A metamorfose kafkaniana - Primeiras refleões jurídico-sociais

Helio Estellita Herkenhoff Filho é Analista Judiciário do TRT-17ª Região (gab. Juiz) , Ex-Professor da UFES.

Fonte: Helio Estellita Herkenhoff Filho

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Helio Estellita Herkenhoff Filho ( * )

Tem uma música de saudoso compositor brasileiro que fala da metamorfose no sentido de um "ser" criador, em oposição ao homem conservador, que se prende à idéia de memória pregada pela elite que concentra o capital e quer, obviamente, a continuidade.

Kafka, em seu conto, "A metamorfose", fala de um vendedor ambulante que ao acordar, depois de um sono noturno inquieto, sentindo-se como se fosse um inseto, tenta se levantar, apesar de um "casco" duro que compunha as suas costas, sem falar da preguiça que engessa.

Dito dramaturgo narra que o vendedor teria sido chamado para trabalhar diversas vezes pelos familiares, pois o horário normal já havia se expirado.

Essa família era composta pelos cônjuges e uma irmã e o vendedor, o único filho homem., trabalhava para sustentar o grupo e pagar dívidas (suspeitas) do seu pai.

A família, a despeito do desejo do vendedor ambulante (era único "filho homem", o protagonista da história), de tanta insistência, acabou vendo-o e a despeito do susto ou em decorrência dele, fazia de tudo para outras pessoas (entre os quais, inicialmente, o representante do chefe do vendedor, que queria saber o motivo do atraso do empregado, a empregada da casa e dois inquilinos que vieram a morar em quartos, ante a dificuldade financeira da família), não saberem da dita transformação.

A moral da história: o vendedor ambulante era útil, enquanto produzia, enquanto inserido no campo de interesse dos capitalistas e sustentava a família.

Pensava-se na utilidade do vendedor ambulante e, não na pessoa, no filho e irmão, no membro da família enquanto grupo que se identificava pelo afeto mútuo.

Sinceramente, a leitura do livro (talvez pelo que pude notar, no meio acadêmico, apenas eu não tinha lido) é extremamente atual.

Quer ver só: pense no idoso - a nossa sociedade está ficando antiga (o termo "velha" trás a conotação de algo imprestável e esse que uso indica que há experiência importante a ser aproveitada - podemos destradicionalizar, mas não devemos desconsiderar os "eus" que comporão o "todo mutante").

No âmbito familiar será que se está cultivando o afeto ou será que todos querem ganhar dinheiro, sem perceber que a moeda é apenas meio de se conseguir fins desejados e que um desses fins não poderia ser um filho criado sem os pais e as conseqüências que disso podem advir.

O viciado em drogas ou o doente mental ou o deficiente físico (onde estão os meios para se promoverem o acesso a prédios públicos, ônibus, trabalho em ente púbico ou empresa privada - cotas legais) todos, em regra, têm sido tratados com algo descartável e não se atentando para o fato de que são pessoas e que o princípio da dignidade humana se aplica, inclusive, o presidiário não pode ser tratado como "cachorro de pobre", por pior que tenha sido o crime que cometeu e tendo a sentença transitado em julgado (o desejo de vingança não é bom caminho a ser seguido - leva a mais violência, à depreciação do valor da vida, etc.).

O aposentado. Passou a pagar contribuição ao INSS, porque os da ativa não podem trabalhar e pagar para a manutenção deles em momento de idade avançada não apresentam direito a uma vida digna, a despeito de herdarem desses aposentados os empregos existentes. Então, a idéia é implementar a previdência privada para agradar banqueiros, mantendo os salários dos bancários lá no res do chão ao invés de manter à meia altura, parodiando Nietzsche.

Aliás, a idéia é desvincular o salário mínimo (que já não cumpre nem um terço das necessidades que deveria cumprir - é verdade que não se aumenta por decreto, pois é necessário que a economia cresça e mudanças culturais) do valor a ser pago aos aposentados pelo INSS. Por que? Muitos recebem um salário mínimo da referida autarquia, pois, hoje, não pode ser menos, nos termos da CF/88. Então, desvinculando, o governo poderia aumentar o valor do salário mínimo, sem o tal crescimento e mudança cultural (pague mais a sua empregada doméstica, ao jardineiro, etc., não há lei que proíba isso!), ganhando votos do pessoal da ativa (pensem que todos vão ficar mais antigos, se não passarem para a melhor!).

O conto de Kafka diz: o olhar da sociedade capitalista só quer dar importância a quem produz. O olhar da democracia constitucional quer que todos sejam vistos como pessoa humana e que exista a primazia do trabalho sobre o capital.

Os chefes dos executivos das diversas esferas de Poder e os parlamentares juram seguir a Constituição. As eleições são periódicas, mas Maluf e Collor de Mello foram reeleitos, além de outros que estavam envolvidos no escândalo do "mensalão".

O que é o povo? Somos todos nós, cada um com suas idéias. Mas, é preciso organização para que possamos agir com mais vigor . No entanto, nada se faz para acabar com essa proliferação de partidos políticos sem ideologias próprias (a Globo em suas novelas faz, apenas, markenting social; da mesma forma atuam as empresas que poluem e falam em implantação de ações para a preservação da natureza, como se isso fosse favor inédito!).

Desculpe a grosseria: democracia tem a ver com abrir as portas (igualdade), mas não se deve abri-las para uma boiada sem cara, nem lenço e documento, se o curral não comporta isso!

Sim ao comunitarismo que pressupõe reconhecimento para formação de grupos e respeito pela diferença (multiculturalismo) e, não ao liberalismo capitalista (da "mão invisível" que faz o mercado se equilibrar e que prega a idéia do Estado mínimo).

Não ao socialismo demagógico e populista!

Sim ao sujeito atuante e que quer crescer junto e não entende que a culpa de tudo é do governo (por transferência ou um processo psicológico de projeção!)



Notas:

* Helio Estellita Herkenhoff Filho é Analista Judiciário do TRT-17ª Região (gab. Juiz) , Ex-Professor da UFES. [ Voltar ]

Palavras-chave: kafkaniana

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