Cúpula das Américas e Direito Internacional Público
Os países que integram a Cúpula das Américas compartilham o compromisso com as práticas democráticas, com a promoção de melhor integração econômica e a materialização da justiça social. Trata-se de mais uma oportunidade para renovar o Pacto de Desenvolvimento e Prosperidade nas Américas.
Já tem mais de uma década que
os Chefes de Estado e de Governo das Américas se reúnem, periodicamente, para
discutir problemas comuns e buscar soluções e desenvolver uma panótica compartilhada para o desenvolvimento
das Américas, seja este social, econômico, ou de natureza política.
Enfim, a nona cúpula regional
acompanha o contexto de instabilidade geopolítica e participação de alguns
países permanece ser uma incógnita. Essa reunião aconteceu em 6 de junho de
2022 em Los Angeles, nos EUA. E, a tensão é latente tendo em vista que alguns
países latino-americanos nem foram convidados.
Trata-se da segunda vez que os
EUA sediam esse encontro que ocorre desde 1994, ano em que o evento fora
realizado pela primeira vez depois da convocação do então presidente
norte-americano Bill Clinton.
A reunião com os líderes do
continente visa discutir e definir ações de enfrentamento de problemas e
desafios comuns da região e, anda avançar na integração.
A Cúpula e seus fóruns
promovem a cooperação para o crescimento econômico inclusivo e a prosperidade[1] nas Américas, com base no
respeito comum pela democracia, as liberdades fundamentais, a dignidade humana,
a dignidade do trabalho e a livre iniciativa.
A reunião nesse ano se torna
particularmente importante em face da pandemia de Covid-19[2] e seus efeitos deletérios
nas áreas econômica e política. Recentemente, os líderes se comprometeram em
combater a corrupção e promover a governança democrática, desde que se reuniram
na oitava Cúpula das Américas que ocorreu em Lima, no Peru, em 2018.
Os EUA realizarão três fóruns
oficiais que reunirão os membros da sociedade e promoverão o maior diálogo
entre os Chefes de governo, os povos, as empresas para enfrentar os desafios e
oportunidades hemisféricas, tal como a inclusão social, a recuperação
econômica, mudanças climáticas, democracia e transformação digital, conforme
explicou o governo de Biden, que enfatiza o tema "Construindo um futuro
sustentável, resiliente e equitativo".
O Presidente Joe Biden
terminou seu discurso e estendeu a mão para cumprimentar um companheiro
imaginário. Pois, não há ninguém ao seu lado. E, a mesma ação é repetida dias
depois. Parecem que os principais
líderes americanos estão confusos. Não em relação com seu vínculo com a América
Latina, onde democratas e republicanos quase sempre concordaram que qualquer
ligação com os povos que vivem ao sul do Rio Grande deve ser estabelecido de
acordo com os interesses, demandas, necessidades e eventuais caprichos do
governo dos EUA.
Além do eminente fracasso na
imposição da área de livre comércio das Américas (ALCA) em 2005, a reunião
serviu apenas para apoiar e promover a interferência dos EUA na América Latina,
consolidando as velhas assimetrias entre centro e periferia do continente.
Entre os seus objetivos
norteadores estão o combate à corrupção e ao narcotráfico que foram utilizados por Washington para exercer poderes
extraterritoriais, sancionando de forma unilateral e coercitiva seus
adversários políticos em outras nações sob o argumento de eliminar os perigos
que tanto ameaçavam suas democracias.
O fiasco parece ter começado
com a unilateral decisão do governo Biden em vetar a participação de Cuba,
Venezuela e Nicarágua. E, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador,
exigiu a suspensão do verto ianque como condição sine qua non para estar
presentes em Los Angeles. E, os governos de Gabriel Boric (Chile), Alberto
Fernández (Argentina), Xiomara Castro (Honduras), Luís Arce (Bolívia) também
expressaram seu grande desconforto e rejeição à decisão de Biden. Tanto que nem
México Bolívia participarão da IX Cúpula das Américas.
Recorde-se ainda que o artigo
19 da Carta da OEA[3]
oferece informação de que todo Estado tem o direito de escolher, sem interferências,
seus interesses políticos, regime econômico e social e, ainda, organizar-se da
forma que melhor lhe convier, tendo o dever de não intervir em assuntos de
outro Estado.
Vivenciamos um momento crucial
pata o sistema interamericano pois ao aceitar as condições impostas pelo
governo dos EUA, sem maiores delongas ou com expressões inócuas de desgosto,
significará um franco retrocesso democrático que se torna inexplicável, apesar
de suas dificuldades governamentais, tanto de progressistas como os de esquerda
que se multiplicaram em toda América Latina.
Há de se refletir e procurar
alternativas ao sistema em crise, procurando fortalecer os espaços existentes,
especialmente, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, Celac.,
a reconstrução da União de Nações Sul-Americanas, a Unasul e, fazendo o
possível para promover o primeiro ciclo progressista da região.
Afinal, devem tanto a América Latina
como Caribe devem construir seus próprios órgãos, instituições e espaços
multilaterais de integração regional, sem exclusões ou tutelas, reconhecendo a
experiência inspiradora da União Europeia e criando um esquema de integração
que se alimente da diversidade e construa um respeito inalienável pela
soberania dos povos. E, os EUA poderão ter
relevante protagonismo diante desse grande desafio histórico.
Conveniente que seja abandonada a arrogância hegemônica e colonialista, deixando de considerar os povos da América Latina e do Caribe não têm outro destino ser o quintal de suas aspirações imperialistas[4].
A Cúpula das Américas teve sua
primeira edição em Miami, nos EUA em 1994 durante a gestão do Presidente Bill
Clinton, com o fim de criar a ALCA -Área de Livre Comércio das Américas[5].
Em 2005, infelizmente, a
reunião foi sediada em Mar Del Plata, na Argentina, esse objetivo fora
descartado devido à forte polarização havida entre os países chamados bolivarianos
da América Latina e o governo do George W. Bush nos EUA.
Lembremos que foi na Cúpula de
Québec, no Canadá, em 2002 que se definiu a Carta Democrática Interamericana
que se transformou em recurso de fortalecimento da OEA, Organização dos Estados
Americanos.
Em 2009, a Cúpula de Trinidad
y Tobago, o então o presidente era Barack Obama, recebeu das mãos do
venezuelano Hugo Chávez um exemplar do livro intitulado "As Veias Abertas
da América Latina", um ensaio do escritor uruguaio Eduardo Galeano.
Já, em 2012, no encontro
sediado em Cartagena das Índias, o então Presidente colombiano Juan Manuel
Santos tentou trazer ao encontro do ditador cubano Raúl Castro, numa tentativa
de tirar o país do isolamento, porém, fora instado pelos EUA a não o fazer. E, com
isso desistiram os líderes do Equador, Rafael Correa, da Nicarágua, Daniel
Ortega e, da Venezuela, Hugo Chávez.
Causou grande repercussão na
mídia a ida de Hillary Clinton a uma discoteca famosa no bairro de Getsemani.
Em 2015, no Panamá ocorreu o
primeiro encontro entre Barack Obama e Raúl Castro, selando aproximação entre
os dois países, atualmente, sob ameaça pelo retrocesso perpetrado pelo atual
mandatário norte-americano, Joe Biden.
Em Lima, o país anfitrião
desconvidou a Venezuela em razão de abusos praticados deste país contra os
direitos humanos e, ainda, por não respeitar os princípios democráticos com os
quais estão de acordo os demais participantes.
No governo anterior ao de Joe
Biden, o de Donald Trump foi a primeira vez na história das cúpulas em que um mandatário foi enviado, na época o
vice-presidente Mike Pence. E, isso angariou severas críticas acentuando o seu
desinteresse pela região.
Sublinhe-se que o principal
propósito seja o fortalecimento das relações entre os países das Américas,
portanto, é relevante que inclua todos os países da região, porém, não é o
ocorre nessa nova edição da Cúpula das Américas.
O Presidente do México, López
Obrador cumpriu sua palavra e retirou a sua participação. E, afirmou que não
pode haver Cúpula das Américas se todos os países do continente americano não
participarem. Ou pode haver, mas acreditamos que isso significa continuar com a
vetusta política, de intervencionismo e de falta de respeito pelas nações e
seus povos.
Segundo Nicolás Maduro, atual
Presidente da Venezuela, a decisão dos EUA foi discriminatória, enquanto a
atitude de Obrador foi corajosa. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau,
e o presidente do Chile, Gabriel Boric, também lamentaram a exclusão de três
países.
E, excluído da Cúpula das
Américas, Maduro vai à Turquia para fortalecer cooperação.
A sociedade civil também
reagiu à altura e, uma cúpula paralela foi estabelecida, é a chamada Cúpula dos
Povos. E, o evento promove debates, workshops e palestras ao longo de
três dias, entre os dias 8 a 10 de junho.
A exclusão de alguns países é
uma demonstração da dinâmica norte-americana que insiste em excluir específicos
países, pois têm os EUA um alinhamento político que considera esses países
indignos de se envolverem em conversas mais amplas, mesmo que isso afeta direta
ou indiretamente. Foi o que afirmou uma das organizadoras dos Povos, Xochitl
Sanchez.
Esse evento paralelo são
capitaneados por lideranças civis e dá voz aos palestrantes e especialistas relevantes
em sua região, trazendo visão assertiva sobre seus lugares de origem. E,
proposta de colaborações, mas tudo com uma abordagem coletiva.
A Cúpula dos Povos pretende organizar uma
grande marcha rumo ao centro de Los Angelos em 10 de junho. Ativistas
brasileiros preparam uma recepção para o atual Presidente da República nas ruas
de Los Angeles.
Um caminhão com três telas de
LED circulou pelas ruas da cidade da Califórnia contendo mensagens como: Fuera,
Bolsonaro. Don't trust Bolsonaro (não confie em Bolsonaro) e Bolsonaro
loves Trump (Bolsonaro ama Trump) e, todas vinham acompanhadas de imagens
do atual presidente brasileiro.
Essa ação foi resultante de
articulação de organizações brasileiras e internacionais que preferem manter o
anonimato alegando motivos de segurança para seus integrantes. E, o grupo
afirma temer represálias e violências a que ativistas estão sujeitos no Brasil.
Em nota divulgada nesta terça, a articulação
de entidades diz que Bolsonaro leva para Los Angeles e para Cúpula das Américas
sua "péssima reputação ambiental e seu desprezo pelas instituições
democráticas". A intenção do grupo e da intervenção para alertar os
norte-americanos e o presidente Joe Biden sobre o tipo de líder que será
prestigiado com uma reunião bilateral.
A
mensagem dos ativistas ecoa ainda uma carta que 71 organizações da
sociedade civil brasileira protocolaram, também nesta terça, na Casa Branca.
Entre as ONGs estão a Associação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), a
Comissão Arns, o Greenpeace Brasil e o Instituto Vladimir Herzog.
A Cúpula dos Povos carrega o
legado de movimentos contra o capitalismo neoliberal e o imperialismo
estadunidense. Eles têm organizado “contra-cúpulas” todas as vezes que os
Estados Unidos organizam sua Cúpula das Américas.
Observa-se a proliferação de
novos organismos internacionais durante as derradeiras décadas e com diversas
referências na América Latina e no Caribe (ALC) é fenômeno que expressa as mais
profundas mudanças nas relações internacionais da região, que não se restringem
ao hemisfério, conforme ocorreu durante a Guerra Fria, mas que se abrem para
perspectivas mais globais.
A antiga ideia de panamericano
do Hemisfério Ocidental, foi materializada na Organização dos Estados
Americanos (OEA) em 1948, nas Cúpulas das Américas (ALCA). Outros órgãos, como a União das Nações
Sul-Americanas (Unasul) em 2008, usam o termo para conotar espaços mais
circunscritos, no caso a América do Sul. Deve agregar também as sub-regiões
como o Caribe, a América Central, Sistema de Integração Centro-Americano~; a
sub-região andina, Comunidade Andina de Nações, o Mercado Comum do Sul e,
entidades que se referem aos grupos organizados com base em políticas comuns
diante de terceiros, a Aliança do Pacífico, assim como aquelas com orientação
político-ideológica comum, a Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa
América (ALBA).
E, para tanto, recorre-se inclusive ao âmbito dos vínculos
histórico-culturais, as Cúpulas Ibero-Americanas, de 1991.
A fim de entender o
multilateralismo regional, devemos examinar que organismo ou entidades o
configuram em torno de que temas se organiza; e como as transformações do
sistema internacional depois de onze de setembro de 2001, associadas às
mudanças sociopolíticas domésticas que condicionaram sua evolução.
Analisaremos a natureza
jurídica dos organismos, o alcance das obrigações que adquirem os
participantes, a tomada de decisões, os mecanismos de solução de controvérsias,
os recursos financeiros e de pessoal. Finalmente, exploraremos fontes
potenciais de mudança: as políticas externas dos principais atores; suas
estratégias de desenvolvimento e sua inserção no sistema internacional; e o
modelo de interação ou cooperação visado.
O multilateralismo
contemporâneo desenvolveu-se no marco das Nações Unidas. O Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) formalizou em 1947 o sistema de
segurança hemisférico e, em 1958, a Carta de Bogotá outorgou nova
institucionalidade à noção de panamericana na OEA. As principais preocupações
políticas e de segurança restaram demonstradas entre os anos de 1948 a 1959 e,
os órgãos políticos foram convocados sete vezes em casos de conflitos
interestatais, golpes de Estado, ou ameaças existentes entre os países-membros.
Em verdade, os direitos
humanos e a democracia apareceram em etapas posteriores da OEA e, apesar da
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem tenha precedido a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, o sistema interamericano estabeleceu
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apenas em 1959.
A criação de uma Corte
Interamericana de Direitos Humanos tardaria mais uma década. E, a democracia representativa
mencionada na Carta permaneceu em plano retórico até os anos de 1990.
Mesmo que o âmbito econômico
tenha sido o de maior interesse para os latino-americanos na criação de um organismo
regional no pós-guerra, a cooperação econômica dos Estados Unidos limitou-se ao
fomento do investimento privado e a limitados créditos públicos. A ideia de um
banco interamericano só foi aceita pelos Estados Unidos na segunda metade dos
anos 1950.
Entre os anos de 1960 a 1989 a
OEA permaneceu como principal órgão regional nos âmbitos de segurança e
política exterior. E, os ministros de Relações Exteriores ou o Conselho
Permanente se reuniram em dezoito oportunidades, entre 1959 a 1982 para tratar de
casos de instabilidade na região.
E, nessa etapa, sete reuniões
tiveram como foco principal a situação de Cuba sendo a mais crucial a que
excluiu esse país, em 1962 de sua participação na OEA. O mecanismo de segurança
operou dentro dos parâmetros da Guerra Fria, ainda que tenha também resolvido
os conflitos interestatais tradicionais.
No entanto, a Guerra das
Malvinas em 1982, criou fissura relevante entre seus membros e os mecanismos de
segurança não voltaram a ser convocados até 1989, situação em que não se
autorizou a invasão do Panamá.
Em termos de direitos humanos,
a CIDH assumiu papel cada vez mais relevante, preparando informes sobre países mais
afetados e atuando contra sua violação pelas ditaduras sul-americanas.
Adotou-se a Convenção
Americana de Direitos Humanos, ocorrida em San José de Costa Rica, em 1969, em
vigência em 1978. Em 1982, a Corte emitiu sua primeira opinião consultiva e, em
1988 sua primeira decisão em assuntos contenciosos.
No final desse período, a
instalação do sistema interamericano de direitos humanos havia sido completada
(Pasqualucci, 2003). A integração econômica não esteve presente no nível
hemisférico nesse período, ainda que os Estados Unidos tenham aberto um espaço
para apoiar a integração latino-americana por meio do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
É preciso recordar que até
1960, a OEA era organização regional per se. E, a ideia de integração
latino-americana havia se desenvolvido desde os anos cinquenta a fim de superar
a crise do modelo de industrialização por substituição de importações.
E, inspirados em Raúl Prebisch
e na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), das Nações
Unidas, buscava-se ampliar os mercados internos sem alterar substancialmente a
proteção em relação a terceiros. Foi nesse o princípio das organizações
regionais latino-americanas, Mas, não lograram implementar os compromissos
assumidos e muito menos ampliá-los.
A Associação Latino-Americana
de Livre Comércio (Alalc), de 1960, composta pelo México e países
sul-americanos, visava criar uma zona de livre-comércio em doze anos, prazo que
foi aumentado para vinte anos em 1969, sem chegar a completar-se (Guerra
Borges, 2012).
Diante da falta de resultados
significativos surgiram projetos sub-regionais. Já em 1969, Bolívia, Chile, Colômbia,
Equador e Peru – além da Venezuela (1973) – formaram o Pacto Andino, que se traduziria
na redução de tarifas alfandegárias inter-regionais e também em políticas comuns
de desenvolvimento industrial e de trato do investimento estrangeiro. Em 1976,
o Chile retirou-se do Pacto, a iniciativa perdeu seu ímpeto durante a crise dos
anos 1980 e também não atingiu seus objetivos.
Na América Central, Guatemala,
El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica estabeleceram o Mercado Comum
Centro-Americano, em 1960, que chegou a conseguir um comércio recíproco
equivalente a um quarto das exportações totais dos países da região no final
dos anos 1970.
No entanto, a guerra entre El
Salvador e Honduras, em 1969, levou à retirada de Honduras. Tudo isso, somado aos
conflitos em El Salvador, àqueles derivados da revolução sandinista na Nicarágua
e aos efeitos da crise dos anos 1980, produziu o estancamento do comércio
inter-regional e desacreditou as instituições de integração centro-americanas
por uma década.
Em síntese, nesse período a
OEA foi ampliando sua preocupação temática e excluindo a integração comercial.
Essa se colocou como uma aspiração no nível latino-americano e foi implementada
em âmbitos sub-regionais, mesmo que sem atingir os objetivos planejados. Os
organismos internacionais gerados cumpriam tarefas de acordo com seus tratados
constitutivos, mas em áreas que não se sobrepunham.
O fim da Guerra Fria levou à
busca de novos paradigmas. No marco de uma revitalização do multilateralismo, as
Américas e a ALC seguiram esse caminho. Esse período está marcado por mudanças
na região: a abertura à economia internacional, o ocaso das guerras civis
centro-americanas e o fim das transições para a democracia nos países do Cone
Sul.
A OEA em que o Canadá
ingressou em 1990 adotou o Compromisso Santiago com a Democracia e a Renovação
do Sistema Interamericano de 1991, que enunciou novas direções a seguir e, por
iniciativa dos EUA, começou o processo das Cúpulas das Américas, em Miami, em
1994, buscando recolher as convergências que surgiam para a ação multilateral
sobre a base da adesão à democracia e a abertura ao livre-comércio, dando novo
impulso a um projeto hemisférico. Um certo consenso durou aproximadamente uma
década.
Em matéria de segurança
hemisférica, a incorporação de novos problemas à agenda (como o narcotráfico, o
terrorismo e o crime transnacional organizado) e o impulso dado às medidas de
fomento à confiança e à segurança para voltar a abordar os temas interestatais
numa OEA renovada expressaram-se na Declaração sobre Segurança nas Américas, no
México, em 2003. Essa nova
agenda de segurança multidimensional enfatizou a vinculação a diversas agências
internacionais em matéria de narcotráfico, terrorismo e segurança cidadã. Por
outro lado, as Reuniões Ministeriais de Defesa geraram novo âmbito de contatos
entre os países do hemisfério. A OEA manteve certo papel nos temas de prevenção
de conflito interestatal.
Em direitos humanos, a CIDH
foi seguida pela ação de governos (Argentina, Chile e Uruguai) que
estabeleceram procedimentos para enfrentar as violações de direitos humanos em seu
passado recente e recebeu convites do Brasil e do México para avaliar sua
situação quanto aos direitos humanos. Aumentaram também os casos diante da
Corte Interamericana. Por outro lado, durante os anos 1990, vários países
aceitaram a jurisdição da Corte, exercida em 2013 sobre 21 Estados.
Após a Guerra Fria foi a
criação de mecanismos multilaterais para a defesa e promoção da democracia na
OEA. O compromisso de Santiago e a Resolução 1080 (XXI), de 1991, incorporados
à Carta pelo Protocolo de Washington de 1992, permitiram a ação da organização
em caso de ruptura de um regime democrático.
E, o processo normativo
alcançou seu auge com a Carta Democrática Interamericana em 2001 e, trouxe uma
transformação na preocupação original pela segurança internacional e proteção à
democracia de acordo com os conceitos predominantes no pós-Guerra Fria e
concordes com as transformações que deram na América Latina na década anterior.
A Declaração Iniciativa para
as Américas do Presidente Busch Jr. preconizou pela primeira vez a integração comercial
como programa para o hemisfério.
Paralelamente, os mecanismos
de integração na ALC também passaram por profunda modificação após a crise da
dívida externa dos anos 1980. O financiamento do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e do Banco Mundial para enfrentá-la implicou promover reformas de mercado
(privatizações, desregulamentações e redução de barreiras comerciais) que foram
além do reestabelecimento da estabilidade macroeconômica e abriram as economias
latino- americanas às exportações.
Nesse marco transformaram-se e
foram revitalizados mecanismos de integração comercial, emergindo um “novo
regionalismo” ou regionalismo aberto, que não mais visa criar um mercado
ampliado com barreiras ao exterior, mas integrar-se para obter vantagens competitivas
num processo aberto ao mercado mundial (Giordano e Devlin, 2011).
A expressão da mudança surgiu
nos termos das negociações comerciais foi a criação do Tratado Norte-Americano
de Livre Comércio (Nafta) em 1994, o primeiro acordo que incluiu um país
latino-americano e os dois países anglo-saxões da América do Norte.
E, acertou-se, na ocasião a
redução de tarifas alfandegárias, mas também regulamentações em diversos
âmbitos macroeconômicos, incluindo o comércio de serviços e investimentos, que fixaram marco para esses países, estabelecendo
a maior zona de livre-comércio no hemisfério.
A defesa da democracia foi
preocupação importante do Grupo: o Panamá foi suspenso durante o governo de Manuel
Noriega e expulso após a invasão dos Estados Unidos em 1990; o governo de
Alberto Fujimori foi suspenso após o autogolpe de 1992; e o Grupo manteve-se
atento ao apoiar os processos democráticos na região. Essas preocupações foram
complementares às novas instituições de defesa e promoção da democracia pela
OEA.
A OEA não conseguiu recuperar
a primazia nos assuntos de segurança: no âmbito centro-americano continuou exercendo
certo papel e tem desempenhado um rol de coadjuvante no processo de
desmobilização na Colômbia, mas, em 2012, os quatro países da Alba que ainda
pertenciam ao TIAR – Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela – anunciaram sua
retirada desse tratado. Por outro lado, novas iniciativas na América do Sul
têm-se ocupado desses assuntos.
O fortalecimento dos processos
democráticos é um objetivo da integração na América Central (Tratado Marco de Segurança
Democrática, 1995) e no Mercosul (Protocolo de Ushuaia, 1998). Estabeleceu-se
um mecanismo diante de uma “ruptura da ordem democrática”, que contempla
consultas com o país que apresenta problemas e autoriza seus membros a adotar
desde a suspensão da participação no organismo até a suspensão dos direitos e
obrigações do país-membro infrator.
A Carta Democrática
Interamericana, de 2001, não pôde ser aprofundada em razão das diferenças que surgiram
quanto ao conceito de democracia e à aplicação do mecanismo, especialmente no
tocante ao golpe de Estado na Venezuela em 2002.
A América Latina desenvolveu
ampla agenda jurídica de Direito Internacional ao longo de sua história, inserindo-se
na sociedade internacional e utilizando instrumentos disponibilizados naquele
tempo para regular as relações interestatais.
O debate sobre o regionalismo e mesmo a gênese de um Direito Internacional Americano deixa isso bastante evidente, embora o tema não tenha sido disciplinado com a sensibilidade necessária e tenha se desvirtuado entre as interpretações contestantes e subservientes ao pensamento imperialista.
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Acesso em 8.6.2022.
Notas:
[1]
O progresso social e a prosperidade econômica só poderão ser sustentados se os
nossos povos viverem num ambiente sadio e se os nossos ecossistemas e recursos
naturais forem geridos cuidadosa e responsavelmente. Para impulsionar e
implementar os compromissos assumidos na Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, e na
Conferência Global sobre Desenvolvimento Sustentável de Pequenos Estados
Insulares em Desenvolvimento, realizada em Barbados em 1994, formaremos pactos
de cooperação para fortalecer nossa capacidade de prevenir e controlar a
poluição, de proteger ecossistemas e de usar nossos recursos biológicos de
maneira sustentável, bem como de promover a produção e o uso limpo, eficiente e
sustentável de energia. Para beneficiar futuras gerações por meio da
conservação ambiental, incluindo o uso racional dos nossos ecossistemas,
recursos naturais e patrimônio biológico, continuaremos a procurar a cooperação
tecnológica, financeira e de outras formas.
[2]
A desaceleração da economia global foi confirmada pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) que alerta para quedas do Produto Interno Bruto (PIB) na
China e em diversos países afetados pelo vírus. A China é a segunda maior
economia do mundo e com participação de 16% no PIB global. A redução do consumo
e da atividade econômica nesse país com fechamento de fábricas e lojas afetam
diretamente o mundo e, principalmente, o Brasil. Em termos de impactos
financeiros o avanço da pandemia derrubou as principais bolsas de valores do
mundo. No Brasil a queda chegou a 7%. As atividades econômicas mais afetadas
com a redução no preço das ações estão as companhias aéreas e empresas dos
setores de turismo, tecnologia, eletrônicos, minérios, automóveis e até alimentos.
Tudo isso diminui os lucros e gera uma ruptura na cadeia de suprimentos.
Enquanto as bolsas despencam o dólar bate recorde de altas sucessivas.
[3]
A Carta da OEA estipula que a democracia representativa é indispensável para a
estabilidade, paz e desenvolvimento da região. É o único sistema político que
garante o respeito aos direitos humanos e o estado de direito e salvaguarda a
diversidade cultural, o pluralismo, o respeito pelos direitos das minorias e a
paz nas nações e entre elas. A democracia baseia-se, entre outros fundamentos,
em eleições livres e transparentes e inclui o direito de todos os cidadãos de
participar do governo. A democracia e o desenvolvimento reforçam-se mutuamente.
[4]
É o princípio da solidariedade internacional que promove e justifica a
interação entre Américas no plano internacional. O aparecimento de
solidariedade está contido num preceito da vida em sociedade como um todo. Assim,
o pressuposto que deu base ao surgimento da solidariedade remonta ao início da
vida em sociedade, de vínculos fraternos que uniam membros de uma mesma
família, de um mesmo grupo e, à medida que a sociedade foi tornando-se complexa
em suas relações, esses vínculos foram assumindo outras dimensões. Na sociedade
internacional a medida de solidariedade entre os Estados vai se fazer presente
na medida em que aquela desenvolve a consciência da existência de uma
comunidade internacional, pautada por relações além dos interesses soberanos e
egoístas, na interdependência, seja espiritual, econômica ou social, na ideia
de viver em uma comunidade universal, regional ou mesmo global, a partir da
reflexão de filósofos e pensadores e do próprio desenvolvimento de laços
históricos e políticos e mesmo geográficos entre os povos de diferentes
Estados.
[5] A ALCA visou criar uma extensa área, na qual mercadorias e serviços tenham livre mobilidade, isto é, livre circulação. A mobilidade plena deve ser alcançada ao longo de um certo tempo considerado suficiente para que os milhões de agentes realizem os seus ajustes à nova realidade. O conjunto de nações que constituem as Américas é caracterizado por fortes disparidades. Um processo de integração comercial que assegure o livre trânsito de bens e serviços num cenário dessa natureza provoca, pelo menos três tipos de efeitos que partem, em geral, das economias mais fortes para as menos desenvolvidas.
Autores:
*José Luiz Messias Sales. Professor Universitário. Mestre em Direito das Relações Internacionais e a Integração. Advogado. Especialista em Direito Empresarial, Direito Processual Civil. Assessor do Instituto Jamil Sales (IJL). Autor da obra “Segurança Jurídica dos Contratos Comerciais no Mercosul. As Relações entre Brasil e Uruguai” E-mail: messiassales@terra.com.br
*Gisele Leite. Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. 29 Obras Jurídicas publicadas. Presidente da ABRADE-RJ. Consultora IPAE. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ). E-mail: professoragiseleleite@gmail.com