As Aposentadorias Especiais

Parecer do colunista Bruno Sá Freire Martins.

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

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Como não poderia ser diferente a aposentadoria especial voltou a ser objeto de proposta de mudança da redação constitucional que a regula, mesmo não havendo sido regulamentada, em sede de Regime Próprio, desde o advento da Constituição Federal.


Ao se falar desse benefício não se pode perder de vista o fato de que seu intuito é o de proteger a saúde do trabalhador que atua exposto a situações ou mesmo agentes nocivos que possam prejudicá-la no futuro.


Ressalvada, a hipótese de sua concessão aos deficientes, onde se busca proteger e permitir a inclusão no mercado de trabalho daqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.[1]


Daí ser possível conceituá-la como um benefício de prestação continuada pago ao servidor que durante sua vida laboral atuou em condições adversas para sua saúde ou integridade física, ou ainda, seja possuidor de impedimentos de longo prazo que possam obstruir sua partici­pação plena e em igualdade de condições na vida em sociedade.[2]


E é partindo dessa premissa que se deve analisar o conteúdo da proposta apresentada.


1 – Pessoas com Deficiência


A primeira modificação proposta tem por objetivo ajustar a nomenclatura do destinatário do benefício, uma vez que atualmente a Carta Maior permite que o benefício seja concedido ao servidor portador de deficiência.


O benefício deve ser destinado à pessoa com deficiência, já que quem porta tem o poder de se desvencilhar daquela situação quando desejar, fazendo alusão a uma situação temporária, enquanto que a deficiência, na maioria da vezes, é permanente, motivo pelo qual não se admite a utilização da expressão “portador”.


Além do que, ao se utilizar a expressão "portador de deficiência" pode-se rotular a pessoa à medida que, para alguns, a deficiência passa a ser "a marca" principal da pessoa, em detrimento de sua condição humana.


Motivo esses que exigiram a adequação do Texto Magno à correta terminologia que identifica os servidores que poderão usufruir da aposentadoria especial prevista no inciso I do § 4º do artigo 40.


2 – Fim da Aposentadoria por Atividade de Risco


No atual regramento da aposentadoria especial a concessão do benefício pode ser feita tanto aos servidores que atuam em situações de risco quanto àqueles que tem sua saúde ou integridade física sujeita a prejuízo em razão do exercício de atividades sob condições especiais.


A existência das duas hipóteses de concessão da aposentadoria permite que a legislação infraconstitucional reconheça o direito ao benefício tanto nos casos onde há exposição da saúde a risco quanto naquelas hipóteses em que o servidor ocupa um cargo público que pode trazer risco à sua própria vida, como é o caso dos policiais.


Na redação proposta a única alternativa para a aposentadoria especial será o exercício de atividades que exponham a saúde a risco, ou seja, não haverá mais a concessão do benefício nos casos de exercício dessas atividades.


Afirmação essa ratificada pela intenção de que o inciso II do § 4º do artigo seja expressamente revogado, conforme se denota da letra a do inciso I do artigo 22 da PEC.


Além disso, o novo inciso III é taxativo ao afirmar que não se admite que o benefício seja concedido apenas e tão somente pelo fato de o servidor integrar uma categoria profissional ou pelo cargo que exerce.


Atualmente, existe a possibilidade de concessão de aposentadoria especial aos policiais civis, federais e rodoviários federais apenas e tão somente pelo exercício do cargo, conforme estabelece a Lei Complementar n.° 51/85 alterada pela Lei Complementar n.° 144/14.


Com a aprovação da nova redação, essa regra tornar-se-á automaticamente inconstitucional, ante a sua incompatibilidade com o novo texto, não sendo possível, ainda, a edição de norma que preveja a concessão da aposentadoria nos mesmos termos.


Nesse sentido:


EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 90, § 3º, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Disponibilidade remunerada dos servidores públicos. Edição da EC nº 19/98. Substancial alteração do parâmetro de controle. Artigo 41, § 3º, da Constituição Federal. Não ocorrência de prejuízo. Fixação de prazo para aproveitamento do servidor. Inconstitucionalidade. Integralidade da remuneração. Não recepção pela EC nº 19/98. 1. A Emenda Constitucional nº 19/98 alterou substancialmente parte do art. 41, § 3º, da Constituição Federal, o qual figura como paradigma de controle na ação. Necessidade de adoção de dois juízos subsequentes pelo Tribunal. O primeiro entre o preceito impugnado e o texto constitucional vigente na propositura da ação, com o fim de se averiguar a existência de compatibilidade entre ambos (juízo de constitucionalidade). Já o segundo entre o dispositivo questionado e o parâmetro alterado (atualmente em vigor), com o escopo de se atestar sua eventual recepção pelo texto constitucional superveniente. 2. A imposição do prazo de um ano para aproveitamento do servidor em disponibilidade ofende materialmente a Carta Federal, pois consiste em obrigação criada pelo Poder Legislativo que não decorre direta ou indiretamente dos pressupostos essenciais à aplicação do instituto da disponibilidade definidos na Constituição da República (art. 41, § 3º), e, principalmente, porque não condiz com o postulado da independência dos Poderes instituídos, ainda que em sede do primeiro exercício do poder constituinte decorrente. 3. O art. 41, § 3º, da Constituição Federal, na sua redação originária, era silente em relação ao quantum da remuneração que seria devida ao servidor posto em disponibilidade. Esse vácuo normativo até então existente autorizava os estados a legislar sobre a matéria, assegurando a integralidade remuneratória aos seus servidores. Contudo, a modificação trazida pela EC 19/98 suplantou a previsão contida na Carta estadual, pois passou a determinar, expressamente, que a remuneração do servidor em disponibilidade seria proporcional ao tempo de serviço. 4. Ação direta julgada parcialmente procedente.[3]


Será necessário, então, a edição de uma nova norma regulando a concessão do benefício, aplicada aos policiais e aos demais servidores, onde constará a exigência de que seja comprovado que as atividades que exercem colocam sua saúde em risco.


Aí não se pode perder de vista o fato de que depois de quase 30 (trinta) anos de edição da Carta Maior a Lei que regula a aposentadoria especial dos servidores públicos que atuam sujeitos à exposição à agentes nocivos não foi editada, com certeza se criará um vazio junto a esses profissionais que se encontram com o benefício devidamente regulamentado pela referida norma federal.


Some-se a isso o fato de que a retirada dessa possibilidade de aposentadoria, igualando os servidores que exercem atividades de risco aos que atuam com a saúde exposta, simplesmente ignora as peculiaridades e conseqüências dos cargos ocupados pelos primeiros.


As atividades de risco são aquelas em que os servidores  trabalham em condições consideradas perigosas podendo ser assim consideradas aquelas atividades nas quais o risco de vida é inerente, tendo por objetivo resguardar a integridade física e psíquica do servidor e o desempenho adequado de sua missão perante a sociedade.[4]


O exercício dessas atividades além de debilitar a saúde do servidor à medida que lhe submete a estresse constante e diário, já que no dia a dia de trabalho está sujeito a uma série de situações adversas que colocam em risco a sua vida.


Em termos legais, a Consolidação das Leis Trabalhistas assim conceitua atividade de risco:


Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:


I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;


II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.


Portanto, fica evidente que o exercício dessas atividades independentemente de afetarem diretamente a saúde do servidor, traz conseqüências para o seu exercente mesmo após o término do expediente, principalmente no caso daqueles que trabalham na área de segurança, uma vez que podem ser vítimas de uma tentativa de retaliação a qualquer momento.


Além disso, também atinge seu núcleo familiar, pois como é de conhecimento público, por diversas vezes, criminosos vingam-se de seus alcozes por intermédio de seus familiares, por intermédio de seqüestro e mesmo assassinatos de filhos, esposas, pais, enfim parentes próximos ao servidor.


Então, assim como na aposentadoria especial do deficiente, o intento da norma que permite a inativação do servidor que exerce atividade de risco de forma diferenciada da regra geral tem o escopo muito maior do que proteger apenas e tão somente a sua saúde ou integridade física.


Atuando como uma forma de amenizar os impactos decorrentes das condições e das conseqüências em que a função pública é exercida.


A soma de todos esses fatores permite afirmar que a revogação da possibilidade de aposentadoria pelo exercício de atividades de risco e a vedação de sua concessão por categoria profissional ou ocupação constitui-se em um verdadeiro retrocesso dos direitos previdenciários concedidos aos servidores que se encontram nessa situação.


O que é vedado em nosso ordenamento constitucional, por se constituir a previdência social em direito fundamental do servidor, insculpido no artigo 6º da Constituição Federal e nessa condição integra o rol de cláusulas pétreas contido no artigo 60 também da norma maior.


E como cláusula pétrea não pode ser objeto de redução ou mesmo extinção, conforme se pretende com a proposta apresentada, nesse sentido é salutar e ilustrativa a decisão do Supremo Tribunal Federal in verbis:


EMENTA: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. - A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados. LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS “ASTREINTES”. - Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A “astreinte” - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato sentencial. Doutrina. Jurisprudência.[5]


Assim, a revogação da possibilidade de aposentadoria especial para os servidores que exercem atividade de risco ou mesmo a impossibilidade de definição da inativação em razão do cargo que exerce contraria direito fundamental e, nessa condição, não pode ser objeto de modificação constitucional.


3 – Inativação por exposição da saúde


A nova redação do inciso III, além de vedar a concessão de aposentadoria especial em razão do cargo ou categoria profissional do servidor público, também foi modificada para fazer constar que a inativação somente pode ser concedida com a efetiva exposição da saúde aos ditos agentes nocivose exclui a exposição da integridade física como causa de concessão da aposentadoria especial.


Ao se analisar o motivo pelo qual se fez constar a necessidade de efetiva exposição da saúde, é preciso destacar que, num primeiro momento, pode até parecer que não haveria diferença com o regramento atual, uma vez que o benefício somente é concedido caso seja comprovada a exposição a agente nocivo e o risco a saúde seja referendado pela perícia médica do Regime Próprio.


Ocorre que a inserção desta exigência inicialmente objetiva corrigir a alteração promovida com o advento da Emenda Constitucional n.° 47/05 que retirou da redação do caput do § 4° a necessidade de exclusividade de tempo em atividade especial prevista até então no referido parágrafo.


Possuindo, ainda outros dois intentos, sendo o primeiro o de referendar que o fornecimento de equipamentos de proteção, sejam individuais sejam coletivos, constituem-se em causa de exclusão do direito ao benefício e a segunda residente no fato de que somente haverá a concessão da aposentadoria especial nos casos em que o tempo de contribuição tenha se dado totalmente em exposição da saúde.


Acaba, assim, a possibilidade de conversão de tempo de contribuição especial em tempo comum para efeitos de concessão do benefício, hipótese, hoje, não autorizada em razão de entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de esse permissivo caracteriza contagem ficta de tempo de contribuição vedada pelo § 10 do artigo 40 da Constituição Federal, mas que ainda se encontra em discussão nos autos do Mandado de Injunção n.º 4.204.


E que, portanto, pode ser modificada, caso a Corte altere seu posicionamento ao término do julgamento do referido Mandado.


Para que não paire dúvidas quanto a esse intento basta ver a proposta de redação para o § 14 do artigo 201 da Carta onde se estabelece que é vedada a contagem ficta de tempo de contribuição para efeitos de concessão de benefício.


Bem como pelo disposto no seu artigo 13 onde se assegura a conversão de tempo até a promulgação da Emenda, ou seja, a partir daí a mesma restará vedada, preservando-se apenas o direito adquirido dos segurados do Regime Geral.


Dessa forma, para que o servidor possa usufruir de aposentadoria especial será necessário que todo o tempo de contribuição tem se dado com exposição da saúde, não havendo qualquer acréscimo no momento da utilização desse em uma aposentadoria onde o servidor também conte com tempo comum e venha a se aposentar pela regra do inciso III do § 1° do artigo 40.


Como a interpretação é a de que a conversão caracteriza contagem ficta de tempo de contribuição, também não será admitida a conversão de tempo especial para tempo especial.


Assim, não será possível que o servidor que venha a mudar de atividade, ainda que em condições especiais, aproveite esse tempo na aposentadoria.


E o que é pior ao se vedar a conversão de tempo nos casos de atividades especiais, praticamente engessa-se a possibilidade de a legislação infraconstitucional criar tempos variáveis de acordo com o agente nocivo a qual o servidor estiver exposto.


Em que pese o § 4º- A conter permissivo nesse sentido que será abordado mais à frente.


Até porque imagine-se que um servidor atuou exposto a um agente nocivo que autoriza sua inativação com 20 (vinte) anos de contribuição, mas agora está exposto a um que permite a aposentadoria aos 15 (quinze) anos, em não havendo possibilidade de conversão, restará a indagação qual o tempo mínimo necessário para sua aposentadoria: o primeiro ou o segundo?


Ao se interpretar o dispositivo constitucional proposto de forma literal, juntamente com as novas regras impostas ao Regime Geral a conclusão obtida é no sentido de que a aposentadoria terá sempre que observar o agente nocivo a que o servidor está exposto no momento da inativação ou quando completou os requisitos para tanto.


Já a retirada da exposição da integridade física, nada mais é do que uma consolidação da exclusão da possibilidade de concessão da aposentadoria em razão do exercício de atividades consideradas perigosas.


Isso porque, em algumas situações o agente nocivo pode não comprometer a saúde do servidor, mas proporcionar-lhe danos físicos e estéticos e nessa condição a manutenção da expressão poderia ensejar a concessão do benefício.


Tanto é assim que a jurisprudência vem se posicionando no sentido de reconhecer o direito à aposentadoria especial para os vigilantes da iniciativa privada que trabalham armados, seja sob o argumento do stress que o uso da arma proporcionam seja pelo risco decorrente de um ferimento ocasionado pela mesma.


Nos termos do § 4º- A a redução será no máximo de 10 (dez) anos no requisito idade e 5 (cinco)  no tempo de contribuição, mantendo-se inalterado os tempos mínimos de serviço público e de cargo efetivo exigidos para a concessão das aposentadorias voluntárias.


Isso porque, necessário se faz reconhecer que se trata de um benefício autônomo cuja caracterização não se constitui em uma modalidade específica de aposentadoria ante a possibilidade de se estabelecer requisitos e critérios diferenciados daqueles previstos nas já existentes (voluntária, compulsória e por tempo de contribuição).[6]


O dispositivo, não soluciona uma divergência existente hoje que reside na discussão acerca da possibilidade de a aposentadoria especial dos servidores conter apenas um dos requisitos constitucionalmente exigidos e não a cumulatividade exigida pela norma constitucional.


Essa divergência ganhou mais ênfase a partir do momento em que a Lei Complementar n.° 51/85 previu apenas o requisito tempo de contribuição para a inativação do policial e ainda assim teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo.


Corte que foi mais além, com a edição da Súmula Vinculante 33, à medida que permitiu que as aposentadorias previstas no inciso III do atual § 4° fossem concedidas com fundamento nas regras que norteiam o benefício no INSS, onde a única exigência é o tempo de contribuição.


Frise-se, novamente, que a redução nos requisitos idade e tempo de contribuição, ainda que limitada, permite que sejam estabelecidos exigências temporais diferenciadas de acordo com o agente nocivo ao qual o servidor foi exposto, entretanto, não se admitirá mais a conversão de tempo, mesmo de especial para especial.


E como é possível que a atividade tenha sido desempenhada primeiro sob a exposição a um agente nocivo e depois a outro, cujos requisitos ensejarão aposentadoria com tempos de contribuição diferentes, não resta claro como será feita essa contagem e muito menos qual o tempo mínimo que deverá ser observado no momento da inativação, situação que também se estende à idade.


4 – Alcance da Aposentadoria Especial


Atualmente,a redação constitucional permite que a aposentadoria especial alcance tanto o benefício voluntário quanto o compulsório.


Isso porque, na redação original da Carta restou estabelecido que Lei Complementar poderia fixar requisitos diferenciados para as aposentadorias voluntárias no caso de exercício de atividades penosas, insalubres ou perigosas.


Redação alterada pela Emenda Constitucional n.° 20/98, passando o benefício a ser concedido ao servidor que atua em condições prejudiciais a sua saúde ou integridade física sem qualquer alusão restritiva às modalidades de aposentadoria.


Ensejando assim a conclusão de que a norma infraconstitucional pode definir critérios e requisitos diferenciados também nas outras modalidades previstas no inciso I.


Como não há nenhuma alteração no § 4° a primeira conclusão é a de que esse autorizo se mantém, contudo o novo § 4°- A, em um texto confuso, dá a entender que essa possibilidade não existe, para compreender melhor vejamos seu teor:


§ 4º-A.  Para os segurados de que trata o § 4º, a redução do tempo exigido para fins de aposentadoria, nos termos do inciso III do § 1º, será de, no máximo, dez anos no requisito de idade e de, no máximo, cinco anos para o tempo de contribuição, observadas as regras de cálculo e reajustamento estabelecidas neste artigo.


O dispositivo ao limitar o máximo de redução de tempo de contribuição e de idade, evidencia que essa redução deve observar o teor do inciso III onde está regulada a aposentadoria voluntária e como se trata de norma complementar ao § 4º, motivo pelo qual sua aplicação deve se dar em conjunto, o melhor entendimento será o de que a partir de sua aprovação somente será possível nos casos de aposentadoria voluntária.


5 - Proventos


Outra questão que o § 4°- A resolve definitivamente é a forma de cálculo dos proventos, pois hoje ainda há discussão quanto a aplicação da regra da média contributiva na aposentadoria especial.


Estabelecendo taxativamente que será observada a regra de cálculo destinada às demais aposentadorias voluntárias, ou seja, o cálculo será feito pela média contributiva sendo aplicado sobre o resultado dessa o percentual correspondente ao tempo de contribuição do servidor que será de no mínimo 51% (cinquenta e um por cento) conforme consta da regra.


Ao impor a metodologia de cálculo dos demais benefícios à aposentadoria especial, a proposta ignora a razão pela qual ela existe à medida que autoriza a aposentadoria com tempo reduzido como forma de proteção à saúde do servidor, mas impõe que os valores pagos devem seguir a regra de proporcionalidade.


Então, para que o servidor possa usufruir do benefício com valores integrais precisa laborar por 49 (quarenta e nove) anos, contrariando, assim, a idéia de proteção.


Até porque, o texto não é claro se após preenchidos os requisitos para a aposentadoria especial poderá deixar a exposição e posteriormente inativar-se por esta regra ou se terá que estar atuando exposto ao agente nocivo no momento da aposentadoria.


Divergência que pode ensejar o entendimento de que todos os 49 (quarenta e nove) anos terão que ser contribuídos obrigatoriamente em atividade em que haja exposição à agente nocivo.


Por fim, há de se ressaltar que o reajuste deverá tomar por base o Indíce Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, por ser esse o adotado pelo Regime Geral.


Notas


[1] Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência ratificada pelo Brasil por intermédio do Decreto n.º 6.949/09.


[2] MARTINS, Bruno Sá Freire e AGOSTINHO, Theodoro Vicente. MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, 2ª edição, editora LTr, página 122.


[3] ADI 239, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014.


[4] MARTINS, Bruno Sá Freire e AGOSTINHO, Theodoro Vicente. MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, 2ª edição, editora LTr, página 134.


[5] ARE 639337 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125


[6] MARTINS, Bruno Sá Freire e AGOSTINHO, Theodoro Vicente. MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, 2ª edição, editora LTr, página 122.


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: CF Aposentadorias Especiais Benefício CLT CPC/2015

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