Apagão ministerial
Por Gisele Leite.
O
ex-ministro da Educação estava visivelmente abatido por ocasião do encerramento
do primeiro dia das provas do ENEM, o que avalia o nível de conhecimento de
milhões de estudantes brasileiros do ensino médio. Sendo praxe o comparecimento
no auditório do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) para fazer uma coletiva à imprensa a respeito dos resultados do
exame.
Ao seu
lado, estava o presidente do Inep, Alexandre Lopes e, Ribeiro não trazia boas
notícias. Pois dos 5,5 milhões de inscritos, mais da metade não comparecera ao
exame, registrando-se a maior abstenção da história do Enem. E, houve ainda
casos em que os alunos foram impedidos de realizar a prova pois encontraram
salas abarrotadas. Enfim, a má repercussão na imprensa não ocupou apenas as
manchetes dos jornais, mas tornara-se um assunto da pauta, justamente quando
começava a vacinação contra Covid-19, em São Paulo.
Na
ocasião, sôfrego, o então Ministro tentou acenar com cenário positivo, mas
também reconhecera que aconteceram dificuldades e ruídos, mas atribuiu ao
trabalho da mídia no sentido contrário ao Enem. Ao ser questionado sobre a
realização da provam em plena pandemia, o que desencorajou o comparecimento dos
alunos, Ribeiro então elogiou o trabalho do Inep e afirmou que valeu a pena o
esforço para evitar novo adiamento do Enem. Concluiu, citando a Bíblia que “a
esperança que se adia, adoece o coração”.
Enfim,
o Enem fora seu primeiro fracasso público na pasta do MEC, comando que assumira
havia somente seis meses.
O
ministro é um senhor afável com pouco mais de sessenta anos, calvo e portador
de espesso bigode, e seus traços coadunam com voz mansa e o hábito de cerrar os
olhos quando deseja enfatizar algo no discurso, certamente, um hábito herdado
das quatro décadas que atuou como pastor evangélico.
Nesta
ocasião, Ribeiro mostrou-se irritadiço. O então ministro chegara ao Inep depois
de uma longa jornada. Pela manhã, viajou a Curitiba para acompanhar a abertura
dos portões para o Enem.
Depois
voou para Goiânia, onde visitou um colégio da Polícia Militar. À noite, quando
desembarcou em Brasília, já sabia que o evento não fora nenhum sucesso e, se
dirigiu para a cobertura do prédio do INEP, onde fica o gabinete do presidente
da autarquia. Ali, reuniu-se com as cúpulas do MEC e do Inep, antes que todos
descessem para a coletiva.
A
portas fechadas, sem subir o tom de voz, Ribeiro reclamou que não fora alertado
para os problemas do Enem e, ainda, deixou claro quem era o alvo de sua
irritação: o presidente do INEP, Alexandre Lopes. “O ministro não foi
consultado sobre a aplicação da prova”, queixou-se, falando de si mesmo na
terceira pessoa, como de hábito. “Se soubesse que haveria lotação, não teria
aprovado o plano.”
A
declaração foi recebida com espanto pelos diretores do INEP, segundo a
reconstituição da reunião feita à Piauí por três servidores que pediram
anonimato porque ainda trabalham no serviço público.
Lopes
retrucou, lembrando que comunicara o MEC sobre todos os passos da preparação do
Enem. O clima azedou definitivamente, e a relação entre os dois, que nunca fora
boa, ficou ainda mais desgastada.
Convém
recordar que Alexandre Lopes é servidor público de carreira formado em
engenharia e, mesmo sem ter qualquer experiência na área de educação, fora
nomeado pelo então ministro da educação Abraham Weintraub para comandar o INEP,
autarquia criada em 1937, e que desde os anos noventa, passou a ter relevante
missão estratégica, pois é o órgão responsável a produzir os principais
indicadores da educação brasileira.
Comenta-se,
na Capital da República, que o INEP é o lugar onde há a maior concentração de
mestres e doutores por metro quadrado no país. E, o instituto funciona como
hábil termômetro e bússola da educação.
Sendo
produtor de significativa massa de dados, que se forem adequadamente
analisados, poderá ser cruciais para a elaboração de políticas públicas. Desde
a redemocratização até o presente governo federal, o Inep jamais fora comandado
por neófito em educação. Quando se deu a saída de Weintraub e fora para os EUA,
temendo ser preso, Alexandre Lopes permanecera no cargo, mais por inércia do
que decisão positivada.
Inicialmente,
Ribeiro tratava Lopes como um subalterno ocupando mera função secundária. Tanto
que passou trinta e seis dias para lhe conceder a primeira audiência, já na
época em que os preparativos para o ENEM já deviam estar em andamento.
Enquanto
ignorava peremptoriamente o INEP, o então ministro da educação cumpriu a agenda
trivial. Tanto que chegou a visitar obras de uma ponte em sua cidade natal, São
Vicente (SP). Em outra ocasião, posou para fotos com atual Presidente da
República ao lado do desenho de uma cabeira na sede do batalhão de operações
policiais especiais (Bope) no Rio de Janeiro.
Nos
meses que antecederam a aplicação da prova do ENEM, Ribeiro preferiu designar
seus secretários para atender aos pedidos de audiência do Inep. Nas poucas
reuniões com Lopes chegou a reclamar do custo astronômico da prova e, ainda com
custo adicional por conta da pandemia de Covid-19, em face de gastos com
máscaras faciais, álcool em geral, na ordem de setenta milhões.
O
ministro estava tão desinformado que, na mesma reunião em que se atritou com
Lopes, chegou a perguntar se o próximo Enem já poderia ser 100% digital. A
dúvida causou mal-estar entre os presentes por denotar um desconhecimento
abissal dos desafios para introduzir a novidade.
Em
janeiro, apenas 100 mil estudantes, ou 2% do total de inscritos, fizeram o Enem
Digital, ainda em fase de teste. Antes de universalizar a versão digital, meta
prevista originalmente apenas para 2026, será preciso garantir que todas as
escolas públicas estejam equipadas com computadores e acesso estável à internet
– um cenário ainda distante da realidade brasileira.
No
domingo seguinte, aplicou-se a segunda parte da prova do Enem. Dessa vez, o
ministro sequer foi ao INEP para a tradicional coletiva à imprensa. À noite,
enquanto Lopes fazia um balanço geral e respondia sozinho às perguntas dos
jornalistas, Ribeiro estava em Santos (SP), participando de um culto na Igreja
Presbiteriana Jardim de Oração, da qual é também pastor.
No
púlpito, afirmou que seu trabalho à frente do MEC era “mais espiritual do que
político”. O vídeo com sua declaração foi divulgado no canal de YouTube
da igreja, mas, diante da má repercussão, acabou retirado.
Assim
que o Enem foi encerrado no fim de fevereiro, depois da reaplicação da prova
para quem não pôde comparecer, Alexandre Lopes e seu chefe de gabinete, Marcelo
Pontes, foram demitidos. Ao perder a cúpula de uma hora para outra, o INEP
ficou paralisado.