Ophir: "Querem reduzir completamente os avanços do CNJ"

Para ele, o Judiciário está cheio de privilégios e têm corregedorias locais feitas "para não investigar" juízes corruptos

Fonte: OAB

Comentários: (5)




A reforma política não vai sair, o Parlamento só funciona na base da pressão e, hoje, a tendência é mesmo de esvaziamento dos poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar juízes. Para o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, o Judiciário brasileiro está cheio de privilégios e têm corregedorias locais feitas "para não investigar" juízes corruptos. Segundo o presidente, que dirige uma entidade historicamente engajada em lutas políticas e sociais, as marchas contra a corrupção são um "grito" contra o esgotamento do sistema político, mas precisam de foco para resultados.


Nesta entrevista para A Gazeta (ES), Ophir faz um balanço do governo Dilma Rousseff (PT) e considera que há medo de se legislar no país porque os congressistas "se valem da caneta do Executivo". Ele vê com preocupação a anulação de operações de relevo pelo Superior Tribunal de Justiça e faz uma forte defesa dos poderes do CNJ - o Conselho pode ter restringida sua ação fiscalizadora de magistrados caso o Supremo Tribunal Federal (STF) aceite um recurso da Associação dos Magistrados Brasileiros.


Segue a entrevista concedida pelo presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante ao repórter Rondinelli Tomazelli:


Vai ser um retrocesso se os poderes da corregedoria nacional do CNJ forem limitados para investigar juízes?


O CNJ surgiu como uma resposta aos reclames da sociedade em relação ao poder fechado que é o Judiciário. A parte ética em relação a magistrados sempre foi tratada sem compromisso maior com a apuração e conclusão efetiva sobre acusações. O Judiciário era um poder extremamente corporativo, com proteção grande aos erros internos. As corregedorias não venciam essa demanda porque eram desestruturadas ou culturalmente foram criadas para não fiscalizar. O CNJ nasceu por conta desse anseio de conferir transparência ao Judiciário, porque corrige os desvios de conduta dos demais poderes.


Todos os avanços alcançados estão em xeque com a ação da AMB que o Supremo vai julgar em breve?


Com o ex-corregedor Gilson Dipp, o CNJ passou a incomodar Tribunais de Justiça onde o corporativismo prevalece. Depois, veio a ministra Eliana Calmon dando sequência. Quando o CNJ passou a punir disciplinarmente membros de Tribunais, provocou reação da magistratura estadual. Isso fez com que o Conselho fosse bombardeado em suas decisões porque, segundo os Tribunais, estava invadindo sua autonomia. Isso foi levado ao Supremo, que passou a suspender decisões do CNJ em casos de desvio comprovado de conduta ética. Criou-se um sentimento equivocado no STF de que o CNJ estava exorbitando atribuições. A resolução do Conselho contestada pela AMB foi o estopim para se tentar reduzir completamente todo esse avanço que se teve na Justiça com o CNJ. Antes, não tínhamos sequer a chance de conhecer números da Justiça. O Conselho passou a estabelecer metas, evidenciou a morosidade e exigiu mais  trabalho dos magistrados. Acabou com o costume de juiz trabalhar de terça a quinta e no horário que quisesse.


A tendência do Supremo, então, é de esvaziar a Corregedoria do CNJ?


A perspectiva ainda é de esvaziamento, mas é muito bom que a sociedade esteja reagindo. O CNJ ainda não avançou como deveria, ainda há resistências nos Tribunais superiores, mas isso precisa ser vencido pela força da sociedade para que o Judiciário tenha mecanismos de transparência. A correção dos desvios ético-disciplinares é fundamental para a credibilidade da Justiça brasileira.


Há muitas mordomias na Justiça?


Os juízes têm que ser bem remunerados para ter independência e liberdade, mas precisam reverter isso em favor da sociedade. Afinal, recebem 13 salários para trabalhar 10 meses. Têm dois meses de férias e ainda têm 13º salário. Nessa questão dos 60 dias de férias, a Ordem sempre foi crítica; até poderia admitir, se houvesse contrapartida em termos de trabalho justificando esse plus. A Ordem entende que isso é um privilégio que precisa ser debatido. São 60 dias, feriados regimentais e legais, e mais, em relação à Justiça Federal, o recesso de 19 dias. Se fosse 60 dias, que fosse só isso.


E a quem as distorções beneficiam?


Há um desvio de foco na Justiça brasileira. O juiz que está na ponta precisa de mais estrutura, condições de trabalho que hoje não tem. Você vai aos Tribunais e vê gabinetes lotados de assessores, suntuosidade, mordomias, seguranças para todo lado... É claro que efetivamente choca, enquanto o juiz das varas é o que mais sofre porque não tem estrutura para trabalhar. Veja também o  processo eletrônico: é realidade dos Tribunais e um dia chegará às varas. Mas não se consegue fazer um processo eletrônico único para todos os Estados. Culturalmente, sempre se privilegiou a cúpula. O que sobrar, mandam para o juiz na base, onde 90% dos problemas se resolvem. Isso desacredita a Justiça.


O presidente do Colégio Nacional de Corregedores concordou com a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, que disse que "há bandidos de toga". Concorda?


O que a ministra quis dizer, e assinamos embaixo, é que na magistratura há maus juízes, há juízes corruptos. É necessário haver uma correção disso. Só que, ao mesmo tempo em que o presidente do Colégio concorda que há bandidos de toga, diz que tem que privilegiar as corregedorias locais em detrimento dos poderes atuais do CNJ. Ora, 72% do que chega ao CNJ já vai para as corregedorias locais. O CNJ fica com um remanescente e tem mesmo que ficar. Se não se dar ao CNJ a liberdade de apurar certas situações, vamos negar eficácia à demanda da sociedade por um Poder Judiciário transparente.


O ministro do STF Luiz Fux tenta um acordo para dar um prazo para as corregedorias locais antes de o CNJ passar a investigar os juízes.


A solução para dar um prazo para as corregedorias já existe na resolução. O CNJ não pode ficar refém disso porque o prazo não é o principal, e sim o que se vai apurar. O compromisso dessas corregedorias e dos Tribunais com a apuração é mínimo por causa do corporativismo. Muitas vezes os Tribunais sufocam as corregedorias, que foram criadas para não apurar, só para fazer de conta. Quando apuram, dificilmente o Tribunal mantém a decisão. As corregedorias são mais rigorosos com juízes de 1º grau do que com membros de Tribunal. E ao atuar em relação a Tribunais superiores, o CNJ cria um sentimento corporativo no Supremo.


As marchas contra a corrupção agora querem aprovar o voto aberto no Congresso e forçar a validação da Ficha Limpa em 2012 e a manutenção dos poderes do CNJ. Vai conseguir?


 Antes, os movimentos de rua eram promovidos por entidades sindicais e partidos, hoje, atrelados ao poder, caíram no descrédito para liderar movimentação popular. Vimos bons políticos serem quase expulsos da marcha porque são políticos. Mas a liderança desses movimentos não pode ter leitura tão radical; há políticos sérios. A ida para as ruas da classe média que abandonou o sofá no feriado demonstra o modelo político esgotado. A marcha é um grito de insatisfação e descrença, mas precisa avançar e não ficar só no protesto. A Ordem está ao lado desses movimentos para debater caminhos. Definimos bandeiras em reunião na Ordem pela validação da Ficha limpa, o fim do voto secreto no Congresso e a defesa do CNJ. Temos que ter bandeiras para não esvaziar o movimento. Vamos fazer audiências com os presidentes da Câmara e do Supremo, levando pleitos.

 
O Supremo vai reconhecer a constitucionalidade e a validade da Lei Ficha Limpa para o pleito de 2012?


 Tenho esperança positiva de que o Supremo não frustrará essa ansiedade da nação, esse sonho de uma política séria. Se é uma exigência para servidor ingressar em concurso, por que não para políticos? Ninguém quer condenar por exceção, mas dentro do processo legal. A Ficha Limpa procura preservar esse direito de defesa, estabelece limite que, a nosso ver, não é pena, mas um pressuposto de elegibilidade. A lei não agride a presunção de inocência.

 
As comissões especiais de reforma política da Câmara e do Senado trabalharam separadas e aprovaram temas diversos. É sinal que nada sairá?


 Infelizmente, os políticos frustraram a sociedade. A constituição de duas comissões com tema e tempo diferentes já foi feita para não evoluir na discussão, que ficará, de novo, relegada ao impasse. Isso é revoltante porque os presidentes da República, Dilma Rousseff; do Senado, José Sarney; e da Câmara, Marco Maia, assumiram com compromisso de fazer a reforma política. A reforma não vai sair. Está muito presente o interesse dos partidos e dos parlamentares em não vê-la prosperar. Cada um puxa para um lado para que nada saia. É paralisia total.

 
Há mais de 100 projetos de combate à corrupção prontos para entrar em pauta. Por que não votam?


Infelizmente, o Parlamento brasileiro só funciona sob pressão. Não sendo isso o Parlamento se perde, não tem objetividade nos debates. Claro que a dialética é necessária para discussões, mas hoje essa dialética é pobre de conceitos e passou a ser a motivação para que nada aconteça. No Parlamento mal se começa discussões, quanto mais se chega ao final. Isso é a grande frustração e a causa direta do descrédito. Não se pode conceber que o Parlamentar trabalhe de terça a quinta e consiga fazer funcionar o Legislativo. É um modelo esgotado.

 
Por que o Legislativo está assim?


O Parlamento finge que funciona nos planos federal, estadual e municipal. Tudo depende do Executivo. O Parlamento só funciona para apreciar projetos de interesse do Executivo. Há medo de se legislar neste país. Há medo de exercer o mandato com independência. Todos estão preocupados em agradar a caneta do Executivo e dela se valerem. Isso tem que mudar. A sociedade precisa reagir.


Há algo errado quando o STJ anula operações de impacto como Boi Barrica, Satiagraha, Castelo de Areia?


O papel da Polícia Federal e do Ministério Público deve ser louvado, mas no combate ao crime não se pode ultrapassar limites legais. Precisa haver mais cuidado para que a sociedade não fique frustrada, porque o fato existiu, houve apuração e envolvimento, mas se deixa de se julgar esse fato por conta da forma. O que precisa mudar é ter cuidado para que as operações sejam feitas dentro da lei para que não sejam anuladas e frustrem a sociedade, que não tolera mais ver esses crimes sem apuração e condenação. Isso só faz gerar mais corrupção por conta da impunidade. Lamento que isso aconteça.


Aprova o governo Dilma Rousseff? Ela deixou a faxina pelo caminho?


A contingência mundial é de poupança, e a política adotada é própria do momento. Vejo como positiva sua postura em relação a denúncias comprovadas de comprometimento ético de membros do governo. Ela teve coragem de estancar esses tumores. Esperamos que continue essa política e reduza as desigualdades. A União, ao invés de distribuir e redistribuir, tem concentrado muitos poderes e recursos. Desde a Coroa, a União é a grande provedora e faz política com isso - o que é ruim, sendo necessário reescrever o pacto federativo. Um exemplo é a Segurança, problema que a União não toma para si.

Palavras-chave: Ophir Cavalcante; Corrupção; Juízes; Avanços; Juízes; CNJ

Deixe o seu comentário. Participe!

noticias/ophir-querem-reduzir-completamente-os-avancos-do-cnj

5 Comentários

vadislau charczuk Ambientalista-bioticista, Assessor p/educação, saúde probiótica e JUS-RESTAURATIVA 21...21/10/2011 15:59 Responder

PARABENS OPHIR, PELA TUA LUCIDEZ E CLAREZA NO EXPOR AS TUAS OPINIÕES - ASSINO EMBAIXO!...MAS, GRANDE PARTE DA \\\"ZORRA IMPERANTE\\\" DEVE-SE \\\"MUITO\\\" À \\\"ALGUNS TEUS COLEGAS E OABS\\\" QUE, TAMBÉM, PRECISAM HÀ MUITO MUDAREM OS \\\"SEUS OLHARES DE : ANTIBIÓTICOS=DOENÇAS=MAL ESTAR, ETC... P/UM OLHAR PROBIÓTICO=SAÚDE E BEM ESTAR. PORTANTO, MINIMIZANDO AS JUDICIALIZAÇÕES PERVERSAS, NEFASTAS E PROFANAS!... OU SEJA, OS ADVOGADOS PRECISAM RESGATAR AS SUA IMPORTÂNCIA NO PROCESSO TODO, E, NÃO PACTUAREM COM AS \\\"DESTRUIÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS, INDISPONIVEIS E A VIDA\\\"... PRECISAM, ACORDAR E APOIAR-TE \\\"MUITO MAIS\\\" PORQUE TU MERECES!..E, NOS AGRADECEMOS POR TU EXISTIRES!...

Tô de olho Dedo-duro21/10/2011 17:28 Responder

Soa estranho o Dr. Ophir Cavalcante, que do alto de sua posição de gestor-mor da OAB nacional, afirma categoricamente a existência de Corregedorias de tribunais brasileiros, \\\"criadas exatamente para não investigar nada\\\". Não demonstra coragem com tal afirmação e, sim, leniência com erro tão grave no âmbito do Judiciário, exatamente por quem deveria ser os olhos da legalidade em cada Corte do território nacional. Prestaria um bom trabalho à Nação, dando nome aos bois e colocando todo o peso da OAB e suas Seccionais para dar suporte legal aos que combatem as distorções que, quase todo mundo sabe que existem, mas que não se sabe quem são os responsáveis. Aliar-se à Ministra Eliana Calmon, já é um bom começo. Afinal, a união não faz a força?

valeria medici advogada21/10/2011 21:47 Responder

Parabnes pela sua postura de apoio à Ministra, porque realmente a magistratura precisa de uma faxina. Um exemplo de corregdoria ineficiente é a do RS. Disso sou testemunha. Bons profissionais não merecem ao seu lado maus profissionais, sejam juizes, promotores, advogados, etc.

Carlos aposentado22/10/2011 5:04 Responder

Simplesmente, PARABÉNS... existem membros da magistratura que ignoram o CNJ, por quê ?

Osmar Moacir empresário25/10/2011 18:02 Responder

Retirar prerrogativas do CNJ, é retroceder à parafernalia que ocorria antes de sua implantação. torcemos para que, o STF não dê guarida a pretensão da AMB, pois é um disparate e pretende tão somente possibilitar a continuidade da impunidade aos magistrados corruptos (em Goiás está cheio). Alegar a existência de corregedorias estaduais, é no minimo chamar o Presidente da OAB de bobo, bem como todos os Brasileiros, pois todo mundo sabe, que as corregedorias estaduais não passam de cabide de emprego (comissionados), parentes de magistrados. Já viram irmão condenar irmão???

Conheça os produtos da Jurid