STJ define se é nula cláusula contratual que limita responsabilidade de construtora

Fonte: STJ

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Está em discussão na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se pode ser considerada nula cláusula de contrato de compra e venda de imóvel que impede o adquirente de ter o direito à complementação de área ou ao abatimento de preço pago no caso em que se constate uma diferença inferior a 5% entre o total da área lançada no contrato e a efetiva. O que se busca definir é se o parágrafo único do artigo 1.136 do Código Civil de 1916 pode ser aplicado às relações de consumo que envolvam compra e venda de imóvel.

Segundo esse dispositivo legal, "na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a rescisão do contrato ou abatimento proporcional do preço. Não lhe cabe, porém, esse direito, se o imóvel foi vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões". A lei afirma, contudo, que deve se presumir que a referência às dimensões é simplesmente enunciativa "quando a diferença encontrada não exceder de um vinte avos da extensão total enunciada".

A questão chegou ao Judiciário porque o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MP) entrou com ação civil pública contra a Paulo Octávio Empreendimentos Imobiliários Ltda visando ver declarada a nulidade da cláusula. Esse item do contrato dispõe que são meramente enunciativas as dimensões no caso de haver qualquer diferença de áreas de até 5%, estabelecendo não caber às partes o direito de abatimento e a complementação de preço resultante desta diferença.

O Tribunal de Justiça local, concluiu, ao contrário da primeira instância, que o fato se insere na exceção contida no parágrafo único do Código Civil anterior, artigo 1.136, e deu razão à empresa imobiliária. Diante da decisão da Justiça local, o MP recorreu ao STJ.

Argumenta o Ministério Público que a cláusula deve ser considerada nula, não se podendo aplicar o dispositivo legal naquele ponto porque o consumidor pode exigir o complemento da área, reclamar a rescisão do negócio ou exigir o abatimento no preço se faltar correspondência entre a área efetivamente encontrada e as dimensões especificadas no contrato. Para ele, o item contratual contraria o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez que exonera o fornecedor da responsabilidade de indenização.

A discussão no STJ

A relatora do recurso especial no STJ, ministra Nancy Andrighi, dá razão ao Ministério Público. Ela explica que, em tais vendas, consideradas ad mensuram, o preço é estipulado por medida de extensão ou pela área do imóvel determinada no contrato, ao contrário da situação em que o imóvel é vendido como coisa certa e discriminada, sendo apenas enunciativa a referência às suas dimensões (ad corpus).

Na venda ad mensuram, o comprador tem o direito de exigir o complemento da área e, se isso não for possível, o de reclamar a rescisão do contrato ou o abatimento proporcional do preço; na ad corpus, não. Por outro lado, o parágrafo único do artigo 1.136 determina que a referência às dimensões do imóvel é simplesmente enunciativa quando a diferença não exceder um vinte avos, ou seja, 5% da extensão anunciada. Na prática, explica a ministra, tal disposição permite concluir que, se a diferença de áreas for de até 5%, é de se considerar, salvo prova em contrário, a venda como ad corpus, ainda que as dimensões do imóvel tenham sido lançadas no contrato de compra e venda, hipótese em que o vendedor não tem qualquer responsabilidade pela diferença, o que é exatamente o teor da cláusula contestada.

Para a ministra, devem-se observar, contudo, alguns dispositivos do CDC, destacando o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem, a proteção contra cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços e a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Além do mais, deve-se considerar que o fornecedor de produtos de consumo duráveis responde pelos vícios de quantidade que lhes diminuam o valor, bem como aqueles decorrentes da disparidade existente entre suas medidas, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza.

A ministra destaca, ainda, que o artigo 51, inciso I, do CDC afirma serem nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.

"Pode-se questionar a aplicação dessas normas à relação jurídica entabulada entre o fornecedor do produto (imóvel) e aquele que o adquire", assevera, mas entende não ser essa a melhor conclusão. "É de se ter a recorrida como fornecedora de produtos ao mercado de consumo, quais sejam, os imóveis por ela vendidos (artigo 2.º, caput, CDC). De outro lado, é de se ter por consumidor a pessoa física ou jurídica adquirente desses imóveis (artigo 3.º, caput, CDC)".

A ministra pondera que o Código de Defesa do Consumidor é lei especial, que deve ser aplicada em substituição à lei geral, como é o caso do Código Civil, em atenção ao princípio da especialidade. "Considerando-se que o artigo 6.º, inciso III, do CDC tutela o direito à informação clara e precisa sobre os produtos dispostos no mercado de consumo, especialmente no que toca à quantidade, à qualidade, às suas características e ao preço, merece prestígio a justa expectativa do consumidor adquirente de que o imóvel terá exatamente a área anunciada contratualmente, a qual foi utilizada para se determinar o preço pago por ele".

O entendimento da ministra é o de que a diferença de áreas há de ser considerada como vício do produto "tanto porque diminui o valor do imóvel, se considerado o preço pago por ele pelo consumidor, quanto porque decorre da disparidade existente entre a metragem lançada no contrato de compra e venda do imóvel, e a metragem real". Ela exemplifica: um consumidor adquiriu um imóvel de 100 metros quadrados por R$ 100.000,00 (R$ 1.000,00 o metro quadrado). "É certo que se a diferença de áreas for pequena, ínfimo será o prejuízo sofrido por ele", diz.

A conclusão da relatora é a de que, independentemente da diferença apurada, trata-se de enriquecimento ilícito do fornecedor, que não pode ser tolerado sob a ótica do artigo 18 do CDC. Para ela, "a referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel regidos pelo CDC não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no contrato e a área real do imóvel não exceda um vinte avos (5%) da extensão total enunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser caracterizada sempre como ad mensuram, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento proporcional do preço ou a rescisão do contrato".

A discussão continuará na Turma, pois, com a ida do ministro Pádua Ribeiro para o Conselho Nacional de Justiça, faltou quorum para o julgamento, que deve agora ser renovado, após o ministro Castro Filho ter acompanhado a relatora e o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, divergido. O entendimento do ministro Direito é o de que não se pode considerar abusiva uma cláusula contratual que reproduz dispositivo constante do direito positivo, no caso, o parágrafo único do artigo 1.136 do Código Civil de 1916.

Regina Célia Amaral
(61) 3319-8593

Processo:  Resp 436853

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