Advogados alertam para ‘danos irreparáveis’ no rastro de decisão do Supremo Tribunal Federal

Entidades mais importantes da classe se manifestam contra a possibilidade de prisão de réus já em segunda instância.

Fonte: Estadão

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A Ordem dos Advogados do Brasil reagiu enfaticamente à decisão desta quarta-feira, 17, do Supremo Tribunal Federal que autoriza a prisão de réus já em segunda instância judicial – decisão de colegiado de magistrados, como nos Tribunais de Justiça nos Estados e nos Tribunais Regionais Federais – sem aguardar o trânsito final da sentença e o esgotamento de todos os recursos.


Em nota, a OAB destacou que o Conselho Federal e o Colégio de Presidentes Seccionais ‘reafirmam sua histórica posição pela defesa das garantias individuais e contra a impunidade’.


“A OAB possui posição firme no sentido de que o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a prisão enquanto houver direito a recurso.”


A decisão do Supremo foi tomada no julgamento de um habeas corpus. Por sete votos a quatro, os ministros da Corte máxima concluíram que a prisão do acusado pode ser executada a nível de segundo grau – na linha do projeto da Associação dos Juízes Federais apresentado em 2015 ao Senado, com apoio do juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato.


“A Ordem dos Advogados dos Brasil respeita a decisão do Supremo, mas entende que a execução provisória da pena é preocupante em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão executada, uma vez que eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na vida das pessoas que forem encarceradas injustamente”, alerta a entidade.


Os advogados destacam ‘o alto índice de reforma de decisões de segundo grau’ pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo próprio Supremo.


“Nesse cenário, o controle jurisdicional das cortes superiores mostra-se absolutamente necessário à garantia da liberdade, da igualdade da persecução criminal e do equilíbrio do sistema punitivo, ao que a Ordem permanecerá atenta e atuante”, destaca a nota divulgada pela OAB, subscrita por toda a Diretoria do Conselho Federal e pelo Colégio de Presidentes Seccionais.


Em São Paulo, a Seccional da Ordem avalia que a mudança de orientação do Supremo para permitir que o cumprimento de sentença penal, com prisão do réu, ocorra antes do trânsito em julgado da decisão, ‘representa enorme retrocesso nas conquistas democráticas alcançadas com a Constituição Cidadã de 1988, relativizando as cláusulas pétreas da presunção de inocência, do devido processo legal e da ampla defesa com os recursos a ela inerentes’.


“A demanda da sociedade por Justiça não será alcançada com atropelo às garantias constitucionais”, afirma a OAB/São Paulo.


O braço paulista da Ordem anota que ‘sempre estará ao lado do Poder Judiciário na luta por uma estrutura adequada para dar conta da demanda social por Justiça, mas não concorda que se neutralize a falta de estrutura por meio da desconsideração de garantias constitucionais’.


“O comando constitucional supremo estabelece que a todos os brasileiros, como regra, está assegurada a liberdade até o trânsito em julgado da decisão condenatória”, diz a OAB/São Paulo, também em nota.


“Apenas excepcionalmente, nos casos de absoluta e imperiosa necessidade comprovadamente demonstrada, é que o ordenamento permite a segregação ante tempus do acusado. Não é dado ao Judiciário legislar, nem a exceção pode se transformar em regra, máxime quando em aberta colidência com a Carta Magna.”


Segundo a Ordem paulista “no passado recente, por meio de seu então presidente, o Supremo encaminhou ao Congresso proposta de emenda constitucional exatamente para permitir a execução provisória de sentenças penais, que não foi aprovada pelo Poder Legislativo’ – uma alusão a uma proposta do ex-ministro Cézar Peluso (2010/2012).


“O debate social então havido mostrou os riscos irreparáveis de se antecipar a prisão de alguém que, depois, tivesse sua inocência reconhecida pela Corte Suprema. Não se admite que, não tendo alcançado êxito naquela mudança, no palco adequado, o Congresso Nacional, com os legítimos representantes da sociedade, eleitos pelos brasileiros, venha agora o Supremo Tribunal Federal a verdadeiramente afastar a cláusula pétrea por decisão de seus ministros.”


Para o advogado Francisco de Paula Bernardes Jr., a decisão do STF, ‘causou espécie’. Ele atribui às manifestações populares a mudança de entendimento da Corte máxima.


“Isso porque nossa Suprema Corte, motivada pelo ‘grito das ruas’, mudou entendimento constitucional que visava garantir a aplicação literal do artigo 5º, LVII, da Constituição, que fundamenta o princípio da presunção de inocência, garantia fundamental do cidadão que cumpre uma função político-retórica de difundir na sociedade a ideia de que o processo penal tem por finalidade garantir direitos dos acusados, considerando-os inocentes até o advento de uma sentença penal condenatória irrecorrível.”


“O julgamento se trata, a meu ver, de um verdadeiro retrocesso em se tratando de regras de tratamento digno aos acusados em processos penais”, afirma Francisco de Paula Bernardes Jr.


O criminalista Fábio Tofic Simantob, disse que ‘respeita a decisão do Supremo’, mas considera que ela ‘invade a competência do constituinte originário, que estabelece como cláusula pétrea a presunção de inocência até o trânsito em julgado’. “Montesquieu deve ter ficado aborrecido.

Palavras-chave: CF OAB Decisão STF Prisão Segunda Instância "Danos Irreparáveis"

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3 Comentários

Jesualdo Macena Menezes Economista19/02/2016 1:56 Responder

A decisão do STF é, até certo ponto, controvertida. Mas é preciso enfatizar que a Presunção de Inocência, enquanto princípio constitucional, é perturbador (quase ficcional), pois, se por um lado a Carta Magna o respalda, enquanto houver possibilidade de provocação da justiça, deve-se considerar, também, que, diante de provas robustas ou fortes indícios de culpabilidade, os recursos, a partir de um determinado momento,mostrar-se-ão meramente protelatórios (artifício possível no âmbito da advocacia), onerando a demanda jurídica e constrangendo a Justiça. Isto posto, é de se ressaltar, ainda, que a simples decisão monocrática é capaz de colocar um ponto final na questão. Os recursos seriam, então, prescindíveis. No entanto, diante de uma sentença condenatória prolatada monocraticamente, o réu dispõe de um único recurso (EM LIBERDADE) para ser interposto perante o colegiado (segunda instância). Não fosse assim, seria flagrante o desrespeito ao Duplo Grau de Jurisdição, previsto no ordenamento pátrio). Acredito que a submissão a duas instâncias,compostas por juízes tecnicamente preparados, é suficiente para se dar credibilidade à decisão da Corte Suprema. Ademais, o réu poderá continuar recorrendo aos Tribunais Superiores (só que estará preso, se condenado a uma pena restritiva de liberdade). Os prós consistem na "impossibilidade" de influência do condenado no litígio (embora o ato de prisão não garanta isto). TODAVIA, existe SIM a possibilidade de danos irreparáveis ou de difícil reparação, se houver, no âmbito do STJ ou STF, entendimento contrário ao firmado nas instâncias hierarquicamente inferiores. Outro ponto negativo consiste prevalência de eventual sentença condenatória, ou seja, onde alojar (antes dos julgamento definitivo, diga-se de passagem), os condenados? Certamente em calabouços (salvo as figuras "ilustres") fétidos, superlotados, desestruturados e que NÃO recuperam ninguém (mas essa é outra história...).

Jesualdo Macena Menezes Economista19/02/2016 17:18 Responder

Devido à expressiva repercussão da decisão inusitada do STF, considero necessário acrescentar que a mesma, além de inibir eventuais recursos protelatórios, também atinge aspectos relacionados à prescrição de ilícitos penais (fatores que dão crédito ao ato decisório). PORÉM, não se pode descartar a hipótese de cerceamento de defesa e as dúvidas que remanescerão no que tange ao arrefecimento da cultura da impunidade. Vale enfatizar, ainda, que o relator da matéria transcreve argumentos de uma integrante (aposentada) da Corte, com o intuito de fortalecer seu posicionamento (comparação de sistemas jurídicos). Ora, tal postura é bastante melindrosa. O nosso Direito (conjunto de normas), a nossa realidade social e o nosso sistema judiciário são, em vários aspectos, diferenciados do ordenamento instalado em determinadas nações, cuja estrutura social distancia-se bastante da nossa. Será que a decisão do STF pode ser questionada mediante recurso ou ação? Qual a estratégia a ser adotada? O apelo junto a uma Corte Internacional seria viável? Uma ADIN contra decisão do próprio STF seria possível? (Tais proposituras são pertinentes ou absurdas?). Para os descontentes e para aqueles que queiram se aventurar na seara jurídica parece-me mais sensato apontar a Corte Internacional como alternativa plausível (se não ferir a soberania do nosso Poder Judiciário ou se houver entendimento no sentido de que direitos humanos fundamentais e constitucionalmente estabelecidos foram desconsiderados). De qualquer forma, a decisão do STF já está firmada e dificilmente será modificada.

Jesualdo Macena Menezes Economista27/02/2016 5:40 Responder

De certo modo, são imprevisíveis os desdobramentos de tal decisão. A matéria postada em 25/02/2016, neste espaço jurídico, registra que o plenário do Conselho Federal da OAB decidiu ingressar junto ao STF com o instrumento jurídico denominado Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), um tipo de ação que pode ser ajuizada exclusivamente perante a Suprema Corte. Todavia, a data de ajuizamento ainda não foi definida. Por outro lado, a matéria postada, também neste jornal, em 19/02/2016 demonstra a magnitude da controvérsia. No referido artigo (19/02), manifestam-se um advogado constitucionalista e o presidente da OAB/SP. Ambos anunciam a possibilidade de uma série de pedidos de prisões por parte do Ministério Público que, provavelmente, contará com o aval dos juízes pressionados pela sociedade que tem como objetivo ser contemplada com uma resposta rápida da Justiça. O MP de São Paulo elogiou a decisão do STF, através do seu procurador-geral. O juiz que conduz a operação Lava Jato também é citado em virtude do seu posicionamento favorável à decisão da Corte Suprema. Neste contexto, os advogados cogitam em recorrer à Corte Interamericana dos Direitos Humanos da OEA, embora, conforme citei, o Conselho Federal da OAB já tenha divulgado que provocará o STF via Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, sem especificar data para ajuizamento. Portanto, bastante polêmica à vista por tempo indeterminado. Remota pacificação. De um lado uma OAB, a nível nacional, inconformada. Frente a ela, o MP, ´também a nível nacional, comemorando a decisão. E, norteando tudo isso, o aparente vácuo normativo e a dúvida referente à estratégia a ser utilizada no ataque à decisão Suprema que está causando tanto alvoroço. Assim, é necessário torcer para que prevaleça o bom senso e permanecer ávido por um desfecho que contemple positivamente a Nação.

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