dessa forma, revela os ensinamentos deixados pela principal peça de William Shakespeare numa combinação entre a experiência de um homem do século XVI e outro do século XXI.

Tendo lido e relido a obra muitas vezes, Karnal refletiu sobre as lições que seu protagonista, o príncipe melancólico da Dinamarca, deixou e, mesmo nesta era de selfies felizes, continua a deixar. Com a colaboração de Valderez Carneiro da Silva, tradutora e especialista em Shakespeare, o autor cruza as passagens da peça como uma espécie de coaching – uma curadoria de vida.

“O itinerário de viver é obrigatório até o fim, e Hamlet é uma companhia para ele. Shakespeare é o banquete dos sentidos e eu  sou o convidado penetra que, sem ter condições de ombrear com o brilho do inglês, vem dizer apenas isto: aqui Hamlet me deu a mão e ajudou, segurou a vela e iluminou minha vida comum”, afirma Karnal.

“O que Hamlet nos diz: só interpretamos cenas, etiquetas e formalidades porque não suportamos saber que todos fazemos parte de um teatro. O que Shakespeare nos diz: este é Hamlet, uma chance para você ser ou não ser, tudo depende da sua vontade e capacidade de escalar a montanha da consciência”, completa.

Cada capítulo de “O que aprendi com Hamlet” descreve um ato da tragédia e, como esta, lança um olhar original sobre a espécie humana e a sociedade – daquele tempo e de hoje: o mundo de Shakespeare e dos autores e leitores, a dificuldade em se diluir no mundo, as duplicidades afetivas (“eu te amo e te odeio”), os impulsos e as violências, o sentido e a consciência de vida (ser ou não ser?), as tramas do poder e as contradições de todos nós – heróis com traços de vilania.

E, como última lição, reelabora nossos mundos e nossas concepções sobre o que somos, o que não devemos ser e aquilo a que aspiramos ser. Veja essa assertiva: "É melhor ser rei de teu silêncio do que escravo de tuas palavras." William Shakespeare

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Referências

CALDWELL, Helen. O Otelo Brasileiro de Machado de Assis. Tradução de Fábio Fonseca de Melo. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2002. 224p.

COSTA TELES, Adriana. Machado & Shakespeare: Intertextualidades. São Paulo: Perspectiva, 2017.

FERRAZ, Salma. O bruxo do Cosme Velho decretou a morte do diabo. Disponível em: https://proa.ua.pt/index.php/formabreve/article/view/26845/19390 Acesso em 08.01.2023.

GOMES, Eugênio. Leituras inglesas: Visões Comparatistas. (Inéditos & Esparsos). Salvador: Universidade Federal da Bahia (UFBA), 2000.

KARNAL, Leandro. O que aprendi com Hamlet. São Paulo: Editora Leya, 2018.

LEITE, Gisele. A pesada responsabilidade de Hamlet. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/a-pesada-responsabilidade-de-hamlet Acesso em 08.01.2023.

______________. O discurso de Hamlet. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/o-discurso-de-hamlet Acesso em 08.01.2023.

_____________. Hamlet: o último ato; O fim da tragédia e o Direito.  Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/hamlet-o-ultimo-ato-o-fim-da-tragedia-e-o-direito Acesso em 08.01.2023.

_______________. Ofélia e a evolução do papel da mulher.  Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/ofelia-e-a-evolucao-do-papel-da-mulher Acesso em 08.01.2023.

___________. Entre o céu e a terra. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/entre-o-ceu-e-a-terra  Acesso em 08.01.2023.

MACHADO DE ASSIS. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1986. 3 volumes.

MARINHO, Fernando. "Biografia de Machado de Assis"; Brasil Escola. Disponível em:  https://brasilescola.uol.com.br/biografia/machado-de-assis.htm . Acesso em 08.01.2023.

SHAKESPEARE, William. The Complete Works of William Shakespeare. Londres: Oxford University Press, 1935. 1352p.

PASSOS, José Luiz. Machado de Assis. O Romance com Pessoas. São Paulo: EDUSP, 2008.

PIRES, Juliana Fernanda. Um Diálogo entre William Shakespeare e Machado de Assis: Análise comparativa das Obras Otelo e Ressurreição. Disponível em: https://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/14676/1/PB_COLET_2017_2_17.pdf Acesso em 5.1.2023.

RAMOS, Mário Amora. A Presença de Shakespeare na Obra de Machado de Assis, Mário Amora Ramos. Disponível em: https://shakespearebrasileiro.org/a-presenca-de-shakespeare-na-obra-de-machado-de-assis-mario-amora-ramos/ Acesso em 5.1.2023.

VERÍSSIMO, Luciana Leyli Martins. Diálogos entre Shakespeare e Assis e Dom Casmurro. Disponível em: https://dspace.bc.uepb.edu.br/xmlui/handle/123456789/14353 Acesso em 5.1.2023.

Notas:

[1] Bento Santiago bem como Othello, consegue ter seu sentimento de amor e fissura pela donzela ser transformado em furor e repulsa ao ter firmeza em seu subconsciente que houve o ato de traição da amada. Bento trata Capitu com rispidez, sempre com frias respostas e sem demonstrar afeto qualquer pela mulher em seu casamento. Bento inclusive, propicia uma viagem para além de ser poupado de vergonha pela sociedade, possa estar distante da moça já que até a ideia de suicídio já foi aderida na mente de Bentinho. Othello mediado por Iago envolvido com ciúme, ao encontrar a prova da traição de Desdêmona, demonstra-se sem controle e todo amor se transforma em fúria e ódio em exaltação sem medida. E, ambos personagens das diferentes obras são isentos a qualquer justificativa ou explicação de Capitu/ Desdêmona.

[2] É recurso dramático ou literário que consiste em verbalizar, na primeira pessoa, aquilo que se passa na consciência de um personagem. Opõe-se ao monologo interior, porque o personagem no solilóquio, articula os seus pensamentos de forma lógica e coerente. Por mais de um crítico foi observado a precedência cabendo a Helen Caldwell, que afirmou na década de sessenta a matriz romanesca (o amor entre duas pessoas minado pelo ciúme de um homem corroído por dúvidas, sejam fundadas ou não, sobre a fidelidade da mulher, tão bem explorada por Machado de Assis em Ressurreição e já se esboçava no conto "A mulher de preto" publicado em Contos fluminenses (1870) e, que atingiu a perfeição em Dom Casmurro.

[3] Ofélia como imagem, foi uma imagem que se alimentou da vida, mas uma imagem que, por força do poder que lhe é típico, alimentou a vida. Ofélia, louca e morta, foi imagem da loucura, do modo de ser mulher em vida e da complexa relação que há entre mulheres e morte nas representações do século XIX. Hamlet nega o amor de Ophelia e ela vem à loucura. A jovem tem uma morte prematura, afogada no rio, envolvida pelos elementos da natureza o que a tornou um ícone da morte jovem e bela, cristalizado como um momento de beleza estética e imortalizado em obras de arte em diversos períodos na história da arte. Segundo historiadores da Universidade de Oxford, a morte de uma menina perto de Stratford-upon-Avon, cidade natal de William Shakespeare, em 1569, teria inspirado a famosa morte de Ofélia, uma das cenas finais da peça Hamlet. Shakespeare tinha apenas 5 anos de idade quando correu pela cidade a notícia de que a pequena Jane Shakespeare morreu afogada após cair num rio enquanto apanhava flores. O fato parece ter impressionado tanto o pequeno William, que cerca de 40 anos depois, ele descreveu assim o fim de sua Ofélia ( com tradução de Millôr Fernandes).

[4] Yorick se refere a um personagem de Shakespeare sendo pela primeira vez citado na Cena I do Quinto ato da peça teatral intitulada Hamlet. É um falecido bobo da corte. Não há dados biográficos sobre o personagem, mas era ligado à infância de Hamlet. E, ao ver o crânio Yorick, Hamlet a fala sobre os efeitos da morte sobre o corpo. Provavelmente, o Bardo pretendia que seu público relacionasse Yorick ao comediante elisabetano Richard Tarlton, uma estrela na era pré-Shakespeare, falecido também na mesma época.

[5] Este personagem é conhecido sobretudo por articular as palavras imortais: "To thine own self be true." (ser fiel a ti próprio), bem como outras frases ainda em uso hoje em dia.

Pai de Ofélia e Laertes, e adjunto do Rei Claudio, ele pode ser descrito como um tagarela, uma pessoa enfatuada por uns, ou como um excursionista da sabedoria para outros. Vale a pena uma breve reflexão a partir desses 8 conselhos, que foram transcritos logo abaixo,  in litteris:

1) Não expressar tudo o que se pensa; 2) Ouvir a todos, mas falar com poucos; 3) Ser amistoso, mas nunca ser vulgar; 4) Valorizar amigos testados, mas não oferecer amizade a cada um que aparecer a sua frente; 5) Evitar qualquer briga, mas se for obrigado a entrar numa, que seus inimigos o temam; 6) Usar roupas de acordo com sua renda, sem nunca ser extravagante; 7) Não emprestar dinheiro a amigos, para não perder amigos e dinheiro; 8) Ser fiel a ti mesmo, e jamais serás falso com ninguém.

[6] Uma observação cuidadosa de o Antigo Testamento no faz constatar que não existe menção ao Diabo.

O Diabo nasceu, fecundou e procriou juntamente com o cristianismo. No Antigo Testamento temos o episódio da tentação e da serpente que provocou a queda de Adão e Eva, relatado em Gênesis 3, depois o ritual envolvendo o dia da expiação e o bode expiratório em Levítico 16, e adiante, o surpreendente Livro de Jó, no qual aparece pela primeira vez Satanás. Com relação ao episódio da serpente, provavelmente, fora escrito por influência de mitologias ou lentas de outras culturas do Oriente Médio, com as quais os judeus tiveram contato, já que a serpente, em tais culturas, era o símbolo de sabedoria, astúcia e poderes maléficos e, foi por isso, tardiamente, associado ao Diabo.

[7] Foi em 1867 que Castro Alves encenou pela primeira vez o drama Gonzaga ou A Revolução de Minas, em que propagandeia seus ideais patrióticos e abolicionistas e faz transparecer seu amor por Eugênia Câmara, atriz portuguesa para quem escreveu o texto, sonhando vê-la despontar nos palcos brasileiros.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


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