Íntegra do discurso da ministra Ellen Gracie na abertura do Ano Judiciário

Fonte: STF

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Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário de 2007

Sua Excelência a Senhora Ministra Ellen Gracie Northfleet

Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça

Brasília, 1º de fevereiro de 2007.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva;

Excelentíssimos Senhores Ministros desta Corte;

Excelentíssimos Senhores membros da Mesa;

Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro da Costa;

Excelentíssimos Senhores Conselheiros, membros do Conselho Nacional de Justiça;

Excelentíssimo Senhor Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda,

Senhoras e Senhores;

No dia 1º de fevereiro de 2004, o Ministro Presidente, Maurício Corrêa deu início a uma tradição que faltava a esta Casa tão cheia de tradições e ritos.

A partir de então, registra-se solenemente a abertura do ano judiciário com sessão que permite reiterar, com o prestígio que lhe conferem as presenças do Senhor Presidente da República e dos Senhores Presidentes do Senado e do Congresso e da Câmara dos Deputados, a mais perfeita harmonia e cooperação que devem caracterizar a atuação dos Poderes do Estado. Poderes que, inobstante sua independência, são necessária e permanentemente convergentes na constante busca do bem comum do povo brasileiro. Os motivos eleitorais, de todos conhecidos, impedem a presença hoje dos Senhores Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Exatamente neste momento, realizam-se em ambas as casas do Congresso Nacional as eleições para as respectivas mesas diretoras. Suas Excelências, nas mensagens encaminhadas a esta casa, fazem-nos chegar os votos de um profícuo ano de trabalho.

Honra-nos com sua presença o Sr. Presidente da República. É minha primeira palavra, a de acolhida a Sua Excelência, realçando o histórico relacionamento de respeito e cooperação entre os Poderes.

Devo assinalar que a atuação concertada dos Poderes da República resultou, ao final do ano passado, no estabelecimento de marco significativo de uma nova etapa de aperfeiçoamento para os serviços de prestação de Justiça que nos competem. A aprovação pelo Congresso Nacional e a posterior sanção presidencial das Leis 11.417, 11.418 e 11.419 têm significado que só poderá ser devidamente apreciado com maior perspectiva de tempo, mas que já nos permite afirmar que são elas divisores de águas na estruturação e funcionalidade do Poder Judiciário.

A edição de súmulas com força vinculante para a Administração dificilmente poderá ser suficientemente louvada. Tudo porque é fato inconteste que a Administração, em suas diversas esferas - por motivos vários, mas também pela falta de mecanismo que desse aos seus representantes judiciais o necessário respaldo - tantas vezes insiste em ignorar interpretação reiterada do Supremo Tribunal Federal, e com tal proceder obriga o cidadão a intentar mais uma das milhares de causas idênticas que congestionam os serviços forenses, retirando-lhes a agilidade necessária para o enfrentamento de questões novas e urgentes. O novo instrumento irá permitir que seja desinflada a demanda que hoje recai sobre a Justiça Federal e as Varas de Fazenda Pública, de maneira particularmente sensível. Todas as causas de massa, que tenham por núcleo uma mesma questão de direito, ficarão definidas se já ajuizadas ou serão mesmo estancadas no nascedouro.

Já a autorização para que esta Corte defina quais as questões que - por veicularem interesse geral - devam merecer sua atenção, corresponde à garantia de funcionalidade para este Tribunal, hoje sobrecarregado com questões de somenos. Trata-se de demandas que apenas a pertinácia de litigantes recalcitrantes impulsiona através de toda a extensa cadeia de possibilidades recursais, reiterando vezes sem conta a mesma argumentação.

As duas primeiras leis a que me referi dizem de perto com a atuação deste Supremo Tribunal Federal, mas repercutem sobre a totalidade da estrutura judiciária. A terceira, porém, representa uma mudança de paradigma para toda a Justiça brasileira. A possibilidade de utilização de procedimento eletrônico abre ao Poder Judiciário a oportunidade de livrar-se daquele que é reconhecidamente seu problema básico, a morosidade.

Com a tramitação automatizada, poderemos enfim encurtar o que em ocasião anterior rotulei como tempo neutro do processo, um tempo não-criativo de mera rotina burocrática, que a praxe centenária, acriticamente reproduzida, fazia por alongar desmesuradamente. Tive ocasião de demonstrar, no já longínquo ano de 1992, com base em pesquisa sobre processos do arquivo da Justiça Federal, que 70% do tempo total de um processo correspondem a essa repetição de juntadas, carimbos, certidões e movimentações físicas dos autos.

Assim, a utilização dos recursos tecnológicos significará uma racionalização e redução drástica de tais tarefas, permitindo aos magistrados dedicarem-se, verdadeiramente, às criativas tarefas de construção das soluções para os litígios que lhes são submetidos.

Pois bem, os Poderes Legislativo e Executivo já cumpriram suas tarefas de fornecer as condições legais para o aperfeiçoamento de nossa instituição. Folgo em dizer que o Poder Judiciário, confiando nesse desdobramento, já vinha se preparando para dar conseqüência imediata às inovações. Já fizemos circular entre os Ministros desta Casa, desde o final do ano passado, as primeiras propostas-tentativas de enunciados de súmula vinculante, elaboradas por nossa comissão de jurisprudência. Elas serão formalmente encaminhadas à apreciação do Plenário, após a tramitação prevista pela nova Lei nº 11.417/06.

Por igual, estamos detalhando os procedimentos a serem adotados para aplicação do filtro da repercussão geral.

No que diz respeito à adoção de procedimento eletrônico para tramitação dos recursos, informo, com satisfação, que o Tribunal está habilitado a receber, em formato digital, os recursos extraordinários enviados pelos tribunais que compõem o projeto piloto de aplicação desta inovação, a saber, o Tribunal Superior do Trabalho, os Tribunais de Justiça do Espírito Santo e de Sergipe. Uma vez conferida sua operacionalidade, se integrarão ao sistema os Tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, dos quais se originam cerca de 63% dos recursos extraordinários enviados ao Supremo Tribunal Federal. Mas, não apenas esta Corte ingressa com vigor na era digital. É de justiça mencionar, também, o trabalho desenvolvido pelos demais Tribunais Superiores e pelo sistema judicial como um todo. Peço licença para apenas mencionar o pioneirismo do Tribunal Superior do Trabalho, que, sob a direção do Ministro Ronaldo Lopes Leal, já inaugurou o "e-recurso", módulo de apoio às decisões, com utilização de métodos de inteligência artificial, que garantirá aos feitos uma celeridade de solução antes impensável. E devo mencionar também que 80% dos Juizados Especiais Federais Cíveis, hoje em número de 258 em todo o país, já funciona em meio eletrônico. Ademais, 29 das 30 Turmas Recursais respectivas também fazem uso do processo virtual.

Esse, senhoras e senhores, é o Judiciário do Futuro que ingressa numa nova fase de dinamismo.

O Supremo Tribunal Federal também se volta para seu passado. Um passado honroso de bons serviços prestados à nação. O Brasil apresenta inúmeras singularidades. Dentre elas, a de ser um país que se tornou judiciariamente independente antes de sua independência política. Quatorze anos se passaram entre um e outro fato histórico.

Tudo porque, em 10 de maio de 1808, por alvará expedido pelo Príncipe Regente, foi a Relação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro elevada à Casa de Suplicação do Brasil, vale dizer, a última instância judiciária, onde terminariam os feitos, sem mais atuação da Casa de Suplicação de Lisboa (Gabriel Martins dos Santos Vianna, "Organização e Distribuição da Justiça no Brasil", Revista do Supremo Tribunal Federal, vol. 49, 1923, p. 342). Por isso, afirma João Mendes de Almeida Júnior, ex Ministro desta Casa que, antes mesmo da elevação do Brasil à categoria de Reino, o que se deu em 16 de dezembro de 1815, "já estava, de fato, estabelecida a mais completa autonomia das Justiças" ("O Processo Criminal Brasileiro", Rio, Tip. Baptista de Souza, 1920, p. 159).

E, dessa situação de autonomia não regrediu o judiciário brasileiro, nem com o retorno de D. João VI a Portugal, nem com a ordem expressa contida no Decreto de 11 de janeiro de 1822, pelo qual as Cortes Portuguesas (Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa) determinaram a extinção de "todos os tribunais criados no Rio de Janeiro desde que el-rei para ali trasladou a sua Corte desde 1808." Especificava o decreto que "A Casa de Suplicação do Rio de Janeiro fica reduzida a uma relação provincial." A determinação, porém, não chegou a ter execução, mas, antes, serviu para acirrar o movimento pela independência, formalmente proclamada poucos meses depois.

À Casa de Suplicação, sucedeu, durante o Império, o Supremo Tribunal de Justiça (9/1/1829) e, na República, o Supremo Tribunal Federal (28/2/1891), sem solução de continuidade e com a permanência de muitos de seus membros nas transições.

Para assinalar os duzentos anos de história independente do Poder Judiciário no Brasil, contados a partir do estabelecimento de uma instância terminativa no país, o Tribunal deliberou estabelecer uma comissão organizadora de atividades que se sucederão, até 10 de maio de 2008.

Compõem-na os Ministros aposentados da Casa, em homenagem simbólica que o Tribunal presta a todos quantos ilustraram as cátedras que hoje ocupamos.

É nossa intenção, ao longo deste ano, estimular o intercâmbio com outras cortes constitucionais, e, de modo particular, com aquelas que exerceram influência sobre a formação de nosso sistema de controle de constitucionalidade.

Um sistema que exatamente por haver amalgamado modelos e soluções advindas de origens diversas, pode ser considerado dos mais completos e complexos. Ele oferece as mais amplas oportunidades de acesso. Tanto pela largueza com que defere a legitimidade ativa, quanto pela generosidade com que garante um extenso e diversificado rol de instrumentos processuais a serem manejados para o efeito de averiguação da conformidade constitucional.

Reverente à obra de construção institucional que corresponde à sua história, o Supremo Tribunal Federal reafirma, nesta abertura do Ano-Judiciário de 2007, o seu compromisso tradicional de interpretar, com fidelidade e isenção, o texto básico da nacionalidade, cumprindo e fazendo cumprir a Constituição Federal.

Palavras-chave: ministra

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