Contradita a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha

Milton Silva Vasconcellos, Acadêmico de Direito da FABAC, cursando o 6º semestre. Ex-estagiário do Juízo de Direito da Vara Crime, Fazenda Pública, Registros Públicos, Infância e Adolescência da comarca de Lauro de Freitas - Bahia.

Fonte: Milton Silva de Vasconcellos

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Milton Silva Vasconcellos ( * )

A Lei Maria da Penha constitui uma importante conquista da sociedade brasileira em defesa dos direitos das minorias. No caso em tela, especificamente as mulheres. A despeito de tão importante conquista, ainda se pode encontrar posições retrógradas e contrárias a suscitada lei, indicando supostas inconstitucionalidades. Neste sentido o TJ do Mato Grosso do Sul, em decisão tomada por unanimidade no dia 26 de setembro, a 2a Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul considerou inconstitucional a Lei Maria da Penha.

Desta forma, visando fomento do debate sobre tão controverso tema, é oportuno o contraditório aos argumentos indicados pelo ilustre Desembargador. Romero Osme Dias Lopes do TJ - MS.

ARGUMENTO 1 DO TJ- MS:

Primeiramente, o texto constitucional é permeado de vedações sobre discriminação, inclusive a sexual, que está expressa como um dos objetivos da República Federativa do Brasil, qual seja, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

CONTRADITA

O que o ilustre magistrado deixou de reconhecer também é que além dos objetivos que ele indicou, nossa Constituição também aponta em seu art. 1º que os princípios da República Federativa do Brasil, bem como um dos funddamentos do nosso Estado Democrático de direitos é a dignidade da pessoa humana ( inciso III). Apesar do referido dispositivo ao falar de "pessoa humana" o que normalmente nos remete a idéia de gênero (homens e mulheres), faço aqui um parêntese:

A interpretação, no meu sentir, deste princípio deve ser direcionada a proteger o combate a hipossuficiência, dai o porquê de se proteger a dignidade da pessoa humana, ou seja, ao criar tal dispositivo o legislador constituinte teria pensado em proteção do homem face o Estado ( ou seja, proteção da parte mais fraca face a parte mais forte). Neste sentido é oportuna a palavra de Moisés de Andrade:

"Morfologicamente a palavra hipossuficiente deriva da união do prefixo hipo (posição inferior) com a palavra suficiente (capaz, apto), de onde poderíamos extrair, dentre outras, a conceituação de hipossuficiência como condição de menos apto ou inferiormente capaz, sendo assim, condição de vulnerabilidade, dependência."

ARGUMENTO 2 DO TJ- MS:

Além disso, entre os direitos e garantias fundamentais, que a Constituição estabelece, está o de que o legislador está proibido de estabelecer diferenças entre homens e mulheres, pois o art. 5º, inciso I, prescreve que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição. Portanto, não cabe à lei ordinária contrariar preceito constitucional ainda que provida de boas intenções.

CONTRADITA

O ilustre magistrado fez questão de destacar a expressão "nos termos da Constituição", parecendo querer indicar que o texto da constituição é literalmente contrário às discriminações entre homens e mulheres. De fato, usto é verdade. A CF veda a discriminação entre homens e mulheres e é justamente em função disso, que ratificou alguns Tratados internacionais que possibilitam a chamada discriminação positiva, que ao final tem o condão de assegurar a igualdade material.

Ressalto ainda, que nos termos do art. 5º, parág. 3º da CF, os Tratados internacionais, que versem sobre direitos humanos, devidamente ratificados e aprovados em cada casa do Congresso Nacional em dois turnos, por 3/5 dos votos, serão equivalentes às emendas constitucionais. Ou seja, é a própria constituição quem permite a discriminação positiva.

Ressalte-se por fim, que os aludidos tratados foram ratificados e aprovados por unanimidade no Congresso Nacional.

ARGUMENTO 3 DO TJ- MS:

Tal discriminação é descabida, pois os homens também podem ser vítimas de violência doméstica e familiar. Aliás, este entendimento é plenamente condizente com a realidade, uma vez que se inclui no tipo penal violência psíquica, o que é muito noticiado pelos meios de comunicação.

CONTRADITA

Apesar de reconhecer que os homens também são vítimas de violência doméstica familiar, é gritante que eles não são parte hipossuficiente nesta relação. Ninguém é tolo de desconsiderar que tais casos em que o homem situa-se como vítima da mulher é EXCEÇÃO e não regra. Sendo assim, em casos tais, tem aplicação o parágrafo 9º do art. 129 do CP (lesão corporal qualificada por violência doméstica). Desta forma, longe de ser uma Lei injusta, o legislador não se esqueceu de que o homem também pode ser sujeito passivo de violência doméstica, sendo que neste caso, por tratar-se de exceção aplica-se a forma qualificada da lesão corporal, criada pela Lei Maria da Penha, diga-se de passagem. O quer se dizer com isto é que a criação da lei objetiva tutelar / proteger a parte notoriamente hipossuficiente nesta relação ( a mulher).

ARGUMENTO 4 DO TJ- MS:

A Carta Magna também possui em seu texto um princípio bastante importante para o Direito Penal. O princípio da proporcionalidade, implicitamente contido no art. 5º, XLVI, 2ª parte, estabelece que a adoção de regime mais gravoso para determinados crimes se justifica pela própria gravidade do delito (aferida pela pena abstratamente cominada ou pelo bem jurídico tutelado).

CONTRADITA

Este me parece ser um argumento correto. De fato, do ponto de vista penal, há violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que estabelece regime mais gravoso para o crime de violência doméstica sem levar em conta a gravidade do delito mas tão somente o sujeito passivo ( ser mulher). Entretanto, longe de parecer absurda, esta é uma construção correta. Pois se as diferenças existem, faz-se necessário "igualar os desiguais na medida das suas desigualdades" e a desproporcionalidade neste caso, visa a este fim.

ARGUMENTO 5 DO TJ- MS:

Esta lei é inócua, injusta, anti-social e retrógrada, pois volta a ter a pena privativa de liberdade como principal sanção quando todo direito penal caminha para fuga da prisão com aplicação de penas alternativas. A pena privativa de liberdade data de 1814, o que nos faz refletir e constatar que, depois de quase 200 anos, é inaceitável continuar insistindo no encarceramento.

CONTRADITA

Neste ponto eu concordo com o Desembargador em parte. De fato este é um ponto fraco da Lei Maria da Penha: a instituição da pena de prisão, da qual sou contumaz crítico. Penso que apesar da gravidade do crime, deveria ser pensada penas alternativas pois o crime normalmente tem origens sociológicas devendo portanto buscar suas sanções também na Sociologia ( por exemplo pena alternativa de prestação de serviço a comunidade - como cuidar da limpeza de ONG que defenda direitos das mulheres ou forçar a participação de palestras sobre o direitos das mulheres e outras minorias como já acontece mutatis mutandis com os usuário de drogas e as sanções da nova lei de drogas).

ARGUMENTO 6 DO TJ- MS:

A existência de leis penais com deficiência de técnica jurídica é resultado da elaboração de leis em momento de grande clamor público, o que só atrapalha, visto que caberá ao Poder Judiciário, já assoberbado, corrigir suas inconstitucionalidades. Por conseqüência acarreta a vulgarização do direito penal que, por excessivo, fica desacreditado.

CONTRADITA

Os argumentos são corretos mas porque são aplicados apenas contra a Lei Maria da Penha? Será que não encontramos também violação ao princípio da intervenção mínima em outros tipos penais como na contravenção do jogo do bicho por exemplo? Ademais, alguém consegue visualizar alguma lei penal que não contenha nenhuma deficiência de técnica jurídica? Vide CP, CPP, antiga lei de drogas, etc.

Se este é um argumento contra a Lei Maria da Penha é forçoso reconhecer que é igualmente um argumento contra a quase a totalidade das leis penais brasileiras!

ARGUMENTO 7 DO TJ- MS:

Destarte, consoante os argumentos ora expostos, a Lei 11.340/2006 desrespeita um dos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, IV), fere o princípio da igualdade, bem como o princípio da proporcionalidade, devendo, portanto, ser mantida a declaração de inconstitucionalidade proferida no juízo a quo, tal como a incompetência da Justiça Comum e a competência do Juizado Especial Criminal.

CONTRADITA

Não há violação ao princípio da igualdade a não ser em seu aspecto formal (isonomia formal), a discriminação positiva visa justamente a promoção da igualdade material, motivo pelo qual longe de violar o princípio insculpido no art. 5º, é em última instância um meio que asssegura-o. Não há também que se falar em violação ao princípio da proporcionalidade pois não haveria outro meio de lidar com as diferenças então existentes. Em última instância, prevaleceria a máxima do "tratar os desiguais na medida das suas desigualdades". Por fim, a indicação da competência do JECRIM para estes casos é muito infeliz pois, como já bem explorado na doutrina, tal possibilidade atentaria contra o objetivo maior da Lei ( a proteção da mulher), na medida que permitiria a impunidade do agressor confirmada na transação penal. Penso que apenas poderia ser defendida a competência do JECRIM para possibilitar a pena da prestação de serviços ou a instituição de penas análogas a lei de drogas como o comparecimento a palestras educativas, vedando-se porém o pagamento de cestas básicas ou outras penas pecuniárias.

Referência bibliográfica:

Internet:

http://www.tj.ms.gov.br/

http://listas.cev.org.br/arquivos


Notas:

* Milton Silva Vasconcellos, Acadêmico de Direito da FABAC, cursando o 6º semestre. Ex-estagiário do Juízo de Direito da Vara Crime, Fazenda Pública, Registros Públicos, Infância e Adolescência da comarca de Lauro de Freitas - Bahia. [ Voltar ]

Palavras-chave: inconstitucionalidade

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3 Comentários

Antonio Carlos Estudante04/12/2007 15:46 Responder

É notório a falta de conhecimento dos legisladores, no que tange analisar a eficácia das normas, e parabéns ao acadêmico Milton, que com propriedade, nos faz, pensar e não apenas aceitar o nosso Ordenamento Jurídico

Augusto Rezende Advogado05/12/2007 12:59 Responder

A Lei cognominada Lei Maria da Penha, em determinadas situações deixa a desejar, pois, se confronta com a nossa Carta Magna de 1988, quando diz que todos são iguais perante a Lei, indiferente de raça, credo, sexo, etc: Não somente a mulher sofre em determinadas situações de vulnerabilidade, como também, determinados homens bastam ser hipossuficientes, conforme aborda o presente comento efetivado, para tanto, o que vemos é que o Legislador, normalmente aproveita-se de determinados momentos e procura Legislar justamente focado para casos que acontecem, isto se faz presente em nossa Legislação, considerando, que mesmo que o Projeto passe anos e anos por uma "Turma de Constituição e Justiça" no Congresso Nacional, na maioria das Turmas de Constituição e Justiça, são pessoas, que muitas vezes, não tem um perfeito entrosamento e entendimento com a parte Jurídica e Sociológica a ser devidamente analisada, restando, o aproveitamento de determinadas situações e modificações no projeto apresentado, por isso, entendo que toda Lei quando após estudada e vir ser aprovada, deveria seu projeto original estar anexo a nova Lei apresentada, pois desta forma não somente o Juízes e advogados teriam uma melhor apresentação nas defesas, nas acusações e nas Sentenças a serem exaradas:

FLÁVIO RIBEIRO DA COSTA Advogado18/12/2007 15:25 Responder

Caro amigo! O trabalho ficou muito bom, contudo filio ao entendimento contrário, até porque, a meu ver, não poderia uma lei ordinaria afastar a aplicação do conceito de crime de menor potencial ofenciso se esta atribuição foi conferida pelo constituinte nos termos do artigo 98, I da CR.Logo, o afastamento fere preceito constitucinal eivanto de inconstitucionalidade a norma em comento.

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