Fausto diz que nada se compara à homenagem prestada por juízes

Após décadas de dedicação à magistratura trabalhista, o ministro pediu aposentadoria logo após transmitir o cargo de presidente do TST ao ministro Vantuil Abdala e, desde então, vem recebendo sucessivas homenagens.

Fonte: Notícias do Tribunal Superior do Trabalho

Comentários: (0)




Campos do Jordão (SP) ? Emocionado com a homenagem prestada por mais de 800 juízes do Trabalho reunidos no congresso anual da Anamatra na serra paulista, o ministro Francisco Fausto afirmou que nada se compara ao que viveu ontem à noite. Segundo ele, ?a homenagem excedeu as possibilidades de sua condição humana e lhe tocou o espírito com o sopro suave e terno das tristes vagas da saudade?. Após décadas de dedicação à magistratura trabalhista, o ministro pediu aposentadoria logo após transmitir o cargo de presidente do TST ao ministro Vantuil Abdala e, desde então, vem recebendo sucessivas homenagens.

Aplaudido de pé, antes e após usar da palavra, o ministro Francisco Fausto aproveitou a oportunidade para fazer um histórico de sua atuação como juiz, que começou na zona da mata pernambucana, e também um relato sobre sua gestão à frente do TST no biênio 2002-2004. ?Caminhei uma longa estrada em que terei somado a triste visão da população miserável da palha da cana à invejável estrutura dos grandes centros industriais de metalurgia, em São Paulo?, afirmou. O ministro afirmou que a efetividade das decisões é o mais grave problema da justiça brasileira. ?Refiro-me ao processo de execução que, agora, estabelecido de forma on-line, vem provocando sérias restrições de articulistas e de parlamentares no Congresso Nacional?.

O ministro ressaltou o combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil, às cooperativas fraudulentas e às listas negras de trabalhadores (utilizadas para evitar a contratação de quem recorre à Justiça do Trabalho) e às distorções nas Comissões de Conciliação Prévia como os grandes embates travados em sua gestão. A revisão da jurisprudência sumulada também foi apontada por Fausto como um grande avanço que permitiu fazer do TST o tribunal da justiça social com o apoio de todos os ministros da Corte, reconduzindo-o a seu caminho histórico de defesa dos direitos humanos e sociais.

A realização de fóruns de debates sobre flexibilização nas relações de trabalho, cooperativas e direitos humanos e sociais contribuiu para a formação de uma cultura jurídico-trabalhista entre os operadores do Direito do Trabalho e marcou, definitivamente, uma nova linha de atuação do TST em defesa da sociedade civil, na opinião do ex-presidente do TST. O ministro também lembrou os avanços na reforma do Judiciário em relação a pontos considerados de vital importância para a Justiça do Trabalho, como a criação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura do Trabalho.

Leia a seguir a íntegra do pronunciamento do ministro Francisco Fausto no 12º Conamat:

?Fiz o meu projeto de vida. E, em parte, muito consistentemente, consegui realizá-lo. Em meu livro ?Viva Getúlio ? as areais brancas da memória?, conto que certa vez disse a Chico de Neco Carteiro, meu amigo de infância: quando crescer vou ser ministro. Deixo claro que disse isso sob influência de leitura dos Contos Fluminenses, de Machado de Assis, em que os ministros são reverenciados inclusive pelo clero e pela sociedade aristocrática do Rio de Janeiro. Mas sustentei o vaticínio aparentemente inconseqüente ? porque típico da infância e da sua energia criativa, geralmente mágica ? e os caminhos da profissão, que se iniciaram na paisagem árida do Nordeste com seus dramas humanos, me levaram, anos depois, ao ministério no Judiciário Trabalhista Superior, em Brasília.

Sob esse aspecto, realizei um sonho de infância que é feito de adivinhações e de mágicas, mas, sobretudo, de doce inocência. E isto não é fácil, sobretudo para quem parte da província. Há, na vida, uma rede de relações, às vezes cruéis, e nela, muitas vezes, os sonhos se diluem, sem elementos transcendentais, mas sujeitos a uma condições histórica.

Os caminhos me levaram de Natal ao Recife e depois a Brasília, no entanto, não foram feitos sortilégios. Não. Eles foram construídos de pó e de pedra, com o suor dos abnegados e a consciência dos deveres da magistratura exercida nas agruras do anos 60, no entanto com total fidelidade ao espírito do sistema jurídico-trabalhista e em choque cultural com as prevenções políticas dos governos militares e os seus incríveis anos de chumbo.

Desde a Zona da Mata pernambucana (onde medram populações nanicas pela freqüência da miséria e da fome), depois Natal, mais tarde o Tribunal do Recife, e, finalmente, a magistratura superior em Brasília, caminhei uma longa estrada em que terei somado a triste visão da população miserável da palha de cana à invejável estrutura dos grandes centros industriais de metalurgia, em São Paulo: essa múltipla visão da inexorável diversidade cultural brasileira é um enredo, talvez, levado ao imanentismo, do exercício profissional nas instâncias trabalhistas.

Sendo, mais tarde, ministro no Tribunal Superior do Trabalho, vi-me levado, neste itinerário nacional, ao choque inevitável da mais ampla e fecunda visão social brasileira. Quem, como eu, saía de um Tribunal cuja jurisprudência se fundava na arraigada sociologia jurídica do trabalho, já defendida, na tradicional Escola de Olinda e Recife, pelo admirável Joaquim Pimenta, de repente estava colocado na fria bancada do mármore de Brasília com os seus intrincados e difíceis enigmas técnicos afeitos a volunta legis como se lidássemos com uma burocracia e, às vezes, até com uma concepção reducionista do fato público.

Era uma experiência singular de confronto moralista, que no entanto estimulava a minha participação nas decisões nacionais, arrancando, da minha judicatura, os valores provinciais de um juiz nordestino, cuja formação jurídica se fizera pelo longo aprendizado social no esforço típico de uma grande crise orgânica. Mas não foi fácil. Em certo momento, porque em contraponto busquei uma totalidade social, disseram que a minha conduta era comunizante. E reverberaram contra ela. De outra vez, os critérios de interpretação da lei e a jurisprudência hermética em dissídio coletivo mal permitiram, pela intolerância, a leitura do meu voto divergente.

Isso e outras coisas. Nada me dobrou a decisão intangível de levar ao TST uma visão de perspectiva diferente dos seus preconceitos burgueses e que pudesse vencer a corrente de ferro que resguardava a inacessibilidade das novas idéias amplamente defendidas nas instâncias regionais. Eram idéias que estabeleciam uma relação dinâmica entre os juiz e a sua comunidade, e, reveladas no tecido social se refletiam, decididamente, de maneira positiva, na questão nacional. E isso tudo, em verdade, funciona nos juízos, nas instâncias que operam o ideal da justiça, como uma renda de bilros, feita de inafastável paciência e da arte de combinar os pontos com segurança e harmonia. Depois passei à Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Nela exercitei a possibilidade de inovar no sentido da defesa dos institutos jurídicos do trabalho e fiz isso conscientemente.

De certo modo o Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho atua solitariamente e com esse poder de judicatura monocrática não me afastei da origem: fiz o que foi possível fazer pela efetividade das decisões, que de resto é o mais grave problema para a realização da justiça. Eu me refiro ao processo de execução, que agora, estabelecido de forma on-line, vem provocando sérias restrições de articulistas e de parlamentares no Congresso Nacional. Sofri revezes. Mas nem sempre. E, de algum modo, as decisões da Corregedoria serviram de lastro para a possibilidade futura de rever critérios jurídicos e impor soluções mais justas.

Então, de maneira quase prosaica, posso dizer que cheguei à Presidência do TST com as mesmas intenções que alimentaram o meu espírito de juiz de primeira instância. Mas não fiz isso com quixotismo, isto não. Fiz isso levado pela experiência madura de um magistrado que percorreu todas as instâncias sem renegar o idealismo juvenil que lhe deu ingresso na magistratura do trabalho. E é assim mesmo: quando, na Junta de Natal, decidi contra a discriminação da mulher grávida nas relações de trabalho garantindo-lhe o emprego e combatendo o desvio de poder do empregador, ou quando, no Recife, normatizei a lei de categoria procurando erradicar a miséria de populações desvalidas na zona rural, terei tido o mesmo senso de justiça com que investi, sem tréguas, contra o trabalho escravo já na judicatura em Brasília.

É certo que fizemos do Tribunal Superior do Trabalho o tribunal da justiça social. Tivemos, então, um papel de escolásticos sistematizando uma filosofia antiga. Mas fizemos assim, é preciso deixar bem claro, com apoio de todos os Ministros da Corte. E isso porque não há possibilidade de liderança isolada nas Cortes superiores. Quando, em abril de 2002, assumi a Presidência do TST procurei, de um lado, interpretar claramente o pensamento dos Ministros e, de outro lado, reconduzir a Corte para o seu caminho histórico de defesa dos direitos humanos e dos direitos sociais. Tivemos, então, forte atuação não apenas no combate ao trabalho escravo, mas seguramente investimos contra o trabalho infantil, a discriminação no emprego, as listas negras, as falsas cooperativas de trabalho, as conhecidas distorções das Comissões de Conciliação Prévia, a flexibilização da legislação trabalhista (fruto desse hábito brasileiro de se fazer democracia de partido e não democracia de Estado) e outras mazelas sustentadas no bojo do capitalismo agressivo deste início de século XXI com as suas contradições quase insolúveis.

E não ficamos nisso. Não. Em junho do ano passado realizamos a Semana do Tribunal. Foi feita uma revisão completa na jurisprudência sumulada e nos procedimentos da Corte e ainda elaboradas várias propostas de reformas processuais. Foi assim que caiu a Instrução Normativa nº 4, que quase destruíra, pela soma de muitos equívocos jurisprudenciais, o direito coletivo brasileiro então colocado à margem da juridicidade imposta, de maneira supletiva, pelo Código de Processo Civil. E, nesse mesmo ritmo, também caíram, entre outros, os Enunciados 205 e 310, o primeiro que impedia a execução contra empresas do mesmo grupo econômico e o segundo que tratava da substituição processual, com grave distorção do artigo 8º da Constituição de 1988. A grande mudança, no entanto, terá sido a concepção social na aplicação do direito. Se durante muito tempo ? como o juiz Salvotti, na literatura histórica ? nos comportamos como censores da lei, seja constitucional ou infra-constitucional, de tal maneira que a interpretação judicial se acomodava muito mais às estruturas arcaicas do direito clássico do que à letra ou ao espírito da lei emergente do novo fato social, de repente assumíamos a judicatura trabalhista com o empenho de dar resultado verdadeiro ao direito do trabalho.

Essa concepção social passou a ter ampla influência, a partir de junho de 2003, não apenas na Subseção de Dissídios Individuais, mas também na Subseção de Dissídios Coletivos do egrégio Tribunal Superior do Trabalho. Em entrevistas e artigos publicados nos jornais, passei a defender os direitos dos trabalhadores inclusive ressaltando que o direito do trabalho não nasceu para fomentar a economia do País mas para garantir a aplicação dos institutos jurídico ? trabalhistas com exata visão de sociologia jurídica. No plano cultural, também fizemos do TST um fórum de debates de nível acadêmico quando realizamos três grandes conclaves: o Fórum Internacional sobre Flexibilização do Direito do Trabalho, o Fórum sobre Cooperativas de Trabalho e, por último, o Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais.

A participação de estudantes, procuradores, advogados e juizes nos três eventos dá bem a idéia da sua eficácia para a formação de uma cultura jurídico-trabalhista entre os operadores do direito do trabalho. Do primeiro fórum ficou bem claro que a flexibilização em diversos países europeus ou latino-americanos não abriu mercado de trabalho, mas, pelo contrário, precarizou até a degradação os direitos dos trabalhadores. Foi essa a idéia passada por vários conferencistas da Europa e da América Latina. Do segundo fórum, que tratou das cooperativas de trabalho, ficou a certeza de que a jurisprudência do TST, quando aceita a prova produzida pelos Tribunais Regionais das falsas cooperativas, está afinada com a realidade brasileira. Essa preocupação da Corte já havíamos manifestado na Conferência da OIT, em Genebra, quando a proposta da delegação brasileira, eventualmente entregue à responsabilidade de Ministros do TST, foi unanimemente aprovada pelas delegações estrangeiras: era preciso combater, caso a caso, as falsas cooperativas de trabalho fazendo prevalecer a relação de emprego com o tomador de serviços.

O último fórum, relativo aos direitos humanos e direitos sociais, realizado em abril, marcou, definitivamente, a nova linha de atuação do TST em defesa da sociedade civil. Em alguns meios nacionais e até internacionais causou certa surpresa a posição tomada pela Presidência do TST na luta pública contra o trabalho escravo. Foi isso o que nos disse o senhor Roger Plant da OIT (Coordenador do Programa do Trabalho Escravo da organização). E, de fato, nunca um Juiz de Corte superior havia feito uma manifestação política tão clara na defesa dos direitos sociais e de direitos humanos. Mas fizemos essa manifestação com a certeza de que a magistratura trabalhista não pode se divorciar das populações mais carentes embora, como Gramsci, também entendamos que é difícil, ?em época de envilecimento, um gesto de grandeza?. E se pergunta o grande intérprete de Marx: ?Onde prospera Ojetti pode existir um Dante?? Em verdade renegamos a idéia que a atitude diante da violação dos direitos humanos deva ser ou conformista ou heróica.

E por quê? É claro que essa nação somente erradicará o trabalho escravo, ou o trabalho infantil, ou as falsas cooperativas de trabalho, ou as listas negras, ou as grandes distorções das Comissões de Conciliação Prévia, no dia que as relações humanas se colocarem acima das polêmicas e cisões que destroem o espírito nacional e o seu senso ético. Neste plano, que é belo e verdadeiro porque é virgiliano , não há espaço para o conformismo, que é uma atitude subalterna, porque fruto de temor reverencial; nem para heroísmo, que é um gesto dos justos contra os injustos. Tal como o sardo italiano, sempre entende que não se pode desprezar os dilemas humanos. Mas uma sociedade justa somente será possível quando não precisar ou da subalternidade ou do heroísmo.

De outro lado, tivemos pela frente as questões atinentes à reforma do Judiciário. Já manifestara, pessoalmente, desde a presidência de Wagner Pimenta, uma grande preocupação com esse projeto. E, por isso, autorizado pelo Wagner, preparei inúmeros documentos que foram sucessivamente encaminhados ao Congresso Nacional. Expus, neles, os pontos de vista dos magistrados trabalhistas, principalmente dos Ministros, sobre diversos aspectos da reforma, inclusive defendendo a extinção da representação classista e fizemos tudo isto baseados em estudos da Anamatra. Depois, assumindo a presidência do TST, continuei empenhado no projeto de reforma do judiciário, principalmente na defesa do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura do Trabalho.

Vimos, em Paris, o ministro Vantuil Abdala e eu, o extraordinário trabalho da sua Escola de Magistratura tida como uma das melhores do mundo. E ainda mais nos encantamos com a sua pedagogia quando foi relatado, pelo professor Paul Durrieux, seu direitor de relações internacionais, que o ?melhor juiz da França não é o que mais aprende a teoria do direito, mas aquele que mais compreende a realidade francesa?. Creio que é isso que precisamos para o Brasil. O juiz do trabalho tem de ser preparado para a solução mais justa, não tanto quanto a filosofia dos truísmos ingleses, mas para decidir com equidade e aplicando a justiça social. Estou convencido, por outro lado, de que os juízes do trabalho constituem, hoje, pela competência e pela consciência das suas funções, uma elite intelectual do Judiciário brasileiro. E cada vez se tornam mais uma categoria necessária pela expressão da jurisdição trabalhista, agora, sobretudo, dentro de um princípio único de teoria idealista em favor da ordem social no país. Não somos a elite enclausurada. Não. Longe disso. Somos, fundamentalmente, juízes do povo e, como Petrarca, despojados dos trajes de gala e das coroas da fortuna, devemos partilhar o mundo pela solidariedade humana.

Meus caros colegas da magistratura: Tive momentos de angústia; tive, também, alguns momentos de extrema felicidade. Mas nada se comprara, depois de haver recebido a solidariedade emocionada dos meus colegas de TST na minha despedida da Corte, ao fato de receber agora, dos meus colegas de todo Brasil, reunidos nesta assembléia da Anamatra, uma homenagem como esta que excede as possibilidades da minha condição humana e me toca o espírito como o sopro suave e terno das ?tristes vagas? da saudade, transcendendo, à luz densa dessa vigésima quinta hora de recolhimento e de reflexão, a minha resistência moral.

Muito obrigado. ?

Palavras-chave:

Deixe o seu comentário. Participe!

noticias/fausto-diz-que-nada-se-compara-a-homenagem-prestada-por-juizes

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid