A verdadeira reforma sindical

Fernando Alves de Oliveira, Consultor Sindical Patronal e autor do livro "O sindicalismo brasileiro clama por socorro" -LTr, fev/2001. E-mail: fernandooliveira@ajato.com.br

Fonte: Fernando Alves de Oliveira

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Fernando Alves de Oliveira ( * )

Enganou-se redondamente quem esperava algo melhor que essa pífia proposta de reforma sindical ora formalizada pelo Governo ao Congresso Nacional por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC-369-2005).

Quem é do meio e conhece os grotões e escaninhos do sindicalismo, realmente não poderia esperar por coisa melhor. Afinal, após um ano e meio de feéricos rompantes e a tradicional espuma com que o governo petista rotula todos os seus empreendimentos - sempre importando-se muito mais com a casca do que com o conteúdo - aguardava-se algo mais substancioso, não obstante o pomposo Fórum Nacional do Trabalho-FNT não ter apresentado nenhuma convergência quanto aos pontos polêmicos, fato que não só esvaziou o encontro como deixou antever o que viria a materializar-se, isto é, uma proposta anos-luz distante das necessidades deste sexagenário e carcomido modelo sindical.

A proposta não só deixa de inovar como lamentavelmente retroage. E o que é pior, é como se um sistema gerido na Idade Média retrocedesse aos tempos da Pedra Lascada... Em verdade, a PEC-369 nada mais é que um autêntico retrato sem retoque da mentalidade do PT, especialmente cultuada pelos ex-dirigentes sindicais que hoje dirigem o País. É a prova, o recibo de que o homem é produto do meio.

Não pode ser considerada séria e compatível com as modernas relações do Trabalho uma proposta de reforma sindical que não só mantém viva a odiosa, malsinada e superada unicidade sindical, como volta à transferir para o Estado a atribuição de dar personalidade sindical às entidades (conforme explicitamente contido na proposta de nova redação do inciso II do artº 8º da Constituição e que se choca frontalmente com esta autêntica pérola, contida na mesma proposta subscrita pelo ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, que fazemos questão de transcrever, na íntegra: "A superação dos obstáculos constitucionais à modernização do sistema de relações sindicais é a base para a constituição de uma atmosfera de ampla liberdade e autonomia sindicais, sem a qual persistiremos prisioneiros de um sistema sindical estigmatizado pelo artificialismo em seus mecanismos representativos"

O conhecido ranço petista mais uma vez pontifica ao propor a criação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho -CNRT, órgão tripartite formado por seis membros do Governo e igual número dos trabalhadores e empregadores, no qual será escudada as atribuições de gerir as diretrizes da nova organização sindical, garantindo-se à bancada do Governo o primeiro mandato... O mesmo CNRT igualmente possuirá Câmaras Bipartites com a incumbência de examinar em primeira instância as contestações e indeferimentos de pedidos de registro sindical, além da administração dos recursos do (mais um...) Fundo Solidário de Promoção Social.

Como se observa, a visão petista continua canhestra, centralista e sectária, correndo na bitola estreita e na contramão da verdadeira reforma sindical, que clama, isto sim, pelo pronto advento da pluralidade sindical e o imediato fim de toda e qualquer contribuição sindical obrigatória e impositiva. Este é o único caminho do sindicalismo realmente livre e imune dos vícios do modelo prevalecente e que os sindicalistas de ontem e governantes de hoje insistem em preservar. Parecem muito mais preocupados com a manutenção da autêntica reserva de mercado que os donatários perpétuos do sindicalismo nacional exigem para a manutenção de suas sinecuras (quer como meio de vida, balcão de negócios e de ascensão pessoal política), esquecendo-se que o sistema sindical brasileiro caiu em descrédito porque o mundo mudou e os nossos sindicatos permanecem imutáveis. Lastimavelmente, a mentalidade sindical brasileira, ungida pelo paternalismo do Estado da era ditatorial, permanece empedernida até os dias atuais.

Ademais disso, o emprego formal está acabando. Não só no Brasil, mas no mundo. Vai prevalecer o trabalho. E isto não é uma simples previsão. É indiscutível constatação. Nos dias atuais, a conquista e a preservação do trabalho são marcos muito mais importantes do que as dos valores do emprego formal, em baixa e com seus dias contados. Trata-se de um insofismável e irreversível fenômeno mundial que as nossas lideranças sindicais teimam em não reconhecer, exatamente porque são beneficiárias de um anacrônico sistema que contempla a caduca unicidade sindical prevalecente e a nefanda e nefasta contribuição sindical obrigatória.

As modernas relações do Trabalho exigem postura e ações que em nada se coadunam com a obtusa e reacionária mentalidade sindical vigente. O trabalhador sente que já não precisa do sindicato, como no passado, e dele se distancia. Um exemplo significativo disso explica-se no advento dos showmícios, regados a muita comida, bebida, mulher bonita, cantoria e, principalmente, distribuição de brindes em profusão, afora tentadores sorteios de apartamentos e carros. É apenas uma das muitas ridículas facetas do nosso triste momento sindical, que exige postura muita mais séria e responsável, além de diametral mudança de rumo. Mas como a palavra de ordem parece ser baseada na lei do menor esforço, o que avulta e interessa é o marketing promocional que rotula a consecução desses megaeventos. É óbvio que, pelos sedutores atrativos, carreiam numeroso público de todos os matizes. Porém, isso nada acrescenta ao movimento sindical sério e evoluído.

Quanto às receitas das entidades, é insofismável que estão à mingua, não obstante o tolo disfarce de alguns e da inconvicente negativa de outros. As captações de recursos das entidades patronais estão com fraturas e vísceras expostas. As dos trabalhadores só não são piores em face da obrigatoriedade do desconto em folha das contribuições dos empregados. Mas a falta de confiança nas entidades de classe e o progressivo encolhimento do mercado formal de trabalho seguem fazendo estragos. Ninguém aceita continuar pagando contribuição compulsória.. Nem patrão, nem empregado. Exceto se houver retorno. Como é raro o caso, só se for arrancada à forceps. Conclusão: quando ainda é possível aplicar-se a chamada exação de pagamento da contribuição, o recurso aflora. Quando este procedimento torna-se prejudicado, como é o caso dos sindicatos patronais, fica ao sabor da empresa recolher ou não ao sindicato representativo da sua categoria. Aqui a inadimplência é ascendente. A concordata está instalada e a falência será mera conseqüência.

A salvação do sindicalismo brasileiro é uma só e chama-se associativismo, que é auto-aplicável. Sua implementação pode e deve ser feita por todo e qualquer sindicato de vanguarda dispensando mudanças ou prevalência da atual legislação. Exige, todavia, trabalho sério, dedicado, competente, profundo respeito e prestação de serviços aos associados. Seus frutos somente serão colhidos a médio e longo prazo, motivo pelo qual tem sido pronta e seguidamente repudiado pelos imediatistas e indolentes. O Brasil moderno, bem como o avançado estágio das modernas relações do Trabalho, rejeitam frontalmente o viciado e corroído modelo sindical em vigor, que trás em seu bojo a unicidade sindical, modelo inteiramente abolido nos países evoluídos. Estivesse o nosso País neste mesmo plano, o sistema em questão deveria estar figurando no museu das curiosidades brasileiras...

Urge, pois, a autonomia (ou pluralidade) sindical, da qual o associativismo é filho natural e legítimo, o que redundará numa inversão diametralmente oposta ao do maligno processo dominante. A partir da era associativista o Sindicato terá de ser gerido de fora para dentro. Quem na verdade comandará a entidade sindical será sua Assembléia Geral, ou seja, os seus associados. aos quais caberá o transcendental papel de passar a ser -verdadeira e meritoriamente- o mais importante protagonista do cenário sindical e não mais o reles e mero coadjuvante, papel que tem sido impingido pelos "donos" do sindicalismo ao associado das entidades. O escopo desses verdadeiros "capos" sempre foi centrado em assentar âncora na perenidade do poder e na ignominiosa tarefa de servir-se e não servir, apesar do inútil e até caricato simulacro ostentado em contrário. A diretoria do Sindicato será a mera condutora das postulações e ações factíveis propostas por seus sócios. Como sempre deveria ter sido. E se assim não for, os associados não pagarão a única e real contribuição que será devida aos sindicatos, ou seja, a de caráter espontâneo.

Mas não é preciso aguardar infinitamente pela boa-vontade do Estado. Antes de exigir que ele cumpra a sua parte no processo, os sindicalistas de escol, de visão, progressistas e vanguardeiros precisam, isto sim, assumir a parte que lhes cabe, independente do Estado, pois a solução começa pelo próprio meio sindical. E está suficientemente claro que essas ações não virão da banda podre desse viciado sindicalismo brasileiro.

Num artigo como este, que pretende ser extremamente direto, não cabe detalhar maiores considerações sobre a proposta governamental em questão, sob pena de fastidiosas e desnecessárias digressões, até mesmo porque essa peça terá o mesmo destino de todas as antecessoras, ou seja, morrerá no nascedouro e sequer prosperará na Câmara, pois no seu conjunto é como um mau arbitro que consegue desagradar os dois times e, como tal, esse jogo não chegará ao fim.

Uma vez mais, lamentavelmente, o País deixará de ter a reforma sindical exigida pelo hodierno das modernas relações do Trabalho, de vez que Lula e seus discípulos do partido da estrela vermelha preocuparam-se única e tão-somente em assegurar uma reserva de mercado ainda mais ampliada a todos os que fazem do sindicalismo brasileiro, aquilo que ele e seus seguidores sempre fizeram (e continuarão a fazer): um rentável balcão de negócios. No varejo, no atacado e na baciada...


Notas:

* Fernando Alves de Oliveira, Consultor Sindical Patronal e autor do livro "O sindicalismo brasileiro clama por socorro" -LTr, fev/2001. E-mail: fernandooliveira@ajato.com.br [ Voltar ]

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