Ação civil coletiva no direito do trabalho - Aspectos controvertidos

Rogério José Perrud é Bacharel em Direito e Diretor de Secretaria da Vara do Trabalho de Adamantina-SP (15ª Região).

Fonte: Rogério José Perrud

Comentários: (1)




Rogério José Perrud ( * )

INTRODUÇÃO

As ações civis coletivas, introduzidas no ordenamento jurídico pátrio com o advento do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei n. 8.078-90, arts. 91 a 100), foram, como é consabido, inspiradas nas "class actions for damages" do direito norte-americano, sendo preordenadas à tutela jurisdicional cujos contornos, conforme refere autorizada doutrina, foram determinados pelo fenômeno contemporâneo - de conteúdo econômico-social - da massificação dos conflitos, que requer resposta do Estado apta a restaurar, de modo adequado, a paz social que restou violada com a lesão à ordem jurídica, atingindo interesses ou direitos divisíveis e titularizados por um grande contingente de pessoas determinadas ou perfeitamente identificáveis. Trata-se, portanto, dos direitos individuais homogêneos, segundo a taxinomia do Código de Defesa do Consumidor (art. 81, inciso III).

Essas ações têm por escopo, entre outros, os seguintes:

a) - permitir a aglutinação de múltiplas demandas individuais numa única ação, versando direitos decorrentes de origem comum (individuais homogêneos);

b) - diminuir ou até mesmo eliminar alguns obstáculos de ordem psicológica, econômica e técnica que impedem ou dificultam o acesso judicial individual da parte economicamente débil;

c) - evitar pronunciamentos judiciais dissonantes;

d) - imprimir celeridade e economia processual à tutela dos direitos individuais homogêneos; e

e) - a edição de condenação judicial de caráter genérico, com liquidação a ser promovida em conjunto pelo legitimado ativo ou individualmente por cada titular do direito lesado.

As relações de trabalho representam campo fértil para a irrupção de conflitos envolvendo direitos individuais homogêneos, em face de sua própria natureza. Realmente, o descumprimento de um direito de caráter trabalhista pode envolver, e normalmente abrange, uma grande quantidade de trabalhadores de uma empresa, quando não todos.

Aliás, a Consolidação das Leis do Trabalho já previa a possibilidade do manejo, pelos sindicatos profissionais, de ações judiciais objetivando a tutela de direitos individuais homogêneos - conquanto o conceito legal dessa classe de direitos ainda não tivesse vindo a lume - , consoante previsão dos artigos 195, § 2º, e 872, parágrafo único, que deverão, entretanto, ser interpretados à luz da ordem constitucional inaugurada em 1988, que estendeu a legitimação da atuação do sindicato para defesa dos direitos de toda a categoria representada (art. 8º, inciso III).

Sucede que a ação civil coletiva, com a configuração que lhe imprimiu a legislação atual, teve alargado o espectro de incidência, de modo que a sua utilização não ficará mais confinada aos angustos limites antes impostos pela CLT.

Portanto, nada mais salutar que, diante dos propósitos da ação enfocada, já aqui enunciados, promova o sindicato da categoria profissional a defesa coletiva dos direitos individuais dos trabalhadores que ostentarem a nota da homogeneidade, até mesmo para evitar a consumação da prescrição desses direitos, que ordinariamente não são reclamados pelos obreiros que ainda mantêm vínculo de emprego com a empresa, em virtude do fundado receio, temor mesmo, de que sejam alvos de represálias por parte da empregadora, que podem redundar até na perda do posto de trabalho.

Entrementes, o transporte dessa realidade processual - que emerge do plexo de normas legais que instituíram o sistema de tutela dos direitos e interesses coletivos lato sensu - para os domínios do processo do trabalho não ocorreu indene de candentes controvérsias, muitas até hoje pendentes de adequado equacionamento e acertada solução.

É no atinente a algumas dessas questões que expendemos nossas idéias neste despretensioso trabalho, cuja aspiração única é o oferecimento de modesto contributo ao debate de tema tão relevante na seara do Direito do Trabalho.

1 Da legitimidade dos sindicatos para a propositura da ação civil coletiva

De sabença geral que foi cancelada a Súmula n. 310 do egrégio TST - pela Resolução n. 119, de 1º.10.2003, editada por aquele Sodalício -, que se erigia em obstáculo à atuação dos sindicatos na defesa dos direitos individuais homogêneos da categoria. E a supressão da citada súmula ocorreu justamente porque o entendimento nela plasmado já não se harmonizava com a interpretação que o colendo Supremo Tribunal Federal vinha atribuindo ao artigo 8º, inciso III, da Norma Ápice, inteligência essa que rejeitava limitações à legitimidade processual dos sindicatos, proclamando-a ampla e irrestrita na defesa dos interesses coletivos e individuais homogêneos da categoria.

As entidades sindicais, ademais, são as mais vocacionadas à defesa coletiva em juízo dos direitos focalizados.

Destarte, hoje já não sobrepaira qualquer dúvida em torno da legitimidade do sindicato para a defesa dos direitos individuais homogêneos da categoria representada. A controvérsia antes existente já vai sendo coberta pela pátina do tempo.

2 Da denominação da ação civil coletiva no processo do trabalho

Conquanto a natureza da ação seja determinada pelo pedido nela veiculado, o que torna anódina a discussão pertinente à denominação que deva ser atribuída à ação civil coletiva, temos que deverá receber a designação genérica de "reclamação trabalhista", a não ser que se cuide de ação cautelar (art. 83 do CDC) ou que os direitos vindicados tenham gênese em normas coletivas, hipótese em que a demanda deve ser denominada "ação de cumprimento" (art. 872, parágrafo único, da CLT).

3 A identificação dos direitos individuais homogêneos no contexto das relações de trabalho

Com a proliferação das ações promovidas por sindicatos colimando a defesa de direitos, ao menos por suposto, individuais homogêneos, passou a surgir questão complexa e que impõe profunda reflexão, sob pena de restar esmaecida a utilidade da ação civil coletiva como forma de solução rápida e adequada dos conflitos que envolvam a reparação de macrolesões. Cuida-se do problema que diz com a categorização dos direitos que, perante a Justiça Especializada, realmente possam receber a qualificação de individuais homogêneos, passíveis, portanto, de defesa por intermédio da ação civil coletiva intentada pelos entes legitimados.

O conceito de direitos individuais homogêneos vem expresso no artigo 81, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, como sendo aqueles direitos decorrentes de origem comum, de que sejam titulares pessoas perfeitamente identificáveis e individualizáveis. Não são direitos transindividuais, porque divisíveis - ou seja, a reparação pode ocorrer no tocante a cada indivíduo lesado -, mas a lei permite que sejam defendidos coletivamente, franqueando assim mais fácil acesso ao Poder Judiciário para aqueles vitimados por condutas ilegais que atingem grande quantidade de pessoas.

No Direito do Trabalho surge a dificuldade da classificação porque, a princípio, quase todos os direitos trabalhistas poderiam ser catalogados como individuais homogêneos, quando, na verdade, não é bem assim. Explica-se. Para o intérprete mais desavisado poderia parecer que são titulares de direitos individuais homogêneos todos os empregados de uma empresa que se ativaram em horas extras sem marcação do sobrelabor nos controles de horário, porque teriam a mesma empregadora e porque os direitos promanariam de uma origem comum, ou seja, a prestação do trabalho extraordinário que não foi remunerado.

Na situação figurada, uma vez contestada a pretensão, haveria a necessidade de ser realizada prova da efetiva prestação das horas extras, o que envolveria, no mais das vezes, a investigação da situação individual de cada trabalhador. E não é a isso que se presta a tutela coletiva.

Nessa ordem de idéias, no caso exemplificado de pleito de horas extras com situações individuais dessemelhantes, inviável restaria a edição de condenação genérica (artigo 95 do CDC), que beneficiasse, de maneira uniforme, todos os lesados individuais. Realmente, após a realização de prova no atinente à situação particular dos empregados, a sentença deveria analisar a prova e deferir ou não as horas extras no tocante a cada trabalhador, com a possibilidade de haver o deferimento de quantidades diferentes de horas extras, dependendo, por exemplo, do setor em que laboravam alguns empregados ou de qualquer outra singularidade.

Além disso, a existência de muitas situações individuais díspares, a merecer prova diferenciada, conspiraria contra a almejada celeridade processual, dificultando, ademais, a defesa da parte demandada.

Teríamos situação símile àquela da ação trabalhista plúrima, em que ocorre o litisconsórcio multitudinário, cuja limitação pode ser imposta pelo juiz, quando comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa do acionado. Tudo conforme decorre da tessitura formal do artigo 46, parágrafo único, do Código de Processo Civil, de incidência supletiva no processo do trabalho, "ex vi" do disposto no artigo 769 da CLT.

Não quer isso significar que o direito a horas extras jamais possa configurar direito individual homogêneo. Há hipóteses em que a ação civil coletiva é perfeitamente manejável. Exemplo disso são as horas extras (normalmente 7ª e 8ª) decorrentes da caracterização do turno ininterrupto de revezamento. Também se o direito às horas extras dimanar de norma inscrita em instrumento coletivo. Nesses casos, todos os trabalhadores de uma determinada empresa, atividade ou setor terão direito às horas extras, independentemente de prova em relação à situação peculiar de cada obreiro.

Em tema de direitos individuais homogêneos, não é o direito invocado que importa, mas, sim, a generalização desse direito, que deve beneficiar de modo uniforme todos os trabalhadores, sem necessidade da análise particularizada de situações.

Insta alertar que para a solução da questão é insuficiente considerar que os direitos emanem de uma fonte normativa comum. É que na hipótese acima aventada o direito às horas extras promana de uma fonte normativa comum (arts. 59 da CLT e 7º, XVI, da CF), mas, por exigir prova individualizada da efetiva realização das horas extras e da respectiva quantidade, não configura direito individual homogêneo.

E não seria de utilidade alguma um provimento jurisdicional que proclamasse, genericamente, o direito às horas extras daqueles que comprovassem, na fase de liquidação, ter se ativado além do horário normal de trabalho, pois uma tal declaração judicial representaria mera repetição do que já está prefigurado na lei.

Nesse sentido, aliás, vem se orientando a melhor jurisprudência, como se haure dos seguintes pronunciamentos pretorianos:

Ressalte-se, também, que nos termos do art. 81, III, da Lei 8.078/90, há que se entender por interesses ou direitos individuais homogêneos aqueles decorrentes de origem comum. Portanto, não se sustenta a tese contida na r. sentença proferida, na medida em que não há qualquer óbice legal que impeça a atuação do sindicato, como substituto processual, na defesa de interesses individuais homogêneos da categoria profissional, que dispense a produção de prova individualizada, como no presente caso.(1)

Ação civil pública. Cabimento. Há previsão legal que torna inquestionável o manejo da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, quando desrespeitados direitos constitucionalmente garantidos. Todavia, incabível a medida quando o que se pleiteia é a tutela de direitos materiais individualizáveis, que, não obstante a origem comum, impõe a aferição de circunstâncias pessoais de cada titular integrante do grupo ou da categoria. Constatando-se que as questões pessoais prevalecem e alteram potencialmente o direito, os interesses caracterizam-se como heterogêneos e não tuteláveis por meio da ação civil pública, por impossibilidade jurídica do pedido.(2)

SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. LEGITIMIDADE DO SINDICATO AUTOR. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 202.063-0, Rel. Ministro Octávio Gallotti) tem sido no sentido de se dar amplitude ao instituto da substituição processual da categoria pelo Sindicato, com base no inciso III do art. 8o. da Constituição Federal, superando-se a restrição imposta no Enunciado da Súmula 310 do E. TST. Essa legitimação extraordinária, entretanto, não pode ser admitida quando não se discutem direitos coletivos e individuais homogêneos da categoria ou cumprimento de norma coletiva, mas se pretende apenas a extensão a todos empregados da empresa de participação nos lucros paga em valores superiores aos estipulados em negociação coletiva para alguns. Hipótese que revela a discussão de direitos individuais decorrentes da situação individual de cada empregado substituído, confrontada com a dos eventuais contemplados com a referida liberalidade, já que, fincados apenas no princípio da isonomia, cobram a verificação do trabalho igual caso a caso. (3)

Portanto, toda vez que para a apreciação dos pleitos for exigida a produção de prova individualizada para cada trabalhador, não se estará diante de direitos individuais homogêneos, fenecendo ao sindicato legitimidade para atuar na condição de substituto processual dos integrantes da categoria, de sorte que o processo deve ser julgado extinto, sem resolução de mérito, a teor do preceituado no artigo 267, inciso VI, da Lei Adjetiva Civil.

O operador do Direito deve sempre ter presente que a má-utilização do instituto processual da ação civil coletiva conspirará contra os seus nobres desígnios, dentre eles o de conferir concretude aos imarcescíveis anseios de celeridade e de economia processual, que corporificam o princípio da razoável duração do processo, alcandorado a nível constitucional (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Carta Política).

Advogamos, inclusive, que a apreciação sobre ser ou não individual homogêneo determinado direito deve ser presidida pela análise da conveniência da defesa coletiva desses mesmos direitos. Dizendo o mesmo, porém de outro modo: o operador deverá, joeirando todos os matizes que envolvem o caso concreto, formar convicção sobre se a defesa coletiva conduzirá ou não a uma solução rápida e econômica do conflito de massa. Somente na hipótese afirmativa é que os direitos poderão receber a qualificação de individuais homogêneos, abrindo-se então a via da ação civil coletiva para a sua defesa.

4 Da desnecessidade de autorização dos substituídos para a propositura da ação civil coletiva

É comum verificar-se, na práxis forense, a alegação da empresa demandada no sentido de que o sindicato autor seria carecedor da ação, porque lhe faltaria o interesse processual, em virtude da ausência de comprovação da anuência dos substituídos com a propositura da ação.

Uma tal alegação deverá, invariavelmente, ser afastada pelo juiz, porquanto é de todo prescindível a autorização para a propositura da ação, já que a defesa em juízo dos direitos e interesses dos integrantes da categoria (e não apenas dos associados) é imanente aos fins institucionais do sindicato, delineados no artigo 8º, inciso III, do Magno Texto e ordinariamente enfatizados nos estatutos da entidade.

Vale dizer, o sindicato foi instituído, entre outros objetivos, para a promoção da defesa judicial dos direitos da categoria representada, de modo que não necessitará de aprovação prévia em assembléia para o ajuizamento de ação judicial que perceba indispensável à garantia dos direitos individuais homogêneos que não estejam sendo observados.

Pertencendo o sindicato ao gênero das associações, a solução a ser dada ao problema é idêntica àquela concernente à necessidade ou não de autorização dos associados para a atuação judicial do ente associativo.

A propósito das associações, preceitua o inciso XXI do artigo 5º da Lei Fundamental que as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente.

A respeito do tema, eis o escólio do preclaro JOSÉ AFONSO DA SILVA, que com o proverbial descortino assevera :

É assim que se estabelece que as entidades associativas, quando expressamente autorizadas [certamente em seus estatutos], têm legitimidade para representar seus filiados em juízo ou fora dele (art. 5º, XXI), legitimidade essa também reconhecida aos sindicatos em termos até mais amplos e precisos, in verbis: ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas (art. 8º, III).(4) (grifos do autor)

No mesmo sentido, o eminente constitucionalista ALEXANDRE DE MORAES, com invulgar precisão, pontifica :

As entidades associativas devidamente constituídas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente, possuindo legitimidade ad causam para, em substituição processual, defender em juízo direito de seus associados, nos termos do art. 5º, XXI, da Constituição Federal, sendo desnecessária a expressa e específica autorização, de cada um dos seus integrantes, desde que a abrangência dos direitos defendidos seja suficiente para assumir a condição de interesses coletivos. Dessa forma, não haverá sempre necessidade de prévia autorização, no caso concreto, dos associados para que as associações represente-os judicial ou extrajudicialmente, desde que a mesma exista de forma genérica na própria lei que criou a entidade, ou em seus atos constitutivos de pessoa jurídica.(5) (grifo nosso)

Sem destoar, os festejados juristas NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, ao comentar o conteúdo normativo do inciso XXI do artigo 5º da Carta Política de 1988, afirmam que :

Embora o texto constitucional fale em representação, a hipótese é de legitimação das associações para a tutela de direitos individuais de seus associados, configurando verdadeira substituição processual (CPC 6º) (Barbosa Moreira, RP 61/190). A autorização pode estar prevista em lei, nos estatutos, ser dada pelos associados individualmente ou ocorrer em assembléia.(6) (grifo dos autores)

Não é ocioso advertir que as alusões à legitimação para a defesa dos direitos dos associados ou filiados, contidas nas lições doutrinárias antes transcritas, dizem com o contexto das associações, cuja legitimidade, realmente, se adscreve àqueles que ingressaram na agremiação. No atinente aos sindicatos, como antes referido, a legitimidade vai além dos afiliados, alcançando todos os integrantes de uma categoria.

Estreme de dúvidas, portanto, a dispensabilidade de autorização dos substituídos para que o sindicato ajuíze a ação civil coletiva.

5 Da desnecessidade de identificação dos substituídos

No que concerne à identificação de quem sejam os substituídos, é da natureza da ação civil coletiva que não haja a necessidade de identificação, no átimo da propositura, de quem são os substituídos potencialmente beneficiados com o provimento jurisdicional vindicado, razão por que não há exigência legal no sentido de que a inicial venha acompanhada de relação nominal dos trabalhadores integrantes da categoria, sendo perfeitamente possível à empresa demandada o levantamento dos trabalhadores que estejam na situação descrita na peça de ingresso, não se vislumbrando qualquer ofensa ao direito de ampla defesa. Aliás, foi justamente o reconhecimento de que era descabida semelhante exigência que motivou o cancelamento da Súmula n. 310 do egrégio TST.

Somente na fase de liquidação do julgado genérico (art. 95 do CDC) é que será imprescindível que os beneficiados sejam nomeados individualmente e identificadas particularmente as respectivas situações jurídicas.

6 Da prescrição

Dada a natureza e as especificidades da ação civil coletiva, que não comporta a análise das situações particulares dos substituídos, não é o caso de haver a apreciação quanto à ocorrência de prescrição em relação a apenas alguns dos substituídos.

Desse modo, caso sejam acolhidos os pedidos formulados, por ocasião da liquidação do julgado genérico é que deverá ser oposta a prescrição, que, tendo mesmo se verificado, impedirá o prosseguimento da execução no tocante ao respectivo substituído.

Impõe-se essa solução até mesmo para que o substituído, ouvido a respeito, possa contrapor a configuração de situações que impediram, suspenderam ou interromperam a marcha da prescrição (artigos 197 a 202 do Código Civil), de forma que, isso ocorrendo, poderá ele continuar a ser destinatário do julgado de cunho genérico.

E não haverá qualquer atecnia nesse deslocamento do momento processual de apreciação quanto à consumação ou não da prescrição, porquanto decorre ele de imperativo ditado pelas singularidades da ação civil coletiva.

É certo que a declaração da ocorrência da prescrição, na situação figurada, não impediria que o trabalhador intentasse posteriormente demanda individual veiculando a mesma pretensão - desde que não tivesse promovido a intervenção na ação coletiva na condição de assistente litisconsorcial (artigo 103, parágrafo 2º, do CDC) -, quando poderia demonstrar a não-consumação da prescrição. Entrementes, não menos certo é que tem o trabalhador o direito de ser beneficiado pelo pronunciamento jurisdicional abrangente de todos os substituídos, sem necessidade de submeter-se à sorte e ao dispêndio da ação individual.

Uma ressalva, entretanto, cumpre ser feita. É que pode suceder de a prescrição envolver a totalidade dos substituídos. Na hipótese aventada, deve a questão ser de logo examinada, vez que, se pronunciada a prescrição, faltará ao sindicato interesse processual, porquanto o provimento jurisdicional a ninguém beneficiaria. Não haverá óbice, entretanto, a que o trabalhador lesado ajuíze ação individual vindicando os direitos que sustenta possuir, na qual poderá comprovar a ocorrência de qualquer das circunstâncias legais obstativas da consumação da prescrição.

7 Da desistência da ação pelos substituídos

Ocorre com assombrosa freqüência de as defesas das empresas virem acompanhadas de manifestação escrita de alguns dos substituídos declarando que não têm interesse no prosseguimento da ação, pretendendo o patronato que essa declaração seja acolhida como requerimento de desistência.

Primeiramente, há de ser remarcado que o autor formal da ação coletiva é o sindicato, e não os substituídos - estes são apenas partes materiais, titulares do direito subjetivo defendido -, de modo que a "desistência", por alguns dos substituídos, mesmo se considerada válida, não terá o condão de provocar a extinção do feito, sem resolução do mérito (artigo 267, inciso VIII, do Código de Processo Civil), no atinente a cada substituído.

Por isso que, sendo postulada na demanda coletiva a satisfação dos direitos de outros trabalhadores, a ação deve ter normal seguimento, inclusive sem deliberação acerca dos "requerimentos de desistência", porque desnecessária, de sorte que, caso sejam acolhidos os pedidos, por ocasião da liquidação do julgado genérico é que deverão ser opostas as referidas manifestações volitivas, quando o juiz avaliará a sua validade jurídica.

Se no processo de liquidação o juiz entender livre de qualquer espécie de coação a manifestação de vontade, deverá apenas determinar a exclusão do obreiro da liquidação, tomando a declaração como desinteresse momentâneo do trabalhador na cobrança do crédito que em seu favor restou reconhecido. Dessa forma o trabalhador poderá no futuro pleitear, em processo autônomo (artigo 97 do CDC), a liquidação e a execução do seu crédito, decorrente do provimento jurisdicional genérico. Isso, é óbvio, se ainda não se achar consumada a prescrição do direito de executar o julgado.

Salientamos, en passant, que tais manifestações dos substituídos ordinariamente despertam desconfiança, notadamente quanto àqueles trabalhadores que ainda são empregados da empresa, e isso em face do estado de sujeição a que se acham naturalmente submetidos, sendo comum verificar-se, na crônica jurídica trabalhista, situações em que os termos da declaração são preparados pela empresa acionada e entregues aos substituídos que ainda são seus empregados para que assinem, sob a ameaça de perderem os seus empregos. Quando não mais laboram na empresa, a intimidação é no sentido de que lá, ou noutras empresas homólogas, não obterão mais colocação caso não firmem o documento.

8 Da interrupção da prescrição em relação às ações individuais

Uma análise apressada da questão pode conduzir a uma resposta que negue a possibilidade de a citação do réu, na ação civil coletiva promovida pelo sindicato, interromper a prescrição no atinente a futuras ações individuais dos então substituídos.

Entretanto, outra será a conclusão se o problema for examinado à luz da interpretação teleológica da legislação de regência.

Realmente, como preleciona o Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Professor Teori Albino Zavascki:

Não fosse assim, ficaria o titular do direito individual na contingência de, desde logo, promover a sua demanda individual, o que retiraria da ação coletiva uma das suas mais importantes funções: a de evitar a multiplicação de demandas autônomas semelhantes. Isso, portanto, não se harmoniza com o sistema do processo coletivo. Conforme acima se fez ver, o legislador brasileiro, ao contrário do norte-americano, não estimulou nem o ingresso de litisconsortes e nem o ajuizamento ou o prosseguimento de ações individuais paralelas. Às duas situações impôs um risco adicional: aos litisconsortes, o de sofrer os efeitos da sentença da improcedência da ação coletiva; e aos demandantes individuais, o risco de não se beneficiarem da sentença de procedência. O estímulo, claramente decorrente do sistema, é no sentido de que o titular do direito individual aguarde o desenlace da ação coletiva, para só depois, se for o caso, promover a sua demanda. Nessa linha, a não-propositura imediata da demanda individual não pode ser tida como inércia ou desinteresse em demandar, passível de sofrer os efeitos da prescrição, mas sim como uma atitude consentânea e compatível com o sistema do processo coletivo.(7)

No respeitante à interrupção da prescrição, em favor dos substituídos, quando a ação coletiva for promovida por entidade declarada parte ilegítima, o eminente processualista assim discorre:

Pode ocorrer que o processo venha a ser extinto, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade ativa do substituto processual. Nesse caso, teria se operado, mesmo assim, o efeito interruptivo da prescrição? Uma interpretação rigorosa poderia conduzir a uma resposta negativa: se o substituto processual não era legítimo, não se poderia considerar existente ou legítima a presença de substituídos no processo. Entretanto, a solução não pode ser ditada com tamanho rigorismo. Não se pode deixar de considerar que os prazos prescricionais são estabelecidos com vista a atingir pessoas inertes, omissas, desinteressadas em procurar a tutela jurisdicional dos seus direitos. Ora, isso não se pode presumir na situação acima aventada, conforme se demonstrou. Assim, deve-se optar por solução que preserve o princípio da boa-fé que milita em favor dos titulares do direito: a de considerar interrompida a prescrição em favor dos substituídos mesmo que o substituto processual venha a ser declarado ilegítimo.(8)

Em face dos axiomáticos argumentos contidos nos escólios doutrinários acima transcritos, tem-se que a ação civil coletiva interrompe o prazo prescricional já em curso para o ajuizamento das demandas individuais dos titulares do direito material, ainda que julgada extinta a ação coletiva, sem resolução de mérito, em razão da ilegitimidade passiva da entidade autora.

Cabe aqui, todavia, consignar que se está a cogitar de uma ilegitimidade não manifesta, ou seja, de situações em que as circunstâncias permitiam supor que os integrantes da categoria possuíam dúvida razoável sobre a legitimidade da entidade sindical para a defesa dos seus direitos. Desse modo, não se terá por interrompido o fluxo do prazo prescricional quando o contexto fático-jurídico evidenciar a absoluta falta de representatividade da entidade sindical.

CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, assim sumariamos as idéias que expusemos nas linhas pretéritas:

1) - é de superlativa importância a incorporação, ao processo do trabalho, da ação civil coletiva, com a disciplina que lhe atribuiu o Código de Defesa do Consumidor;

2) - são os sindicatos vocacionados ao manejo das ações civis coletivas, objetivando a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos dos integrantes da categoria representada, e não apenas dos associados;

3) - o processo de identificação dos direitos que, efetivamente, possam ser qualificados como individuais homogêneos deve ser orientado pela análise da conveniência de sua defesa coletiva, somente se podendo entender franqueada a via da ação civil coletiva quando se concluir que a sua utilização conduzirá a uma solução rápida e econômica do conflito de massa;

4) - é desnecessária a autorização dos substituídos para a propositura da ação enfocada pelo sindicato, já que a defesa em juízo dos direitos e interesses dos integrantes da categoria (e não apenas dos associados) é imanente aos fins institucionais do sindicato, delineados no artigo 8º, inciso III, do Magno Texto e ordinariamente enfatizados nos estatutos da entidade;

5) - não há necessidade de identificação dos substituídos na fase de conhecimento, mas apenas na fase de liquidação do julgado de natureza genérica. Realmente, não há norma legal que imponha a identificação no processo cognitivo, sendo perfeitamente possível à empresa demandada o levantamento dos trabalhadores que se enquadrem na situação descrita na petição inicial, não se vislumbrando qualquer ofensa ao direito de ampla defesa;

6) - a apreciação quanto à ocorrência de prescrição no atinente a apenas alguns dos substituídos deverá ser protraída para o momento processual da liquidação do julgado genérico, possibilitando-se ao interessado contrapor eventual circunstância que tenha importado em impedimento, suspensão ou interrupção da marcha prescricional. No processo de conhecimento, somente deve ser examinado se houve a consumação da prescrição na hipótese de envolver a totalidade dos substituídos, já que caso efetivamente fulminada a pretensão pelo transcurso do prazo prescricional fenecerá interesse processual ao sindicato, porquanto o provimento jurisdicional a ninguém beneficiaria;

7) - ajuizada a ação civil coletiva pelo sindicato, é a entidade a parte formal da relação jurídica processual, ostentando os substituídos a condição de partes materiais, titulares dos direitos subjetivos defendidos. Por isso, os "requerimentos de desistência" de alguns dos substituídos não devem ser apreciados no processo de conhecimento, porque eles não são partes, não se revelando possível a homologação das "desistências". Apenas no processo de liquidação é que poderão ser opostas as manifestações dos substituídos, que deverão ser recebidas como mero desinteresse momentâneo no prosseguimento da execução do julgado genérico, incumbindo ao juízo perscrutar os reais motivos que determinaram a manifestação volitiva. Mesmo que acolhida a manifestação de desinteresse, poderá o trabalhador, no futuro, retomar a liquidação e a execução, desde que não consumada a prescrição do seu direito de executar o julgado; e

8) - a compreensão afinada com os objetivos perseguidos pelo legislador conduz à conclusão de que a citação do réu na ação civil coletiva interrompe o prazo prescricional já em curso para o ajuizamento das demandas individuais dos titulares do direito material, ainda que julgada extinta, sem resolução de mérito, em razão da ilegitimidade passiva da entidade autora, desde que essa ilegitimidade, diante das circunstâncias, não resulte manifesta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado: e legislação extravagante. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. .

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.



Notas:

* Rogério José Perrud é Bacharel em Direito e Diretor de Secretaria da Vara do Trabalho de Adamantina-SP (15ª Região). Artigo elaborado em maio de 2007. [ Voltar ]

1 - Excerto do acórdão proferido no processo TRT/15ª Região n. 26.308/2002-RO-0, da Vara do Trabalho de Bebedouro, relatora Juíza Maria Inês C. de Cerqueira César Targa. Disponível em: www.trt15.gov.br. Acesso em 7.5.07. [Voltar]

2 - Fragmento da ementa do acórdão n. 20040395566, do TRT da 2ª Região, publicado no DOE de 13.8.2004, relator Juiz Paulo Augusto Câmara. [Voltar]

3 - Acórdão proferido no RO n. 15.986/2001-TRT 3ª. Região, em 18.12.2001, Juíza Relatora Alice Monteiro de Barros. Disponível em: www.mg.trt.gov.br. Acesso em 7.5.07. [Voltar]

4 - SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 260. [Voltar]

5 - MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 102. [Voltar]

6 - NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado: e legislação extravagante. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 140. [Voltar]

7 - ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 202-203. [Voltar]

8 - Ibidem, p. 203-204. [Voltar]

Palavras-chave: ação civil

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1 Comentários

DAIANE TIBOLA estudante01/10/2010 16:44 Responder

muito bom

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