Em decisão inédita no país, apátrida africano ganha da Justiça identidade brasileira

O africano chegou ao Brasil em 2007, após embarcar de forma escondida em um navio cargueiro que atracou no porto do Rio Grande do Norte. Desde lá teve início uma grande batalha administrativa e jurídica no Brasil, que culminou agora com o direito à permanência e cidadania brasileira

Fonte: UOL Notícias

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O TRF (Tribunal Regional Federal) da 5ª Região, no Recife, reconheceu um africano como “apátrida” --ou seja, não reconhecido como cidadão de nenhum país-- e determinou que o governo brasileiro assegure identidade e direito de trabalhar no país a Andrimana Buyoya Habizimana, 29, que mora atualmente em Natal. De acordo com a Justiça Federal, a decisão é a primeira já concedida no Brasil.


Nascido no Burundi, mas sem nenhum documento daquele país, o africano chegou ao Brasil em 2007, após embarcar de forma escondida em um navio cargueiro que atracou no porto do Rio Grande do Norte. Desde lá teve início uma grande batalha administrativa e jurídica no Brasil, que culminou agora com o direito à permanência e cidadania brasileira.


Fiquei muito feliz e emocionado com a decisão. Eu hoje trabalho, estudo e levo uma vida normal aqui em Natal. O Brasil é um país maravilhoso, e quero morar aqui o resto da minha vida”, disse Andrimana, em entrevista nesta quinta-feira (6) ao UOL Notícias.


Em 2007, para fugir da guerra civil de Burundi, Andrimana entrou em um navio cargueiro e veio parar no porto de Natal. Seu primeiro objetivo era ir para a Europa. Com um passaporte falso, semanas após chegar ao Brasil, o africano conseguiu embarcar para Lisboa (Portugal).


Mas, ao chegar à capital portuguesa, a polícia daquele país percebeu a fraude e extraditou o africano ao Brasil. Por conta da fraude, ele foi condenado a um ano e quatro meses de prisão, que cumpriu na sede da Polícia Federal em Natal.


Nesse período, o Brasil entrou com pedido de extradição, mas o seu país de origem se negou a recebê-lo, alegando que Andrimana não tinha nenhum documento que comprovasse sua nacionalidade. Foi então que ele pediu refúgio ao Brasil e tentou conseguir o visto de imigrante.


Todos os pedidos administrativos foram negados pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) e pelo CNIg (Conselho Nacional da Imigração). “Nós recebemos um pedido da Polícia Federal, que iria libertar Andrimana porque ele já tinha cumprido a pena imposta”, disse o presidente da Comissão de Direitos Internacionais da OAB, Marcos Guerra, um dos autores da ação.


Ao mesmo tempo, ele não tinha autorização para ficar no Brasil ou para ser extraditado. Como o país negou o refúgio, não tinha outra solução jurídica a não ser entrar com ação para reconhecê-lo como apátrida. O governo brasileiro foi quem nos acuou a esta condição”, informou Guerra.


Como refugiado, não


Para o advogado, a negativa do refúgio no Brasil --como a que fora dada, por exemplo, ao italiano Cesare Batisti-- foi “inusitada e despropositada”. “Ele estava dentro dos critérios para refúgio. A gente entendeu que o melhor a fazer era pedir a execução da convenção de refugiados, que acolhe apátridas e da qual o Brasil faz parte.”


Segundo o advogado, a ação foi ajuizada, o MPF [Ministério Público Federal] foi favorável, mas a AGU [Advocacia Geral da União] foi contra, recorreu e perdeu a causa. “As estatísticas dos tribunais não mostram um caso similar no país, tanto que a OAB foi desencorajada a entrar com a ação. Diziam: 'não entre que não ganha'. Mas estávamos com a razão”, disse Guerra, citando que o caso foi estudado pelos alunos da cadeira de Direito Internacional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.


Guerra ressaltou que a decisão do TRF faz justiça a uma “pessoa admirável” e que não traz nenhum ônus ou risco ao país. “Ele já fez supletivo primário e está fazendo o secundário, porque quer fazer a prova do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Ele hoje trabalha, fala português normalmente e é um bom exemplo de pessoa que quer vencer na vida”, afirmou.


Segundo Guerra, em 2010 a Justiça Federal no Rio Grande do Norte já havia concedido uma decisão liminar em primeira instância, determinando que o africano tivesse direito a documentos e carteira de trabalho. A decisão final, vitoriosa para Andrimana, foi informada oficialmente pelo TRF nesta quarta-feira (5).


Para a Justiça, a decisão estabelece que, pela sua história de vida, o africano merece o direito de ser cidadão brasileiro. “Considero que a negativa do pedido implicará, na prática, a redução do autor à condição de coisa, eliminando a possibilidade de desenvolvimento de sua personalidade, o que se atrita – e muito – com o princípio da dignidade da pessoa humana”, disse, na sentença, o ex-juiz da primeira instância e atual desembargador federal Edilson Pereira Nobre Júnior.


Vida normal


Andrimana é hoje um cidadão de vida normal em Natal, onde mora com amigos em um apartamento. Trabalha como auxiliar de serviços gerais em um hospital no Rio Grande do Norte, mas adianta que almeja crescer na vida. “Estou terminando agora um curso profissional no Senai para começar outro”, disse o africano, que sonha em cursar uma universidade no Brasil.


Segundo Andrimana, a fuga de Burundi ocorreu porque ele não tinha mais família, e o país enfrentava um grande guerra civil. “Lá há um sofrimento. Fugi num navio e cheguei aqui a Natal, onde fui bem acolhido”, disse o agora “afro-brasileiro” Andrimana.  

 

(Carlos Madeiro)

Palavras-chave: Identidade; Conquista; Justiça; Africano

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