Considerações sobre os Partidos Políticos no Sistema Jurídico Brasileiro
A política institucional que vem galgando crescente visibilidade no Brasil contemporâneo nos faz atentar para a importância dos partidos políticos para a saúde da democracia pátria. Porém, a democracia não se limita aos partidos, se completa com o exercício efetivo de tolerância social, de respeito aos dissensos e a constituição de maiorias temporárias e, principalmente o respeito aos direitos fundamentais.
Após extenuante trajetória evolutiva do
constitucionalismo democrático, apesar de que existiam partidos mesmo quando
não existia a democracia. E, a democracia passou a ser progressivamente
preponderante e assumindo a feição de democracia partidária, dentro do contexto
da chamada democracia representativa, mesmo havendo eventual reconhecimento de
candidaturas avulsas.
J.J. Gomes Canotilho nos alerta que a
democracia é sempre com partidos, assim como o Estado Constitucional se
caracteriza por ser um Estado Constitucional de Partidos. Mesmo em regimes
autoritários e até totalitários, tais como o nazismo e do comunismo da União
Soviética e, mesmo no regime militar superado no Brasil, pela ConstituiçãoFederal de 1988.
Em verdade, os partidos políticos[1] correspondem a uma
particular forma de exercício da liberdade de associação, sendo, portanto, o
meio por excelência de exercício da democracia representativo. Na sistemática jurídica pátria, revela-se de
crucial relevância pois de acordo com o modelo adotado pelo vigente texto
constitucional, não existe representação política que não passe
obrigatoriamente pelos partidos políticos, posto que seja condição para
qualquer candidatura a filiação ao partido político.
Os partidos desde seu surgimento, em sua
primitiva concepção teórica, na Inglaterra do século XVII, os partidos
políticos, na condição de instituições permanentes da democracia representativa
e da participação política assumiram uma função de canal de mediação entre a
não regulada pluralidade de ideias e interesses do povo (sociedade) e a
organizada unidade de ação do Estado, seja durante ou segundo os termos do
processo eleitoral propriamente dito, seja naquilo em que buscam influenciar e
organizar as decisões do Estado, conforme os projetos e solicitações da
sociedade.
Obviamente os partidos se revelam em ser
consequência da participação parlamentarmente organizada do povo na formação
democrática da vontade e do processo decisório político, tanto em seu
surgimento como na sua difusão que são constitucionalmente condicionadas, ainda
que isso nem sempre tenha sido objeto de percepção pelo poder constituinte.
Cabe mencionar que os partidos políticos
e a previsão de modelo partidário correspondem aos elementos centrais da
própria constituição material, sem prejuízo de sua inserção no bojo
constitucional, que os disciplinam com maior ou menor rigor.
No exercício da função de mediação e
articulação, ademais da participação na formação da vontade política pelos
cidadãos, o conteúdo de sua tarefa será determinado apenas no contexto e,
mediante sua inserção, do conjunto da ordem constitucional democrática, considerada
como uma ordem de poder legitimada pela maioria do povo, assegurada a igualdade
de chances das minorias e mediante um processo político livre e aberto.
Entre suas funções mais concretas dos
partidos políticos, está o de identificar e formar as lideranças políticas, com
sua respectiva apresentação ao povo (eleitor) e, ainda, a captação do seu voto,
na condição de partido do governo cumprir o seu desiderato na caracterização de
legitimação entre o povo e o Estado, mas,
na oposição, e potencial governo futuro, exercer o curial papel da crítica e de
controle, portanto, provendo a limitação do poder e a proposição de
alternativas, principalmente na representação de minorias políticas.
Conclui-se que os partidos políticos a
partir de suas funções são, em verdade, organizações de caráter especial para
assegurar a participação e fruição de estruturas democráticas do Estado, no
âmbito de permanente e salutar diálogo e comunicação entre a sociedade e o
Estado.
No que se refere à posição dos partidos
políticos na ordem constitucional e da divisão de poderes estatais, convém
sublinhar, com base em Konrad Hesse[2], que os partidos não
atuam, ou, pelo menos não deveriam atuar para além de fronteiras da vontade
política, especialmente, não devem participar e influenciar diretamente a
atividade jurisdicional e o Poder Executivo, já que sujeitas a uma juridicidade
própria e autônoma, distinta da formação da vontade política.
Porém, isso não significa que de modo
ainda que indireto os partidos políticos não exerçam maior ou menor influência,
seja no Poder Judiciário, na participação da regulação legislativa e mesmo
constitucional de seu papel, estrutura e competência e, também, no Poder
Executivo, de modo similar, além do próprio controle político e externo,
aprovação e limitação do orçamento[3].
Destaque-se ainda a autonomia dos
partidos e o seu papel diferenciado não são incompatíveis com o fato, também
evidente e natural numa democracia partidária, de que os cargos eletivos do
Executivo sejam, assim como os do legislativo, em regra preenchidos por
candidatos filiados a determinado partido político.
Os partidos políticos pelas suas funções
e peculiaridades e independentemente de seu regime jurídico próprio que em
grande parte dos casos é de direito privado, como no Brasil, os partidos
constituem um tipo de associação especializada e finalisticamente condicionada,
estruturada e organizada, razão pela qual, trata-se de organizações
autoinstitutivas, não podem ser substituídas por outras, salvo se forem do
mesmo tipo e cumprindo as mesmas funções.
De fato, os partidos dentro da
arquitetura constitucional e o próprio estatuto dos partidos na Constituição
Federal brasileira, tal como os direitos fundamentais, direitos políticos,
titulares de direitos fundamentais e garantias institucionais e lhes asseguram
a condição privilegiada em relação às associações de um modo geral.
Deve-se questionar, preliminarmente,
sobre o quanto os partidos se encontram em reais condições de realizar as suas
tarefas no Estado Democrático, isto é, de cumprir sua especial missão na
formação da vontade política num ambiente plural, guarda umbilical relação e, é
mesmo fortemente condicionado, com o respectivo sistema partidário[4], que, por sua vez,
encontra-se vinculado ao sistema eleitoral vigente.
Quanto ao modelo de partido único não é
tido como compatível com uma genuína ordem democrática, por isso, os demais
modelos clássicos são o do bipartidarismo e o do pluripartidarismo, ainda que
existam variações ou gradações possíveis. Desta forma, num bipartidarismo[5] em sentido estrito, ou um
sistema bipartidário com mais de dois partidos, mas uma histórica e
absolutamente majoritária presença e participação efetiva e determinante na
formação da vontade política por dois partidos dominantes.
No âmbito do pluripartidarismo[6], poderá haver menor ou
maior limitação para a criação e mesmo participação de partidos no processo
democrático, o que irá depender novamente do marco normativo de viés
constitucional e infralegal de cada país, além de guardar estreita guardar
relação com o respectivo sistema eleitoral.
Os partidos se constituem a partir da
mobilização e organização da sociedade na forma de associações, a natureza
jurídica dos partidos, em regra, é a de associações regidas pelo direito
privado, mesmo consideradas as duas funções e peculiaridades disciplinadas pelo
texto constitucional.
Os partidos ocupam uma posição
sistemática intermediária entre a vida social assegurada pelas liberdades
fundamentais e as funções e atuação estatal, muito embora, não se trate de
relação dicotômica, visto que os partidos, por meio dos seus integrantes
indicados e eleitos, ocupam os cargos políticos parlamentares e as chefias do
Poder Executivo, ali formando maiorias ou minorias, participando ativamente dos
processos decisórios.
Os partidos também assumem a posição
tanto de garantias institucionais fundamentais, constitucionalmente protegidas
contra a sua supressão como tais e esvaziamento pelos poderes constituídos,
quanto, na condição de pessoas jurídicas, titulares de direitos fundamentais
próprios, sejam negativos (tal como a liberdade partidária, a garantia da
igualdade, entre outros e de caráter positivo (de cunho prestacional), como os
direitos à proteção e organização e procedimento, assim como direitos a
prestações fáticas, como o direito de acesso aos recursos do fundo partidário.
A liberdade dos partidos políticos
abrange uma dimensão externa e outra interna, designadas, respectivamente, de
liberdade partidária externa e a interna. Em sua dupla dimensão, é, na sua
concretude, determinada pelo direito constitucional e ordinário positivo, aqui,
apenas serão apresentados seus contornos gerais[7].
A liberdade partidária externa protege
os partidos contra as intervenções externas (restrições, influências e coações)
por parte do Estado, assegurando a sua criação, a filiação e desfiliação de
seus membros, a sua autonomia, de modo que não podem ter sua atuação
propriamente dita determinada pelo Estado, do mesmo modo como protege os
partidos, salvo em condições mui específicas e constitucionalmente previstas,
de uma dissolução.
Nessa perspectiva, a liberdade
partidária externa revela simultaneamente à liberdade de fundação ou criação e
a liberdade de atuação de partidos políticos, incluindo tanto a liberdade
negativa como o direito a não ser constrangido a participar de partido, como
também a liberdade positiva, como na condição de direito subjetivo do cidadão à
criação e associação de e, em partidos. Além de guardar semelhança com as
garantias em relação à suspensão e extinção dos partidos.
A chamada liberdade interna tem como fim
assegurar que os partidos atendam e correspondam às exigências do Estado
Democrático de Direito[8], com que não se está a
condicionar e relativizar de forma heterônoma a sua ordem interna e autonomia,
por estarem protegidos por conta da liberdade partidária externa, mas sim, pelo
contrário, estabelecendo e assegurando a sua liberdade interna, que deve ser
blindada contra toda e qualquer intervenção que tenda a subtrair aos partidos a
possibilidade de participar de forma livre e eficaz na formação da vontade
política[9].
A liberdade interna inclui especialmente
a blindagem em relação a qualquer controle ideológico e programático, bem como
a proteção contra o controle da organização interna partidária, o que não
significa que os partidos não estejam presos à observância dos direitos
fundamentais e princípios estruturantes da Constituição Federal vigente.
Acrescente-se que a liberdade partidária
não tem por objeto precípuo a proteção de partidos, como tais e por si mesmos,
na condição de uma liberdade funcional que visa salvaguardar, numa perspectiva
instrumental, a sua capacidade de cumprir com as suas funções constitucionais,
designadamente a de mediação entre a sociedade e o Estado.
Configuram-se como titulares da
liberdade partidária são tanto a pessoa jurídica do partido quanto aos
indivíduos que a integram, e os que ainda não a integram, o que envolve a
liberdade de criação, filiação e desfiliação de partidos políticos, já que aos
cidadãos é assegurado, na condição de direito fundamental, o direito subjetivo
à participação político-partidária.
Frise-se que as diversas garantias
incluindo as institucionais e processuais, sejam de natureza material e
instrumental, que se referem às duas dimensões da liberdade partidária, embora
apresentem um núcleo significativo de elementos comuns aos Estados Democráticos
de forma geral, encontram-se disciplinadas pelo direito positivo de cada
Estado, apresentando peculiaridades relevantes e mesmo um status diferenciado.
Tal dimensão das referidas garantias poderá variar conforme, o modelo
partidário seja fechado ou aberto.
As duas dimensões da liberdade
partidária não são estanques e se articulam mutuamente além de
retroalimentarem-se, podendo até implicar em modulações na forma de assegurar
sua compatibilidade interna.
Em termos gerais, os principais
alicerces na salvaguarda da liberdade partidária são, além da liberdade de
criação e filiação, a autonomia partidária, nas suas diversas acepções, a
legitimação e participação democrática no plano intrapartidário, a posição de
igualdade, incluindo a liberdade de chances, dos partidos entre si, o acesso as
fontes de financiamento (público ou privado) o que condiz com a importância e
com a peculiaridade de suas funções e a correspondente posição na arquitetura
institucional democrática.
Historicamente, os partidos políticos
desde a Carta Constitucional Imperial de 1824, o Estado Constitucional
Brasileiro[10]
até que o Brasil pudesse ser efetivamente designado de um Estado de Partidos,
passou um significativo período, caracterizado por longos períodos
autoritários, como por exemplo, a ditadura do Estado Novo (de 1937-1945) e a
Ditadura Militar (1964-1984) sem prejuízo da grande fragilidade política que
tanto marcou a chamada Primeira República, isto sem cogitar na transição
autoritária e centralista inaugurada pela Revolução de 1930[11] e a transitoriedade da
Constituição brasileira de 1934.
Infelizmente, a maior parte do tempo da
história constitucional pátria fora severamente marcada por ambiente
institucional e democraticamente frágil. Tanto que o Ministro Gilmar Mendes
anota que a história dos partidos políticos no Brasil é uma história
acidentada, pois mesmo os primeiros anos de vigência da Carta Imperial de 1824
existiam apenas duas facções, compostas pelo governo e pela oposição, tendo os
primeiros partidos políticos sido criados a partir de 1831 (quando existiam os
partidos restaurador, republicano e o liberal), polarizando-se a cena política
imperial mais adiante, no período de 1937-1938 em torno da representação de
duas principais correntes da elite econômica, social e política brasileira,
mediante, respectivamente, o partido
liberal e o partido conservador.
Lembremos que durante a Carta Imperial
de 1824 havia, especialmente, o sufrágio censitário, com a exclusão de
escravos, analfabetos e mulheres e, a adoção obrigatória da religião católica
pelo Estado, o cerceamento da liberdade de consciência e o estabelecimento de
um poder moderador.
Os partidos inicialmente nasceram de uma
elite minoritária, e foram marcados por uma monarquia constitucional, ainda que
se apresentassem formalmente como partidos, não correspondiam à atual concepção
de partidos num Estado Democrático de Direito. Cuidava-se, especialmente, de
grupos organizados politicamente, mas que não tinham consistência ideológica
nem cumpriam as funções propriamente ditas dos partidos políticos.
A denominada Primeira República
(1889-1930) iniciou e se desenvolveu de forma acidentada e conturbada. Apesar
de que a Constituição brasileira de 1891 tivesse instituído o sufrágio
universal, o voto era dado a descoberto e mediante a assinatura do eleitor
perante as mesas eleitorais, o que levou a um modelo de submissão do eleitorado
às pressões e vontades das elites políticas locais e regionais, facilitando a
fraude eleitoral, sistema que mereceu a designação de “voto de cabresto”[12], bem peculiar ao
coronelismo e clientelismo que era comum e vigorava com força na época.
Especialmente na sua fase inicial, a
influência dos militares, que foram base e meio da própria Proclamação da
República, foi intensa e determinante, de tal forma que, a despeito da precária
organização das agremiações político-partidárias de então, os militares
partidários da república, organizados politicamente, passaram a assumir a
função, ainda que não forma, de um partido político.
Reinou uma extrema fragilidade do modelo
político-institucional e da democracia durante da Primeira República[13], o fato de que foram
extintos os partidos criados durante o Império, não sobrevindo, contudo, um
sistema partidário estável, exceção feita ao partido republicano, que passou a
prevalecer na máquina administrativa federal e estadual, em parceira com os
poderes locais.
De fato, é escorreito mencionar que
durante a Primeira República, o Brasil teve o poder que seguiu concentrado na
mão dos liberais-oligárquicos, com especial valorização de grupos estaduais e
municipais, atuando em franca simbiose com o poder central.
Somado ao contexto, em face das
peculiaridades do sistema eleitoral vigente, majoritário e distrital, resultava
em grande dificuldade de criação de agremiações de caráter nacional fortes,
prevalecendo amplamente a criação de partidos políticos e, que poderiam ser
assim designados como se verificava no período imperial.
Nem a Constituição brasileira de 1891,
tampouco a legislação ordinária dispunha sobre a criação, organização e
funcionamento dos partidos políticos, limitando-se o texto constitucional a
assegurar a liberdade de reunião e associação em termos gerais (artigo 71,
§8º).
Aliás, além da omissão da legislação
eleitoral, a única previsão positivada sobre a criação de partidos políticos
constava no artigo 18 do Código Civil de 1916, dispondo que seriam constituídos
de acordo com os procedimentos do registro civil das pessoas jurídicas de
Direito Privado.
Entre as vozes críticas, é bom recordar
as observações de Francisco Assis que foi um dos expoentes da política nacional
e, especialmente, gaúcha e líder de uma das duas grandes correntes políticas
gaúchas ( a outra era ligada ao caudilho, Júlio de Castilhos e seu sucessor Borges
de Medeiros[14])
que se digladiavam intensa e mesmo brutalmente como ocorreu nas revoluções de
1893 e 1923, a última tendo tido como estopim suposta fraude eleitoral em prol
de Borges de Medeiros e que teria sido planejada por Getúlio Vargas.
Segundo Francisco de Assis apud Sarlet,
Marinoni e Mitidiero, a democracia representativa da época era um regime em que
ninguém tinha certeza de se fazer qualificar como a de votar. E, mesmo votando
ninguém tinha certeza de que lhe fosse contado o voto. Pois uma vez contado o
voto, ninguém tinha segurança de que seu eleito ou escolhido havia de ser
reconhecido através de uma apuração feita dentro do Parlamento, e por ordem,
muitas vezes, superior.
Resumindo, na Primeira República
brasileira, os partidos políticos de caráter nacional eram fenômeno hostilizado
e inibido, ainda mais quando as agremiações políticas eram contrárias aos interesses
do poder político dominante, já que o que existia eram facções travestidas de
partidos políticos, com valorização das lideranças individuais e poderes
locais, de sorte que definitivamente não há como cogitar em uma democracia
sólida nem um Estado Partidos naquele período.
Historicamente, no período subsequente,
marcado pela transição e o governo provisório de Getúlio Vargas iniciada pela
Revolução de 1930 até o Golpe do Estado Novo em 1937, foi em grande parte até
mais agitado, já pelo próprio movimento revolucionário e a deposição do
Presidente Washington Luís, em outubro de 1930, a crise econômica mundial, que
também afetou o Brasil, particularmente a cultura cafeeira e os partidos
políticos estaduais que seguiam dominantes e representando os interesses das
elites locais, ademais do desmantelamento das agremiações partidárias herdadas
da Primeira República.
Depois, deu-se a formação, no interior
do próprio governo, de duas correntes, a primeira representando as oligarquias
estaduais (que almejava nova Constituição) e a outra os assim chamados
tenentistas, o governo provisório de Getúlio Vargas promulgou o primeiro Código
Eleitoral do Brasil[15], reconhecendo a
existência dos partidos políticos como pessoas jurídicas e regulando seu
funcionamento, muito embora a previsão concorrente (e fragilizante em relação
aos partidos ) de candidatos sem partido, em forma de candidaturas avulsas,
distinguindo partidos permanentes dos provisórios e, ainda, ao lado dos
partidos, as associações de classe.
A Constituição brasileira de 1934
considerada um tanto barroca, pois, de um lado, eram valorizados os partidos
políticos, de outro, contudo, impôs-se a convivência com as representações
classistas e dos trabalhadores e empregadores. Era uma Constituição alicerçada
em fragilíssimas bases.
Alguns doutrinadores afirmam que os
partidos políticos propriamente ditos, tenham sido criados juridicamente apenas
pelo Código Eleitoral brasileiro de 1932 e através da Constituição de 1934[16] cuja constituinte fora
eleita segundo o formato eleitoral e partidário referido.
E, não foram objeto de expressa previsão
legal e regulação, mantendo-se modelo marcado por partidos estaduais. Em nível
brasileiro geral, ocorreu a formação de dois grandes blocos ideologicamente
opostos, quais sejam, a Ação Integralisa Brasileira e a Aliança Nacional
Libertadora, que, contudo, não eram propriamente partidos políticos
nacionalmente estruturados e organizados.
Assim, também por tais razões e outros fatores contextuais, como a Intentona Comunista[17], embora os partidos tivessem sido juridicamente reconhecidos, mas, mediante fortes limitações legais, não há como cogitar em autêntico Estado, nem autêntica democracia partidária.
Apesar dos partidos políticos ocuparem
importante relevo na democracia brasileiro, não significando que a cidadania,
em sentido político, somente tenha exercício dentro dos partidos, pois os
cidadãos a exercem nos mais variados aspectos da realidade cotidiana, como quando
se posicionam acerca das decisões políticas, quando exercem o direito de voto,
quando apoiam a iniciativa popular para um projeto de lei.
Os cidadãos podem exercer os direitos
políticos sem o partido, porém, para a obtenção de mandato popular, os partidos
políticos são imprescindíveis.
Lembremos das sequelas deixadas pelo
legado da ditadura militar, particularmente, o Ato Institucional nº 2, que
impôs o bipartidarismo como meio de fortalecer a frágil democracia brasileira,
atualmente, no entanto, o texto constitucional garante o pluripartidarismo,
possibilitando espaço para todas as correntes políticas e a sua representação
no panorama político nacional, desde que consigam obter o mínimo de apoio
popular.
Segundo Palhares Moreira Reis apud
Walber Agra: Define-se um partido político como sendo uma associação de
pessoas, organizadas tendo em vista participar, de modo permanente, do
funcionamento das instituições e buscar acesso ao Poder, ou ao menos
influenciar no seu exercício, para fazer prevalecer as ideias e os interesses
de seus membros.
Estas ideias e estes interesses,
reputados como os mais convenientes para a comunidade, se pretende sejam
convertidos em lei, ou em linhas de ação política do governo. (In: REIS,
Antônio Carlos Palhares Moreira. Cinco estudos sobre partidos políticos.
Recife: Editora Universitária – UFPE, 1999. p. 19).
Costuma-se afirmar que mais contribuíram
para o aparecimento de partidos políticos foram Lenin e Max Weber[18]. O primeiro enxergava o
partido como forma de a classe trabalhadora se organizar e tomar o poder, e,
depois, seria o partido político o instrumento fundamental para que se chegasse
a uma
sociedade sem classes sociais. E, o
segundo dividiu os partidos políticos em dois tipos, a saber: os de patronagem,
compostos de elementos que tinham como única finalidade chegar ao poder e
usufruir de suas benesses; e os ideológicos, que têm determinada acepção de
mundo, dotada de carga valorativa e, tentavam implementá-la.
Consigne-se, ainda que a criação de
partidos também foi alvo de críticas pois se enxergava como nefanda a função de
dividir a sociedade, gerando antagonismos e animosidades.
E, ainda maculavam a sua função com a
ideia de que funcionariam como um corpo intermediário entre o cidadão e o
governo impedindo a participação direta do cidadão nos negócios governamentais.
E, de tal opinião compartilhavam Rousseau e Hobbes.
Para se evitar o excessivo número de
partidos, pois muitos destes têm a finalidade exclusiva de defender interesses pessoais,
a solução seria a formulação de requisitos mais rígidos para a sua criação,
funcionando tais requisitos como cláusulas de barreira[19]. Apenas deveria ser
criado quando houvesse expressivo e amplo apoio da sociedade e representasse
determinada corrente política.
O seu registro, na forma da lei civil,
deverá ser feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, de
Brasília, e o pedido deverá ter sido subscrito pelos seus fundadores, com um
número não inferior a cento e um, com domicílio eleitoral em, no mínimo, um terço
dos estados-membros (art. 8º da Lei nº 9.096/1995).
Registrando o seu estatuto no TSE, o
partido poderá participar do processo eleitoral, dispor do fundo partidário,
ter uso exclusivo da sua sigla e obter acesso gratuito no rádio e na televisão,
de acordo com a determinação legal (art. 17, §3º, da CF).
Em face do elevado número de partidos
políticos existentes no Brasil, parte da doutrina defende a criação de
cláusulas de barreira, que são determinados requisitos para que as agremiações
políticas possam funcionar com a plenitude de seus direitos.
O STF[20] considera inconstitucional qualquer dispositivo normativo que possa condicionar o funcionamento parlamentar a determinado desempenho eleitoral, conferindo, aos partidos, diferentes proporções de participação no Fundo Partidário e de tempo disponível para a propaganda partidária. Dessa forma, considerou inconstitucional a imputação de cláusula de barreira[21] em nível infraconstitucional, haja vista violar o pluralismo[22] político e a liberdade de criação, extinção, fusão e incorporação de partido político.
Deve-se recordar que o Estado Novo que
fora decretado por Vargas exatamente em 10 de novembro de 1937, mediante a
outorga de nova carta constitucional, seguindo-se a dissolução do Congresso
Nacional e das Assembleias Legislativas em nível estadual e municipal.
Então, os existentes partidos políticos
já bastante fragilizados do período do governo provisório foram extintos
através do Decreto de 02.12.1937, vedando-se a criação de novos partidos
políticos e permitindo-se a permanência de partidos criados anteriormente,
desde que apenas mantidos como meras associações de cunho cultural, beneficente
ou desportivo, renunciando à designação e função propriamente dita de partidos políticos.
O texto constitucional brasileiro de
1937 além de não prever os partidos políticos, inviabilizou a criação de novas
organizações políticas, principalmente, quando fossem contrárias ao governo.
Registre-se ainda a tentativa de Vargas de criar um partido único, a chamada
Legião Cívica Brasileira, o que não galgou êxito em face da resistência de
militares, que formavam na ocasião espécie de partido único e, assim, se
posicionavam, de maneira que, ao fim ao cabo, o Estado Novo caracterizou-se como
período não apenas sem partidos políticos, como pelo seu caráter autoritário,
centralizado e não democrático.
Sucedeu-se ao declínio do Estado Novo,
um processo de redemocratização que surgiu e foi formatado ainda na vigência do
governo de Vargas, mediante a promulgação em 28.02.1945 da Emenda Constitucional
9, determinando a edição de legislação prevendo e disciplinando as eleições
diretas para a Presidência da República e para os eleição dos integrantes da
Assembleia Constituinte a ser reunida.
Assim, com o Decreto-Lei 7.586, de
28.05.1945, seguiu-se a regulamentação da criação e funcionamento de partidos
políticos e do processo eleitoral, cujas medidas, contudo, se revelaram muito
restritivas e ainda favoreciam os partidos formados a partir das estruturas
governamentais, destacando-se o Partido Social-Democrático (PSD) e o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), ambos apoiados por Vargas.
Desta forma, a legislação mencionada
acabou esvaziando a posição dos partidos políticos ao permitir a inscrição do
candidato por mais de uma legenda para disputar tanto cargos do Executivo como do
Legislativo, ademais, de não exigir a fixação prévia de domicílio eleitoral,
permitindo que o mesmo candidato pudesse concorrer a vários cargos em vários
Estados, estimulando o surgimento e fortalecimento de lideranças individuais.
E, assim, ocorreu com o próprio Getúlio Vargas que se elegera como senador por
dois Estados e, deputado federal por sete Estados nas eleições de dezembro de
1945.
Ainda com a redemocratização surgiu novo
partido, de cariz liberal, a União Democrática Nacional ou UDN que reunia
particularmente os setores da classe média e os dissidentes ao modelo de Estado
implantado pela ditadura varguista, buscando especialmente aperfeiçoar as
instituições democráticas, e ainda, galgar e proteger a liberdade de expressão.
Ao longo dos trabalhados da
Constituinte, adveio o Decreto-Lei 9.258/1946 prevendo, o que antes já era
previsto em decreto anterior que era o cancelamento de registro dos partidos
políticos que contrariassem os princípios democráticos e os direitos
fundamentais (que era uma cláusula aberta ao total arbítrio do governo), além
de vedação de financiamento[23] com recursos oriundos do
exterior, mas igualmente de orientação ideológica e qualquer tipo de auxílio, o
que foi utilizado como fundamento para o cancelamento do registro do Partido
Comunista Brasileiro, em 07.05.1947, pelo TSE.
A Constituição brasileira de 1946 veio
consagrar o sufrágio universal e, ainda, o voto direto e secreto, bem como
previu o sistema proporcional de eleições tanto para a Câmara de Deputados, o
que juntamente com a falta de tradicional na criação de partidos de cunho
nacional, mas, particularmente devido ao personalismo e regionalismo, o que
acarretou forte proliferação de partidos políticos.
Apesar da previsão expressa de partidos
políticos, praticamente recepcionou os parâmetros dos dois Decretos-Leis acima
citados, vedando o registro e funcionamento de qualquer partido ou associação
contrária à democracia, à pluralidade partidária e aos direitos fundamentais,
ademais de proibir os entes da Federação de tributar os bens e serviços de
partidos políticos e de permitir que os partidos nacionais, na condição de
pessoas jurídicas, fossem acionistas de sociedades anônimas ou proprietários de
empresas jornalísticas e de radiodifusão.
Assim, na prática, ao limitar a criação
de partidos e manter de dois partidos de base governista PSD e PTB favorecendo
a cooptação da política por parte das elites econômicas, políticas e militares,
situação reforçada pela Lei 1.164/1950, mediante o qual fora alterado o status
jurídicos de partidos políticos, que passaram para o regime das pessoas
jurídicas de direito público, aumentando ainda mais o controle estatal e
governamental e centralista, pois, tanto os partidos quanto seus estatutos e
programas deveriam ter abrangência nacional.
A despeito do pluripartidarismo, apenas
três agremiações partidárias tiveram o devido destaque e ocupavam os espaços
políticos e parlamentares, os partidos PSD e PTB e a UDN, ficando as demais
agremiações menores e mais comprometidas com determinados programas políticos
e, portanto, mais representativos da noção de autêntico partido político,
relegadas ao papel marginal, dentro do contexto mais amplo de cultura hostil,
atendendo ao próprio sentido do termo "partido político".
No período de 1945 a 1964 a situação da
representação política e democrática, bem como a dos partidos políticos, a
despeito da redemocratização realizada, se revelava ainda frágil, instável e
muito centralista e, mesmo de certo viés autoritária, e com o golpe de Estado
de março de 1964, o quadro foi se agravando crescentemente.
Uma das primeiras e principais medidas
tomadas pelo governo militar brasileiro foi a edição da lei orgânica de
partidos políticos, a Lei 4.740, de 15.07.1965 que estabeleceu fortes
restrições à criação de partidos, acarretando mesmo a redução do número de
partidos existentes.
E, caso os partidos não elegessem ao
menos doze deputados federais por no mínimo sete Estados, bem como os partidos
que não tivessem obtido, nas eleições para a Câmara Federal, votos de no mínimo
três por cento do eleitorado nacional, distribuídos por onze ou mais Estados,
perderiam o seu registro.
O regime militar apesar de prover a
previsão e disciplina legal dos partidos políticos, promovia também e controlava
a organização político-partidária de oposição, impedindo-a de qualquer reação
eficaz contra o governo, valendo-se, até, para tanto de diversos instrumentos,
como a chamada sublegenda, as candidaturas natas e os senadores biônicos.
Com a edição do Ato Institucional 2/1965
foram extintos os partidos existentes e cancelados seus respectivos registros,
e, em seguida com o AI-4/1965, instituiu-se o bipartidarismo, mobilizado pela
ARENA, Aliança Renovadora Nacional, representante do governo e, o controlado
partido da oposição, o MDB, Movimento Democrático Brasileiro.
Com o advento do texto constitucional de
1967 que apesar de regular os partidos políticos, apenas veio reforçar as limitações
da legislação anterior, dificultando a criação de partidos, diante da maior
tensão e confronto entre o Arena e MDB, culminando-se, finalmente com o AI-5 de
13.09.1965[24],
seguido da Lei de Segurança nacional de 12.9.1969 que só veio a reforçar a
censura e o controle de partidos políticos.
Consigne-se, também, que a Emenda
Constitucional nº1 de 1969 incorporou antes previsões do texto constitucional
de 1967 e ajustou enrijecendo o que foi bem representado pelo famoso Pacote de
Abril de 1977 dentro as quais as eleições indiretas para os governadores de
Estados, a criação da sublegenda no senado e a eleição indireta de um terço dos
senadores.
Já com a EC 11 de 13.10.1978 veiculou-se
a distinção existente entre a organização e o funcionamento de partidos
políticos, mantendo, contudo, em termos gerais, as importantes restrições à
criação de novos partidos, além de seu controle, tendência que veio se
cristalizar na legislação subsequente, como especialmente com a Lei 7.090 de
14.4.1983.
Com a gradual retomada da democracia,
veio a EC 25 de 15.5.1985, viabilizando a formação do novo quadro
político-partidário, onde houve maior pluralidade e diversificação, de maneira
que, nas eleições para a Constituinte de 1986, existiam mais de trinta partidos
registrados, apesar de que tal número, depois das eleições viessem a reduzir.
O regime militar brasileiro[25] demonstrou cabalmente a
tese de que uma vez incorporada a noção de que o partido não deve ser
organizado pelo Estado como forma de instrumentalizar seu próprio poder, mas
sim, ser o resultado da organização da sociedade, partindo do microcosmo social
que é representado pelas vontades dos eleitores, poderosa prevenção
antiautoritária foi inoculada na organização política brasileira.
Além disso, a trajetória histórica dos
partidos políticos, começando desde o Império até o fim da ditadura militar,
foi marcada basicamente pela centralização e pelo forte controle a partir das
elites do governo, bem como uma cultura hostil aos partidos em sua verdadeira
significação, revela o quão é relevante ao reconhecimento e proteção efetiva da
liberdade partidária, seja nas duas dimensões já mencionadas, o que foi em
grande parte corrigido pela atual Constituição Federal de 1988, apesar que
ainda vigem imperfeições a serem corrigidas.
Mesmo na Constituinte que resultou na
Constituição Federal brasileira vigente, o perfil e papel dos partidos
políticos sofria com dose grande de desconfiança, e até incompreensão quanto
seu papel dentro de um regime democrático, registrando-se, até séria cogitação
de permitir as candidaturas avulsas, o que não ocorreu, felizmente.
Sem dúvida, a Constituição de 1988
significou novo marco normativo constitucional e, de fato, investiu na
relevância dos partidos políticos para a democracia representativa brasileira,
condicionando à elegibilidade à filiação a um partido político. Mas, não
obstante, tal previsão, não se impediu um crescente desprestígio e desconfiança
e, quiçá, repúdio aos partidos políticos no país, inclusive a uma pressão para
substancial reforma partidária, que tem sido parcialmente efetivada pela
jurisprudência, pela legislação e até por normas infraconstitucionais.
A sede constitucional de disciplina da
regulação dos partidos políticos está no artigo 17 da CF/1988 e, dispõe sobre a
liberdade partidária e seus limites, os princípios diretivos e de sua atuação,
a respectiva autonomia, personalidade jurídica, aspectos do financiamento e
propaganda político-partidária[26] e a proibição do uso de
organizações paramilitares.
E, tais elementos foram alvo de
regulamentação infraconstitucional, pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos, a
Lei 9,096/1995, bem como as Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e
ainda, pela jurisprudência do TSE e do STF, bem como as mudanças que se deram
ao longo do trajeto evolutivo.
Segundo o artigo 17, §2º da CF/1988, o
artigo 7º da Lei dos Partidos Políticos e, ainda, os artigos 44, V e 45 do
Código Civil brasileiro, os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito
privado, que existem como tais a partir da inscrição do seu ato constitutivo no
respectivo Registro Civil, bem como, na sequência, mediante o registro de seus
estatutos junto ao TSE.
Embora que pela sua função de mediador
entre a sociedade e o Estado, o partido político acaba efetivamente se situando
nas fronteiras entre o setor público e o privado, o que apenas reforça que em
relação à autonomia partidária também precisa-se reconhecer que não se trata de
simples entidade privada, o que reforça a necessidade de maior eficácia nas
relações privadas, especialmente com razão ao devido processo legal.
A liberdade partidária, especialmente, a
manifestação da liberdade de associação fora amplamente assegurada no texto
constitucional vigente, que, no artigo 17, caput que afirma e garante ser livre a criação,
fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos. Todavia, importa
destacar que no mesmo dispositivo legal a liberdade partidária, em sentido lato,
encontra-se vinculada à observância de conjunto de princípios, de caráter
nacional das agremiações partidárias, a proibição do recebimento de recursos
financeiros de entidade ou governo estrangeiro ou até a submissão a estes, a
prestação de contas à Justiça Eleitoral da lei (inciso III), bem como o
funcionamento parlamentar de acordo com a lei, inciso IV, vedando, assim, a
utilização pelos partidos políticos de forças de caráter paramilitar.
O autêntico titular da liberdade
partidária, tida como direito subjetivo e fundamental é o cidadão, que modo
pessoal, poderá se filiar a uma agremiação partidária e, na perspectiva
coletiva, associar-se na condição de pessoa jurídica para fins de instituição
de um partido político, o qual, sendo pessoa jurídica de direito privado,
também é titular de direitos e garantias fundamentais.
Para o cumprimento do papel dos
partidos, na estrutura do Estado Democrático de Direito, a autonomia partidária
e a liberdade partidária não são absolutas, restando condicionada ao
atendimento de princípios elencados, e aos limites estabelecidos pela
legislação infraconstitucional e mesmo pela jurisprudência, conforme ocorre
especialmente, pelo julgamento pelo STF, da ADI 1.465, relator Ministro Joaquim
Barbosa, julgado em 24.2.2005. Com
efeito, naquele julgado ficou estabelecido que a autonomia partidária não se
estende ao ponto de afetar a autonomia de outro partido político, cabendo ao
Poder Legislativo regular as relações entre partidos, tudo a implicar também
uma relação de respeito recíproco entre as agremiações partidárias.
A autonomia partidária encontra-se
enunciada pelo artigo 17, §1º da CF/1988, no qual está estabelecido que os
partidos são autônomos para definir sua estrutura interna, organização e
funcionamento, podendo adotar os critérios de escolha e o regime de suas
coligações eleitorais, não sendo compulsória a vinculação entre as candidaturas
nos diversos níveis da federação brasileira. No mesmo dispositivo legal, a
Constituição Federal vigente nos remete aos estatutos partidários a disciplina
de regras de disciplina e fidelidade partidária.
A despeito de faltar previsão expressa
no bojo constitucional vigente, a autonomia partidária abarca a existência e a
proteção do que se considera democracia intrapartidária e a chamada de
democracia interna, apesar de não figurar previsão constitucional expressa.
E, os estatutos partidários devem ainda
assegurar a plena participação de seus filiados nos processos decisórios, o
que, segundo Joaquim José Gomes Canotilho, significa que a democracia
partidária não poderá existir de forma plena sem que haja também a democracia
nos partidos.
Segundo o doutrinador português, a
exigência da democracia interna encontra justificação também na necessidade de
conter processo de formação de oligarquias dentro dos partidos, bem como
assegurar uma concorrência política interna saudável.
Enfim, a autonomia partidária vai além
das diretrizes constitucionais objeto de regulamentação legal, o que ocorre por
meio da Lei dos Partidos Políticos, que defere tais questões aos estatutos
partidários, e que reforça a exigência de haver democracia interna efetiva e o
respeito ao devido processo legal, que nos termos da jurisprudência do TSE
deverá ser monitorado pela Justiça Eleitoral, sem que tal controle interfira na
autonomia partidária.
A autonomia partidária não é ilimitada
pois também esbarra nos limites nos direitos fundamentais de seus integrantes,
dentro da seara da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Assim, havendo violação ou ameaça de violação a direitos, especialmente, se
forem fundamentais, não há como afastar o controle jurisdicional dos atos
praticados pelos partidos políticos.
Ainda versando sobre os limites da
autonomia partidária, o STF em duas ocasiões decidiu que também o Ministério
Público e, não somente os partidos, conforme dispõe a legislação partidária,
possui legitimidade para representações contra a propaganda eleitoral
irregular, além de que em sede cautelar, poderá suspender a eficácia da
Resolução do TSE 23.396/2013 que condicionava a instauração de inquérito
policial eleitoral à autorização prévia da Justiça Eleitoral.
Quanto a fidelidade partidária, o TSE e,
depois o STF estabeleceram diretrizes a respeito, incluindo, a edição de
Resoluções pelo TSE, o que, convém, sublinhar, foi e tem sido alvo de
expressiva polêmica, até mesmo pelo prisma de eventual inconstitucionalidade de
tais medidas.
Convém ressaltar que a fidelidade
partidária e sua respectiva regulação, que o STF inicialmente entendia que a
infidelidade partidária não afetaria o mandato parlamentar nem dos eleitos, nem
dos suplentes, de modo que nos dois casos a mudança de partido[27], não poderia acarretar a
perda do mandato ou até mesmo impedir a posse de suplente depois de ter mudado
de partido. Assim, o mandato não seria do partido político e sim, do próprio
candidato eleito.
Tal orientação, porém, segundo o
Ministro Gilmar Mendes, encontrava-se em flagrante contradição com o modelo de
democracia partidária e representativa adotado no texto constitucional vigente,
em especial diante do somatório da exigência de filiação partidária (pelo menos
um ano antes da data de eleições de acordo com o artigo 18 do Código Eleitoral
brasileiro, como condição de elegibilidade, assim como em face da opção da
participação do voto de legenda na eleição dos candidatos e do modelo
proporcional para as eleições parlamentares, no qual a eleição se realiza em
razão da votação atribuída à legenda.
Por essa razão, ocorreu significativa alteração quanto ao tema, até o ponto de ser a infidelidade partidária[28] causa da perda do mandato do parlamentar. Num primeiro momento, o TSE reconheceu que os partidos e as coligações têm o direito de preservar a vaga conquista nas eleições proporcionais para as legislaturas nos diferentes níveis da Federação, quando, sem justa causa, ocorrer o cancelamento da filiação partidária ou a transferência para outra legenda, orientação que veio a ser chancelada posteriormente pelo STF.
Segundo a Resolução 22.610/2007 do TSE,
considera-se justa causa a ocorrência de incorporação ou fusão de partidos, a
criação de novo partido, mudança ou afastamento reiterado do programa
partidário e a hipótese de grave discriminação pessoal, a Resolução que veio a
ser chancelada pelo STF, em julgamento realizado em 3 e 4 de outubro de 2007,
quando se decidiu que o abandono da legenda pelo parlamentar implicaria a perda
de seu mandato para o partido político.
Resta assentado que a infidelidade
partidária trai a confiança tanto do partido como do eleitor, representando uma
grave violação dos postulados éticos, representando afronta ao princípio
democrático, acarretando, portanto, forte desequilíbrio de forças na esfera
parlamentar, inclusive coibindo em virtude da alteração do número de
parlamentares o próprio exercício da oposição política.
Com efeito, em 12.11.2008, no julgamento
das ADIs 3.999/DF e 4.086/DF, tendo como Relator o Ministro Joaquim Barbosa,
foram julgadas constitucionais as Resoluções n. 22.610/2007[29] e n. 22.733/2008, do TSE,
afirmando-se um dever constitucional de fidelidade partidária, sendo as
Resoluções impugnadas mecanismos para assegurar a observância da fidelidade
partidária enquanto não sobrevier regulamentação pelo Poder Legislativo.
Atendendo às exigências da segurança
jurídica, o STF firmou entendimento, na ocasião, de que apenas os deputados que
mudaram de partido após a decisão do TSE em resposta à Consulta 1.398 deveriam
perder o mandato.
O STF reconheceu a existência de
hipóteses especiais nas quais a mudança de legenda não acarreta a perda do
mandato, como é o caso de desfiliação em virtude de comprovada perseguição
política ou alteração substancial do programa partidário, sendo competência de
a Justiça Eleitoral decidir, caso a caso, mediante garantia do devido processo
legal, a configuração, ou não, da justificativa, firmando-se a competência do
TSE para a edição de Resoluções disciplinando a matéria.
Frise-se, também, que o STF no
julgamento do Mandado de Segurança 27.938, relator Ministro Joaquim Barbosa, em
11.03.2010, entendeu que o reconhecimento da justa causa para transferência de
partido político afasta a perda do mandato eletivo por infidelidade partidária,
mas não acarreta a transferência, para nova legenda, do direito à sucessão na
vaga.
Além disso, em outro julgamento, o STF
decidiu que a vaga do titular do mandato eletivo não pertence aos partidos
políticos, mas sim, à coligação partidária, autorizando de resto, o julgamento
mediante decisão monocrática nos casos semelhantes.
Cumpre sublinhar que, após decidir por
extensão da perda do mandato por infidelidade partidária às eleições
majoritárias, o STF, quando do julgamento da ADI 5.082, em 27.05.2015, relatada
pelo Ministro Luiz Roberto Barroso, acabou firmando entendimento unânime no
sentido de que tal hipótese, da perda do mandato, aplica-se apenas ao sistema
proporcional, visto que, do contrário, estaria configurada grave violação da
soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor.
Por fim, acrescente-se que em prol da
perda do mandato por infidelidade partidária, é possível agregar que, apesar da
concepção de mandato livre, isto é, da manutenção do mandado a despeito da
alteração de partido, seja frequente em diversos países, o texto constitucional
vigente, ao apostar no mandato-partido repudia o chamado transfuguismo
partidário e suas maléficas consequências para a democracia.
Ainda que se possa esposar tal raciocínio argumentativo, sustenta-se a crítica, de que tanto a Justiça Eleitoral, na esfera de seu poder normativo, quanto o STF extrapolaram aos limites constitucionais de sua competência, especialmente, pela criação, sem prévia regulação legislativa, de hipótese de perda de mandato[30], implicando em grave restrição aos direitos políticos e da própria autonomia partidária.
Um dos principais dos postulados do
sistema democrático-representativo é a igualdade na esfera político-eleitoral,
objeto de reconhecimento inclusive na seara do direito internacional dos
direitos humanos, conforme consta no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de São José da
Costa Rica, respectivamente, nos artigos 25, letra c, artigo 23, letra c, ambos
assegurando a todos o direito de ter acesso, em condições de igualdade, aos
cargos e funções públicas de seu país.
A vinculação do país aos diplomas
internacionais citados, devido a sua ratificação e internalização
constitucional também abriga a igualdade em matéria eleitoral.
Implicitamente, em uma ordem
constitucional democrática, exige-se posição de neutralidade do Estado em
relação aos partidos, de modo a assegurar um sistema de livre e equilibrada
concorrência. E, a igualdade partidária, materialmente considerada, opera como
igualdade de chances ou oportunidades, encontrando o respaldo na CF/1988 no
princípio e direito geral de igualdade, do qual constitui uma manifestação específica.
Além disso, tal igualdade partidária, de
acordo com Konrad Hesse, representa espécie de igualdade esquemática, de tal
modo que uma diferenciação jurídica entre partidos grandes e pequenos, de
situação e de oposição, não se afigura como legítima.
Destaque-se, ainda, de outra parte, que
titulares da igualdade de oportunidades em matéria político-eleitoral são tanto
os indivíduos, para efeito do exercício de seu direito de livre associação
partidária e fruição da participação democrática interna nos partidos, quanto
os partidos políticos na condição de pessoas jurídicas, de forma que ambas as
faces da igualdade partidária podem entrar em conflito.
Ademais disso, a igualdade partidária
também não se revela absoluta, de tal sorte a não afastar diferenciações, desde
que não arbitrárias, que no mais das vezes, encontram sede no próprio texto
constitucional vigente e na legislação infraconstitucional, especialmente, para
assegurar um tratamento proporcional aos partidos políticos, considerando as
suas diferenças.
Acrescente-se, outrossim, que a
igualdade de chances entre os partidos políticos possui modos distintos de
realização, através de instrumentos que a promovem e a garantem, mas que não
são uniformes e podem ser diferentes de país para país, embora existam alguns
mecanismos comuns.
No sistema constitucional brasileiro,
que nesse particular segue, em termos gerais, o padrão dominante nos regimes
democráticos, os principais instrumentos para assegurar a igualdade de chances,
para além da neutralidade estatal, são o financiamento dos partidos e das
eleições, bem como a garantia de acesso aos meios de comunicação, em especial,
o rádio e a televisão.
Por derradeiro, ainda nessa quadra
preliminar, importa alertar para o fato de que o postulado da igualdade
partidária é sujeito a evidentes dificuldades na sua realização prática, seja
do ponto de vista jurídico (por incidir sobre grande diversidade de objetos,
como por exemplo, da heterogeneidade e multiplicidade programática.
Apesar de existir um dever de neutralidade,
em especial, as funções legislativa e executiva do Estado que são exercidas por
representantes eleitos por via político-partidária, deve-se observar a
igualdade partidária, principalmente, no tocante ao financiamento e o acesso
aos meios de comunicação da propaganda eleitoral, objeto de grande controvérsia
e em constante evolução na ordem constitucional brasileira.
A respeito do financiamento[31] partidário, o partido
assim como toda e qualquer organização pública e privada, carecem de recursos
financeiros para bem assegurar seu funcionamento e consecução de seus objetivos
primaciais. E, tais recursos podem ter origem pública ou privada, ou até de
ambas as fontes, a depender do modelo de financiamento adotado.
Quanto ao financiamento dos partidos, a
garantia e promoção de igualdade de chances podem ser especialmente delicados.
E, também realmente quanto à criação, manutenção e atuação dos partidos políticos
situa-se no contexto social e econômico marcado cruelmente por desigualdades
econômicas e estruturais, de tal forma que se torna emblemático quando o poder
político resulta de cooptação pelo poder econômico e não da vontade das urnas.
Considera-se como opção mais adequada
quanto a determinado modelo de financiamento deveria observar o contexto
social, econômico e político, capaz de buscar a maior igualdade de chances
possíveis, guardando, também a íntima relação com o sistema eleitoral e
partidário vigente.
Tanto o financiamento público como o
privado não restam imunes de controvérsias e problemas que trazem aspectos
negativos e positivos e, devem sofrer o devido e adequado balanceamento. É fato
que acirrada crítica sofre o financiamento privado em face do manejo do poder
econômico e, quanto ao público tem a faceta negativa de demonstrar a
dependência do Estado, não se cumprindo o postulado da imparcialidade e
neutralidade.
No Brasil, a CF, no art. 17, § 3.º,
assegura o direito dos partidos a recursos do fundo partidário, regulado pela
legislação infraconstitucional, em especial pela Lei dos Partidos Políticos,
que, na comparação com a lei anteriormente em vigor, tanto ampliou as fontes de
financiamento como acrescentou vedações, além de regrar a aplicação dos
recursos do fundo partidário.
Convém notar, do ponto de vista
estritamente constitucional, que não existe vedação expressa ao financiamento
privado, o que, todavia, não afastou a existência de intensa controvérsia a
respeito, resultando inclusive em importantes decisões do STF, que serão logo
mais referenciadas.
Além disso, ainda de acordo com a CF, os
partidos políticos estão submetidos à obrigação de prestar contas à Justiça
Eleitoral (art. 17, III), na forma estabelecida em lei e em Resoluções do TSE,
ficando o partido sujeito ao cancelamento de seu Registro e de seu Estatuto
pelo TSE no caso de descumprimento. Mas a própria CF também estabelece vedações
expressas na seara do financiamento partidário, ao proibir o recebimento de recursos
financeiros de organização ou Estado estrangeiro (art. 17, II).
De acordo com o modelo praticado no
Brasil, a despeito de importantes modificações no transcurso do tempo, o
financiamento partidário é tanto público quanto privado, mediante, no primeiro
caso, acesso aos recursos do fundo partidário, e, na segunda hipótese, por meio
de doações de pessoas físicas e jurídica (sem que haja benefício fiscal), muito
embora o financiamento, mediante doações efetuadas por pessoas jurídicas,
tenha, posteriormente, sido afastado em virtude de decisão, por maioria, do
STF, por ocasião do julgamento da ADI 4.650/DF, rel. Min. Luiz Fux, concluído
em 17.09.2015.
No julgado referido, o STF partiu da
premissa de que inexiste, no Brasil, um modelo fechado de financiamento das
campanhas políticas, mas, muito pelo contrário, um marco constitucional aberto,
no sentido de uma moldura que estabelece limites à liberdade de conformação
legislativa, de tal sorte que viável o controle jurisdicional desse modelo
tendo em conta os princípios constitucionais fundamentais.
Nessa linha, entendeu o STF que a opção
legislativa vigente não lograva êxito em coibir ou pelo menos mitigar a captura
do político pelo poder econômico, criando uma “plutocratização do processo
político”, ensejando, ademais disso, uma ação estratégica especialmente da
parte de grandes doadores, no sentido de influenciar os atores políticos em
termos nem sempre republicanos, estimulando relações de promiscuidade, além de
propiciar um regime de desigualdade político-partidária-eleitoral.
Ainda de acordo com o STF, a utilização
de recursos próprios dos candidatos e de doações efetuadas por pessoas naturais
não apresenta, em contrapartida, tal efeito danoso, não vulnerando os
princípios democrático, republicano e da igualdade política.
Assim, na esteira da argumentação aqui
sinteticamente reproduzida e que traduz a opinião da maioria da Corte, o STF, a
ação direta foi julgada parcialmente procedente para o efeito de declarar a
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 31 da Lei n.
9.096/95, na parte em que autoriza, a contrario sensu, a realização de
doações por pessoas jurídicas a partidos políticos, e pela declaração de
inconstitucionalidade das expressões “ou pessoa jurídica”, constante no art.
38, III, e “e jurídicas” constante no art. 39, caput e § 5º, todos do mesmo
diploma legal.
Desta forma, mantido o financiamento
público mediante o acesso aos recursos do fundo partidário, na forma normativa
infraconstitucional, o financiamento privado restou limitado às doações
efetuados por pessoas naturais, no limite estabelecido em legislação,
incluindo, além de recursos financeiros, a doação de bens.
A única exceção diz respeito a proibição
de doação por pessoas jurídicas, é a que sejam feitas por outros partidos políticos,
sempre observado o limite de gastos[32].
Em resumo, é escorreito mencionar que
apenas a concreta experiência do financiamento eleitoral poderá aduzir novas
diretrizes capazes de demonstrar quais sejam as melhores medidas a serem
adotadas. Principalmente no sentido de coibir o famoso caixa dois, além de,
também por esta razão, por propiciar grande desigualdade fática entre os
partidos políticos.
A promulgação da Emenda Constitucional
no 97/2017[33]
ensejou uma minirreforma política muito aquém do que se esperava do Congresso
Nacional. Seja como for, a alteração de alguns dispositivos do art. 17 e a
criação de um quinto parágrafo[34] nesse mesmo artigo que
trouxeram modificações significativas ao nosso sistema partidário.
Pelo novo texto podemos entender que
ficaram proibidas coligações partidárias em eleições proporcionais, ou seja,
para os cargos de vereador, deputado estadual, deputado federal e deputado
distrital. Não obstante, permanecem as coligações para as eleições
majoritárias: prefeitos, governadores, senadores e presidente da República.
Sublinhe-se, oportunamente, observar que
essa mudança apenas acarretou efeitos a partir das eleições municipais de 2020,
conforme dispõe o art. 2º da EC no 97/2017, tudo para atender ao esposado no
art. 16 da Carta. Um dos efeitos imediatos do fim das coligações proporcionais
será a redução do número de partidos políticos, apenas sobrevivendo os maiores
e mais tradicionais, sem dúvida várias legendas simplesmente irão desaparecer
do cenário político nacional[35].
Em tempo, Norberto Bobbio descreveu que,
para um regime democrático, o estar em transformação é seu estado natural: a
democracia é dinâmica, despotismo é estático e sempre igual a si mesmo. A
referida afirmação nos traz a noção expressa nas nações ocidentais de quem o
bem (a democracia) prevalecerá contra o mal, ou seja, o totalitarismo e que a
dinâmica democrática sempre resistirá aos ataques sistematicamente vivenciados
contra o governo da maioria[36].
Referências:
AGRA, Walber de Moura. Curso de
Direito Constitucional. 9ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
ALVES, Ricardo Luiz. Os partidos
políticos na visão sócio-histórica de Max Weber. Algumas reflexões aplicáveis à
realidade partidária brasileira atual. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7043/os-partidos-politicos-na-visao-socio-historica-de-max-weber Acesso em 21.7.2021.
DE LAZARI, Rafael. Manual de Direito
Constitucional. 2019. 3ª edição. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.
DA SILVA, José Afonso. Curso de
Direito Constitucional Positivo. Salvador: JusPODIVM, 2020.
FERNANDES NETO, Raimundo Augusto. Partidos
Políticos. Desafios Contemporâneos. Curitiba: Editora Íthaca, 2019.
Hesse,
Konrad. Força Normativa da Constituição. Tradução: Gilmar Mendes.
Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre: 1991.
MOTTA, Sylvio. Direito
Constitucional: Teoria, Jurisprudência e Questões. 27ª edição. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.
PADILHA, Rodrigo. Direito
Constitucional. 6ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2020.
REIS, Antônio Carlos Palhares Moreira. Cinco
estudos sobre partidos políticos. Recife: Editora Universitária – UFPE,
1999.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz
Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 6ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2017.
Notas:
[1]
Partido político é, no dizer de José Afonso da Silva, uma forma de agremiação
de um grupo social que se propõe organizar, coordenar e instrumentar a vontade
popular com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo.
Pinto Ferreira (op. cit., p. 235) leciona que eles podem ser definidos como
grupos sociais, geralmente regulados pelo direito público, vinculando pessoas
que, tendo a mesma concepção sobre a forma desejável da sociedade do Estado, se
congregam para a conquista do poder político.
[2]
Konrad Hesse (29 de janeiro de 1919 em Königsberg, Prússia Oriental, †
15 de março de 2005 em Freiburg im Breisgau) foi um jurista alemão que,
de 1975 até 1987, exerceu a função de Juiz do Tribunal Constitucional Federal
alemão, localizado em Karlsruhe. A influência do pensamento de Konrad
Hesse no Brasil é profunda e tal se deve, por meio indireto, à tradição do
Direito Constitucional português, por efeito das obras de seu discípulo José
Joaquim Gomes Canotilho. E, de modo direto, às traduções de seus livros no
Brasil, especialmente A força normativa da constituição, por Gilmar Ferreira
Mendes, e Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha,
por Luís Afonso Heck, ambos publicados por Sergio Antonio Fabris Editor. Mais
recentemente, Otavio Luiz Rodrigues Junior traduziu Direito constitucional e
direito privado, editado pela Forense Universitária. Os escritos de Hesse são
até hoje muito citados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça. Uma crise
permanente passou a ser a história. Como diz Konrad Hesse, "a Constituição
jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada
da realidade concreta de seu tempo. Nada mais real. (In: Hesse, Konrad. Força Normativa da Constituição. Tradução:
Gilmar Mendes. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre: 1991, p. 24).
[3]
Podemos, assim, afirmar que o Poder Executivo tem como função típica a
administrativa (ou executiva), por meio da qual se busca, de modo direto e
imediato, a realização de determinada utilidade pública, mediante a aplicação
das leis a situações em concreto; mas, além desta, detém atribuições de caráter
legislativo (quando, por exemplo, edita medidas provisórias) e jurisdicional
(quando decide litígios em âmbito administrativo). Da mesma forma, o
Legislativo precipuamente legisla (expede atos gerais e abstratos que inovam na
ordem jurídica) e fiscaliza, mas também, de forma atípica, julga (o Senado, por
exemplo, tem competência para julgar o Presidente da República, nos crimes de
responsabilidade) e administra (quando promove um concurso público, para o
preenchimento de seus cargos, ou uma licitação, para a celebração de
determinado contrato). E o Judiciário, a exemplo dos demais Poderes, além de
sua função típica – a jurisdicional, pela qual são solucionados litígios
jurídicos de forma definitiva –, também atipicamente exerce atribuições de
caráter legislativo (quando os Tribunais elaboram seus respectivos regimentos
internos, por exemplo) e administrativo (quando contrata seu pessoal e organiza
os serviços de suas secretarias).
[4]
Os sistemas partidários definem, basicamente, o número de partidos admitidos:
um, dois ou vários, respectivamente, unipartidarismo (mono), bipartidarismo ou
polipartidarismo (multi, pluri). Os sistemas eleitorais, em resumo, indicam
dois princípios fundamentais de “justiça política distributiva”: o sistema
majoritário e o sistema proporcional. Sistema majoritário é aquele em que, no
interior de um distrito eleitoral (também chamado de colégio ou circunscrição),
quem ganha o maior número de votos recebe todos os postos/representantes a
serem eleitos naquela área. Quem ganha leva tudo. Sistema proporcional é aquele
em que as cadeiras em jogo são distribuídas segundo os votos recebidos, de modo
proporcional, como o nome indica. Assim, por exemplo, se houver uma eleição
para escolher 10 deputados e concorrerem o partido A e B, o primeiro com 10%
dos votos e o segundo, com 40%, no primeiro sistema, o partido A receberia as
10 cadeiras e, no segundo sistema, o partido A receberia seis cadeiras e o B
teria quatro. Além de escolher a fórmula eleitoral, o sistema eleitoral também
se preocupa com o procedimento a ser adotado pelo eleitor, com a estrutura do
distrito e do boletim de votos.
[5]
No Brasil. O Brasil teve um período bipartidarista durante 12 anos, entre 1966
e 1979, quando havia apenas a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB). Em 1966, a ARENA elegeu 19 dos 22 governadores
elegíveis (além de quatro nomeados diretamente pelo presidente da República).
[6]
Esses são os 33 partidos atualmente registrados no TSE, por ordem de
fundação: Movimento Democrático
Brasileiro (MDB); Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Partido Democrático
Trabalhista (PDT); Partido dos Trabalhadores (PT); Democratas (DEM); Partido
Comunista do Brasil (PC do B); Partido Socialista Brasileiro (PSB); Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB); Partido Trabalhista Cristão (PTC); Partido
Social Cristão (PSC); Partido da Mobilização Nacional (PMN); Cidadania; Partido
Verde (PV); Avante; Progressistas (PP) Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado (PSTU); Partido Comunista Brasileiro (PCB); Partido Renovador
Trabalhista Brasileiro (PRTB); Democracia Cristã (DC); Partido da Causa
Operária ; Podemos (Pode); Partido Social Liberal (PSL); Republicanos; Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL); Partido Liberal (PL); Partido Social Democrático
(PSD); Patriota; Partido Republicano da Ordem Social (PROS); Solidariedade;
Partido Novo (Novo); Rede Sustentabilidade (Rede); Partido da Mulher Brasileira
(PMB); Unidade Popular (UP).
[7]
O sistema partidário brasileiro sofre de uma inversão perversa: para se criar
uma legenda há uma série de exigências e dificuldades. Mas, uma vez superadas,
o simples fato de existir já dá ao partido uma generosa participação no butim
do Fundo Partidário e do tempo de rádio e televisão, tudo custeado pelo
contribuinte brasileiro. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/liberdade-partidaria48s8gzrcksb9twcmzai3ultn2/ Acesso em 21.07.2021.
[8]
Contudo, cabe aqui uma diferenciação importante: a vontade geral não é sinônimo
de vontade da maioria ou de todos. Isso porque a vontade da maioria é uma
simples soma numérica de vontades particulares que não reflete o uso da razão.
Um exemplo que torna isso mais visível é o que aconteceu no holocausto: mesmo
que a maior parte dos alemães estivesse em comum acordo com Hitler, suas
atitudes não atendiam à vontade geral, pois não eram esclarecidas pela razão. Segundo
o professor e mestre em direito constitucional Edgard Leite: “Resumidamente, no
Estado Democrático de Direito, as leis são criadas pelo povo e para o povo,
respeitando-se a dignidade da pessoa humana”. Dessa forma, o Estado Democrático
de Direito é uma forma de Estado em que a soberania popular é fundamental. Além
disso, é marcado pela separação dos poderes estatais, a fim de que o
legislativo, executivo e judiciário não se desarmonizem e comprometam a
soberania popular. Outro ponto importante que caracteriza essa forma de Estado
é o respeito aos Direitos Humanos que são fundamentais e naturais a todos os
cidadãos. Assim, é possível perceber a importância do que está escrito no
artigo 1º da Constituição Federal, que foi exposto no início do texto. Ou seja,
o Estado Democrático de Direito permite que nos organizemos em uma sociedade
minimamente justa e estável, com relações de poder que tragam mais benefícios
que prejuízos.
[9] O Estado Democrático de Direito é diferente do Estado de Direito pela soberania do que chamamos de “vontade geral”, conceito que é trabalhado pelo teórico Rousseau em seu livro “O contrato social”. Sendo assim, a vontade geral é o atendimento do interesse comum da sociedade, obtido por meio do consenso das partes.
[10]
Em atenção aos questionamentos nos remete a transição do Estado Legislativo
para o Estado Constitucional, quando ocorreram mudanças na compreensão do
Direito, em consequência também na prestação jurisdicional. O Estado, que
outrora era alvo de abstenção e de direitos negativos por parte de seus
cidadãos, passa a procurar uma reaproximação com a passagem para o Estado
Constitucional. Sob uma perspectiva, isso acarreta mudança na postura do juiz,
enquanto representante do Estado, e por alterações na própria compreensão do Direito,
que deixa de exercer atividade meramente mecânica de aplicação da lei e passa a
ser demandado de uma tarefa de reconstrução do sentido normativo para que
preste a devida tutela dos direitos. Noutra perspectiva, para que ocorra os
estreitamentos dos laços do Estado com o cidadão, é necessário vinculá-lo a
decisão judicial, e, portanto, há de ser enaltecido o papel da confiança nesta
relação. Sem dúvida, a sentença efetiva há de vincular seus destinatários.
Todavia, no Estado Constitucional não basta o uso do poder de império, a seres racionais
cabem resoluções racionais e cognoscíveis pelos seus destinatários. In:
WESTON, Mônica. O Estado Constitucional, o Estado que se justifica: Disponível
em: https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/574587455/o-estado-constitucional-o-estado-que-sejustifica Acesso em 21.7.2021.
[11]
Revolução de 1930 foi o movimento armado, liderado pelos estados de Minas
Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que culminou com o golpe de Estado, o
Golpe de 1930, que depôs o presidente da República Washington Luís em 24 de
outubro de 1930, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes e pôs fim à
República Velha. A Revolução de 1930 é considerada o acontecimento da história
do período republicano brasileiro que pôs fim à chamada República Velha e, mais
do que isso, foi o acontecimento que também deu fim às articulações políticas
entre as oligarquias regionais do Brasil, que sobrepunham os seus interesses
particulares aos interesses do Estado e da Nação como um todo. O principal
protagonista da Revolução de 1930 foi Getúlio Dorneles Vargas, então presidente
(nome que se dava aos governadores da época) do estado do Rio Grande do Sul.
[12]
O voto de cabresto é um mecanismo de acesso aos cargos eletivos por meio da
compra de votos com a utilização da máquina pública ou o abuso de poder
econômico. É um mecanismo muito recorrente no interior do Brasil como
característica do coronelismo. A figura do coronel era muito comum durante os
anos iniciais da República, principalmente nas regiões do interior do Brasil. O
coronel era um grande fazendeiro que utilizava seu poder econômico para
garantir a eleição dos candidatos que apoiava. Era usado o voto de cabresto,
onde o coronel obrigava e usava até mesmo a violência para que os eleitores de
seu "curral eleitoral" votassem nos candidatos apoiados por ele. Como
o voto era aberto, os eleitores eram pressionados e fiscalizados por capangas
do coronel, para que votassem nos candidatos por ele indicados. O coronel
também utilizava outros recursos para conseguir seus objetivos políticos, tais
como compra de voto, votos fantasmas, troca de favores, fraudes eleitorais e
violência.
[13]
A Primeira República iniciou sua fase decadente na década de 1920. A entrada de
novos atores na política nacional, como os tenentistas, contribuiu para seu
fim. O desgaste do pacto que mantinha as oligarquias minimamente em paz também
contribuiu para o fim desse período da história brasileira. Na década de 1920,
os tenentistas foram uma força que abalou a estrutura da Primeira República.
Isso aconteceu porque os tenentistas reivindicavam o fim das estruturas
oligárquicas que estavam estabelecidas no país. Ao longo da década de 1920, os
tenentistas realizaram uma série de revoltas por todo o país como a Revolta dos
18 do Forte de Copacabana, a Revolta Paulista de 1924 e a Coluna Prestes.
Importante mencionar que a Primeira República foi um período marcado por
tensões sociais que resultaram em conflitos por diferentes regiões do Brasil.
Aqui podemos citar a Guerra de Canudos, Revolta da Armada, Guerra do
Contestado, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata etc. Leia este texto para
saber mais sobre revoltas da Primeira República.
[14]
Borges de Medeiros é representante da primeira geração republicana. Em 1903,
após a morte de Júlio de Castilhos, chamado "O Patriarca”, assumiu a
liderança do Partido Republicano Rio-grandense (PRR). Borges de Medeiros também
atuou no levante constitucionalista de 1932, quando apoiou os paulistas, no
movimento legalista. Em 1924, Borges enviou efetivos da Brigada Militar gaúcha
para combater o levante tenentista deflagrado, naquele ano, na capital paulista
contra Bernardes. Logo, porém, foi obrigado a enfrentar rebeliões semelhantes
em seu próprio estado quando guarnições do Exército localizadas em cidades do
interior se sublevaram sob o comando do capitão Luís Carlos Prestes. Em 1945,
foi aclamado como presidente de honra da seção gaúcha da União Democrática
Nacional (UDN), mas não retomou a atividade política.
[15]
O Código Eleitoral de 1932, instituído pelo Decreto nº 21.076 de 24 de
fevereiro de 1932, trouxe significativos avanços político-sociais, dentre eles:
voto feminino; voto secreto; sistema de representação proporcional, em dois
turnos simultâneos. O voto feminino no Brasil foi instituído a partir da
aprovação do Código Eleitoral, por meio do Decreto nº 21.076, durante o Governo
Provisório de Getúlio Vargas. O artigo
2º continha a seguinte redação: “é eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem
distinção de sexo, alistado na forma deste Código”. Inicialmente, o alistamento
eleitoral era facultativo para mulheres, sendo dispensada a autorização do
marido para que elas votassem. Somente
dois anos depois, em 1934, quando da inauguração de um novo Estado Democrático
de Direito, por meio da segunda Constituição da República, os direitos
políticos de votar e ser votada conferidos às mulheres foram assentados em
bases constitucionais.
[16]
Principais características da Constituição de 1934: - Existência do sistema
político de três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). - Teve caráter
democrático (no sentido liberal). - Sistema eleitoral (eleições diretas) com
voto secreto. Previu também o voto feminino e obrigatório para maiores de 18
anos. - Estabelecimento da Justiça do Trabalho e leis trabalhistas, além da
liberdade de formação e existência de sindicatos de classes trabalhistas. - Outros
dois avanços na área do trabalho foi a proibição do trabalho infantil e o
estabelecimento da jornada de trabalho de oito horas diárias com repouso
semanal obrigatório. Também estabeleceu férias remuneradas e remuneração para
trabalhadoras grávidas. - Manutenção do regime republicano com princípios
federativos (com redução da autonomia dos estados). - Estabeleceu a
nacionalização de recursos minerais presentes no subsolo brasileiro. -
Estabelecimento de monopólio estatal em alguns setores da indústria.
[17]
A Intentona Comunista foi um levante organizado pelo Partido Comunista em 1935
na tentativa de tirar Getúlio Vargas do poder. Esse levante aconteceu no Rio de
Janeiro, então capital federal, em Natal (RN) e em Recife (PE). Luís Carlos
Prestes liderou a intentona contando com o apoio de Olga Benário, agente
soviética enviada por Moscou. As tropas federais derrotaram os comunistas, que
foram presos. Vargas usou a instabilidade política provocada pelos conflitos
com os comunistas para decretar a ditadura do Estado Novo em 1937.
[18] Foi um autor prolífico. Sua obra abrange a
Sociologia, a História, a Ciência Política, a Filosofia das Ciências Sociais e
a Economia Política, e, enquanto tal, sua influência científica é
multidisciplinar, espraiando-se pelo mundo acadêmico contemporâneo em escala
mundial. De fato, é muito difícil detectar um ramo das Ciências Sociais
modernas, ou um cientista social de renome, que não tenha sofrido influência de
Weber, ainda que em pequena escala. Neste diapasão, na visão weberiana, os
partidos políticos existentes nas sociedades contemporâneas só podem existir
num Estado Laico dotado de uma burocracia estatal racionalmente estruturada
conforme critérios jurídicos objetivamente definidos, na medida em que ele - o
Estado - precisa não só identificar, através da burocracia estatal, os
problemas existentes no seio da Sociedade Civil, como também, e principalmente,
dispor de mecanismos políticos eficientes e confiáveis de solução de tais
problemas. Dentre esses mecanismos estão, evidentemente, os partidos políticos.
[19]
Dessa forma, a vertente ideológica que defendia a drástica redução do número de
partidos políticos, em vez de buscar efetivar tal tese por meio de dispositivos
legais com o natural risco de ver seus esforços debelados por uma decisão do
STF, optou por um caminho diverso e, ao que tudo indica, mais eficiente: o fim
das coligações proporcionais. Outro aspecto dessa minirreforma política
consiste na recriação da chamada cláusula de barreira (também chamada de
cláusula de exclusão ou cláusula de desempenho), instituto que já havia sido
previsto no art. 13 da Lei no 9.096/1995 e que foi declarado inconstitucional
pelo STF nas ADIs 1351 e 1354. Agora a Constituição passa a restringir o acesso
dos partidos a recursos do fundo partidário e ao tempo de rádio e TV. Para
tanto emerge uma redação para o § 3o do art. 17, in verbis: § 3o Somente terão
direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente: I –
obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por
cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da
Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma
delas; ou II – tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais
distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.
[20]
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o partido político
somente terá caráter nacional (art. 17, I) se tiver representações e realizar
convenções em pelo menos nove Estados-membros ou, ainda, em oito
Estados-membros e no Distrito Federal. O art. 17 da Constituição faz menção aos
princípios que regem a matéria. A natureza jurídica do partido político é de
pessoa jurídica de direito privado (art. 17, § 2o). A infidelidade partidária
não pode ser punida com a perda do mandato, pois tal motivo não está previsto
no art. 15, mas pode gerar a expulsão do seu autor do partido. O Plenário do
Supremo Tribunal Federal decidiu que as novas regras contidas na Emenda
Constitucional no 52/2006, que pôs fim à verticalização nas coligações
partidárias, não poderão ser aplicadas às eleições de 2006 (ADI no 3.685),
mesmo ano da promulgação da Emenda. Por nove votos a dois, os ministros
entenderam que, no caso, deve ser obedecido o princípio da anterioridade
eleitoral, contido no art. 16 da Constituição Federal. O dispositivo prevê que
alteração do processo eleitoral só terá validade depois de decorrido um ano do
início da vigência da norma.
[21]
No entanto, o art. 3ºda EC no 97/2017, prevê uma aplicação escalonada e
gradativa nas novas regras que instituíram essa cláusula de barreira. Muito
embora sua aplicação já encontre eco a partir das eleições de 2018, apenas nas
eleições de 2030 será aplicada com toda a sua pujança. Lembre-se: O titular do poder é o povo; os
governantes são apenas servidores públicos momentâneos.
[22]
Numa sociedade multifacetária como a nossa, é indispensável que todos os seus
membros encontrem um canal adequado às suas convicções, que lhes permita
expressar suas opiniões ou, até mesmo, concorrer a cargos eletivos,
participando do processo político de nosso país. O pluralismo político é,
assim, outro dos fundamentos de nosso Estado, conforme o art. 1º, inciso V, da
Constituição, e possui estreita ligação com outro dos fundamentos ora
analisados: a cidadania
[23] O Fundo Eleitoral foi criado em 2017 pelas Leis nº 13.487 e 13.488, aprovadas pelo Congresso Nacional. Com a proibição de doações de pessoas jurídicas estabelecida por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015, o Fundo Eleitoral tornou-se uma das principais fontes de receita para a realização das campanhas eleitorais. O Fundo Partidário (FP), por sua vez, é mais antigo. Instituído em 1995 pela Lei nº 9.096 (Lei dos Partidos Políticos), ele foi durante muito tempo a única fonte de recurso público dividida entre os partidos. Além de poderem ser usados para financiar campanhas eleitorais, os valores do Fundo Partidário são utilizados para custear atividades rotineiras das legendas, como o pagamento de água, luz, aluguel e passagens aéreas, entre outros. O FP é distribuído às siglas anualmente. Ele é composto por dotações orçamentárias da União, multas e penalidades pecuniárias de natureza eleitoral, doações de pessoas físicas depositadas diretamente nas contas dos partidos (aquelas específicas para o Fundo) e outros recursos que eventualmente forem atribuídos por lei.
[24]
O AI-5 foi a conclusão de um projeto de endurecimento do regime que estava em
curso desde que os militares assumiram o poder em 1964. Esse ato institucional
foi uma ferramenta utilizada pelos militares para consolidar o autoritarismo e
intimidar qualquer tentativa de oposição no país. Esteve em vigor durante dez
anos e foi o responsável pela cassação dos direitos políticos e pela prisão de
centenas de pessoas. O AI-5 é uma norma legal instituída pelo governo militar
que estabelecia prerrogativas para que os militares pudessem perseguir os
opositores do regime. Consistia basicamente em uma ferramenta que dava legalidade
jurídica para o autoritarismo e a repressão impostos pelos militares desde
1964. Tratava-se de um grande esforço realizado por eles a criação de
mecanismos legais que justificassem seu arbítrio. Esse ato dava as seguintes
prerrogativas ao presidente da República da época: Fechar o Congresso Nacional,
assim como as Assembleias Legislativas (estaduais) e as Câmaras de Vereadores
(municipais); decretar a intervenção do Governo Federal nos municípios e
estados e nomear interventores para esses de acordo com os interesses
presidenciais; Cassar mandatos políticos de deputados, senadores e vereadores;
Suspender os direitos políticos de cidadãos; Decretar estado de sítio sem
necessitar da aprovação do Legislativo; Apreender recursos de cidadãos. Além
disso, por meio do AI-5, decretava-se: Proibição do direito de habeas corpus
àqueles que fossem acusados de cometer crimes políticos; Desobrigação do
governo de ter que explicar à Justiça qualquer ação realizada com base no AI-5.
[25]
Principais características do regime militar no Brasil: - Cassação de direitos
políticos de opositores ao regime; Repressão aos movimentos sociais e
manifestações políticas de oposição; - Censura aos meios de comunicação; -
Censura aos artistas (músicos, atores, artistas plásticos, etc.); - Aproximação
dos Estados Unidos; - Controle dos sindicatos; - Implantação do bipartidarismo:
ARENA (governo) e MDB (oposição); - Enfrentamento militar aos movimentos de
guerrilha (urbana e rural) contrários ao regime militar. Vale ressaltar que,
muitos desses guerrilheiros pretendiam derrubar o governo militar, através da
luta armada (inclusive com atos criminosos como assaltos a bancos e sequestro
de embaixador), para implantar o socialismo no Brasil, aos moldes das ditaduras
de Cuba, China ou União Soviética. Vale dizer também que esses países
socialistas utilizavam sistemas de repressão extremamente violentos, inclusive
com assassinatos em massa de opositores, além da eliminação total da democracia
e métodos rígidos de controle social. - “Milagre econômico”: forte crescimento
da economia (entre 1969 a 1973) com altos investimentos em infraestrutura.
Aumento da dívida externa.
[26]
Anotar que a Lei 12.875/2013, alterando o art. 47, § 2.º, da Lei 9.504/1997,
estabelece que o horário de propaganda eleitoral deve ser concedido a todos os
partidos e coligações que tenham candidato (e não apenas aos partidos com
representação na Câmara dos Deputados).
[27]
A perda do mandato em razão de mudança de partido não se aplica aos candidatos
eleitos pelo sistema majoritário (seja por maioria simples ou absoluta), sob
pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor. No
sistema majoritário, o candidato escolhido é aquele que obteve mais votos, não
importando o quociente eleitoral nem o quociente partidário. Nos pleitos dessa
natureza, os eleitores votam no candidato e não no seu partido político. Desse
modo, no sistema majoritário, a imposição da perda do mandato por infidelidade
partidária é antagônica (contrária) à soberania popular. b) O mandato
parlamentar conquistado no sistema eleitoral proporcional pertence ao partido
político. Assim, se o parlamentar eleito decidir mudar de partido político, ele
sofrerá um processo na Justiça Eleitoral que poderá resultar na perda do seu
mandato. Nesse processo, com contraditório e ampla defesa, será analisado se
havia justa causa para essa mudança. O assunto está disciplinado na Resolução
22.610/2007 do TSE, que elenca, inclusive, as hipóteses consideradas como
“justa causa”.
[28]
A EC 97/2017 trouxe uma nova possibilidade de troca de partido sem a perda do
mandato. Como sabemos, essa emenda constitucional definiu a cláusula de
barreira para que os partidos tenham acesso aos recursos do fundo partidário,
acesso gratuito ao rádio e à televisão (art. 17, § 3.º, da CF). Caso um
parlamentar tenha sido eleito por um partido que não tenha alcançado o mínimo
exigido pela cláusula de barreira, o art. 17, § 5.º, garante a possibilidade da
troca de legenda sem perda do mandato, nos seguintes termos: “§ 5.º Ao eleito
por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3.º deste artigo é
assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro
partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de
distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de
rádio e de televisão”.
[29]
Em 2007, o TSE e o STF passaram a entender que a infidelidade partidária era
causa de perda do mandato eletivo. Assim, se o titular do mandato, sem justa
causa, sair do partido político pelo qual foi eleito, perderá o cargo que
ocupa. Essa regra apenas é aplicada a cargos eletivos do sistema proporcional,
ou seja, deputados e vereadores. Portanto, não se aplica a cargos regidos pelo
sistema majoritário como o de Presidente da República e Senador (ADI 5081/DF,
Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27/5/2015). E eis que a história se
repete... Na abusiva tentativa de burlar decisão do TSE (confirmada pelo STF)
que moralizou o processo eleitoral acabando com as chamadas “legendas de
aluguel”, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 91/2016
criando uma segunda “janela” oportunista. para o troca-troca de partidos.
[30]
O STF, analisando o MS 26.602/DF, seguindo orientação firmada na consulta ao
TSE 1.398/DF, de 27.03.2007, referendou o texto supracitado afirmando que “o
abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas
situações específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou
perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo
Tribunal Superior Eleitoral”. Há duas regras de ouro para o preenchimento das
vagas pelos candidatos (...): (a) O preenchimento dos lugares com que cada
partido for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida por seus
candidatos. (§ 1.º do art. 109 do Código Eleitoral), e (b) Poderão concorrer à
distribuição dos lugares todos os partidos que participaram do pleito. (§ 2.º
do art. 109 do Código Eleitoral)”.26 Nesses termos, os suplentes são aqueles
não eleitos mais votados sob a mesma legenda partidária, que compõem as listas
registradas.
[31]
Os recursos do FEFC serão liberados às legendas, de acordo com a Resolução TSE
nº 23.605/2019, somente após a definição, pela Comissão Executiva Nacional, dos
critérios para a sua distribuição, que devem ser aprovados pela maioria
absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional do partido. Ainda
de acordo com a norma, os partidos são obrigados a reservar, no mínimo, 30% do
total recebido do FEFC para financiamento das campanhas femininas, ou em
percentual maior correspondente ao número de candidatas do partido. Também em
decisão recente, o Plenário do TSE estabeleceu que a distribuição do Fundo
Eleitoral deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido
apresentar para a disputa eleitoral. A implementação dos incentivos já deve
acontecer nas Eleições de 2020, em conformidade com a decisão proferida pelo
ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).
[32]
Na abusiva tentativa de burlar decisão do TSE (confirmada pelo STF) que
moralizou o processo eleitoral acabando com as chamadas “legendas de aluguel”,
o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 91/2016 criando uma
segunda “janela” oportunista. para o troca-troca de partidos. Oportuno perceber
que o prazo trazido pela Emenda 91/2016 é para desfiliação e não para uma nova
filiação. Em outras palavras, o parlamentar poderá permanecer sem partido até
que resolva fazer uma nova filiação. Em segundo lugar, é um factoide
legislativo, com o objetivo claro de satisfazer interesses político-partidários
imediatistas e fisiológicos.
[33]
Entretanto, a EC 52/2006 pôs fim à verticalização e a EC 97/2017 reforçou,
incluindo no art. 17, § 1.º, da CRFB a previsão: “É assegurada aos partidos
políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras
sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e
sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o
regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração
nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as
candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus
estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.” Cumpre
frisar que a EC 97/2017 pôs fim à possibilidade de os partidos políticos
celebrarem coligações para as eleições de cargos do sistema proporcional (deputados
federais, estaduais, distritais e vereadores), o que sempre foi muito comum até
então, permitindo apenas a coligação para as eleições de cargos majoritários
(chefes do Poder Executivo e senadores).
[34]
§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º
deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do
mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação
considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de
acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 97, de 2017).
[35]
Outro aspecto dessa minirreforma política consiste na recriação da chamada
cláusula de barreira (também chamada de cláusula de exclusão ou cláusula de
desempenho), instituto que já havia sido previsto no art. 13 da Lei no
9.096/1995 e que foi declarado inconstitucional pelo STF nas ADIs 1351 e 1354.
Agora a Constituição passa a restringir o acesso dos partidos a recursos do
fundo partidário e ao tempo de rádio e TV. Para tanto emerge uma redação para o
§ 3º do art. 17 CF.