Ser moderno e modernidades
Para a Filosofia moderna ser moderno é, essencialmente, voltar-se ao humanismo que foi iniciado no Renascentismo e, enfatizou a incondicional valoração da razão à luz do ceticismo e pela descoberta de que o ser humano independe de instâncias metafísicas, tal como Deus, para descobrir seu intelecto. O sujeito moderno se define como protagonista da sociedade.
Discutir
conceitos e diferenças entre ser moderno, modernidade[1] e modernismos que são
acepções fundamentais para se entender as propostas de Mário de Andrade e
Almada Negreiros. De todo jeito, tais conceitos partem da ideia de que a
modernização e as possibilidades de subjetividade que surgem a partir desta são
a expressão intempestiva de um processo único que se expande continuamente.
Na
obra intitulada "O discurso filosófico da modernidade"[2] de Habermas (1985) explica
que a ideia de modernidade como unívoco processo e contínuo a relaciona
intimamente com o conceito de racionalismo ocidental desenvolvido por Max
Weber: "não foi apenas a profanização da cultura ocidental que Max Weber
descreveu do ponto de vista da racionalização, foi sobretudo o desenvolvimento
das sociedades modernas".
A
transformação do cotidiano passa a ser transformado pela racionalização social
e cultural, sendo responsável por dissolver as formas tradicionais de
organizações humanas. E, no lugar destas identidades que se baseavam nas
funções laborais exercidas nas sociedades tradicionais, surgem novos modelos de
socialização formadores de subjetividades e identidades abstratas do eu,
proporcionando assim um noção de individualização do corpo social.
A
relação entre modernidade e racionalismo ocidental estabelece o conceito de
modernidade como um conceito de época: os novos tempos são os tempos modernos. A separação entre a Idade
Média e a Idade Moderna se faz conforme os eventos marcantes na história
europeia, como a Reforma Protestante, a descoberta do Novo Mundo e o
Iluminismo.
A
referida cisão temporal que coloca a Idade Moderna como novos tempos, e cria a
representação da histórico como processo homogêneo. A Idade Moderna confere a
todo o passado uma qualidade de história universal (...) o diagnóstico dos novos
tempos e a análise das eras passadas
estão em mútua relação.
E,
ainda, a separação localizada a partir do Iluminismo não opera apenas o
movimento de criar um novo paradigma de organização sociopolítica, mas está
ligada à ideia de que a modernidade é
prosseguimento natural da evolução histórica linear.
A
noção de que a modernidade é a expressão do racionalismo ocidental, deu-se a
contingência da universalização da cultura eurocêntrica como evento natural do
desencadeamento histórico, o que cria uma lógica de superioridade cultural que
mascara a possibilidade de se pensar a modernidade enquanto uma complexa e
heterogênea dinâmica geopolítica. Mais do estabelecer uma complexa e
heterogênea dinâmica geopolítico. Assim,
mais do que fixar a diferença etimológica entre esses conceitos-chave
para se pensar a produção estética modernista de Mário de Andrade[3] e Almada Negreiros.
Há um
entrave epistêmico comum em trabalhos que discutem o chamado modernismo
periférico, a ideia de atraso ou a de que a produção modernista em determinados
espaços geopolíticos, se configura como aplicação de um discurso tecnicamente
inovador e gerado em locais onde experimentava-se uma autoconsciência histórica
de uma viragem de época, posto a serviço de uma temática nacional em países
periféricos.
As
propostas modernistas elaboradas por Mário de Andrade e Almada Negreiros[4] em suas relações
específicas com amplo e complexo campo cultural. A partir de historicização dos
conceitos de perspectiva e de moderno, a fim de demonstrar como, em diferentes
momentos históricos, propostas estéticas foram utilizadas por diferentes grupos
para validar diferentes teses.
A fora
isto, esta relação temporal da categoria do novo nas artes pretende relacionar
as diferentes propostas estéticas com a noção de autoconsciência de
pertencimento a um período de viragem de época, demonstrando, em diferentes
momentos, como se operou a relação entre a necessidade da categoria do novo e
um determinado entendimento do mundo e da história.
O
ensaio sobre a modernidade de autoria de Marshal Berman (1982) intitulado
"Tudo que é sólido desmancha no ar"[5], que propõe o argumento de
que existe conjunto de experiências, de vida, de tempo e de espaço, de riscos e
possibilidades que é compartilhado por todos em todo o planeta. E, tal conjunto
de experiência é chamado de modernidade. In litteris: " Ser moderno
é encontrar-se em uma ambiente que promete aventura, poder, alegria,
crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor, mas ao
mesmo tempo ameaça destruir tudo o que
temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.
A experiência ambiental da modernidade anula
todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de
religião e ideologia: neste sentido, pode-se afirmar que a modernidade une a
espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela
nos despeja a todos num turbilhão de permanente
desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e
angústia. Ser moderno é fazer de um universo no qual, como disse Marx,
"tudo o que é sólido desmancha no ar". (Berman, 1982)
Enfim,
o turbilhão permanente de desintegração e mudança que compõe a vida moderna é
formado por conjunto de processos sociais. Entre a vasta lista de grandes
descobertas nas ciências físicas, a industrialização da produção,
transformações demográficas, expansões urbanas, desenvolvimento de sistemas de
comunicação em massa, empoderamento progressivo dos Estados nacionais e
movimentos sociais de massa e de nações como eventos propulsionados pelo
mercado mundial capitalista que está sempre se expandindo e se apresenta de
forma drasticamente flutuante. Berman nomeia tal feixe de processos
socioeconômicos de modernização.
Surge,
então, o que descreve como incrível variedade de visões e ideias que visam a
tornar as pessoas tanto os sujeitos, quanto os objetos da modernização, dar a
elas o poder de transformar o mundo que as está constantemente transformando e
encontrar um caminho através do turbilhão para torná-lo seu. Berman conceitua
modernismo enquanto o conjunto de visões e valores que tornaria os indivíduos
sujeitos do processo de modernização, agrupados de forma solta.
O
objetivo da obra foi proporcionar um estudo sobre a dialética da modernização e
do modernismo. E, nesse sentido, a modernização se refere a um conjunto
específico de transformações socioeconômicas geradas a partir de uma lógica de
desenvolvimento capitalista.
Modernismo,
por sua vez, refere-se ao desenvolvimento de vocabulário específico para
traduzir a experiência da modernidade que o antecede. Assim, para Berman, o
desenvolvimento e estabilização do sistema capitalista é a condição fundamental
para o estabelecimento do modernismo enquanto a estetização das formas de vida.
Perry
Anderson publicou artigo intitulado “Modernity and Revolution na New Left
Review” que problematiza a abordagem de Marshal Berman em Tudo que é
sólido desmancha no ar e, propõe que, contrariamente, à crença de que o
modernismo é a resposta cultural à experiência da modernidade entendida
enquanto modernização capitalista (social, tecnológica, econômica, etc.), um
estado irregular de modernidade é um dos pré-requisitos fundamentais para o
desenvolvimento do modernismo.
Ou
seja, o modernismo requer uma modernidade que pode ser caracterizada como ainda
não realizada totalmente, mas que ainda assim é prometida e promissora. Assim,
Perry Anderson começa a sua análise criticando o enquadramento histórico do
conceito de modernismo que foi proposto por Berman para erigir seu argumento.
Pois, é muito significativo que Berman tenha que reivindicar que a arte do
modernismo tenha florescido, esteja florescendo como nunca antes durante o
século XX.
Existem,
para Anderson, três problemas fundamentais com esta leitura de modernismo.
Primeiro, o modernismo enquanto um conjunto específico de proposições estéticas
é datado precisamente do século XX. A referida localização histórica do
modernismo no século XX, segue lógica de contraste com formas realistas e
clássicas dos séculos XIX, XVIII e anteriores.
Assim,
praticamente todos os textos literários analisados por Berman para como o seu
argumento precederiam o modernismo propriamente dito. O segundo ponto, que se
processo enquanto continuação lógica do primeiro, é que, uma vez que se pensa o
modernismo como conjunto específico de proposições estéticas, historicamente
datado do século XX, pode-se perceber como a sua distribuição geográfico se processou de forma
desigual, mesmo pensando-se, especificamente no mundo ocidental.
Cita o
caso da Inglaterra como principal exemplo desta heterogênea objetivação
modernista. Mesmo, sendo o país pioneiro da industrialização capitalista e
líder de mercado mundial por um século, a Inglaterra não produziu nenhum
movimento nativo de caráter modernista nas primeiras décadas do século XX.
O caso
inglês torna-se ainda mais emblemático quando cogitamos, durante a mesma época,
a dinâmica entre a Inglaterra e outros países anglófonos que produziram
explosões modernistas, como a Irlanda de James Joyce, ou os EUA de Ezra Pond e
T.S. Elliot[6].
Desta
forma, não é acidental que o caso inglês seja a grande ausência na análise
desenvolvida por Marshall Berman em Tudo que é sólido desmancha no ar. A outra
objeção é que o conceito de modernismo proposta não estabelece distinção entre
as diferentes tendências estéticas que contrastam entre si e nem d entro da
gama de práticas estéticas que compõem as diferentes formas artísticas.
Ao
final, para Anderson, Berman não é capaz de fornecer, dentro de seus próprios
termos de referência, qualquer explicação da divergência que ele lamenta entre
a arte e o pensamento ou teoria e prática da modernidade do século XX.
A
hipótese proposta por Anderson para contra as ideias de Berman é, portanto, a
de que devemos procurar explicação conjectural para o conjunto de práticas
estéticas e doutrinas agrupadas sob o conceito de modernismo. Esta explicação
conjectural baseia-se na ideia da modernidade enquanto interseção de diferentes
temporalidades históricas.
O
modernismo, dessa forma, seria mais bem definido como campo cultural de forças
triangulado por três coordenadas decisivas. A primeira, a coordenada histórica seria
a codificação de uma academicismo altamente formalizado nas artes visuais e
outras artes institucionalizados nos regimes políticos e impregnados na malha
social. Tal academicismo era frequentemente dominado por aristocratas e grandes
donos de terras.
Essas
classes sociais, apesar de não serem mais as classes dominantes economicamente,
ainda ditavam os rumos da política e da cultura em diversos países da Europa
antes da Primeira Grande Guerra Mundial.
Lembremos
que a sociedade europeia até 1914 ainda estava dominada por agraristas ou
aristocratas, os dois não eram necessariamente idênticos, como o caso da França
deixa evidente, como classes dominantes, em economias nas quais a moderna
indústria pesada ainda constituía um supreendentemente pequeno, setor da força
laboral ou padrão de saída. (Anderson, 1984).
A
segunda coordenada proposta por Anderson é complemento da primeiro e, apesar de
incipiente, é essencialmente nova emergência dentro dessas sociedades de
tecnologias chave ou invenções da segunda revolução industrial (rádio,
automóvel, telefone, avião, etc.) Indústrias de produtos para consumo em massa
baseadas nessas novas tecnologias ainda não haviam sido implantadas em nenhum lugar da Europa. Até,
1914, a produção de roupas, móveis, comida permaneciam como os maiores setores
empregatícios e de bens finais de consumo.
A
derradeira e terceira coordenada do contexto modernista seria a proximidade
imaginada de uma possibilidade de revolução social. Formas dinásticas
reconhecidas como antigos regimes ainda persistiam por diversos locais da
Europa, nos primeiros anos do século XX.
Recordemos
que Rússia, Alemanha e Áustria ainda viviam sob a ordem da monarquia imperial.
E, a Itália era governada por precária ordem real. O Reino Unido restava
ameaçado com uma possibilidade de desintegração regional e guerra civil nos
anos precedentes à Primeira Guerra Mundial.
Em
nenhum Estado da Europa a democracia burguesa estava completa enquanto forma,
ou o movimento operário integrado ou cooptado como força. O possível desfecho
revolucionário ou queda da velha ordem era ainda profundamente ambíguo.
Foi a
partir destas três coordenadas, Anderson propõe que a persistência desses
antigos regimes monárquicos e concomitantes academicismo forneceu um espectro
de valores culturais contra os quais formas insurgentes de arte puderam se
definir.
E,
além, do academicismo conservador serviu como o adversário oficial contra o
qual um grande espectro de novas práticas estéticas pode se determinar enquanto
sentido de unidade. Ou seja, a tensão existente entre o modernismo e as formas
consagradas e canônicas estabelecidas funcionou como ponto constitutivo da
definição do modernismo enquanto tal.
Simultaneamente,
a ideia da imagem de nova idade da máquina proporcionava poderoso estímulo imaginativo
para o surgimento de um determinado tipo de sensibilidade modernista.
Essa
nova sensibilidade modernista demonstrava-se patente no cubismo parisiense, no
futurismo italiano ou no construtivismo russo. E, em nenhum dos casos houve
qualquer tipo de exaltação do capitalismo ou de ideias afinadas com a
democracia burguesa herdeira dos ideais iluministas.
A
própria imagem promissora de um novo mundo, representado por uma nova idade da
máquina moderna, só se tornava possível por um conjunto ainda incipiente e,
imprevisível de padrões socioeconômicos que viriam inexoravelmente a se
consolidar nas mais diversas localidades.
Noutros termos, ainda não era possível prever para onde essas novas invenções e dispositivos, novas possibilidades de formas de vida, iriam conduzir as sociedades e seus indivíduos. Tal amplitude de possibilidades explica a celebração da vida moderna enquanto instauração do novo tanto pela esquerda quanto pela direita das diferentes vanguardas modernistas, variando ideologicamente na amplitude de Maiakovski[7] a Marinetti[8].
A
possível revolução social forneceu também uma faceta apocalíptica para algumas
correntes modernistas que se propuseram como rejeição persistente e violenta
contra a ordem estabelecida em geral, sendo o expressionismo alemão o exemplo
mais significativo desta faceta modernista.
O
modernismo europeu teria florescido, nos primeiros anos do século XX, no espaço
intermediário entre um passado clássico ainda ressonante, um presente técnico
ainda indeterminado e um futuro político ainda imprevisível: surgiu como a
interseção entre uma ordem semi-aristocrática, uma economia capitalista
semi-industrializada e um movimento operário semi-emergente ou insurgente.
Para a
Anderson, diante da emergência da Segunda Guerra mundial destruiu todas as
coordenadas históricas relacionáveis ao surgimento de movimentos modernistas,
cortando assim a vitalidade desses movimentos na Europa. Depois de 1945, todas
as ordens agrárias e aristocráticas ou semi-aristocráticas reconhecidas como
antigos regimes estavam, finalmente, terminadas em toda a Europa.
E a
democracia burguesa encontrava-se praticamente universalizada enquanto sistema
política. E, a partir desta época, o fordismo já se encontrava em ação e o
sistema de produção e de consumo em massa passou a ser o tema definitivo a
transformar a economia da Europa ocidental e dos Estados Unidos. E, desta
forma, não havia mais dúvida sobre o tipo de sociedade que o surgimento de novas
formas de tecnologia iria consolidar.
No
entanto, mesmo considerando-se que os esquemas de três coordenadas
(academicismo, tecnologia e revolução) já se encontrava desfigurado a partir da
segunda metade do século XX na Europa, configurações político-sociais
caracterizadas pela presença de um academicismo dominante nas artes e na
política, pela emergência de tecnologias chave da segunda revolução industrial
e pela proximidade imaginada de revoluções sociais ainda prevaleciam em outros
lugares do mundo.
Anderson
propõe que a presença de oligarquias pré-capitalistas, principalmente, formadas
por grandes proprietários rurais, ainda existia enquanto ordem estabelecida em
diversos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (em eterno em
desenvolvimento)...
Uma
das principais consequências da tese de Anderson é a possibilidade de se
quebrar com a ideia de que o modernismo, principalmente, no contexto de países
que experimentaram uma emergência tardia de focos modernistas, está
necessariamente fora do lugar ou se configura de forma meramente compensatória
como uma resposta simbólica para uma modernização inadequada. Este
direcionamento epistêmico é indispensável para se pensar tanto o modernismo
português quanto o modernismo brasileiro, cada qual dentro de suas particularidades.
Enfim,
a tese de Anderson critica a premissa de se considerar a modernidade como uma
única linha de superação progressiva da história e fornecer elementos
estruturais para uma análise do modernismo a partir de um balanço de forças que
se manifestam dentro de um campo cultural complexo.
Mesmo assim, o modelo dos três fatores
essenciais para o surgimento do modernismo não leva em consideração as
implicações subjetivas do colonialismo como dinâmica fundamental do processo de
modernização e, principalmente, de modernização periférica.
Anderson
organiza a sua exposição separando o primeiro e o terceiro mundo como dois
conjuntos distintos e não relacionados, ignorando, dessa forma, a dinâmica
global de condições para o surgimento das vanguardas. Esse divórcio cultural
modernista em dois conjuntos que não se tangenciam e negligencia a vertente
cosmopolita da interação cultural perpetrada por intelectuais provenientes de
países periféricos.
A
própria dinâmica das vanguardas estava intimamente ligada com a ideia de
instabilidade nas formas de organização social. A espera da constante ruptura
com as formas tradicionais de interação social, e a busca por novas formas de
se perceber e representar o mundo, apresentaram-se como condição fundamental
para propostas estéticas que se baseavam numa ideia de novo como categoria
fundamental.
A
ideia de revoluções, que atualizariam as formas de vida para colocá-las a par
com a modernidade que se esperava cada vez mais vivenciar, está profundamente
conectada com o mito palingenético,
fundamental na formação da subjetividade modernista.
A
autoconsciência histórica de pertencimento a uma época de viragem cultural
necessitava de uma indefinição sobre as consequências do novo para o futuro,
viver na alvorada dos tempos significava uma indefinição sobre o que esse
presente, dirigido para o futuro e que rompia com um determinado passado, iria
trazer.
Essa
relação entre modernismo e instabilidade política explica também a afinidade
entre diferentes correntes modernistas e ideias antidemocráticas,
anti-iluministas e antirracionalistas ao longo do século XX< nos momentos de
crise do capitalismo enquanto forma de organização sociopolítica.
Na
obra intitulada Avant-Garde Fascism: the mobilization of myth, art and
culture in France, 1909-1939, de Mark Antliff (2007), em
concordância com os argumentos de Homi Bhabha, propõe que tanto o surgimento
dos fascismo (no caso específico do continente europeu) quanto das diferentes
estéticas modernistas que compõem a problemática central no desenvolvimento da
modernidade.
Desta
forma, o desenvolvimento da modernidade e das formas de representar uma
autoconsciência de pertencimento a esta enquanto período de viragem cultural, no campo artístico
quanto no campo político, não estaria ligado à estabilização do capitalismo
como pensava Berman, mas justamente às ameaças de desestabilização do
capitalismo na qualidade de sistema organizador de identidades modernas.
Antliff definiu a modernidade como conjunto de
transformações socioeconômicas da Europa e do mundo que se seguiram à revolução
industrial dos séculos XVIII e XIX, o nascimento das democracias no despertar
do Iluminismo e da Revolução Francesa de 1789 e, a subsequente globalização
do capitalismo. E, neste sentido, tanto
os grupos que preconizavam uma nova política quanto as diferentes estéticas
modernistas executaram um papel fundamental na emergência de movimentos
anti-iluministas que se opunham às tradições democráticas herdadas do
pensamento racionalista na Europa.
Noutras
palavras, tanto o surgimento dos fascismo no caos específico do continente
europeu quanto o desenvolvimento de diferentes propostas estéticas modernistas
estariam ligados a uma busca por valores espirituais e instituições orgânicas
capazes de contrabalancear os efeitos considerados corrosivos do capitalismo e
das suas heranças racionalistas na malha política e social.
Antliff cita alguns denominadores comuns entre a estética modernista e movimentos críticos à herança iluminista[9] que se desenvolveram na Europa no século XX: técnicas de vanguarda como a montagem, noções de religião secular, primitivismo, teorias anticapitalistas de tempo e espaço, além de conceitos de regeneração cultural, política e biologia ligados a uma autoconsciência histórica do novo.
E, no
debate sobre a relação entre fascismo e a técnica vanguardista da montagem,
Antliff retoma a hipótese desenvolvida por Walter Benjamin (1936), em seu
ensaio A obra de arte na era de reprodutibilidade técnica. Neste texto,
Benjamin defendeu o papel emancipatório de novas formas artísticas como a
montagem e o cinema em oposição aos modelos estéticos retrógrados baseados na
ideia da arte pela arte, que, para o autor, se relacionavam à dinâmica dos
fascismos.
Para
Benjamin, a montagem cinematográfica significava a emancipação da obra de arte
de sua dimensão aurática através da introdução da perfectibilidade como
atributo da obra de arte.
Em
"O Discurso Filosófico da Modernidade", Habermas explica que o
adjetivo moderno só fora substantivado no século XIX e, tal substantivação
aconteceu também no domínio das Belas
artes. Daí a associação da palavra modernidade e um significado estético
marcado pelas noções de determinadas vanguardas artísticas.
Enfim,
para Charles Baudelaire a experiencia estética fundia-se com a experiência
histórica da modernidade, e situava a obra de arte na interseção entre
atualidade e eternidade.
A
modernidade é o transitório, o evanescente, o contingente é a uma metade da
arte sendo a outra metade o eterno e o imutável. Na experiência da modernidade
de Baudelaire, a atualidade passa a ser a referência de um período que se
estende até perder a noção de qualquer tempo de transição.
Segundo
Habermas, Baudelaire partiu do resultado da famosa Querela dos Antigos e dos
Modernos para formular o seu conceito de belo. E, deslocou o peso dos valores
entre o belo relativo e o belo absoluto. Exatamente porque se consome na
atualidade é o que pode deter o fluxo regular das trivialidades, romper a
normalidade e saciar por um momento, o momento da efêmera fusão do eterno, com
o autor, o imortal anseio de beleza.
O
deslocamento do resultado da Querela dos Antigos e dos Modernos mostra uma
relação com consciências de épocas anteriores, mesmo dentro de uma
autoconsciência histórica que opõe a modernidade a ela mesma.
A
autoconsciência histórica do romantismo, na linha de continuidade histórica se
iniciava na Idade Média e se estendia até a contemporaneidade para fixar a sua
identidade. E, segundo Jauss[10] em toda história, o termo
"modernidade", trouxe a autoconsciência do romantismo e contou com
extensa vastidão temporal.
Entretanto,
no século XIX, o conceito de modernidade sofreu um evolução singular e,
desfez-se a correlação entre os conceitos moderno e romântico. E, se anuncia
uma diferenciação entre o moderno e romântico, isto é, no momento em que se
anuncia nova consciência do moderno que se pretende mais moderna do que o
romântico, surge um fato novo nas relações históricas do termo moderno.
Em
muitos setores importantes, mudou consideravelmente o tom e substância do
discurso sociológico sobre o passado, o presente e o futuro da cultura em
geral, sobre as instituições, o conteúdo das aspirações e relações individuais
e, também, sobre a matéria e a organização da ciência, da tecnologia e da
epistemologia.
Enfim,
o discurso da sociedade pós-moderna e, corresponde aos fenômenos de suporte
intelectual e social oferecem algum crédito para argumentos de que o mundo de
hoje e os prospectos de amanhã estão em contraste radical e, mesmo em
assimetria, com o mundo dos últimos séculos e meio.
A
modernidade anunciou o fim do sagrado que marcava a pré-modernidade a
sacralidade da crença na salvação e o espírito de pertinência e coesão da
comunidade.
A
partir do cenário iluminista[11] da modernidade, o
componente tecnológico desenvolveu-se paralelamente à corrente emancipatória.
Durante a segunda revolução industrial e, mais claramente, no início do século XX,
sua lógica e ramificações sociais eclipsaram, de modo geral, os impulsos em
direção às ambições emancipatórias da modernidade.
Um
exemplo emblemático dessa ascendência é a obtenção, por parte das escolas
técnicas alemãs, em 1900, do privilégio de oferecer o grau de doutor em ciência
e em engenharia.
Isso significou um enorme ganho simbólico para
a tecnologia, sua produção industrial e seu modo de vida, em detrimento do
sistema universitário filosoficamente orientado de educação superior.
A mensagem da pós-modernidade é definitivamente menos consensual e homogênea do que as descrições e análises da modernidade. Existem numerosas nuances e sutilezas analíticas nos escritos pós-modernos[12]. Há, todavia, concordância quanto a algumas proposições centrais.
Mas,
ao mesmo tempo, é possível perceber considerável trabalho desviacionista, a
maioria do qual poderia ser considerada, não obstante, como o pensamento de
compadres pós-modernos. Ainda mais, umas poucas figuras, comumente consideradas
como centrais para a visão pós-moderna[13], estão atualmente sendo
reexaminadas e, de fato, estão afastadas dos princípios pós-modernos.
Conclui-se que o modernismo brasileiro não teve seu princípio marcado por uma glória revolucionária ou revolução estética, mas englobou todos os artistas e, também provocou debates, cisões, intrigas, adesões, na melhor dicção de Alceu Amoroso Lima, foi um projeto lacunar, no qual as sintomáticas lacunas foram preenchidas (ou não) por diferentes linguagens, provocando diversidade de estilos e semânticas.
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Notas:
[1]
A modernidade traz uma sensação de angústia constante, pois o indivíduo é
confrontado com possibilidades de escolha de novas alternativas sem que saiba
qual será o resultado dessas novas formas de viver. Some-se a isso o
desenvolvimento do Capitalismo que, ao introduzir um novo valor, a acumulação
do Capital, provoca a erosão dos valores tradicionais. Nas sociedades da
Antiguidade Clássica, a lealdade, a honestidade e a coragem eram virtudes
valorizadas, pois estavam associadas ao ideal guerreiro.
[2] Em "O discurso filosófico da modernidade", Jürgen Habermas elege Hegel como o filósofo paradigmático da modernidade. Segundo Habermas, a modernidade só se percebe como uma época histórica quando, ignorando o modelo das épocas exemplares do passado, adquire consciência da necessidade de extrair de si mesma suas normas. J. Habermas é discípulo de Escola de Frankfurt, fundada na Alemanha, notadamente, discípulo de T. Adorno. A Escola de Frankfurt é considerada o berço dos estudos de teoria crítica. Fundada em 1924 por iniciativa de Félix Weil, chamada originariamente de “Instituto para a Pesquisa Social”, surgiu para suprir as lacunas das universidades alemãs que eram indiferentes aos estudos dos movimentos trabalhistas de inspiração socialista. Habermas foi um crítico de determinada concepção da modernidade como filósofo ou como sociólogo.
[3]
Mário de Andrade (1893-1945) foi um escritor brasileiro. Publicou
"Pauliceia Desvairada" o primeiro livro de poemas da primeira fase do
Modernismo. Além de poeta, foi romancista, contista, crítico literário,
professor e pesquisador de manifestações musicais e excelente folclorista.
Mário se interessava por tudo aquilo que dissesse respeito ao seu país e teve
papel importante na implantação do Modernismo no Brasil, se tornado a figura
mais importante da Geração de 22. Seu romance "Macunaíma" foi sua
criação máxima.
[4]
José Sobral de Almada Negreiros GOSE (Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de Abril
de 1893 — Lisboa, 15 de Junho de 1970) foi um artista multidisciplinar
português que se dedicou fundamentalmente às artes plásticas (desenho, pintura,
etc.) e à escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia), ocupando uma posição
central na primeira geração de modernistas portugueses. Almada Negreiros é uma
figura ímpar no panorama artístico português do século XX. Essencialmente
autodidata (não frequentou qualquer escola de ensino artístico), a sua
precocidade levou-o a dedicar-se desde muito jovem ao desenho de humor. Mas a
notoriedade que adquiriu no início de carreira prende-se acima de tudo com a
escrita, interventiva ou literária. Almada teve um papel particularmente ativo
na primeira vanguarda modernista, com importante contribuição para a dinâmica
do grupo ligado à Revista Orpheu, sendo a sua ação determinante para que essa
publicação não se restringisse à área das letras. Aguerrido, polémico, assumiu
um papel central na dinâmica do futurismo em Portugal: "Se à introversão
de Fernando Pessoa se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra
que hoje se reconhece, ao ativismo de Almada deve-se a vibração espetacular do
«futurismo» português e doutras oportunas intervenções públicas, em que era
preciso dar a cara".
[5]
A modernidade se vê a uma enorme ausência e vazio de valores. Cabe lembrar que
isto é válido para um contexto ocidental e europeu do século XIX. Segundo
Berman, o pensamento ocidental sobre a modernidade é dicotômico, dividindo-se
em modernização e modernismo. O primeiro refere-se à infraestrutura (economia e
política), enquanto o segundo refere-se à superestrutura (manifestações
artísticas e culturais).
[6]
Thomas Stearns Eliot (1888-1965) foi poeta, dramaturgo e crítico de língua
inglesa, considerado um dos representantes mais importantes do modernismo
literário. Recebeu Prêmio Nobel de Literatura de 1948. Estudou filosofia e
literatura em Harvard. O primeiro sucesso de Eliot como escritor ocorreu em
1915 com a The Love Song of J. Alfred Prufrock, mas seu reconhecimento
internacional ocorreu em 1922 com The Waste Land, um dos poemas mais
influentes do século XX. The Waste Land é frequentemente comparada com o
romance Ulisses, de James Joyce, que foi publicado pela mesma editora no mesmo
ano. Seus últimos trabalhos, como The Hollow Men, Ash Wednesday e Four
Quartets, também contribuíram para o fato de ele ter recebido o Prêmio
Nobel de Literatura em 1948.
[7]
Vladimir Vladimirovitch Maiakovski (em russo: Владимир Владимирович Маяковский;
Baghdati, Império Russo, 19 de julho de 1893 — Moscou, Rússia, 14 de abril de
1930), também chamado de "o poeta da Revolução", foi um poeta,
dramaturgo e teórico russo, frequentemente citado como um dos maiores poetas do
século XX, ao lado de Ezra Pound e T.S. Eliot, bem como "o maior poeta do
futurismo".
[8]
Filippo Tommaso Marinetti (Alexandria, 22 de dezembro de 1876 — Bellagio, 2 de
dezembro de 1944) foi um escritor, poeta, editor, ideólogo, jornalista e
ativista político italiano. Foi o fundador do movimento futurista, cujo
manifesto foi publicado no jornal parisiense Le Figaro, em 20 de fevereiro de
1909.
[9]
O Iluminismo possuía uma visão de história. A “modernidade” é um conceito
histórico surgido com o Iluminismo, fenômeno, aliás, considerado o
responsável por iniciá-la. Esse projeto
crê na Razão como meio pelo qual o homem pode conquistar a liberdade e a
felicidade sociopolítica. Ela é capaz de evolução e de progresso. O século
XVIII é um marco histórico do surgimento de uma corrente intelectual cujas
bases foram construídas sobre os alicerces da razão e do empirismo. O
Iluminismo, como nos é conhecido, trata-se de uma revolução no campo do saber e
de um movimento que culminou em uma nova forma de conceber a relação homem e
natureza. Entretanto, os Setecentos não são lembrados apenas como um período de
mudanças na ciência moderna, mas também por uma estabilidade social e política
da qual fez a população europeia duplicar em menos de um século.
[10] Hans Robert Jauss ( 1921-1997) foi escritor e crítico literário alemão. Junto com seu colega Wolfgang Iser Jauss é um dos maiores expoentes da estética da recepção suas bases na própria crítica literária.
[11]Trata-se
de um amplo movimento artístico, filosófico, literário e científico que,
historicamente, sintetiza a expressão teórica de um momento no qual a burguesia já não aceita mais as
características que marcam a vida europeia, às quais o próprio Iluminismo deu o
nome de Antigo Regime, e coloca-se como
uma alternativa de poder.
[12]
Uma das perguntas mais urgentes refere-se, provavelmente, à curiosidade em
saber de que, afinal, consiste a miséria da modernidade que uma suposta
pós-modernidade tanto critica, pretende superar, ou, no mínimo, enquadrar. O
instigante nestes novos debates diz respeito à oportunidade de tornar visível
algo, aparentemente, pouco notado ou, com escassas exceções, não considerado
suficientemente carente para merecer uma menção mais detalhada e atualizada.
Três décadas de incansáveis discussões sobre o fenômeno de nome duvidoso, de
conteúdo intransparente e de dimensões difusas, revelaram, pelo menos, que ao
pós-moderno corresponde um par conceitual igualmente oscilante, camaleônico, e
em nada semelhante à ideia monolítica comumente sugerida por reflexões
apressadas que traduziam o moderno por um catálogo de normas, de certo modo,
estáveis.