Médica que receitou medicamento com hormônio masculino a uma paciente é condenada a indenizá-la por dano moral

A paciente começou a apresentar sintomas de virilismo e de hirsutismo (presença de pelos terminais na mulher, em áreas anatômicas características de distribuição masculina)

Fonte: TJPR

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Uma médica foi condenada a pagar R$ 45.000,00 a uma paciente, a título de dano moral, porque, durante um tratamento para combater um quadro infeccioso no sistema reprodutor da mulher, aplicou-lhe injeções intramusculares que continham hormônio masculino. Depois de algumas semanas, a paciente começou a apresentar sintomas de virilismo (aparecimento de caracteres sexuais masculinos) e de hirsutismo (presença de pelos terminais na mulher, em áreas anatômicas características de distribuição masculina).


Essa decisão da 8.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, reformou, em parte, a sentença do Juízo da 3.ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação de reparação de danos materiais e morais combinada com indenização por lucros cessantes ajuizada por D.L.M.P. contra a médica M.C.G.B.V.


Os recursos de apelação


Tanto a ré (a médica) quanto a autora (a paciente) recorreram da sentença de 1.º grau. A primeira sustentou, em síntese, inexistirem provas dos danos alegados pela autora e disse que a juíza a quo baseou-se tão somente nas declarações da apelada e que não foi comprovado o nexo causal entre os danos alegados na inicial e a conduta da apelante. Pediu a reforma da sentença a fim de que seja julgada improcedente a demanda. Alternativamente, requereu a redução do quantum indenizatório.


Por sua vez, a autora sustentou que foi reconhecida a culpa da médica, razão pela qual o valor da indenização deve ser, pelo menos, cinco vezes maior.


Requereu também que a apelada (a médica) seja condenada a arcar com as despesas que teve com cirurgia plástica, drenagem linfática e chás medicinais, bem como com os gastos (passagens, hotel e medicamentos) relativos à viagem que fez aos Estados Unidos em busca de tratamento.


Por fim, pediu o pagamento dos lucros cessantes, em razão de  ter abandonado suas atividades laborais.


O voto do relator


O relator do recurso de apelação, desembargador Jurandyr Reis Junior, consignou inicialmente: "Trata-se de ação de reparação, pela qual a autora pretende o ressarcimento pelos prejuízos físicos e morais a que se viu acometida em decorrência de um tratamento médico, julgada parcialmente procedente para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais e materiais".


"De acordo com a peça inicial, a autora se consultou com a ré, que, após a realização de testes e exames clínicos e laboratoriais, constatou um quadro infeccioso no sistema reprodutor da requerente, razão pela qual lhe prescreveu os medicamentos "ceporexim", "buferim" e "gertoplus", em 08/12/1993."


"Ainda no mês de dezembro de 1993, foi realizada nova consulta, na qual a requerida receitou "ictiol" à autora, além de indicar o início de um novo tratamento, consistente na aplicação de injeções semanais no consultório."


"Ocorre que restou controvertido nos autos qual era a substância aplicada através de injeções intramusculares, uma vez que a requerente, com base em eventuais alterações fisiológicas e opiniões de outros médicos consultados à época, afirma veementemente tratar-se de hormônio masculino, enquanto que a ré, em sede de contestação e de recurso de apelação, afirmou que se tratava de "bromocriptina", embora em seu depoimento na audiência de instrução e julgamento, tenha negado a administração de "bromocriptina" na forma injetável à autora.


"Inconformada com a conclusão a que chegou a Magistrada a quo,que, baseada no laudo pericial, nos depoimentos da ré e de uma amiga íntima da requerente, e no processo administrativo que tramitou perante o Conselho Regional de Medicina, constatou que a ré ministrou um tratamento inadequado à autora, além de faltar com o dever de informação inerente à relação médico/paciente, insurge-se a requerida, alegando a ausência de provas dos danos narrados na inicial, bem como a inexistência de nexo causal entre estes danos e o tratamento prescrito."


"Razão não lhe assiste. Primeiramente, convém  esclarecer que a autora se desincumbiu de seu ônus de demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, quais sejam, a realização de tratamento médico com a requerida e o surgimento de efeitos  colaterais indesejados advindos deste tratamento, através de atestados médicos, depoimentos testemunhais e exame médico pericial."


"Extrai-se das fls. 116/118 e 140/142 dos autos que nos exames  realizados antes da aplicação de injeções pela ré, datados de  27/09/93 e 02/12/93, a requerente apresentava uma dosagem normal de hormônio masculino no sangue."


"Todavia, após o início da aplicação das injeções, em meados do  mês de dezembro de 1993, a autora passou a notar mudanças em seu corpo, de modo que procurou a Dra. [...], especialista em ginecologia, a qual lhe receitou o medicamento "androcur", na data de 02/03/1994 (fls. 123)."


"Vale destacar um excerto do laudo pericial de fls. 1380/1389: '[...] 5.21. Por que uma mulher tomaria o medicamento "androcur" para regredir à sua condição feminina? No caso concreto, a requerente teve que se submeter a tal tratamento medicamentoso? Quais as suas conseqüências? É comum que tal ocorra com pacientes femininas? Resposta: A medicação ANDROCUR é usada para diminuir os sintomas de virilismo e hirsutismo, isto é, para diminuir o tamanho do clitóris da mulher e para diminuir a pilificação. A paciente fez uso de Androcur, 160 comprimidos no total, e apresentou regressão do quadro de androgenia induzida. Esta medicação tem indicação na mulher para manifestações graves de androgenização como hirsutismo  (fls.  484  dos  autos apresentados pela Dra. [...] onde o que realça em amarelo foi interpretado de forma incorreta como efeito secundário, quando na verdade o fabricante de forma clara na pontuação do texto apresenta o androcur como indicado na mulher para o tratamento de virilismo e não como sendo este um efeito secundário na mulher) [...]'."


"Ora, sendo o androcur um medicamento indicado para  diminuição de sintomas de virilismo e hirsutismo, é possível concluir que a substância aplicada pela requerida consistia em hormônio masculino, resultando nas alterações fisiológicas sofridas pela autora, e confirmadas por sua amiga íntima (fls. 1525/1526)."


"Diante disso, não há que se falar em ausência de nexo de causalidade entre os danos e o tratamento prescrito pela ré, máxime quando as provas nos autos são suficientes a demonstrar que a autora foi acometida por sintomas de virilismo e hirsutismo após o início do tratamento ministrado pela ré, consistente na aplicação de injeções, cujo conteúdo exato a requerida não revelou, haja vista que em sede de contestação e recurso de apelação afirmou que se tratava de bromocriptina,  enquanto que na audiência de instrução e julgamento, declarou que se tratava de antibióticos, o que demonstra o descumprimento do dever de informação inerente à relação médico/paciente."


"Assim, não merece prosperar o apelo da ré, no que tange ao nexo de causalidade."


"Quanto à comprovação dos danos, lembra-se que a  Constituição  Federal elevou a reparação por danos morais ao status de direito fundamental da pessoa, conforme artigo 5º, inciso V."


"Desse modo, passou a prevalecer a tese de que não é necessária  a demonstração de efetivo prejuízo para que se tenha direito à reparação por danos morais, vez que a simples comprovação dos fatos e do nexo de causalidade já demonstram a violação de preceito constitucional."


"Assim, também deve ser mantida a sentença no que diz respeito à ausência de provas dos danos alegada pela requerida."


"Cabe, então, seguir à questão relativa ao valor fixado a título de danos morais, uma vez que a autora pretende a majoração, e a ré pugna pela redução."


"Para a fixação do valor da indenização devem ser observados os seguintes critérios: a gravidade do fato; a situação econômico- financeira das partes, objetivando sempre a reparação do dano e sem proporcionar inexpressividade a quem o pleiteia, atentando-se a possível onerosidade excessiva que cause enriquecimento à parte."


"Neste sentido são os ensinamentos de Sergio Cavalieri Filho: 'Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão  nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com  os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa, dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras mais que se fizerem presentes.' (Programa de Responsabilidade Civil, 6ª edição, Malheiros Editora, 2006, p. 16)"


"No caso em apreço, a autora pugna pela majoração do valor fixado para a indenização, alegando que o quantum fixado na respeitável sentença não serve de reprimenda à prática de uma atitude semelhante pela ré, na medida em que esta possui um  alto padrão de vida."


"A ré, por sua vez, lastreia seu apelo de redução no fato de que eventuais alterações fisiológicas sofridas pela requerente não são mais evidentes, conforme atestado pelo médico perito.


"Em que pese o laudo pericial apontar no sentido de que  atualmente, as seqüelas causadas pela administração do  tratamento médico dispensado pela requerida são discretas e não afetam a feminilidade da autora, não se pode  desconsiderar o abalo por ela sofrido à época dos acontecimentos, em virtude das transformações físicas a que foi acometida, conforme se extrai do laudo de fls. 1380/1389: '[...] 5.18. Ainda na hipótese de resposta positiva à questão 5.15,  uma análise clínica atual na requerente pode apontar os indícios  e conseqüências das seqüelas causadas pela administração do  tratamento médico dispensado pela requerida à requerente? Se positiva a resposta, favor enunciá-los. Resposta: A paciente apresenta ainda discreto aumento do clitóris visível e apalpável ao exame clínico e refere que em estado de excitação fica ainda maior. Refere também que apesar disto consegue sentir-se como uma mulher normal. Foi observado também discreta formação de pelos terminais na face em região temporal e maxilar  superior (exame clínico do dia 10 de julho de 2006). 5.19. Pode ser afirmado que a paciente teve o aparecimento de barba,  bigode, pêlos pelo corpo e o desenvolvimento clitoridiano em decorrência de excesso de hormônios masculinos incutidos na paciente pela requerida? Resposta: Pode-se dizer que a paciente na  ocasião apresentou sinais clássicos de hirsutismo e virilismo isto é aumento do clitóris 4-5cm,  aumento da pilificação facial e pubiana conforme informação do Dr. [...] e Dra. [...]. Apresentou regressão com o uso de droga anti-androgenica ANDROCUR. [...]' (fls. 1384/1385)."


"Aliado às reminiscências do tratamento a que foi submetida,  que demonstram a intensidade de um dano causado há aproximadamente vinte anos atrás, há que se considerar também a capacidade econômica da parte requerida."


"Ora, trata-se de uma  médica conceituada, que possui casa,  carro e consultório próprios, conforme referido em sede de  contrarrazões ao recurso de apelação da requerente, o que demonstra que teria condições financeiras de arcar com o  pagamento de um valor superior ao fixado em sentença, sem que isto lhe causasse qualquer transtorno."


"Assim, hei por bem majorar o valor indenizatório para R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), visto que tal quantia se mostra adequada e, ainda, cumpre o seu caráter inibidor e  pedagógico - servindo de reprimenda à ré - e, de outro prisma, constitui-se em importância razoável para minorar o dano moral  causado à parte autora, sem ser fonte de enriquecimento sem causa."


"Por fim, pugna a requerente, em seu recurso de apelação, pela extensão da indenização por danos materiais aos gastos com  cirurgia plástica, drenagem linfática, chás, medicamentos, diárias de hotel (no período em que decidiu sair da casa em que vivia com seu marido), viagem aos Estados Unidos da América, bem como pela condenação da ré ao pagamento de lucros cessantes decorrentes do decréscimo de seu trabalho."


"De acordo com a peça inicial, a autora se submeteu, em 1995, à cirurgia plástica, e em razão disto foi necessária a realização de  dez sessões de drenagem linfática, sendo que pretende nesta instância recursal a condenação da ré ao pagamento dos valores despendidos com a cirurgia e as referidas sessões."


"Impende observar que tais gastos só poderiam ser somados ao  valor total fixado a título de danos materiais, caso se  demonstrasse o nexo de causalidade entre a necessidade de referidos procedimentos cirúrgicos e pós-cirúrgicos, e os prejuízos causados à autora em razão do tratamento ministrado pela ré."


"Contudo, não restou demonstrado o nexo de causalidade, máxime quando o médico perito foi claro ao aferir a natureza estética da cirurgia plástica realizada, o que impede que seja indenizável pela requerida, senão vejamos: '[...] 5.222. A requerente se submeteu a uma cirurgia plástica para a correção  de displasia mamária? Tal displasia se agravou em face do  tratamento dispensado pela requerida? Resposta: A paciente foi sim submetida a um cirurgia plástica da mama, mas esta não foi agravada por qualquer  um  destes  tratamentos. A cirurgia  teve a finalidade estética.[...]' (fls.1386)."


"Também no que se refere aos gastos com chás e medicamentos, não possui razão a autora/apelante, porquanto não se eximiu do ônus de comprovar o fato constitutivo de seu direito, não se  extraindo dos autos quaisquer recibos, notas fiscais, ou comprovantes de pagamento que permitam a este tribunal aferir o montante destinado a estas eventuais aquisições."


"Do mesmo modo, a autora não faz jus ao recebimento do quantum que teria gasto com hospedagem em hotel, porque o único documento, referente a serviços de hotelaria, que trouxe aos autos consiste em uma resposta enviada por fax à sua  solicitação de informações sobre as tarifas cobradas para a diária e para o mês, documento este que não é suficiente para demonstrar que a autora, de fato, se hospedou no hotel, por quanto tempo, e qual foi o seu gasto total."


"Quanto às despesas com a viagem da autora aos EUA, é de se  manter a respeitável sentença proferida pela douta Julgadora a quo, que bem ponderou pela impossibilidade de ressarcimento das quantias necessárias à viagem, 'pois por mais que tenha influenciado na sua melhora, havia outras formas de restabelecer o estado emocional da autora, sem a necessidade da viagem para o exterior' (fls. 1679)."


"Por fim, a respeito dos lucros cessantes pretendidos pela requerente, também não se faz possível a reforma da decisão singular, em virtude da ausência de provas que demonstrem o decréscimo dos rendimentos da autora durante os meses de  janeiro a setembro de 2004."


"Destarte, só há que se falar em reforma da sentença para o fim  de majorar o valor fixado a título de danos morais, conforme pugnado pela parte autora, pelo que seu recurso deve ser parcialmente provido, enquanto que o recurso de apelação  interposto pela parte ré não merece provimento."


"Assim, voto no sentido de conhecer do recurso de apelação cível interposto pela parte requerida e negar-lhe provimento, bem como conhecer do recurso de apelação interposto pela parte autora e dar-lhe parcial provimento, para o fim de majorar o valor fixado a título de indenização por danos morais para R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), valor a ser corrigido monetariamente a partir desta data (Súmula 362 do STJ) e os  juros de mora já incluídos no valor indenizatório, mantendo-se,  no mais, incólume a respeitável sentença proferida pela eminente Juíza de Direito Adriana de Lourdes Simette", concluiu o relator.


O julgamento foi presidido pelo desembargador Guimarães da Costa (com voto), e dele participou o desembargador João Domingos Küster Puppi. Ambos acompanharam o voto do relator.

Palavras-chave: Hormônio; Aplicação; Paciente; Condenação; Tratamento; Medicamento

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