Ex-diretora do Departamento de Educação do Município de Congonhinhas é condenada pela prática do crime de concussão

Como faculta a lei, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas outras restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade e proibição de frequentar determinados locais

Fonte: TJPR

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A ex-diretora do Departamento de Educação do Município de Congonhinhas (PR), E. A. F., foi condenada à pena de 3 anos e 9 meses de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, e ao pagamento de 50 dias-multa pela prática do crime de concussão, previsto no art. 316 do Código Penal, que dispõe: "Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa".



Essa decisão da 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná reformou, por unanimidade de votos, apenas para reduzir a pena-base, a sentença do Juízo da Vara Única da Comarca de Congonhinhas que julgou procedente a pretensão punitiva formulada, pelo Ministério Público, na denúncia.


"Diante da farta prova documental e testemunhal, restou demonstrado, de modo insofismável e indene de dúvidas, que a ré, valendo-se do cargo de diretora do Departamento de Educação do Município de Congonhinhas e ciente da ilicitude da vantagem solicitada, exigiu e apropriou-se das importâncias pagas a título de "taxa" de alunos e professores para que os mesmos pudessem utilizar o transporte escolar, veículo este custeado integralmente com verbas públicas", consignou em seu voto a relatora do recurso de apelação, desembargadora Lidia Maejima.

 
O caso


Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público, Elizangela Aparecida Fernandes, na qualidade de diretora do Departamento de Educação do Município de Congonhinhas (PR), cobrou de diversos alunos e professores, no período de agosto de 2005 a dezembro de 2007, quantias mensais que variavam entre R$ 45,00 e R$ 55,00 para serem transportadas até a cidade de Cornélio Procópio (PR).


Contudo, conforme informações prestadas pela própria denunciada ao Ministério Público, o serviço de transporte de alunos da cidade de Congonhinhas para Cornélio Procópio era integralmente custeado pelo Município, não havendo, portanto, razão para as cobranças.


O recurso de apelação


Inconformada com a condenação, Elizangela Aparecida Fernandes interpôs recurso de apelação sustentando, preliminarmente, a nulidade do processo ante a inexistência de notificação prévia para responder a denúncia conforme prevê o art. 514 do Código de Processo Penal.


Quanto ao mérito da causa, argumentou que não existem provas suficientes para embasar sua condenação porquanto não foi comprovado o dolo de sua conduta. Também alegou que não obteve vantagem ilícita com a cobrança, tendo em vista que os valores arrecadados eram utilizados para o pagamento das despesas decorrentes do transporte escolar. Por fim, pediu a redução das penas fixadas na sentença.


O voto da relatora


De início consignou a relatora do recurso de apelação, desembargadora Lidia Maejima: "Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso interposto".


"Em sede de preliminar, alega a apelante a nulidade do feito, sob o argumento de que não houve a notificação prévia prevista no artigo 514, do CPP."


"Em que pese a apelante não tenha sido notificada para oferecer resposta escrita, nos termos do artigo 514, do CPP, tal ausência não tem o condão de tornar nulo o processo."


"A notificação do denunciado para a apresentação de resposta escrita é dispensável quando a denúncia é oferecida com base no inquérito policial, o que ocorreu no caso em apreço. Trata-se, inclusive, de matéria sumulada pelo colendo Superior Tribunal de Justiça: ‘Súmula n. 330: É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial'."


"Além disso, há que se anotar que a apontada nulidade decorrente da inobservância do artigo 514, do CPP, é relativa, de sorte que, para ser reconhecida, é necessária a demonstração de efetivo prejuízo sofrido pela parte, o que não se verificou no presente caso."


"Acerca desta questão, colaciono os seguintes julgados: ‘HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PECULATO-FURTO. AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR. NULIDADE RELATIVA. PRECLUSÃO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. DENÚNCIA INSTRUÍDA COM O INQUÉRITO POLICIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A nulidade pela ausência de abertura de prazo para oferecimento da defesa preliminar prevista no art. 514 do Código de Processo Penal tem natureza relativa, devendo ser arguida tempestivamente e com demonstração do prejuízo, sob pena de preclusão. 2. Se a denúncia se fez acompanhar do inquérito policial, também fica afastada a existência de nulidade pela falta de defesa prévia, conforme a dicção da Súmula n.º 330 do Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso concreto, a Defesa silenciou acerca do tema durante todo o iterprocessual, vindo a alegar a mácula tão somente por ocasião da impetração do presente habeas corpus, dirigido contra o acórdão - já transitado em julgado - proferido na apelação. 4. Segundo o entendimento das Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, pois, nesses casos, a norma penal busca resguardar não somente o aspecto patrimonial, mas a moral administrativa, o que torna inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão. 5. Ordem denegada. Pedido de reconsideração da liminar julgado prejudicado.' (HC 165.725/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 31/05/2011, DJe 16/06/2011). ‘PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. CRIME PRATICADO POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO. ART. 514 DO CPP.  NULIDADE RELATIVA.  ORDEM DENEGADA. 1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a inobservância do procedimento previsto no art. 514 do CPP gera, tão-somente, nulidade relativa, a qual deve ser arguida no momento oportuno, acompanhada da comprovação de efetivo prejuízo à defesa. Ademais, estando a denúncia devidamente instruída com inquérito policial, torna-se dispens vel a audiência preliminar do acusado. 2. Ordem denegada.' (HC 144.425/PE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 01/02/2010)"


"Rejeito, portanto, a preliminar aventada."


"No mérito, sustenta a apelante a inexistência de prova suficiente para a sua condenação, bem como a falta de comprovação do dolo em sua conduta. Defende, ainda, que não obteve vantagem ilícita, alegando que os valores arrecadados foram utilizados para o pagamento de despesas decorrentes do transporte escolar."


"Contrariamente ao alegado no recurso, reputo devidamente comprovadas a autoria e materialidade, em relação aos fatos apontados na denúncia."


"A materialidade do crime encontra-se plenamente comprovada pela informação de fls. 39 e recibos de fls. 46, 48/49, e 61/66."


"A autoria, também, restou sobejamente demonstrada nos autos, de modo que não merece provimento o pleito de absolvição do crime imputado."


"A apelante, interrogada pela autoridade policial (fls. 254), negou a prática da conduta delituosa descrita na exordial acusatória, declarando que, quando assumiu a secretaria de educação do município de Congonhinhas, apenas deu continuidade às cobranças de mensalidades que já vinham sendo feitas para a utilização do ônibus destinado ao transporte dos alunos e professores que residiam naquele município e estudavam na cidade de Cornélio Procópio."


"Declarou, ainda, que o montante arrecadado a título de "taxa" era empregado na manutenção do veículo e para pagamento de combustível, já que a Prefeitura de Congonhinhas somente fornecia o ônibus e o motorista. E no caso da despesa com o transporte ser maior que a quantia arrecadada, afirmou a acusada que havia a complementação da diferença por parte da Prefeitura. Contudo, mais adiante, afirmou que, nas poucas vezes em que sobrava dinheiro arrecadado, utilizava-o no mês subsequente."


"Já em seu interrogatório judicial, a apelante apresentou versão totalmente distinta: ‘Os fatos que aconteceram é que quando eu assumi o Departamento de Educação, os alunos pagavam uma colaboração para complementar o pagamento do posto e pequenos gastos que o ônibus tinha como... é... borracheiro, esse tipo de coisa que não havia tempo para fazer licitação. (...) Tinha um auxiliar administrativo que trabalhava junto comigo... antes quando eu entrei lá era o Sergio e logo em seguida a Patrícia que era responsável para pagar as despesas do ônibus... ela já sabia que ao final do mês ela tinha que ir ao posto e pagar as despesas e o que era feito de borracharia e autoelétrica, serviços pequenos também...' (gravação em mídia ­ fls. 370) (g.n.)"


"Em juízo, também afirmou que não sobrava nenhuma quantia das mensalidades recebidas (fls. 370), informação esta que se mostra totalmente contrária ao que foi sustentado na fase policial."


"Ora, a versão defendida pela ré, além de não merecer nenhuma credibilidade (apresentou versões distintas nos interrogatórios), não encontra respaldo algum nos elementos de provas coligidos ao longo do processo."


"A vítima [...], na época estudante de magistério em Cornélio Procópio, declarou que o valor mensal era exigido como contraprestação e não como contribuição voluntária, ressaltando que a própria ré cobrava tais quantias dizendo que quem não pagasse ‘seria cortado porque daí o dinheiro seria pra pagar...  pra manter o ônibus...'. (declaração judicial de fls. 340 ­ gravação em CD-ROM)."


"Igualmente, as vítimas [...], ouvidas em juízo (fls. 341/342 e 344 ­ gravação em CD-ROM), foram uníssonas em afirmar que o pagamento pelo serviço de transporte era exigido mensalmente dos usuários, sendo que haviam presenciado a ré adentrando no ônibus para cobrar os inadimplentes, sob o argumento de que o não pagamento das mensalidades implicaria corte do serviço, terceirização e até mesmo cobrança judicial. Declararam, ainda, que a acusada ameaçava impedir os usuários que não estavam em dia com a mensalidade de utilizarem o transporte."


"No mesmo sentido foi a declaração prestada em juízo pela vítima [...] (gravação em mídia ­ fls. 343)."


"A testemunha [...], motorista do ônibus na época dos fatos, igualmente, confirmou que a ré lhe pedia para avisar os inadimplentes a comparecerem ao departamento de educação para acertarem os débitos (depoimento judicial de fls. 348 ­ CD-ROM)."


"Ainda, é relevante salientar que, consoante as declarações das vítimas, os pagamentos das mensalidades eram realizados no Departamento de Educação, sendo recebidos pela própria apelante, mediante emissão de recibo, sendo que, na sua ausência, [...], servidores daquele departamento, recebiam tais valores."


"As declarações prestadas pelas vítimas foram corroboradas pelas testemunhas [...] (servidores acima citados), as quais confirmaram a existência de cobrança mensal de valores para que os alunos e professores de Congonhinhas pudessem utilizar o ônibus para o transporte até a cidade de Cornélio Procópio. Salientaram, ainda, que os pagamentos eram feitos no Departamento de Educação, mediante emissão de recibos, e que os referidos valores, repassados diretamente à apelante, eram por ela administrados (depoimentos judiciais às fls. 346 e 349/350 - gravação em CD-ROM)."


"Outro dado de relevo que merece destaque é o fato de que a própria ré relata que não há documentos que comprovem a alegada utilização dos valores recebidos para pagamentos de combustível e demais reparos no transporte e, tampouco, prestação de contas. Este fato reforça a conduta delituosa descrita na r. denúncia, uma vez que, ausente a prestação de contas, é impossível verificar se houve efetivo emprego das importâncias exigidas no custeio do serviço."


"Alie-se a essas provas o memorando de fls. 39, firmado pela própria ré, a qual informou, claramente, em resposta ao ofício expedido pelo Ministério Público, que as despesas decorrentes do transporte e manutenção do veículo eram totalmente custeadas com recursos públicos: ‘Estamos encaminhando as informações solicitadas através do memorando 133/2007, para atendimento de solicitação do Ministério Público da Comarca, informando que o ônibus que realiza o transporte de alunos para a cidade de Cornélio Procópio é mantido com recursos públicos, entre eles despesas com o motorista, combustível e manutenção do veículo. (...)'."


"Aliás, o teor do aludido documento coaduna-se, perfeitamente, com o depoimento colhido, em juízo, pela testemunha [...] (motorista do ônibus), o qual asseverou que o abastecimento do veículo era feito mediante apresentação de requisição emitida pela Prefeitura, esclarecendo, ainda, que nunca recebeu qualquer valor das mãos da ré para pagar o combustível (fls. 348 ­ gravação em CD-ROM)."


"De outro vértice, embora as testemunhas [...] tenham afirmado que, em algumas oportunidades, efetuaram o pagamento de combustível com o dinheiro das mensalidades, tais afirmações colidem frontalmente com o fato dos valores serem exigidos mensalmente, com a informação trazida pela testemunha [...] (apresentação de requisição emitida pelo Município para abastecer o ônibus), e, principalmente, com o memorando de fls. 39 assinado pela acusada."


"As demais provas testemunhais, apresentadas pela defesa, durante a instrução criminal, não tem o condão de modificar o cenário existente, na medida em que outras testemunhas confirmaram a conduta delituosa praticada pela ré."


"Logo, diante de tais fatos é evidente que a apelante agiu de forma consciente e livre, ciente da ilicitude de sua conduta, motivo pelo qual não há que se falar em ausência de dolo."


"Por derradeiro, impende anotar que o delito de concussão é de natureza formal, de sorte que, para a sua consumação, basta que o agente simplesmente exija a vantagem indevida. Frise-se que a efetiva comprovação da obtenção da vantagem pelo agente não integra o tipo penal do ilícito, tratando-se de mero exaurimento. Neste sentido é o entendimento jurisprudencial: ‘PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CONCUSSÃO. CRIME DE RESPONSABILIDADE. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. REQUISITOS. DENÚNCIA RECEBIDA EM PARTE. 1. O crime de concussão tem natureza formal, sendo suficiente, para sua configuração, a exigência da vantagem indevida. O efetivo auferimento do benefício é mero exaurimento do crime. (...)' (APn .422/RR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/05/2010, DJe 25/08/2010)"


"No entanto, no caso em apreço, verifica-se que, além de restar demonstrada a consumação do delito, houve o exaurimento da conduta típica, ante o comprovado recebimento dos valores indevidos pela ré, motivo pelo qual não há que se falar em ausência de prova de auferimento de benefícios."


"Diante da farta prova documental e testemunhal, restou demonstrado, de modo insofismável e indene de dúvidas, que a ré, valendo-se do cargo de diretora do Departamento de Educação do Município de Congonhinhas e ciente da ilicitude da vantagem solicitada, exigiu e apropriou-se das importâncias pagas a título de "taxa" de alunos e professores para que os mesmos pudessem utilizar o transporte escolar, veículo este custeado integralmente com verbas públicas."


"Logo, considerando o conjunto probatório carreado aos autos que comprova, inequivocadamente, que a conduta perpetrada pela ré amolda-se, perfeitamente, ao tipo penal descrito no artigo 316, do CP, a sua condenação é medida que se impõe."


"Por derradeiro, insurgiu-se a apelante quanto às reprimendas cominadas, requerendo sua diminuição."


"Merece provimento este ponto recursal."


"Infere-se da r. sentença que o juízo a quo, para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, considerou como circunstância judicial desfavorável as circunstâncias do crime, elevando-a em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 30 (trinta) dias-multa."


"Frise-se que, quanto à valoração negativa relativa às circunstâncias do crime, consignou que ‘estas devem ser consideradas relevantes até porque foram diversos os estudantes e pessoas dos quais a mensalidade ilegal foi exigida.' (fls. 413)."


"Entretanto, agiu com desacerto o juiz sentenciante, porquanto a motivação que elevou a pena-base foi também sopesada para elevar a pena pela aplicação da regra do crime continuado, o que configura bis in idem."


"Diante deste quadro, a r. decisão merece reforma, para o fim de desconsiderar as circunstâncias do crime como circunstância judicial negativa e, de consequência, fixar a pena-base no mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa."


"Presente a causa de aumento do artigo 71, caput, do CP, elevo as penas em 1/2 (metade), tal como aplicado pelo juiz singular, cominando-as em 03 (três) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, reprimendas estas que torno definitivas, ante a ausência de circunstâncias agravantes ou atenuantes, bem como outras causas de aumento ou diminuição da pena."


"Mantenho o regime inicialmente aberto, o valor do dia- multa, bem como a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito, conforme determinado na decisão recorrida, observando-se, contudo, com relação a esta última, o prazo da pena corporal ora readequada."


"Por todo o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, para o fim de reduzir a pena-base, em virtude da exclusão das circunstâncias do crime como circunstância judicial desfavorável, fixando as penas definitivas em 03 (três) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa."


Participaram da sessão de julgamento os desembargadores Valter Ressel (presidente) e José Mauricio Pinto de Almeida, que acompanharam o voto da relatora.


Apelação Crime n.º 822523-8

Palavras-chave: Concussão; Direito; Proibição; Liberdade; Crime

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