A nova e obrigatória defesa preliminar do Código de Processo Penal

Ivan Luís Marques da Silva. Autor do livro Reforma Processual Penal de 2008, editado pela RT. Autor de Pareceres em Ciências Criminais. Profere Palestras sobre a Reforma Processual Penal de 2008. Possui artigos publicados em revistas especializadas. Professor no Curso de Pós-graduação de Direito Penal, Processual Penal e Constitucional da Escola Paulista de Direito - EPD; Professor da Escola Superior de Advocacia - ESA; Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP; Especialista em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC; Ex- examinador de Direito Penal da OAB/SP; Ex-professor de segunda fase para a OAB no Curso Jurídico PROORDEM; Coordenador-Chefe no IBCCRIM na gestão 2009-2010; Coordenador Editorial de Direito Público da Editora Revista dos Tribunais; Membro Efetivo da Comissão de Direito Criminal da OAB; Coordenador de assuntos relacionados a crimes contra a pessoa na OAB; Advogado criminalista. E-mail: ivanlmarques@gmail.com.

Fonte: Ivan Luís Marques da Silva

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Ivan Luís Marques da Silva ( * )

Em junho deste ano, foi publicada a Lei 11.719.

Entre outras importantes mudanças, ela trouxe para o Código de Processo Penal a chamada defesa preliminar. Ao contrário da antiga, revogada e facultativa defesa prévia, onde simplesmente afirmava-se que as provas seriam produzidas em momento oportuno e era apresentado o rol de testemunhas, a nova defesa preliminar do art. 396-A é mais complexa e, o mais importante, obrigatória.

Reza o novo artigo 396-A do CPP: "Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário."

Chamamos a sua atenção para o fato de o juiz, ao receber a denúncia ou queixa (art. 396 do CPP), citar o acusado não mais para ser interrogado, e sim para apresentar a defesa preliminar por escrito.

Tendo como prazo válido 10 dias, o acusado terá que constituir defensor ou, não possuindo condições, será defendido pelo Estado de forma gratuita. Constituída ou nomeada, a defesa tem a obrigação de apresentar, no prazo legal, todos os argumentos válidos e lícitos existentes para obter a antecipação da tutela absolutória, denominada de absolvição sumária do rito comum (art. 397 do CPP).

Deverá a defesa alegar tudo o que interessar: argüir preliminares (como as exceções de incompetência, litispendência e coisa julgada, que continuam sendo processadas em apartado, nos moldes do que já estava previsto anteriormente nos arts. 95 a 112 do CPP); reforçar uma tese defensiva previamente levantada durante a fase de investigação; fragilizar o alegado pela acusação na denúncia/queixa já regularmente recebida pelo magistrado etc.

Este também é o momento de especificar as provas que serão produzidas na chamada "super audiência" do art. 400, inclusive apresentando o rol de testemunhas (8 para o rito ordinário e 5 para o rito sumário).

A obrigatoriedade desta nova modalidade de defesa do rito comum fica evidente ao lermos o § 2.º do art. 396-A: "§ 2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias."

Ocorre que, além dos casos especificados no § 2.º - não apresentada resposta ou réu sem defensor - existe outra situação que está atingindo boa parte dos causídicos que atuam na área criminal. Alguns magistrados, diante da apresentação da antiga defesa prévia, hoje revogada pela reforma, estão considerando réu indefeso. Quando assim decidem, eles destituem o advogado do acusado e nomeiam outro para seu lugar.

Questionável ou não, tal atitude de alguns magistrados corrobora-se pela obrigatoriedade da nova defesa preliminar por escrito, abordando teses de defesa e não apenas um simples rol de testemunhas.

Portanto defensor, se você não fizer o seu trabalho seguindo os novos preceitos legais, o magistrado deverá declarar o réu indefeso e nomear outro defensor para apresentar a defesa preliminar. A lei não diz que o juiz poderá nomear defensor, como se fosse uma faculdade do magistrado. Não. Trata-se de norma cogente, imperativa, que determina a nomeação, pelo juiz, de defensor para o acusado.

A obrigatoriedade da defesa preliminar integrou o princípio da ampla defesa e o desrespeito à regra do art. 396-A acarreta a mitigação deste preceito constitucional.

Cuidado para não sofrer as conseqüências jurídicas de sua própria desatualização.

Observação importante, agora para os magistrados: há um lapso na literalidade do § 2.º do art. 396-A: "ou se o acusado, citado, não constituir defensor". Essa regra deve ser válida apenas para os casos em que a citação se deu pessoalmente. Pois se o réu, citado por edital, não comparecer e nem constituir defensor, aplica-se a regra do art. 366 do CPP: suspende-se o processo e a prescrição até que o réu seja encontrado.

Como forma de auxiliar os colegas da advocacia com exemplos de pedidos de defesa preliminar, podemos apontar:

a) Excludente de ilicitude - a conduta do acusado, apesar de ser típica (conduta dolosa ou culposa, omissiva ou comissiva, com nexo de causalidade e resultado jurídico nos crimes materiais), não é antijurídica (ou ilícita) pois está amparada por alguma excludente de ilicitude, previstas no art. 23 do Código Penal (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito).

b) Excludente de culpabilidade - erro de proibição, coação moral irresistível, obediência hierárquica, são hipóteses de excludentes de culpabilidade. Com base na existência de alguma dessas circunstâncias, o réu poderá pleitear a sua absolvição sumária. Se o réu for menor de idade faça prova disso, pois a inimputabilidade pela menoridade pode ser provada neste momento e exclui a culpabilidade penal. Neste caso, o processo deve ser encaminhado ao Ministério Público da Infância e da Adolescência para a tomada das medidas cabíveis com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).

c) Excludente de tipicidade - lembre-se que o delito é um fato típico, antijurídico e culpável. Preenchidos os três elementos, surge para o Estado a punibilidade, ou seja, o dever de punir. A antijuridicidade e culpabilidade já forma explicadas anteriormente. Resta agora falarmos da tipicidade.

O fato será típico se o agente praticar uma conduta previamente prevista em lei comissiva (ação) ou omissiva (omissão), dolosa ou culposa (esta modalidade deve estar prevista expressamente na lei) atingindo o bem jurídico-penal de forma significativa. O resultado jurídico decorrente da conduta do agente somente será importante para o direito penal se, e somente se, o bem jurídico-penal for atingido de forma relevante (princípio da ofensividade). Faltando qualquer desses elementos o fato será atípico e assim, com base no inciso III do novo art. 397, o réu deverá ser absolvido sumariamente.

d) Excludente de punibilidade - as causas extintivas da punibilidade estão previstas no art. 107 do Código Penal. Por exemplo, a prescrição na modalidade virtual.

e) Causas supralegais de exclusão de ilicitude, como a adequação social; e de culpabilidade, como a inexigibilidade de conduta diversa.

Concluindo, não é mais suficiente, para advogar na área criminal, fazer uma defesa prévia padrão e, nas alegações finais, postular pela simples absolvição por falta de provas. O novo CPP, após as mudanças da Reforma Processual Penal de 2008, exige um advogado que efetivamente conheça o Direito Penal e o Processo Penal. Fora destes casos, além de desatualizado, corre o risco de ser destituído da ação penal de ofício pelo juiz que tem a obrigação de nomear outro defensor para o réu para apresentar a novíssima defesa preliminar, por escrito, em 10 dias.



Notas:

* Ivan Luís Marques da Silva. Autor do livro Reforma Processual Penal de 2008, editado pela RT. Autor de Pareceres em Ciências Criminais. Profere Palestras sobre a Reforma Processual Penal de 2008. Possui artigos publicados em revistas especializadas. Professor no Curso de Pós-graduação de Direito Penal, Processual Penal e Constitucional da Escola Paulista de Direito - EPD; Professor da Escola Superior de Advocacia - ESA; Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP; Especialista em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC; Ex- examinador de Direito Penal da OAB/SP; Ex-professor de segunda fase para a OAB no Curso Jurídico PROORDEM; Coordenador-Chefe no IBCCRIM na gestão 2009-2010; Coordenador Editorial de Direito Público da Editora Revista dos Tribunais; Membro Efetivo da Comissão de Direito Criminal da OAB; Coordenador de assuntos relacionados a crimes contra a pessoa na OAB; Advogado criminalista. E-mail: ivanlmarques@gmail.com. [ Voltar ]

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8 Comentários

Damiana Medeiros de Figueiredo advogada (atuo na área de direito de família)24/10/2011 13:09 Responder

o assunto é relevante não atuo na área penal, gosto de ler comentários a respeito, não tinha visto nada a respeito da nova defesa preliminar, achei mais abrangente.

Ian Koster advogado01/01/2012 15:22 Responder

É muito importante saber e ajustar mais a dinâmica processual quanto a celeridade e os efeitos sobre a JUSTIÇA APLICADA a vida do réi, pois se este sabendo ser inocente, acaba com isto tendo gastos e desgastes psicológicos e certamente terá de qualquer forma sair impetrartndo Habeas Corpus para o TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, pois se for absolvido (inocente) ficará com máculas em sua FOLHA DE ANTECEDENTE, como tendo passado por uma PERSECUTIO CRIMINES.... o que não é nada salutar por parte do ESTADO GERDAME (Polícia). Coloque a CRUZ nas suas costas! Quem LEGISLA DIFICILMENTE SENTE O GOSTO AMARGO DO QUE PROPÕEM QUANDO EDITA UMA LEI....

Maria da Conceição dos Santos de Jeus advogada previdencialista10/02/2013 17:20 Responder

É muito importante esta orientação de jurista experiente e atualizado com o direito penal e principalmente processual penal, porque desta forma, sendo necessário defender o constituinte em eventual ação penal previdenciária ou tributária, nos dá a chance de abreviar o processo com a consequente absolvição sem impor ao cliente prolongado processo penal, o que acarreta problemas de ordem criminal e desgaste na relação cliente/advogado. Obrigada.

Arildo Pires Carneiro Advogado.09/03/2013 18:13 Responder

Parabéns e obrigado. Sempre fomos orientados na faculdade a não \\\"abrir a guarda\\\" na antiga defesa prévia. Hoje, vejo que tal argumento não tem fundamento. Estou fazendo as respostas à acusação da forma mais completa possível, apontando todas as falhas do inquérito policial desde já, não deixando para as alegações finais, que poderão ser orais e por ínfimos 20 minutos. Aceite um fraternal abraço Doutor e Professor Ivan Marques.

Janira Neves Costa advogada29/09/2013 20:50 Responder

Janira Neves Costa - Gostei muito. O estudo apresentado é esclarecedor e muito proveitoso. Percebo que o professor Ivan Luís Marques da Silva além de muito culto é muito generoso ao doar seus conhecimentos. Obrigada.

José Almeida advogado13/12/2013 2:43 Responder

Brilhante explicação, considerando o conteúdo e a forma. Parabéns ao professor Ivan Luís Marques da Silva. Já se pode ter uma ideia da qualidade de seus livros se considerarmos a firmeza que não deixa em duvida ao leitor.

Edivaldo Func. Público01/06/2014 23:52 Responder

Excelente o artigo, pois esclareceu um ponto duvidoso que eu tinha, posto que alguns professores, nas faculdades, bem como ainda vejo alguns advogados, lecionam a antiga defesa prévia, com aquela velha justificativa de que esta deve ser genérica e apenas apresentar o rol de testemunha, \\\"para não mostrar o caminho do ouro ao MP\\\", deixando para fazer a defesa apenas quando dos memoriais. Abraço fraternal e obrigado !

Frederico Barcellos Montenegro advogado 13/03/2016 2:55 Responder

Prezado Ivan, Grande abraço e parabéns pelo trabalho. Entretanto, inobstante alguns magistrados realmente estarem procedendo da forma que o doutor colocou, tal conduta demonstra total desconhecimento a toda principiologia do processo penal. Absurdo e inconstitucional é este novo dispositivo 386-A. Na prática forense, colocando a teoria de lado, "sabido é que JUIZ NÃO LÊ DEFESA PRÉVIA"! Deixa pra analisar tudo em sentença, não obstante a previsão legal da possibilidade de absolvição sumária. Outro fator importantíssimo é que, em muitas ocasiões, "antecipar as teses defensivas na defesa prévia significam tão somente contribuir para o Ministério Público fechar mais ainda o cerco em cima do seu cliente". Ou seja, em muitas ocasiões, é muito mais benéfico ao acusado, expor suas teses defensivas apenas em "alegações finais", não oportunizando ao M.P. (parte contrária) se rearmar contra seu cliente visto que a instrução estará encerrada. Ademais, a anulabilidade do processo por defesa técnica genérica só pode ser decretada em havendo comprovação do prejuízo ao acusado, o que nao ocorre na maioria dos casos quando se enfrenta frontalmente todas as imputações em alegações finais. Concordo com tudo que o doutor redigiu. Creio que o doutor apenas quis narrar esta prática abusiva de alguns magistrados, nao emitindo parecer favorável nem negativo. Só lhe peço vênia exatamente para externar o profundo repúdio que sinto a esta conduta visto que o legislador que a redigiu, obviamente, não entende nada de processo penal. Até porque se era para beneficiar os acusados, o tiro saiu pela culatra. Em vez disso, está obrigando alguns patronos há antecipar sua tese e facilitar a vida do Ministério Público. Grande abraço. Mais sabido a

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