Crises interconectadas do Estado Contemporâneo. A transformação dos direitos humanos fundamentais
A complexidade do Estado contemporâneo dá contornos peculiares à máquina estatal e, as suas sucessivas crises influenciam na concretude dos direitos fundamentais sociais, bem como nos princípios da preservação da dignidade humana e, principalmente, no princípio da igualdade. Clama-se, crescentemente, pela igualdade material para se promover a efetiva cidadania e o autêntico Estado Democrático de Direito.
Analisar
as crises[1] pelas quais passa o Estado
Contemporâneo e que tanto influenciam na efetivação de direitos fundamentais,
bem como no princípio da preservação da dignidade humana e, ainda, no princípio
da igualdade.
Demonstra-se,
desta forma, que os direitos fundamentais podem ser expressos tanto em
princípios como em regras constitucionais e, que a igualdade correspondente ao
direito fundamental de primeira geração, não pode ser encarada sob ótica
formal, tão peculiar ao liberalismo.
É
imprescindível que o Estado deixe sua suposta neutralidade e passe, finalmente,
a defender e a promover a igualdade material e objetiva.
Em
verdade a constante dinâmica evolutiva do conceito de Estado continua a ser
tema complexo e formado de controvérsias que espelham no Estado contemporâneo, que
ainda passa por muitas transformações, o que aponta para as crises
interconectadas.
A
expressão foi elaborada por Lenio Luiz Streck e José Luiz Bolzan em sua obra
intitulada "Ciência Política e Teoria Geral do Estado[2]".
Afinal,
a extenuante luta pela construção de um Estado comprometido com a realização de
direitos e garantias fundamentais, principalmente, dos direitos humanos e as barreiras
enfrentadas para manutenção e superação de desafios abordados por uma teoria
crítica do Direito.
O
forte antagonismo presente se constitui numa associação política de dominação
onde os governados se encontram sujeitos a uma ordem que confere legitimidade a
tal domínio, somado ao fato de a própria natureza humana inferir comportamento
voltado à busca do poder sobre todos, de outro viés, encontra-se marcado por
princípios que amenizam e buscam minimizar essa dominação, através de
institutos do regime democrático e que são limitadores da expansão do poder do
governante ou respectivo detentor do poder.
Os
princípios democratizantes e liberais possuem em sua origem situada no momento
histórico da Revolução Francesa com o surgimento do Estado de Direito, como
forma de limitar a ação do governante diante dos direitos do cidadão. O súdito promove-se
e se torna cidadão. A limitação não significou, necessariamente, um progresso
da própria democracia enquanto persecução da igualdade formal e material entre
todos, sob a perspectiva dos direitos humanos.
Afinal,
o remodelamento constante das democracias em buscas de formas concretas que
tanto privilegiem a participar popular no maior espectro possível de momentos decisórios
da atividade estatal e governamental, sem dúvida, traduz uma crise de
legitimidade pela qual passa o Estado contemporâneo.
Desse
contexto advém perniciosas consequências e desconfigura a própria natureza do
Estado, enquanto tutor do interesso público, com incomensuráveis danos à
própria sociedade, especialmente, de ordem sociológica, enquanto o poder constituído
na busca do bem-estar comum.
As
transformações do Estado contemporâneo essencialmente desde o Estado absolutista
que foi marcado pela contribuição de Jean Bodin[3], Thomas Hobbes, e a
superação deste Estado, pelo Estado de Direito marcado pela liberdade dos
cidadãos, e pela igualdade entre esses cidadãos, em que encontraram representantes
como John Locke[4],
Immanuel Kant[5]
quando foram efetivadas o maior objetivo de limitar a ação do poder estatal,
reduzindo-o ao mínimo para obter a legitimidade, o que não era mais possível
com o Estado Absolutista.
Inegavelmente
deu-se notáveis progressos em proveito da ordem econômica tão almejada pela
ascendente burguesia, através de instrumentos que lhes permitiam liberdade
eficiente para a necessária acumulação de capital, típica do sistema
capitalista. E, em tal contexto, ressaltam-se os méritos do Estado de Direito.
Porém,
o crescimento das demandas sociais fez com o que Estado de Direito, também
consignado como um Estado Liberal fosse acumulando em significativo número de
ações e atividades cada vez maiores, a fim de suprir e atender as necessidades
da sociedade, tanto na seara social como econômica.
Enfim,
partiu-se da idealização de um Estado mínimo e passamos para o Estado interventor,
voltando-se à satisfação de direitos fundamentais de primeira e segunda
dimensão como o fomentador de atividades econômicas e do progresso social.
E,
nesse sentido Lucas Verdú apud José Afonso da Silva, revelou, in
litteris:
"Mas
o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal, necessitou,
para enfrentar a maré social, despojar-se de sua neutralidade, integrar, em seu
seio, a sociedade, sem renunciar o primado do Direito. O Estado de Direito, na
atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista para então se
transformar em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e
pretende realizar a justiça social".
Então,
essa nova configuração social passou a ser chamada de Estado Social de Direito
e que teve solidificação no fim do século XIX até a Segunda Guerra Mundial; O
Estado Social[6]
pode embasar regimes tanto democráticos como despóticos, e surgiu o Estado Democrático
de Direito que possui notável característica, a atuação da pessoa como cidadão diretamente
na gestão e no controle da Administração Pública.
E,
mais do que isso, conforme afirmou José Luiz Bolzan de Morais, teria a
característica de ultrapassar não só a formulação do Estado Liberal de Direito,
como também a do Estado Social de Direito vinculado ao welfare state
neocapitalista, impondo à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo
utópico de transformação da realidade.
Essa
configuração estatal tem por base a significativa ampliação do princípio
democrática, almejante de maior legitimidade ao poder público, através da
aproximação de processos decisórios da sociedade civil.
Porém,
há outras perspectivas quanto ao Estado Democrático de Direito, conforme defende
Streck configurando-o obrigatoriamente pelo deslocamento do poder, que, no
Estado de Direito, pertencia ao Legislativo (ordenador) e, no Estado Social, ao
Executivo (fomentador).
Assim, no Estado Democrático de Direito, assiste-se o deslocamento deste poder ao Judiciário como sendo o poder capaz de efetivar a implementação de direitos sociais descritos na Carta Constitucional. Ademais as inércias do Executivo e do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciário[7], justamente através da utilização de mecanismos jurídicos previstos na Constituição que estabeleceu o Estado Democrático de Direito.
Apesar
dessa dualidade de concepções, ainda há outras, que enxergam no Estado
Democrático de Direito, a subsunção dos progressos que acompanharam o processo
de transmutação do Estado (Estado de Direito
e Estado Social de Direito), na busca da igualdade formal e material
através de mecanismos possibilitadores e facilitadores sejam judiciais ou
participativos de maior efetivação dos direitos sociais.
Ainda
abordando o pensamento doutrinário de Lenio Streck, o Estado Democrático De Direito dependeria muito mais de uma ação
concreta do Judiciário do que de procedimentos legislativos e administrativos.
E, tal assertiva pode e deve ser relativizada, mormente, porque não se pode esperar
que o Judiciário seja a solução mágica dos problemas sociais.
O que
ocorre é que, se no processo constituinte, optou-se por um Estado intervencionista,
visando a uma sociedade mais justa, com a erradicação da pobreza, e etc., dever-se-ia
esperar que o Poder Executivo e o Legislativo cumprissem tais programas
especificados na Constituição. Porém, esta não está sendo cumprida. E, as
normas programáticas não estão sendo implementadas.
E, na
ausência de políticas públicas cumpridoras dos ditames do Estado Democrático de
Direito, surge o Judiciário como principal instrumento para o resgate de
direitos não realizados.
A
persecução dos fins do Estado Democrático de Direito deve consubstanciar-se na
prática, sendo a participação popular um dos caminhos, porém, não excludente de
outros, como a via judicial, pois o Estado como ordem coativa, conforme o
modelo idealizado por Kelsen[8] encontra-se em confronto
com a sociedade, colocando em xeque a sua própria legitimidade.
Afora que o Estado, em diversas situações, tem sido
incapaz de atender às necessidades básicas da sociedade, ainda que consubstanciadas
nos textos constitucionais e infraconstitucionais. Evidente que tudo isso ocorre
por uma crise estrutural do Estado. E, basta analisar os direitos sociais consagrados
no texto constitucional brasileiro para se obter a exemplificação. E, nesse
contexto se incluem as falsas promessas da modernidade ainda não
consubstanciadas, promessas de igualdade, liberdade, paz perpétua e dominação da
natureza que surgiriam desde os primórdios do modernismo no século XV e
perseguem o Estado Moderno.
Tal
constatação agrava sensivelmente o quadro brasileiro, que dispõe de uma
Constituição que externa o Estado Democrático de Direito erigido como princípio
constitucional, mesmo sem a anterior concretização do Estado Social, criando
abismo social que deve ser superado a fim de se alcançar a própria efetivação
do Estado Democrático de Direito.
As crises do Estado contemporâneo foram objeto
de estudo por diversos doutrinadores da Teoria Geral do Estado e da Ciência
Política, e a ideia de inclusão social através das ações afirmativas, adotou-se
com principal base para classificação realizada por José Luiz Bolzan de Morais e
Lenio Luiz Streck em sua obra “Ciência Política e Teoria Geral do Estado” onde
se constata a transformação histórica e constitucional dos Direitos Humanos, e
ainda as detalhadas dificuldades enfrentadas pelos Estados nacionais,
especialmente, nas derradeiras décadas do século passado quando a crise da
economia, e, sobretudo, as propostas para a sua superação, passaram a
interferir firmemente no aparelho estatal.
Interessante
é a crise conceitual do edifício estatal, o que faz atentar para a ideia de que
os conceitos de Estado e de Direito têm sofrido drásticas modificações, desde a
segunda metade do século XX que nos sugere uma reavaliação crítica quanto aos
processos de formulação e execução da política externa.
Além
disso, é relevante sublinhar que o contexto do debate da crise conceitual do
Estado está relacionado incondicionalmente a uma das bases que compõe o tripé o
Estado Moderno, como a soberania que deve ser encarada como o foco da crise.
No
âmago do pensamento teórico tanto de esquerda como o de direito
neoconservadora, tal crise de um entendimento de soberania do Estado, permanece
sendo desafio a ser enfrentado na
recente virada do século, principalmente, no que tange à promoção e a proteção
dos direitos humanos.
As
crises do Estado têm raízes não apenas em crises econômicas ou financeiras, mas
além disso, trata-se de uma crise de identidade do Estado. Sendo difícil
explicar a existência dessa crise latente no Estado contemporâneo, de seu
conceito, quando temos presente em nossa realidade, a transformação de tempo e
do espaço, em frenética velocidade. (In: MORAIS, José Luiz Bolzan de. As
Crises do Estado e Da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos
Humanos. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2002).
Percebe-se
que as informações contemporâneas, utilizando as novíssimas tecnologias que
rompem as fronteiras estatais e, deixando evidente a ideia de Octavio Ianni quando
assegura não existirem mais sociedades nacionais e, sim, a sociedade global[9].
Ao
cogitar sobre a noção de soberania[10] que foi pela primeira vez
abordada em Les Six Livres de La Republique[11],
com Jean Bodin, em 1576, que posteriormente, se caracterizou em um poder
juridicamente incontrastável, e segundo Bolzan de Morais, comenta-se um
saudosismo pela falta de vínculos que circunscrevem essa soberania.
Frise-se
que o contorno político-filosófico sobre os processos globais e regionais
hodiernos, resultantes da intensa interdependência transnacional, ainda busca
suas próprias estruturas balizantes, particularmente, no que se refere à
soberania nacional.
Cabe
mencionar o debate sobre a modernidade, coo síntese histórica primaz das
correções das injustiças , remontando-nos as lições de Habermas ao colocar que
a modernidade é um projeto inacabado.
E, de
fato, é necessário o crítico equacionamento da soberania nacional (summa
potestas), diante das vertiginosas mudanças culturais, tecnológicas,
sociológicas, enfim, mudanças fronteiriças veladas, ou seja, o sujeito
cognoscente diante do desterritorializante processo de globalização e
regionalização.
O
processo da crise da soberania, deve atentar-se a caracterização do atual
contexto da modernidade. E, nesse sentido, utilizamos interessante entendimento
de Zygmunt Bauman, onde ara quem, a modernidade é líquida e não mais uma
modernidade pesada, sólida e densa. Destacou o sociólogo e filósofo que a
leveza e fluidez são associadas à mobilidade e à inconstância.
Para Bauman,
a modernidade[12]
não foi fluída desde sua construção, mas sim, acontece como fenômeno contemporâneo,
porém já apontada na assertiva "derreter os sólidos" conforme consta
no Manifesto Comunista[13].
Segundo
Bauman, a expressão em destaque e constante no Manifesto não trazia o desejo de
eliminá-los e construir um novo cenário
sem sólidos, mas sim, a noção seria de limpar a área para novos e
aperfeiçoados sólidos, para substituir o conjunto herdado de sólidos
deficientes e defeituosos por outro conjunto, aperfeiçoado e preferivelmente perfeito
e, por isso, não mais alterável.
Portanto,
o derretimento dos sólidos trouxe nova roupagem no vigente contexto da
modernidade, e nova formação de metas. Os mencionados sólidos, por Bauman, hoje
são os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida
conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas da coletividades
humanas, de outro.
E,
ainda de acordo com Bauman, a modernidade fluída exige que sejam revisitados
velhos paradigmas e dogmas, visto que se apresentem como estando mortas e ainda
vivas. In litteris: "... a questão prática consiste em saber se sua
ressureição, ainda que em nova forma ou encarnação, é possível; ou - se não for
- como fazer com que eles tenham um enterro decente e eficaz." (In:
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001).
O centro
do debate sobre a crise conceitual do Estado, mais precisamente, quanto à ideia
de soberania, no cenário da globalização e dos processos de integração, passa a
ser exatamente os mesmos apontados nestas metáforas de Bauman.
Quanto
a ideia de soberania estatal e reflexos das transformações de um Estado
moderno, ao comparamos tais aspectos da modernidade com a realidade no Brasil,
temos novamente como importante referir ao pensamento de Streck quando aponta
que, "Para elites brasileiras, a modernidade acabou. Tudo isto parece
estranho e ao mesmo tempo paradoxal. A modernidade nos legou o Estado e o
Direito e as instituições”.
Rompendo
com o medievo, o Estado Moderno surge como um avanço. Em um primeiro momento,
como absolutista e depois como liberal, mais tarde o Estado transforma-se,
surgindo o Estado contemporâneo sob as suas variadas faces. Essa transformação
decorre justamente do acirramento das contradições sociais proporcionadas pelo
liberalismo.
Enfim,
concluiu o jurista gaúcho que nossa modernidade é tardia e arcaica. O que há é
mero simulacro de modernidade e, ainda citou Eric Hobsbawn, o Brasil é um
monumento a negligência social, ficando atrás de Sri Lanka em vários
indicadores sociais, como a mortalidade infantil e alfabetização, tudo porque,
o Estado no Sri Lanka, empenhou-se na redução das desigualdades.
Em
nosso país, as promessas de modernidade ainda não se realizaram, e a solução
que o establishment apresenta, por paradoxal que possa parecer, é o retorno ao Estado neoliberal. Daí que a
pós-modernidade seja vista como neoliberal.
A
noção de soberania, ao lado de povo e território representou um dos principais
alicerces tradicionais de formação do Estado Moderno. Porém, as noções de
desterritorialização e reterritorialização inseridas na globalização atual,
redefinem os conceitos de soberania nacional, especialmente, quanto ao seu
conteúdo.
Afinal,
a soberania tida como poder supremo, se tornou essencial elemento do Estado
Moderno, inicialmente, através da supremacia da monarquia sendo o monarca o
detentor da vontade incontrastada diante dos outros poderes. Tais como a
nobreza e senhores feudais.
No
mesmo sentido das observações de Lenio Streck, consigne-se os dizeres de
Boaventura de Souza Santos quando este expõem que esse Estado, também chamado de
Estado de providência ou social, foi a instituição política inventada nas
sociedades capitalistas a fim de compatibilizar as promessas da modernidade
com o
desenvolvimento capitalista. E, esse tipo de Estado, de acordo com os
neoliberais, foi algo que passou, desapareceu, e o Estado simplesmente tem,
agora de se enxugar cada vez mais. Para os neoliberais, o Estado é agora uma
instituição anacrônica, porque é uma entidade nacional, e tudo o mais está
globalizado.
Portanto,
o outrora poder absoluto e perpétuo, posto que não sofresse qualquer limitação inclusive
quanto à sua duração, pois se submetia apenas às leis divinas e naturais.
Num
segundo momento, na lição de Rousseau[14], a soberania saiu das
mãos do rei, do soberano passando para a titularidade do povo que consubstancia
a sua vontade geral no contrato originário do Estado e que confere caráter
racional a este poder soberano.
E, no passar do século XIX, se desenvolve para uma ideia de emanação do poder político, e posteriormente, passa a titularidade ao Estado, transformar-se-á em característica fundamental do aparelho estatal[15].
A
soberania caracteriza-se, historicamente, como poder que é juridicamente
incontrastável e, através deste se tem a capacidade de definir e decidir acerca
do conteúdo e da aplicação das normas, impondo-as coercitivamente dentro de um
determinado espaço geográfico, bem como fazer frente a eventuais injunções
externas.
Tal
definição expressa as dimensões contemporâneas da soberania adquirida e construída
pelo Estado, isto é, há uma soberania interna e outra externa. E, Luigi
Ferrajoli aborda essa dicotomia ao tratar da noção de soberania como supram potestas
superiorem nom recognosceens (poder
supremo não reconhece outro acima de si), dizendo que a soberania interna é a história de sua progressiva
limitação e dissolução paralelamente à formação dos Estados constitucionais e
democráticos de direito.
E, em
relação à soberania externa afirma ser a história de sua progressiva
absolutização tendo seu auge na primeira metade do século XX com a deflagração
de duas grandes guerras mundiais.
A
globalização e, posteriormente, o modelo estatal neoliberal com suas profundas
transformações, não somente econômicas, mas também no âmbito social e político,
apresentam nova e inusitada realidade aos Estados nacionais, pois a descomunal
força adquirida pelos conglomerados
empresariais transnacionais e a formação das chamadas comunidades regionais
tais como a União Europeia, Nafta, Mercosul e, etc., teve papel fundamental na
relativização da soberania estatal, porquanto o Estado vai continuamente perdendo a sua condição de ser centro único e
autônomo de poder, sujeito exclusivo da política, único protagonista na área
internacional e ator supremo na seara do espaço territorial.
Evidentemente
que o processo de globalização não fora montado todo de uma única vez, mas é
certo que o processo se acirrou a partir do contexto da Segunda Grande Guerra.
E, desde então, nesse momento de reconstrução do mundo, percebe-se forte tendência
à internacionalização do capital, desenha pela busca de espaços mais amplos e
desregulamentados.
Destaca
Octavio Ianni existir três formas de tendência à internacionalização. Na primeira,
o capitalismo organiza-se em moldes nacionais, sintetizando a sociedade civil
no Estado à medida que define as formações sociais nacionais.
E, a
partir de então, o capitalismo assume sua segunda forma, atravessando
fronteiras e oceanos. Nesse momento subsistem e florescem as formações
econômicas nacionais, na mesma proporção
em que se desenvolvem e prosperam os sistemas mundiais. Metrópoles simbolizavam
países dominantes e coloniais, dependentes e associados. No entanto, vai-se
além, e novas transformações emergem.
Em sua
terceira forma, o capitalismo assume perfil global, é quando Ianni repara no
declínio dos Estados-Nação, tanto os dependentes como os dominantes.
Portanto,
depois de se despir de algumas de suas prerrogativas econômicas, políticas,
culturais e sociais, o Estado é
redefinido, debilitando-se. E, por isso mesmo, esvai-se e acaba por perder seu
escudo da soberania estatal.
Esse é
apenas uma das insuficiências e deficiências do Estado contemporâneo. Se for
verdade que a globalização, dentre outros fenômenos da contemporaneidade, tende
a esfumaçar as fronteiras dos Estados nacionais, deve-se cogitar, então de uma
crise de soberania, enquanto base de uma crise conceitual do Estado.
Obviamente,
que esta não se trata de uma crise isolada ou desconectada dos demais
progressos e retrocessos que tanto marcam os passos do Estado contemporâneo sob
outros aspectos.
E, ao
lado dessa crise conceitual, inúmeras outras crises podem ser apontadas a
partir do atual cenário de insuficiências e deficiências que notabilizaram o
Estado contemporâneo.
Mas,
não podemos acreditar que a ideia de que o Estado possa desaparecer e, sim que
existe nova dimensão, por seus elementos constitutivos que não mais servem para
tal função.
Os
paradigmas de povo, território e soberania, principalmente, esse último
elemento, devem ser revisitados, todavia, atentado para os reflexos negativos
ao caráter social em um esfacelamento dos Estados nacionais da cultura, da
economia, da política e da personalidade. É evidente que, com outras bases e
não aquelas que, traz-nos saudosismo, principalmente ao abordar o conceito de
soberania.
Tal
crise atinge a todos os Estados nacionais seja com maior ou menor intensidade.
Portanto, o modelo de Estado construído na modernidade, com sua tríplice
caracterização já não consegue dar conta da complexidade das (des) estruturas
institucionais que se superpõe hoje. Em vez da unidade estatal própria dos
últimos cinco séculos, tem-se uma
multipolarização de estruturas, ou da falta delas -, locais, reginais,
nacionais, continentais, internacionais, supranacionais, mundiais; públicas, privadas,
semipúblicas, oficiais, inoficiais, marginais, formais, informais,
paraformais; democráticas, autocráticas;
etc.
Conclui, in litteris:
“Tais
circunstâncias impõem o enfrentamento deste tema não mais a partir uma fórmula
dogmatizada, mas e sobretudo, desde
estruturas abertas que permitam ter presentes tais pulverizações, sem perder de
vista as consequências de tais possibilidade, assim como o papel fundamental
das estruturas públicas estatais no contexto das sociedades periféricas o
enfrentamento das desigualdades e na
promoção de políticas de inclusão social, o que nos leva a enfrentar o tema
da(s) crise(s) que afeta(m) uma expressão
peculiar do Estado –dito Moderno-, qual seja a que, a partir de sua formulação
moderna, privilegia o seu papel interventivo/transformador, o Estado Social em
suas múltiplas facetas.
Também,
é importante referir que as demais crises do Estado, onde as mesmas,
interconectam-se, sendo estas, uma crise estrutural constitucional, fincinal e
política.
A
crise estrutural do Estado, pode-se afirmar que o foco principal do debate
orbita em torno de críticas feitas à manutenção do Estado do Bem-Estar Social.
Esse perfil estatal foi construído ao longo de anos de lutas sociais com
interno de aperfeiçoar a regulação social, isto é, incorporando na ideia de
Estado trato da regulação para
convencionalmente chamada questão social, até então não aplicado de forma efetiva
no Estado Liberal de Direito.
Assim,
em face dessas reivindicações o Estado veio agregar um sentido finalístico
adquirindo função social e, transformando-se em Estado Social ou Welfare State,
obrigando-se a uma atuação interventiva-promocional, isto é, passa do Estado
Mínimo para àquele Estado garantidor de bem-estar do cidadão.
Cumpre
destacar que a mudança de atuação do Estado benefica outros segmentos da
sociedade que não somente as classes trabalhadoras, mas também apontou para
outras circunstâncias como investimentos em estruturas básicas no processo
produtivo industrial.
Em
outra circunstância e, não menos importante, ressalta-se a transformação do
sentido de que, a democratização dos movimentos sociais refletiu na abertura de
outros caminhos onde ficou estabelecido o crescimento das demandas por parte da
sociedade civil. Vindo este aspecto ser, uma das principais problemáticas do
próprio Estado de Bem-Estar, vindo a confrontarem-se, pelo crescimento da
atividade estatal, democracia e burocracia.
A
essência do Estado Social está calcada na ideia de intervenção porque a
população tem direito a ser protegida, e independente de sua situação social ao
indivíduo devem ser garantidos tipos mínimos de renda, alimentação, saúde,
habitação, educação, sendo-lhe assegurados não coo caridade, mas como direitos políticos.
Os
direitos sociais, econômicos e culturais constituem, junto com as liberdades
civis e políticas, o acesso a essa dimensão maior da liberdade.
Além
dos valores da igualdade e da liberdade, os direitos sociais encontram
fundamento ético na exigência de justiça, na medida em que são essenciais para
a promoção da dignidade da pessoa humana e indispensáveis para a consolidação
do Estado Democrático de Direito.
Nunca esquecendo que este regime, fundado sobre a democracia, pretende assegurar a inclusão social[16], o que pressupõe participação popular e exercício dos direitos da cidadania, onde esta estabelece um vínculo jurídico entre o cidadão e o Estado.
No
Estado Democrático de Direito este vínculo é mais abrangente, pois o cidadão é
aquele que goza e detém direitos civis (liberdades individuais) e políticos
(participação política), mas também direitos sociais em tempo de
vulnerabilidade.
A
sociedade preocupa-se que o indivíduo sobreviva dignamente, mostrando que
somente um cidadão poderá ser responsável quando a comunidade política tiver
demonstrado de maneira hialina que reconhece este mesmo indivíduo como membro
desta sociedade, garantindo seus direitos sociais humanos/fundamentais básicos.
Tentamos
demonstrar neste trabalho que a elaboração de referenciais aptos a uma mudança
de paradigma de Direito e de noção de Estado é fundamental, superando-se as
posições mais conservadoras, que impedem um desvelamento dos conceitos de
Estado e do Direito, que não mais condizem com as necessidades da coletividade,
da cidadania, modo que os operadores jurídicos passem a utilizar a Constituição
Federal e o Direito como instrumento de efetivação das garantias e direitos
fundamentais, inclusive os sociais com base nos princípios da igualdade
material e dignidade da pessoa humana presentes em nossa Constituição, carta
maior de um Estado considerado Democrático de Direito.
Temos
que ter claro o argumento que os direitos sociais fundamentais, adquiriram um novo
papel em nosso sistema jurídico, deixando, a muito, de serem meros instrumentos
formais, destinados a compensar situações de desigualdade, e passando a atuar
como núcleos integradores e legitimadores do bem comum, pois será através deles
que se poderá garantir a segurança, a liberdade, a sustentação e a continuidade
da sociedade humana.
Por
isso, se torna sempre justificável abordar as dificuldades encontradas para a
efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana bem como o princípio
constitucional da igualdade, matrizes de políticas públicas que visão a
inclusão social.
O
desequilíbrio entre as condições de vida de diferentes classes sociais, foram
assim formuladas as reivindicações sociais que serviram de bases para a segunda geração de direitos humanos, os
direitos sociais, econômicos e culturais.[17]
E,
depois o Estado Liberal, substitui o mesmo o Estado Social de Direito que
inclui no sistema de direitos fundamentais não só as liberdades clássicas, mas
também, os direitos econômicos, sociais e culturais. Porém, a noção de
igualdade social tão peculiar do Estado Social de Direito, não se identifica
com a garantia de igualdade perante a lei, mera igualdade formal Exige, ao
contrário, em outro tipo de igualdade, material, que representa exatamente a
superação da igualdade jurídica do liberalismo.
Através do princípio da igualdade material, o Estado se obriga retificar da ordem social, a remover as injustiças encontradas na sociedade. E, no Estado contemporâneo os direitos fundamentais básicos estão cada vez mais dependentes da prestação de determinados serviços públicos, pois os direitos fundamentais de defesa somente podem ser eficazes quando protegerem as condições materiais indispensáveis para sua plena realização. A caminho da concretude, deparamo-nos com a reserva do possível.
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Notas:
[1]
As crises que afetam o conceito de Estado, de soberania, de legitimidade, de
cidadania e de democracia. Além, de afetar as razões epistemológicas que tramam
o trajeto histórico do Estado na história da humanidade. Não se trata apenas da
crise estrutural econômica, nem a perplexidade diante da pluralidade de
demandas sociais, mas sobretudo, nas finalidades do Estado contemporâneo.
[2] Segundo Dalmo Dallari, a Teoria Geral do Estado é: “uma disciplina de síntese, que sistematiza conhecimentos jurídicos, filosóficos, sociológicos, políticos, históricos, antropológicos, econômicos, psicológicos, valendo-se de tais conhecimentos para buscar o aperfeiçoamento do Estado, concebendo-o ao mesmo tempo, como um fato social e uma ordem, que procura atingir os seus fins com eficácia e com justiça”. Em resumo, Teoria Geral do Estado é o estudo do Estado sob todos os seus aspectos, incluindo sua origem, organização, funcionamento e finalidades. Ou seja, compreende tudo o que existe e pode influenciar o Estado.
[3]
Para Bodin coloca a noção de soberania no centro de seu pensamento. Ele não se
preocupava com contrato social, doutrina conhecida de seu tempo e desenvolvida
pelos protestantes, ou com hipótese de um estado de natureza. A soberania é
absoluta, indivisível e perpétua, independente da forma do Estado, seja
monárquico, aristocrático ou democrático.
[4]
De acordo com Locke, o estado de natureza era um período de total igualdade
entre todas as pessoas. Todos eram regidos por uma lei natural, que garantia a
posse sobre qualquer bem, inclusive sobre o mesmo. Essa disputa pela posse de
um mesmo bem gerava conflitos e a solução defendida por ele foi a instituição
de um estado civil, com leis e normas sociais que regulamentavam a posse e
coibiam os confrontos. Contudo, ao contrário de Hobbes, Locke entendia que o
Estado era uma instituição que deveria ter limites bem definidos. Desta forma,
o Estado não deveria ter extrema força e deveria agir em conformidade com os
limites do direito à propriedade.
[5]
A forma ideal de governo para Kant é a República. Kant, define constituição
republicana como sendo aquela fundada no princípio da liberdade dos membros da
sociedade, enquanto seres humanos; na dependência dos membros a uma única
legislação comum, enquanto súditos; e conforme a igualdade de todos como
cidadãos.
[6]
O Estado de bem-estar social, ou Estado-providência, ou Estado social, é um
tipo de organização política, económica e sociocultural que coloca o Estado
como agente da promoção social e organizador da economia. Nesta orientação, o
Estado é o agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e
económica do país, em parceria com empresas privadas e sindicatos, em níveis
diferentes de acordo com o país em questão. Cabe, ao Estado de bem-estar
social, garantir serviços públicos e proteção à população, provendo dignidade
aos naturais da nação. O termo alemão Sozialstaat ("estado
social") tem sido usado desde 1870 para descrever programas de apoio
estatal criados por Sozialpolitiker ("políticos sociais")
alemães e implementados como parte das reformas conservadoras de Bismarck. O
equivalente literal inglês "estado social" não pegou nos países
anglófonos.[9] No entanto, durante a Segunda Guerra Mundial, o arcebispo
anglicano William Temple, autor do livro Christianity and the Social Order
(1942), popularizou o conceito usando a expressão "welfare
state".[10] O uso do "estado de bem-estar" pelo Bispo Temple foi
ligado ao romance de 1845 de Benjamin Disraeli, Sybil: or the Two Nations onde
ele escreve "o poder tem apenas um dever" para assegurar o bem-estar
social de as pessoas ".
[7]
O Estado Democrático de Direito não mais aceita uma postura omissa e passiva do
Poder Judiciário. Este deixou de ser um Poder distanciado da realidade social,
para tornar-se um efetivo partícipe da construção dos destinos da sociedade e
do país, sendo, além disso, responsável pelo bem da coletividade. Afinal,
vivemos numa sociedade tão complexa e conflitual que a possibilidade de
enfrentar, com êxito, as tensões desagregadoras demanda uma atuação do Poder
Judiciário cada vez mais próxima dos problemas sociais. Para José Alfredo
Baracho, No Estado de Direito exige-se grande esforço do juiz, para o exercício
do desenvolvimento da função promocional do direito: - construção de uma
jurisprudência que consagre os valores constitucionais da igualdade e da
solidariedade, realizando-se os avanços normativos necessários à sociedade...
Trata-se de uma revolução de envergadura. É, em suma, a substituição do Estado
Legal pelo Estado de Direitos. A positivação dos direitos já não está, em
última instância, nas mãos do Legislador, senão nas do Juiz, a quem cabe
concretizar o significado dos enunciados constitucionais para julgar, a partir
deles, a validade ou invalidade da obra do legislador. Se de um lado o magistrado
assumiu a função de "garante" dos direitos fundamentais, por outro,
passou a ter responsabilidades correlatas a esse dever.
[8]
Segundo Kelsen, a relação entre o Direito e o Estado é considerada análoga à
que existe entre o Direito e o indivíduo. O Estado cria o direito e é, por sua
vez, regulado por este. Essa dualidade é um dos fundamentos da ciência política
e da jurisprudência modernas. No entanto, essa dualidade é teoricamente
indefensável. Há um controle social recíproco entre o Estado, comunidade e os
indivíduos pelo Direito através de suas ordens normativas. Assim, não há que se
falar em ordens normativas diferentes, o Estado é a sua ordem jurídica.
[9]
Em 'A sociedade global', Octavio Ianni faz uma análise da globalização -
fenômeno que abandonou a esfera meramente político-econômica - apontando os
novos significados que este conceito confere aos indivíduos e à sociedade.
Exatamente como previra Marshall McLuhan, ao criar o conceito de aldeia global.
A própria Globalização se utiliza bastante de imagens na era da mídia,
som-imagem, eletrônica e informática em que nos encontramos. Nada mais natural
do que se utilizar desses próprios recursos para a tentativa de explicação do
fenômeno. Entretanto, o autor ao abordar a questão, salienta, que mais do que
simplesmente uma imagem, as metáforas são utilizadas em forma de parábolas e
alegorias, reflexo das próprias mudanças sofridas pelo homem e sua maneira de
pensar e fabular.
[10]
A soberania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme
Art. 1º, I da Constituição Federal. “Art. 1º A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a
soberania”. Para fins de estudo, a soberania é o poder ou a capacidade que tem
o Estado de criar e aplicar suas próprias leis dentro do seu território.
Características da soberania: a) Una ou única: O Estado soberano não admite a
presença de outro poder igual ou inferior ao seu. Pode admitir a presença de
poderes menores, mas subordinados ao poder soberano do Estado. b) Indivisível:
Não existe divisão de poderes. Isto é, não é o poder do Estado que é dividido,
mas as funções do Estado. c) Inalienável: A soberania não pode ser retirada.
Caso seja retirada, não haverá mais Estado. d) Imprescritível: Não prescreve,
não tem data de validade.
[11] Os Seis Livros da República foram escritos pela primeira vez em francês em 1576. E, ao final da década de 1570 essa obra foi estudada em Londres e Cambridge, e, foi para o público universitário. A República abre com uma carta Monseigneu Du Faur, Seigneur de Pibrac, Conselheiro do Rei em Conselho Privado, em que o autor justifica seu compromisso pelo desejo de salvar este Rino. A França fora atormentada por fortes divisões religiosas, entre católicos e huguenotes que geraram guerras religiosas e culminaram no massacre de Saint Barthélemy em 1572.
[12]
Bauman definiu como modernidade líquida um período que se iniciou após a
Segunda Guerra Mundial e ficou mais perceptível a partir da década de 1960.
Esse sociólogo chamou de modernidade sólida o período anterior. A modernidade
sólida era caracterizada pela rigidez e solidificação das relações humanas, das
relações sociais, da ciência e do pensamento. A busca pela verdade era um
compromisso sério para os pensadores da modernidade sólida. As relações sociais
e familiares eram rígidas e duradouras, e o que se queria era um cuidado com a
tradição. Apesar dos aspectos negativos reconhecidos por Bauman da modernidade
sólida, o aspecto positivo era a confiança na rigidez das instituições e na
solidificação das relações humanas.
[13] Tudo que é sólido desmancha no ar é a obra mais conhecida do autor estadunidense Marshall Berman, configurando-se numa história crítica da modernidade[1] e contendo análises críticas de vários autores e suas épocas – desde o Fausto de Goethe, passando pelo 'Manifesto' de Marx e Engels, pelos poemas em prosa de Baudelaire e pela ficção de Dostoiévski, até as vanguardas artísticas do século XX. Seu título alude a uma frase do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels. "Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas.
[14] Segundo Rousseau, o Estado civil foi criado de maneira ilegítima, de modo que a sociedade civil, baseada na propriedade privada, era um meio de corrupção do ser humano. Ele apoiava uma reformulação da sociedade, a fim de que a vontade geral fosse atendida em um governo que prezasse pelo bem social. Causas determinantes do aparecimento do Estado: a) Origem familiar ou patriarcal: Esta teoria afirma que o Estado se originou após a ampliação de cada família primitiva existente; b) Origem em atos de força: Esta teoria afirma que o Estado nasce pela dominação de um grupo social com força superior sobre outro, mais fraco; c) Origem em causas patrimoniais: Esta teoria pauta a origem do Estado em relação ao acúmulo de riquezas individuais, pois a classe que detinha mais poder econômico explorava a classe que não detinha; d) Origem no desenvolvimento interno da sociedade: Esta causa determinante afirma que o Estado se originou pelo desenvolvimento espontâneo da sociedade.
[15]
Para os contratualistas, a fase anterior ao estabelecimento do contrato social
é chamada de pré-social. Durante este período, a sociedade ainda não tinha se
formado e o homem vivia em seu estado natural. Não havia lei civil ou regras
para sustentar o convívio social, gerando conflitos. Desta forma, ao pactuar o
contrato social, o homem deixa de viver como um ser natural e passa a viver
como um ser que cria suas próprias leis, sua moral, os costumes e um conjunto
de instituições para que a convivência seja mais pacífica e harmônica entre as
pessoas.
[16]
A inclusão social é o termo utilizado para designar toda e qualquer política de
inserção de pessoas ou grupos excluídos na sociedade. Portanto, falar de
inclusão social é remeter ao seu inverso, a exclusão social A Secretaria
Especial dos Direitos Humanos resume alguns dados que podemos considerar como
exemplos de exclusão social: - 125 milhões de crianças no mundo não frequentam
a escola, sendo dois terços delas mulheres; - Somente 1% dos deficientes
físicos frequentam a escola em países subdesenvolvidos e emergentes; - 12
milhões de crianças morrem por problemas relacionados com a falta de recursos
por ano.