Cenas dos próximos capítulos

O Ministério experimentou muitos indicados para o cargo de Ministro da Educação. A pasta passou nas mãos de Ricardo Vélez Rodriguez, Rossieli Soares, Abraham Weintraub, Antonio Paulo Vogel (interino), Milton Ribeiro e Victor Godoy Veiga (interino). Enfim, o atual Presidente da República nomeou mais ministros para o Ministério da Educação do que qualquer outro na história do Brasil. Emblematicamente, a prisão cautelar de Milton Ribeiro trouxe à baila não só áudios e farto arsenal probatório, mas também, a possibilidade de haver, futuramente, colaboração premiada.

Fonte: Gisele Leite

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A investigação sobre os casos de corrupção e outros delitos no Ministério da Educação está fornida de muito material a respeito do lobby de pastores e verbas do FNDE.

Foi batizada de "Acesso Pago", a operação que prendeu o ex-ministro e investiga a prática de tráfico de influência e corrupção na liberação de verbas do FNDE que é órgão ligado ao Ministério da Educação.

A prisão foi determinada pela Justiça por causa de suposto envolvimento em um esquema para a liberação de verbas do MEC. Há suspeita de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e, ainda, tráfico de influência.

Em meio a farto material probatório, há um áudio no qual Ribeiro afirmava liberar verbas da pasta por indicação de dois pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura, a pedida do atual Presidente da República.

Além disso, alguns prefeitos também denunciaram pedidos de propinas que eram feitas em dinheiro ou em ouro, em troca de liberação de recursos financeiros para os municípios. E, então o ex-ministro disse que pedira a apuração de tais denúncias junto à Controladoria-Geral da União.

O ex-ministro preso, e já liberado, havia prestado depoimento a Polícia Federal no fim de março, quando confirmou que recebeu o pastor Gilmar a pedido do Presidente da República. Mas, negou que tenha ocorrido qualquer favorecimento.

Em meio a tudo, o delegado da Polícia Federal reclamou da grave interferência da Presidência da República nos trâmites investigatórios e cumprimento de diligência na prisão do ex-ministro. Interferência essa que fora o estopim da saída do então Ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Em vídeo recente, o atual Presidente da República chegou a mencionar que colocaria a "cara no fogo" pelo Ministro Ribeiro e que as denúncias contra este eram covardia. Depois da prisão de Ribeiro, o Presidente afirmou que Ribeiro é quem deve responder por eventuais irregularidades à frente do MEC. Ainda atalhou que "se a PF prendeu, tem motivo".

De fato, a prisão é o derradeiro recurso do sistema criminal e, pressupõe indícios significativos tanto da autoria como da materialidade delitiva.

A prisão é aplicável quando preenchidos os requisitos previstos no artigo 312 CPP, a saber: a) a garantia da ordem pública, b) a garantia da ordem econômica, c) a conveniência da instrução criminal ou d) para assegurar a aplicação da lei penal”.

A Justiça Federal enviou o processo sobre suposta corrupção no Ministério da Educação (MEC) para o Supremo Tribunal Federal (STF), sob a alegação de interferência de autoridade com foro privilegiado nas investigações. A peça foi assinada pelo juiz Renato Borelli, da 15ª Vara do Distrito Federal.

Na última quinta-feira (23.06.2022), o Desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), decretou a soltura de Ribeiro, dos pastores e mais dois alvos da operação “Acesso Pago”, Helder Diego da Silva Bartolomeu e Luciano de Freitas Musse.

Na decisão, o Desembargador Ney Bello pontuou que, no Estado democrático, ninguém pode ser preso sem o devido acesso à decisão que motivou a prisão, em resposta ao pedido da defesa sobre o sigilo sobre a investigação contra Ribeiro.

No segundo despacho, o Desembargador Bello diz que os crimes imputados a Ribeiro não foram cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. O desembargador também ressaltou que o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal de Brasília, que determinou a prisão do ex-ministro poderia ter decretado medidas cautelares menos graves.

“Medidas cautelares não são censuras prévias ou condenações antecipadas, menos ainda são eventos midiáticos que tenham por efeito a provocação de catarses políticas ou sensações de aplicação do justo direito ao cidadão comum”, afirmou Bello.

“Deve prevalecer a regra geral relativa à privação da liberdade pessoal com finalidade processual, segundo a qual o alcance do resultado se dá com o menor dano possível aos direitos individuais “, escreveu o desembargador do TRF-1 Ele também ressaltou que a defesa do ex-ministro Ribeiro foi afetada pela ação da Polícia Federal, que não teria concedido acesso aos autos.

Assim, a defesa (para ser ampla) precisa ser efetiva durante a instrução processual e isto só é possível se ela tiver conhecimento daquilo que já conhece o órgão acusador e foi utilizado na construção da própria imputação penal”, continuou Desembargador Ney Bello. Com a soltura do ex-ministro, a audiência de custódia marcada para esta quinta-feira será cancelada.

Recordemos que ainda, em setembro de 2020, em entrevista ao jornal "O Estado de São Paulo", o então Ministro Milton Ribeiro se posicionou quanto a homossexualidade e as famílias desajustadas, quando teria afirmado: "Acho que o adolescente, que muitas vezes, opta por andar no caminho do homossexualismo, tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe."

Em maio de 2021, a Justiça Federal condenou a União ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de duzentos mil reais por conta de tais declarações. E, em janeiro de 2022, após investigação, a Procuradoria-Geral da República apresentou denúncia contra o ex-ministro Ribeiro pela prática de crime de homofobia, que pelo entendimento do STF se equipara ao racismo. Vide: Ação Civil Pública no 5020239-50.2020.4.03.6100.

Em 24.08.2021, o então Ministro da Educação, Milton Ribeiro, no lançamento da Revista "Capes em Foco" comentou sobre as crianças com deficiência por atrapalharem o ensino dos demais estudantes, e, em alguns casos, ser impossível a convivência. E, ainda afirmou peremptoriamente que: - "Não queremos o inclusivismo." Afirmou que doze por cento das crianças com deficiência como a Síndrome de Down não têm condições de conviver na sala de aula.

O ex-ministro também usou a questão das paraolimpíadas para validar a fala de que pessoas com deficiência tem limitações que não as permitem "competir” com pessoas sem deficiências. "Esse diagnóstico de limitações que as pessoas possuem é um diagnóstico feito pela sociedade.  Estamos no meio das paraolimpíadas, por quê? Porque nós descobrimos que tem pessoas com limitações físicas, no caso, que não podem competir com outras que não tem”.

Enem, homossexuais, deficientes e pastores representam as sucessivas crises da passagem de Milton Ribeiro no Ministério da Educação.

O atual Presidente da República minimizou o tráfico de influência de Ribeiro. Não foi corrupção. E, ainda, informa que é comum. O crime de tráfico de influência é positivado no artigo 332 do Código Penal Brasileiro e significa solicitar, exigir, cobrar ou obter para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função, e estipula uma pena de dois a cinco anos de reclusão e multa.

A propósito, a confissão do atual Presidente da República do crime de tráfico de influência é computável no processo penal?

Quanto a nós, só resta aguardar as cenas dos próximos capítulos. Apesar de que tal enredo em muito se parece com uma novela mexicana.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Ministério da Educação Ministro ENEM Crianças Deficientes Homossexuais Crises Institucionais

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