CLT permite interpretação de que espaços de trabalho podem ter culto religioso, afirma juiz

O legislador buscou garantir primeiro que para o empregador isso não seja motivo de uma demanda superveniente requerendo, eventualmente, jornada extraordinária”, explicou o magistrado

Fonte: Enviado por Maria Eduarda da Costa Santos

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Foto: Marcos Santos - USP Imagens

Segundo o juiz substituto da 2ª Vara de São Gonçalo, Fabiano Fernandes Luzes, um trecho da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) permite a interpretação de que o espaço de uma empresa pode ser usado para a prática religiosa. No Congresso de Direito Religioso, promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) nesta sexta-feira (10/11), Luzes mencionou que a norma garante em seu texto que as práticas religiosas realizadas no interior de uma empresa não contarão como tempo à disposição. “Isso nos leva, a contrario sensu, ao entendimento de que se admite a possibilidade de práticas religiosas nas dependências de empresa. O legislador buscou garantir primeiro que para o empregador isso não seja motivo de uma demanda superveniente requerendo, eventualmente, jornada extraordinária”, explicou o magistrado.


No congresso, temas relativos à religião foram debatidos à luz de diversas áreas do Direito. O encontro teve palestras do professor emérito da Faculdade Mackenzie/SP Ives Gandra da Silva Martins, do membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do IAB Victor Pimentel Pereira, do desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) Fábio Dutra, do professor da PUC-Rio Fábio Leite e do diretor do Instituto de Defesa das Religiões Afro-brasileiras (Idafro), Jader Freire de Macêdo. Os painéis de debate foram coordenados pelo presidente e pelo 2º vice-presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do IAB, Gilberto Garcia e João Theotônio Mendes de Almeida, respectivamente,  e pelos membros do mesmo grupo Luiz Claudio Gonçalves Junior, Leonardo Soares Madeira Iorio Ribeiro e Manoel Messias Peixinho.


Direito Constitucional –  Ives Gandra Martins defendeu que a Constituição brasileira, através de uma série de dispositivos, garante a existência de autonomia no Direito Religioso. “Alguns entendem que, cada vez que se fala de religião, se está falando de algo que não se pode admitir, porque o Estado é laico, mas essa palavra não existe na Constituição. O único dispositivo que existe é o que diz que as instituições religiosas e o Estado são separados”, afirmou o jurista. Segundo Fábio Dutra, assim como aconteceu com a área Ambiental e outros ramos do Direito, muitos profissionais ainda acreditam que os Direitos Administrativo e Público têm todas as respostas para as questões que envolvem o tema da religião. “Muito em breve o Direito Religioso vai alcançar uma autonomia, um corpo de doutrinas e princípios que vão lhe estabelecer as suas margens e a sua contenção”, avaliou o desembargador.


Segundo Martins, o artigo 210 da Carta Magna, que garante o ensino religioso de forma facultativa nas escolas públicas de ensino fundamental, também tem sido esquecido. “Vale dizer que, por conta das igrejas, as escolas têm ensino religioso. Elas pagarão os professores e as escolas públicas terão obrigação de abrir espaço para o ensino religioso envolvendo todos os povos”, comentou o professor. Por outro lado, Fábio Dutra defendeu que a Constituição determina a impossibilidade de o Estado interferir na religião, de forma que o poder público não pode financiar iniciativas religiosas sem que haja interesse público e também não pode atrapalhar práticas com esse fim: “Se há uma possibilidade de prejudicar um culto de uma determinada religião, também não se deve aceitar que o Estado faça isso sob pena de se buscar, pelas vias possíveis, contornar essa intervenção descabida”.


Direito Civil – A laicidade e os limites da intervenção do Estado nos temas relativos à religião são complexos e envolvem alguns problemas jurídicos, afirmou Fábio Leite. “Não acho que a Constituição seja tão clara em relação a muitas questões de aproximação entre poder público e religião, elas vão surgindo e a doutrina não oferece uma resposta. A magistratura vai ter que inventar uma resposta na hora, sem muita base, e esse é um problema”, disse o professor. Ele citou decisões e pontuou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já enfrentou, por exemplo, o caso de um professor em estágio probatório que, por motivos religiosos, não trabalhava às sextas-feiras após o fim da tarde. “O Supremo firmou tese dizendo que é possível a administração pública dar um tratamento diferenciado, mas usou as palavras “é possível”, não disse que é obrigado”, ressaltou Leite.


Direito Tributário – Como garantia constitucional, a imunidade tributária dos templos religiosos não pode ser revogada, já que é uma cláusula pétrea, destacou Victor Pimentel. No entanto, o advogado explicou que o tema gera debates que precisam da análise do STF. “No Direito Tributário brasileiro, temos mais de um tipo de tributo. Temos impostos, taxas, contribuições de melhorias e uma série de contribuições especiais. Desses quatro tipos de tributos, foi perguntado ao STF se as organizações religiosas estariam imunizadas em relação a todos e o Supremo disse que não”, explicou Pimentel. Ele afirmou que a Corte seguiu a literalidade da lei e, por isso, as entidades religiosas também devem arcar com taxas que se diferenciam dos impostos, como a de coleta de lixo municipal, por exemplo, desde que a respectiva prefeitura não garanta a isenção.


Direito Penal – Um questionamento que deve ser feito em casos de perseguição contra praticantes de religiões de matriz africana, na visão de Jader de Macêdo, é se o crime de intolerância também não deve ser configurado como racismo: “No Brasil, entendem que essas religiões são de preto e pobre”. Ele defendeu que a dificuldade do Poder Judiciário em entender a dimensão dessa ofensa religiosa não deve ser encarada como um problema apenas da instituição pública, mas sim como uma questão personalizada. “Na verdade, a dificuldade é do homem que está sentado na cadeira dentro do Judiciário entender a dor que alguém sente em um instante em que é vilipendiado em sua crença”, afirmou Macêdo.


Encerramento – O congresso, que durou dois dias e teve a participação de especialistas de diversas áreas do Direito, foi encerrado pelo presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do IAB, Gilberto Garcia, pela membro da Comissão de juristas Inter-religiosos pelo Diálogo e pela Paz organizada pela Arquidiocese Católica do Rio Mônica de Sá e pelo advogado Leonardo Soares Madeira Iorio Ribeiro. Garcia afirmou que a organização do evento pretende transformar os debates promovidos no Instituto em um livro sobre o tema e garantiu que a intenção da comissão é promover eventos desse porte anualmente. “O nosso congresso tem o propósito de reflexão. As respostas nem sempre estão prontas e nos compete, enquanto advogados, encontrá-las”, concluiu o presidente.

Palavras-chave: CLT Permissão Interpretação Espaços de Trabalho Culto Religioso

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