Negado recurso de Maluf oposto a ação popular contra Paulipetro

Fonte: Notícias do Superior Tribunal de Justiça

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A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou por unanimidade recurso do ex-governador paulista Paulo Maluf oposto a julgamento do próprio Tribunal reformando decisões de primeira e segunda instâncias que consideraram improcedente a ação popular contra contrato firmado entre o consórcio Paulipetro e a Petrobrás. A decisão do STJ mantém a anulação do contrato e a condenação de Maluf e dos então secretários Oswaldo Palma (Indústria, Comércio e Tecnologia) e Sílvio Fernandes Lopes (Obras e Meio Ambiente) à devolução ao patrimônio público do equivalente a US$ 250 mil, referentes à quantia já paga pela Paulipetro à Petrobrás.

Os embargos de divergência apresentados por Maluf sustentaram a inexistência de comprovação de lesão ao erário, que seria necessária para a ação popular, e a nulidade do processo pela falta de citação, como co-réus, dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que aprovaram os atos impugnados. Esta alegação, como outras envolvendo questões processuais, não foram acolhidas nos embargos, que analisaram apenas o primeiro ponto.

O relator, ministro José Delgado, reconheceu a "profunda divergência" existente tanto no campo doutrinário quanto jurisprudencial no que diz respeito à necessidade de comprovação de lesão ao erário para propositura da ação popular, mesmo após a vigência da Constituição Federal de 1988. Ainda assim, afirma o ministro ter "convicção firmada no sentido de que, por ser a moralidade administrativa um dos postulados que sustentam o regime democrático, tanto na vigência da Constituição Federal anterior como na atual, a sua violação, por si só, é suficiente para resguardar a procedência do pedido de ação popular, tornando-se, conseqüentemente, desnecessária a prova concreta do prejuízo ao erário".

O ministro citou o voto do ministro Antônio de Pádua Ribeiro no acórdão embargado que reformou o acórdão de segundo grau, para fundamentar seu ponto de vista: "No mérito, o v. acórdão [de segunda instância] ao encampar ?in totum? a v. sentença do mesmo modo que esta fez, parece não haver se apercebido dos princípios que informam e regem a Ação Popular, conforme expressado na Lei 4.716/65, acrescido agora do enfoque dado pelo art. 5o, LXXIII, da Constituição."

Em primeira instância, a ação popular foi julgada improcedente porque o "contrato de risco [firmado] se inseriria no poder geral de gestão reconhecido a todo e qualquer administrador, no caso, ao governador do Estado de São Paulo por constituir ?opções administrativas? [...], tanto mais porque a prospecção foi feita em período de escassez mundial de óleo [e que] a existência de petróleo no local era mais do que problemática, pelo que o administrador não poderia ser responsabilizado pelo insucesso ocorrido".

Segue o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, relator do recurso especial embargado: "Ninguém nega ao administrador privado a faculdade de realizar negócios ou administrá-los pela forma que melhor lhe aprouver, inclusive em atividades de risco: é próprio da livre iniciativa. [...] O administrador público não tem idêntica flexibilidade. Indissoluvelmente preso ao princípio da legalidade, só pode agir nos exatos limites fixados pela lei ou pelas Assembléias Legislativas. Não lhe é dado, a seu bel talante, levar o patrimônio público à aventura ou atividade outras, senão àquelas que lhe são estritamente traçadas."

O acórdão do recurso especial dispõe ainda que "a exploração de petróleo constitui negócio de alta complexidade, sujeita a riscos inimagináveis", motivo que teria levado a Constituição a prescrever o monopólio da União sobre a atividade. Por isso não estaria compreendida entre os poderes gerais de gestão ou de atividade discricionária da Administração.

No caso específico, conforme parecer do Ministério Público Federal quando do julgamento do recurso especial, "a certeza negativa do resultado já estava antecipadamente reconhecida: não havia quem não soubesse. Basta ver que a Petrobrás (os dados são da v. sentença) pesquisando na mesma área, em bloco considerada, tendo perfurado mais de ? veja-se bem! ? 60 poços, nada encontrou! E parou com as prospecções para não jogar fora mais dinheiro! Portanto não mais se tratava de assumir o ?risco? de descobrir, ou não, o óleo. Mas, sim, da quase certeza de que não existia óleo no local. Isto era afiançado por ninguém menos do que o presidente do Conselho Nacional do Petróleo, o sr. marechal Levy Cardoso ao dizer: ?nenhuma razão técnica e apenas o fator sorte levaria a Paulipetro a uma estrutura petrolífera na Bacia de Santos?".

Mesmo ante essas perspectivas, o então governador de São Paulo e os secretários citados "usando como ?longa manu? as empresas estaduais CESP e IPT, lançaram-se à procura do óleo, subcontratando várias empresas para fazê-lo. Mas, como era mais do que esperado", segue o MPF no mesmo parecer, "como todos já sabiam antecipadamente, não foi encontrado petróleo algum! Jogaram, assim, o patrimônio público em autêntica aventura, que já sabiam de antemão infrutífera, onerando o Estado em mais de US$ 200 milhões, inclusive obrigando-o a contratar empréstimo externo (com as comissões de praxe...) E onde os únicos a lucrar foram as felizes empreiteiras..."

Conclui o parecer, acolhido pelo relator do recurso especial e, por sua vez, pelo relator dos embargos, que, ao agir como agiram, os administradores públicos não exerceram a opção administrativa, em que é dada ao gestor a escolha do caminho que lhe parecer mais conveniente ao interesse público, mas, sim, "malversação do patrimônio público [e] culpa gravíssima na administração do Estado, chegando às raias da administração dolosa ou temerária".

O MPF ainda expôs, no parecer citado nos dois acórdãos do STJ, o uso de um artifício que pretendia encobrir a manifesta fraude à lei consistente na celebração dos contratos. Para evitar o cumprimento de exigências legais inafastáveis para a contratação e pagamento de serviços não compreendidos na atividade normal da Administração, criou-se o "consórcio" entre as empresas estaduais CESP e IPT, nenhuma das quais tinha por objeto social a realização de negócios petrolíferos. Depois, diante da falta de recursos dessas para a atividade pretendida, o Estado entrava fornecendo-lhes o dinheiro. "Ou seja, pela via indireta do artifício usado, livra-se o Estado das exigências legais que o impediam de entrar no negócio, mas alcançava o que queria: ?bancar o jogo?", explica o MPF.

Para o MPF, no entendimento acolhido pelo ministro Antônio de Pádua Ribeiro e confirmado pelo ministro José Delgado, "o negócio premeditado, engendrado e, afinal, realizado pelo Estado de São Paulo visando à exploração do petróleo na Bacia do Paraná, e que lhe deu colossal prejuízo sobre ter sido tomado com evidente atentado à moralidade administrativa, decorre de ato administrativo em que faltam, um a um, todos os elementos que são indispensáveis para a sua caracterização, já que praticado com desvio de finalidade, adotando forma imprópria, pois não prevista em lei, praticado por agente incapaz e, assim, sem competência e faltando ainda o consentimento do Estado, visto só ter tido como tal quando manifestado nos limites estabelecidos pela lei. Constitui, assim, ato nulo de pleno direito."

A sentença teria se baseado ainda em interpretação da Constituição feita pelo general Ernesto Geisel e pelo presidente da Petrobrás à época para considerar legal o contrato de risco firmado pela empresa federal e o consórcio Paulipetro, mas o MPF preferiu o entendimento "de constitucionalistas ?experts? na matéria, como Pontes de Miranda, ao entenderem forma radicalmente oposta."

"Se, como forma de fugir-se ao monopólio em favor da União, criou-se o subterfúgio de fazer-se contrato de ?risco?, parece óbvio que os que deste decorressem deveriam guardar a mesma natureza. No entanto, os felizes aquinhoados contrataram e receberam com a Paulipetro na base de preço fixo por serviço executado, mesmo sem nada terem encontrado! Não obstante é justificado pela v. sentença fundada na opinião da Petrobrás... ré na ação! Feito coisa que também a esta houvesse sido outorgada a interpretação da Constituição!", exclama o MPF em seu parecer.

O voto do ministro Milton Luiz Pereira, ao julgar o recurso especial, também considerou a moralidade como elemento necessário à formação do ato administrativo: "para mim, o princípio da moralidade, para ser cumprido, não precisava estar escrito; é do direito natural. A moralidade no ato administrativo deve ser o centro propulsionador da manifestação administrativa".

O relator, ministro José Delgado, ressaltou que o acórdão embargado constatou, "de modo irrespondível", a desproporcionalidade e irrazoabilidade com que os atos foram praticados, "sem qualquer consideração com a aplicação do dinheiro público que, por imperativo legal, não pode ser usado sem expressa autorização legislativa para consumação de contratos de potencializado risco".

Murilo Pinto
(61) 319-8589

Processo:  EREsp 14868

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