Culpa e vergonha

Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Visite o site www.lucianopires.com.br.

Fonte: Luciano Pires

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Luciano Pires ( * )

Quando o avião parou em Brasília, um daqueles políticos envolvido naqueles escândalos entrou. Cabeça erguida, altivo. E aos poucos, os passageiros começaram a sussurrar, imitando pombos:

- Corrupto... corrupto...

Pensei comigo mesmo "que vergonha"... Mas o sujeito continuou impassível, ajeitou a bagagem e sentou-se, seguindo no vôo normalmente. Desembarcou como qualquer um de nós e pronto. Nenhum constrangimento. Igualzinho o Renan Calheiros nestas últimas semanas. Minha esposa foi definitiva após assistir parte de suas explicações na Câmara:

- Não acredito nem no boa tarde dele...

Pois eu admiro, sabe? Admiro aquele tremendo, expressivo e intimidante atributo dos políticos: a cara de pau. Quem tem cara de pau não tem vergonha. Não sente culpa. Não se intimida.

E como é interessante essa questão da culpa e da vergonha, não é? Para sentir culpa a pessoa tem que reconhecer que errou, que desobedeceu alguma regra ou lei. Que fez algo errado e, portanto, sabe que existe um "certo".

Quem assume a culpa manifesta a percepção de que se esforçar-se para aprender, pode deixar de errar. A culpa é perdoável. A culpa pode ser esquecida depois que o culpado paga pelo erro. Reconhecer a culpa é um exercício de humildade e nada tem a ver com incapacidade.

Incapacidade é coisa da vergonha.

Quem sente vergonha tem problemas com seu amor próprio, sua auto-estima mas não tem necessariamente culpa sobre a razão de sua vergonha. E o interessante é que a vergonha dá mais vergonha. O sujeito aparece com o zíper aberto e o bilau de fora. Que vergonha! Quando descobre a situação, fica vermelho de vergonha. E ao perceber que ficou vermelho, fica com vergonha de ficar vermelho... E o interessante é que não dá pra acusar, julgar, condenar ou punir a vergonha. Vergonha não precisa de perdão.

Voltemos então à situação de nosso Renan Calheiros. Ou de Paulo Maluf. Ou Fernando Collor. Ou... Se roubou, é culpado. Errou. Tem que pagar. E ao ser pego no ato, deveria sentir vergonha.

E eu fico desesperadamente buscando um sinal de vergonha na cara deles. E não encontro. Impassíveis, fazem seus discursos, recusam a culpa e jamais demonstram sentir vergonha. Talvez por isso estejamos tão fartos deles.

Essas pessoas não são humanas. Não sentem o que nós, humanos, sentimos. Será que isso é educação? Ou será treinamento? Eu até entendo que um treinamento persistente pode fazer com que as pessoas jamais sintam-se culpadas. Mas será que dá pra aprender a não sentir vergonha?

Pois a Operação Navalha, as que vieram antes dela e as que virão depois, estão nos ensinando que é possível sim aprender a jamais sentir vergonha.

Eu já perdi as esperanças. Sei que admitir culpa é suicídio político e só acontece quando passa a ser o recurso final, aquele que transforma o delito em "escorregada". Lembram-se de Bill Clinton negando, negando e depois admitindo que teve "conduta inapropriada com aquela mulher"? Ele jamais admitiu que praticou sexo com a estagiária. Mas achou uma forma de assumir que errou, "escorregou". E surgiu na televisão com uma cara de envergonhado que levou a opinião pública para seu lado.

Por isso tudo é que entendo aquele político que entrou no avião e fez que não ouviu o coro dos pombos "corrupto...corrupto"... Ele está treinado para isso. Ele precisa não ouvir. Ele constrói sua verdade e aferra-se a ela. Ele vive num mundo onde culpa e vergonha só existem como ferramentas para atingir seus objetivos. Mesmo que seja acusado, preso e condenado, jamais assumirá a culpa por seus atos. Sempre aparecerá como vítima.

E é também por isso tudo que eu nunca seria político. Posso até não sentir culpa, mas morreria de vergonha.


Notas:

* Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Visite o site www.lucianopires.com.br. [ Voltar ]

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