Tutela antecipada e agravo de instrumento - lacuna legislativa

Fábio Cenci é advogado, sócio do escritório Cenci Advogados, pós-graduado em Direito Processual Civil, Professor de Processo Civil, Coordenador da Comissão de Estágio e Exame de Ordem e Membro da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor, ambas da OAB/SP, Subsecção Sorocaba. E-mail: fabiocenci@cenciadvogados.adv.br

Fonte: Fábio Cenci

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Fábio Cenci ( * )

A lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, igualmente denominada de Código de Processo Civil, quando da sua promulgação, não previa a possibilidade, quando da distribuição de procedimento, quer pelo rito ordinário, quer pelo rito sumário, antigamente denominado sumaríssimo, em pretensão de uma tutela juriscognicitava, a possibilidade de o magistrado antecipar parte ou integralmente os pedidos formulados pelo autor da demanda.

Tal Código sofreu uma grande alteração em 1994, mais exatamente no dia 13 de dezembro, com a promulgação da Lei 8952, que instituiu, dentre outras coisas a figura da TUTELA ANTECIPADA, previsto no ordenamento procedimental civil no art. 273. Tal instituto, como o próprio nome diz, nada mais é que, mediante os requisitos elencados, tanto no caput (prova inequívoca e convencimento quanto ao alegado), como nos incisos I (dano irreparável ou de difícil reparação) ou II (abuso de direito ou propósito protelatório do réu) o poder conferido ao magistrado em, antecipadamente, conceder ao autor os pedidos que somente faria jus, via prestação jurisdicional definitiva.

Abrem-se parênteses no que tange a incomparabilidade entre este instituto e as tutelas jurisacautelatórias, estas já existentes, quando da promulgação do Código de Processo Civil, visto que a primeira, como acima declinado, visa antecipar, entregar ao requerente aquilo que a ele seria dado, mediante uma sentença definitiva, acobertada pela qualidade do caso julgado. Já a segunda, visa tão somente resguardar a viabilidade em manter exeqüível sentença definitiva a ser proferida após o curso do procedimento judicial.

Todavia, em maio de 2002, por meio da Lei 10/444 de 2002, o legislador, seguindo a linha da "relativização processual" (ratificada pelo atual Pacote Republicano), concedeu ao juiz o poder de, se pedida antecipação quanto aos efeitos da tutela, contudo, o magistrado entender que este tem natureza cautelar, poderá concedê-lo em caráter incidental.

Fechados os parênteses, outra particularidade, no que diz respeito ao instituto em estudo, tutela antecipada, diz que, pode o magistrado, se este concedeu tal antecipação, reverte-la, frente ao previsto no § 4º do art. 273.

Uma questão que me chamou por demais a atenção, e por conseqüência, demandou algum estudo, versa sobre o indeferimento deste requerimento junto ao juízo monocrático, que, frente à interposição de recurso de agravo na modalidade de instrumento de instrumento (CPC, arts. 522, 524, 525), fora alterado pela Instância Superior.

Imaginemos a seguinte equação jurídica, autor intenta procedimento judicial via rito ordinário, intentando uma tutela juriscognicitiva, incluindo no rol de pedidos a concessão de tutela antecipada. Tal requerimento fora indeferido pelo juízo da causa inaudita altera pars. Nesta linha, o sucumbente ingressa com recurso de agravo na modalidade de instrumento, visando a alteração da decisão monocrática.

De acordo com o previsto no art. 525, mormente o inciso I, deverá o agravante instruir o recurso, dentre outros documentos, cópia da procuração a ele outorgada, e a conferida pela outra parte, no intuito de, consoante ao art. anterior, 524, III, para que a Corte Recursal possa intimar o advogado que representa o agravado, em apresentar contra-razões, art. 527. V (todos do bom e jovem CPC).

Distribuído mencionado recurso, e posteriormente sorteado o relator, este, de acordo com o elencado junto ao art. 527, poderá tomar várias decisões, dentre elas; a) liminarmente, segar seguimento ao recurso (pressupostos de admissibilidade, inc. I c/c 557); b) converter este recurso, em agravo retido, inc II; c) atribuir efeito suspensivo ao recurso, ao antecipar parcial ou totalmente os efeitos da tutela almejada, inc. III; d) requisitar informações ao juízo da causa (este sabedor da interposição do recurso, frente a exigência do art. 526), inc IV, ou ainda, e) intimar o agravado para que responda ao recurso interposto.

Ocorre que esta providência, contra-razões ao recurso interposto, pela própria dicção do inciso V do art. 527, deverá ser encaminhada através da imprensa oficial.

Chegamos a questão nevrálgica do presente ensaio, quem que o órgão ad quem deverá intimar? Vez que, retornando a equação proposta, o agravo interposto originou-se em decisão liminar preferida pelo juízo monocrático, sem que a parte contraria ainda tivesse oportunidade em incrementar a relação jurídica concretizada com a distribuição do procedimento judicial.

Sem que exista advogado regularmente constituído nos autos de primeira instância (não houve citação) não existe advogado para ser intimado em segunda instância. Concluindo então que, o agravo de instrumento será julgado sem a oitiva da parte contrária, e esta decisão, se favorável ao agravante, poderá causar gravame ao réu/agravado. Vale salientar que esta prática (julgamento do recurso sem a oitiva da parte contrária é praxe perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).

Seguindo, poderia o réu, ao ser intimado da decisão que concedeu a antecipação da tutela (decisão proferida pela Instância Superior - Acórdão - frente ao julgamento do agravo de instrumento), intentar com novo agravo de instrumento?

Entendo que não, e demonstro as razões pelas quais fundamento este entendimento.

Inicialmente, como já dito, o Acórdão proferido pela Instância recursal substitui a decisão de primeira instância, sendo esta a que resguarda validez (CPC, art. 512). Tal decisão encontra-se com o devido trânsito em julgado, quer pelo esgotamento das vias recursais, quer pela preclusão temporal.

O juízo de primeira instância não poderá, valendo-se do previsto no § 4º do art. 273 do CPC, revogar acórdão com o devido trânsito em julgado prolatado por órgão hierarquicamente superior. Ou ainda, não poderá ser devolvido ao órgão prolator idêntica questão, frente à decisão anterior por ele proferida, esta, com o devido trânsito em julgado (CPC, art. 473).

O CPC prevê, após a prolatação do Acórdão, raros casos onde o mesmo órgão julgador poderá alterar o teor do decisório, dentre eles, embargos de declaração (art. 535), embargos infringentes (art. 530). Vale neste momento ainda declinar que o ordenamento interno das Cortes Estaduais contém recursos específicos (agravo regimental), podendo outro, que não os elencados no CPC, resguardar este caráter, contudo, sempre anterior ao devido trânsito em julgado da decisão, respeitando principalmente a tempestividade.

Pode-se falar que o Relator, quando do recebimento de citado agravo de instrumento infringiu norma processual específica, no que diz respeito a esta modalidade de recurso? Ouso afirmar que não.

Como já declinado o relator do agravo, nos termos do art. 527, V, do CPC, deve ordenar a intimação do agravado, na pessoa de seu advogado, que por presunção lógica, mormente o art. 37, deverá estar regularmente constituído nos autos. Assim, sem a citação, não existe o incremento da relação processual (ingresso do réu em juízo), e por conseqüência, não se deve dizer em advogado regularmente constituído nos autos.

Resta claro que ao réu, intimado de uma tutela antecipada concedida por instância de segundo grau, não encontra perante o normativo recursal do CPC, qualquer saída hábil em que possa declinar suas razões de inconformismo.

A Constituição da República tece princípios processuais, dentre eles o da ampla e defesa e do contraditório, CR art. 5º, inciso LV, direito este, que a meu ver, frente ao declinado, foi irrefutavelmente ofendido, pois estaria o réu/agravado sendo obrigado a aceitar forçadamente decisão judicial sem que lhe fosse dado o direito a expor suas razões e produzir provas que entendesse pertinente ao convencimento do prolator do decisório (câmara julgadora).

Nesta esteira, teria o prejudicado que valer-se de remédio processual, mandado de segurança, declinando suas razões de inconformismo, tendo em vista a flagrante ofensa aos pressupostos processuais contidos na constituição da república, vez que, inexiste na Lei processual procedimento específico neste sentido.

Entendo que não seria esta a razão plausível a ser adotada, vez que, deverá ser preenchida esta lacuna legislativa, com um remédio processual por demais de subjetivo, tendo em vista que não houve por parte do tribunal qualquer irregularidade procedimental, por conta do respeito ao Código de Processo Civil antes declinado.

O legislador deve ter por obrigação, propiciar segurança jurídica aos jurisdicionados, mormente segurança processual, tendo em vista que o regimento procedimental pátrio é por demais formal, suplantando-se ao direito material, o que vejo com bons olhos, vez que, veda a "anarquia procedimental".

Claro que o legislador não estará sempre iluminado a ponto de imaginar todas as conseqüências advindas do normativo prolatado, é sua obrigação, todavia, tal norma é elaborada por seres humanos, passíveis de equívocos. Frente a estes equívocos, é obrigação da classe jurídica, ao invés de se valer de remédios processuais subjetivos, que no meu entender tem aplicabilidade em caráter esporádico, propor a resolução da falha detectada.

Nesta linha, podemos propor algumas soluções, mediante projeto legislativo, que irá alterar o inciso V do art. 527 do CPC.

Poderá ser obrigação do agravante, em caso de ausência de citação, que este informe nas razões do agravo de instrumento a ausência de citação, sob pena de não conhecimento do recurso.

Seguindo, deverá a Corte Recursal, ressalvando-se os casos elencados no art. 527 (efeito suspensivo ou antecipação aos efeitos da tutela desejada), aguardar a regular citação do requerido.

Ouso ainda oferecer nova redação para o dispositivo legal em questão, alterando a redação do inciso V do art. 527., acrescentando a letra "a", "b" e "c";

"V, "a" - em caso de não realizada a citação, deverá o relator requisitar informações junto ao Juízo de primeira Instância acerca da realização deste ato, onde, se realizada, e consequentemente procurador efetivamente constituído, informar nome e qualificação deste, visando intimação para pertinente contra-razões.

"b" - em caso de negativa citação, determinar de plano sua realização, cabendo a Corte aguardar a informação de eventual procurador constituído, senão de revelia, visando apresentação de contra-razões, senão de inclusão de pauta em julgamento, no segundo caso."

"c" - em caso de não efetivada a citação, enquanto aguarda informação do juízo "a quo", conceder, senão determinar providências urgentes, vedando o perecimento de direitos, senão impedindo danos ao agravante."

Finalizando, vejo que o legislador está perdendo uma enorme oportunidade de sanar, de forma efetiva, falhas de ordem processual, vez que, flagrantemente a onda de reformas na qual vivemos (Pacote Republicano), salvo algumas exceções, ao invés de aprimorar a prestação jurisdicional, tem o condão de resolver um problema interno dos Tribunais, qual seja, grande volume de processos, onde, por falta de estrutura, não tem condições de dar conta da demanda existente. É mais fácil e econômico vedar a prestação jurisdicional, ao invés de aparelhar o Poder Judiciário de forma efetiva.

Antes de uma "reforma do judiciário", deve ser feita uma "reforma PRÓ-judiciário".


Notas:

* Fábio Cenci é advogado, sócio do escritório Cenci Advogados, pós-graduado em Direito Processual Civil, Professor de Processo Civil, Coordenador da Comissão de Estágio e Exame de Ordem e Membro da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor, ambas da OAB/SP, Subsecção Sorocaba. E-mail: fabiocenci@cenciadvogados.adv.br [ Voltar ]

Palavras-chave: Tutela antecipada

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Alencar Frederico Advogado02/06/2007 10:25 Responder

Ilustre e Estimado Amigo Dr. Fábio. Saudades de nossas discussões no Grupo de estudos coordenadas por nosso maestro professor Sérgio Luiz Monteiro Salles. Antes de tudo, meus cumprimentos pelo Ensaio. Sobre a quaestio formulada. Concordo plenamente com o senhor em relação a esta lacuna – a meu ver fere diversas garantias constitucionais, dentre elas: a garantia do juízo natural (CR, art. 5º, incisos LIII e XXXVII); a garantia do duplo grau de cognição; a garantia do contraditório – prevista no art. 5º, inciso LV da Constituição da República; e a garantia da ampla defesa (CR, art. 5º, inciso LV). Meu desenvolvimento sobre a quaestio. Então, vejamos: É certo que na quaestio acima, ocorreu um vício que sobrevive ao caso julgado e afeta a sua própria existência. Assim, a sentença, embora tenha tornado formalmente definitiva, é mera aparência e carece de efeitos no ordenamento jurídico. Desta forma, estamos diante duma nulidade ipso iure. Aqui cumpre-nos lembrar que a citação é ato indispensável para a validade do processo. E sua importância é tanta que, não havendo citação ou sendo nula, nenhum efeito produzirá a sentença eventualmente proferida em tal processo. O réu (Gaius), nessa hipótese, poderá argüir a falta ou nulidade de citação a qualquer tempo, até mesmo na impugnação ao cumprimento de sentença (CPC, art. 475, I), independentemente de ação rescisória (CPC, art. 485). Cogitemos ainda, a possibilidade da nulidade ser pleiteada através da ação declaratória de inexistência. Visto que não se trata de reformar ou anular uma decisão defeituosa, e sim de reconhecer de nenhum efeito um ato juridicamente inexistente. E por fim, como já dissemos em outras oportunidades, é de salutar importância que os advogados (estudantes) sejam participantes ativos no aperfeiçoamento das normas processuais, criando-se núcleos de estudos para melhor desenvoltura no ordenamento jurídico. Abraços fraternais, Alencar.

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