Segurança Pública em crise

Avaliar e identificar as causas na deficiência da vigente política de segurança pública envolve, certamente, uma reorganização das polícias, a implementação de políticas públicas de segurança pública com ênfase na prevenção e, não apenas na repressão, ações fora do sistema como atentados e outras práticas terroristas e a certeza de que se deve mobilizar todo o sistema de Justiça criminal, principalmente, no combate ao descumprimento da Lei de Execução Penal (LEP). A desarticulação dos órgãos atuantes na segurança pública e o parco diálogo entre as esferas governamentais com a sociedade civil só demonstram o muito ainda a superar no país

Fonte: Gisele Leite

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Na derradeira década, o problema da segurança pública tornou-se ser protagonista em desafiar o funcionamento do Estado Democrático de Direito e, galgou expressiva visibilidade pública e, ainda esteve presente no debate constante entre especialistas[1].

Foi a Lei 11.671. de 8 de maio de 2008 que criou os estabelecimentos prisionais federais de segurança máxima que foram construídos para abrigar criminosos de alta periculosidade, com intuito de prevenir fugas e manter tais prisioneiros isolados. Trata-se do modelo norte-americano chamado de Supermax. Existe cinco unidades por todo o país, situados, a saber: Catanduvas (PR); Campo Grande; Mossoró (RN); Porto Velho; e Brasília.

Observa-se que a legislação correlata é composta de:

-  Decreto n.º 6.877/2009 - Dispõe sobre transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima.

-  Portaria n.º 157/2019 do Ministério da Justiça e Segurança Pública - Visita social aos presos nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima; restrição de visitas.

-  Dec. n.º 6.049/2007 - Aprova o Regulamento Penitenciário Federal.

-  Lei n.º 12.850/2013 - Define organização criminosa[2].

-  Lei n.º 12.694/2012 - Julgamento de infrações praticadas por organização criminosa.

"Art. 1.º-A. Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais poderão instalar, nas comarcas sedes de Circunscrição ou Seção Judiciária, mediante resolução, Varas Criminais Colegiadas com competência para o processo e julgamento65: (Acrescentado pela Lei n.º 13.964/2019).

Sobre o tema há a Súmula 662 do STJ in litteris: Para a prorrogação do prazo de permanência no sistema penitenciário federal, é prescindível a ocorrência de fato novo; basta constar, em decisão fundamentada, a persistência dos motivos que ensejaram a transferência inicial do preso.   (TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/9/2023, DJe 18/9/2023).

Os diretores dos estabelecimentos penais federais de segurança máxima ou o Diretor do Sistema Penitenciário Federal poderão suspender e restringir o direito de visitas previsto no inciso II do § 1.º deste artigo por meio de ato fundamentado.      (Incluído pela Lei n.º 13.964, de 2019).

§ 2.º Os estabelecimentos penais federais de segurança máxima deverão dispor de monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas comuns, para fins de preservação da ordem interna e da segurança pública, vedado seu uso nas celas e no atendimento advocatício, salvo expressa autorização judicial em contrário.     (Incluído pela Lei n.º 13.964, de 2019) (...)

§ 5.º Configura o crime do art. 325 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a violação ao disposto no § 2.º deste artigo.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

O Brasil possui 260 (duzentos e sessenta) estabelecimentos penais destinados ao regime fechado, 95 (noventa e cinco) ao regime semiaberto, 23 (vinte e três) ao regime aberto, 725 (setecentos e vinte e cinco) presos provisórios e 20 (vinte) hospitais de custódia, além de 125 (cento e vinte e cinco) estabelecimentos criados para abrigar presos dos diversos tipos de regime, de acordo com os últimos números do Depen, referentes a junho de 2014.

O levantamento revela, no entanto, que a separação dos presos por tipo de regime de pena prevista em lei não está sendo cumprida. Das 260 (duzentos e sessenta) penitenciárias, por exemplo, que deveriam abrigar exclusivamente condenados ao regime fechado, somente 52 (cinquenta e duas) seguem a LEP.

Registraram-se dados divulgados pelo Ministério da Justiça em janeiro de 2012 afirmam que cerca de vinte e cinco por cento dos presos mais perigosos do Brasil são do Rio de Janeiro.

O artigo 83 da LEP determina que toda unidade deve ter “áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”, de acordo com a natureza de cada uma. Mas, desde que foi criada, a LEP vem sendo alterada para criar critérios específicos de atendimento à população carcerária.

Cada uma das penitenciárias federais de segurança máxima tem capacidade de 208 (duzentos e oito) presos e é equipada com sistemas de vigilância, monitoramento das instalações 24 horas por dia com câmeras, detectores de metais, sensores por aproximação, coleta de impressões digitais, entre outros equipamentos de segurança. As unidades são vigiadas por 765 (setecentos e sessenta e cinco) agentes penitenciários federais, que têm carreira própria, criada pela Lei n. 10.792, de 2003.

O aumento sensível de taxas de criminalidade, aumento da sensação de insegurança, particularmente nos grandes centros urbanos, a degradação do espaço público, as dificuldades relacionadas à reforma de instituições da Administração da Justiça criminal, a violência institucional e policial, a ineficiência de políticas públicas na prevenção da violência, a superpopulação nos presídios[3] brasileiros, rebeliões e fugas, a degradação na internação de jovens, a corrupção e, majoração de custos operacionais de todo sistema carcerário e ineficiência da investigação criminal, das perícias e, por fim, a flagrante morosidade judicial.

A crise na segurança pública significa dificuldades na consolidação política e funcional da democracia brasileira.

A penitenciária de segurança máxima de Mossoró mostrou, infelizmente, falhas graves que resultaram na fuga de dois detentos, numa breve análise constatou que o sistema de câmeras lá instalado é considerado ultrapassado, os detectores de movimento, há pouca iluminação e, ainda, a existência de obras de manutenção no momento da fuga.

Também se constatou que o teto das celas era sem camada de concreto e, tais problemas igualmente foram identificados em outras unidades de segurança máxima.

Ainda não se constatou se houve facilitação para que os dois presos escapassem e a sua recaptura é prioridade, afirmou o Secretário Nacional de Políticas Penais. A fuga se efetivou as 3h17 da madrugada do dia 14 de fevereiro, porém, só detecta quase duas horas depois.

Foi nomeado um interventor para o presídio. Registre-se ainda que é a primeira vez em toda história brasileira em que se materializou a fuga em presídio federal de segurança máxima. E, também a Interpol fora acionada bem como uma centena de policiais federais trabalham em sua busca.

Os dois presos têm ligação com o Comando Vermelho ou CV que é uma das maiores facções criminosas do Brasil.

São oferecidas seis refeições por dia: café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia. De acordo com a Lei 11.671, de 2008, os presos têm direito a visitas do cônjuge, do companheiro, de parentes e de amigos somente em dias determinados, por meio virtual ou no parlatório, com o máximo de duas pessoas por vez, além de eventuais crianças, separados por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações.

A legislação determina ainda que “os estabelecimentos penais federais de segurança máxima deverão dispor de monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas comuns, para fins de preservação da ordem interna e da segurança pública, vedado seu uso nas celas e no atendimento advocatício, salvo expressa autorização judicial em contrário”.

Segundo um decreto presidencial de 2009, o preso transferido para uma penitenciária federal de segurança máxima precisa se enquadrar em pelo menos um desses critérios, a saber:

Ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante em organização criminosa;

Ter praticado crime que coloque em risco a sua integridade física no ambiente prisional de origem;

Estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado – RDD;

Ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça;

Ser réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua integridade física no ambiente prisional de origem; ou estar envolvido em incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem.

Entre as mais variadas medidas, o atual Ministro da Justiça determinou a revisão nos protocolos de segurança nas cinco penitenciárias federais do país, a abertura de inquérito pela Polícia Federal para investigar a fuga e a inclusão dos nomes dos fugitivos na lista da Interpol.

Destaque-se que o custo e funcionamento de tais presídios de segurança máxima regulam a criminalidade nos grandes centros urbanos e, registra expressivo gasto público.

Mesmo diante dessa crise com a fuga dos criminosos, as coletivas realizadas pela equipe do Ministério da Justiça foram pouco esclarecedoras e, privilegiaram o sigilo a fim de não prejudicar a investigação e os procedimentos a serem executado para recaptura dos fugitivos.

Ainda em 2010 o referido presídio federal de Mossoró já apresentava problemas estruturais como rachaduras nas paredes e de abastecimento de água. Na ocasião a ordem de interdição da penitenciária foi dada pelo então juiz-corregedor Mário Azevedo Jambo, da Justiça Federal do Rio Grande do Norte.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016, o país dispende cerca de 1,5% do PIB em segurança pública, um pouco dos gastos da França na área (1,7% do PIB). E, ainda há quem mencione que se precisa ainda mais de recursos financeiros.

Há dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que o Brasil teve cerca de 47,5 mil pessoas mortas por violência em 2022, levando em consideração crimes de homicídio, roubo armado e agressões, entre outros.

Deve-se recordar que a Constituição Federal vigente, lei magna que deve reger toda a atuação estatal, descreve em seu artigo 144: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

Observa-se que a segurança pública no RJ e na Bahia, principalmente, em São Paulo revela em comum que o modelo de segurança pública praticado está falido. Pois não preza as ações de inteligência, de investigação e nem é baseado em evidências, e, por essa razão, há mais de três décadas tem gerados menores resultados.

Em 2022 foram divulgados os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública que apontam que o país teve cerca de 47,5 mil pessoas mortas por violência em 2022, levando em consideração os crimes de homicídio, roubo armado e agressões.

A flagrante desigualdade social faz do Brasil juntamente com a África do Sul que são as duas sociedades mais desiguais do mundo e, não é por nada, as duas são também as de maior índice de criminalidade [...]. Outro fator é a falta de alternativa para juventude. A juventude que está no centro ou está no meio do tiroteio, é ela que paga o pato".

O debate é sobre as câmeras para uso dos policiais no Estado, que é governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos) e teve um aumento de 86% das mortes cometidas por policiais militares no terceiro trimestre de 2023, comparado ao mesmo período do ano passado.

As body cams são parte da solução na crise de segurança pública nos países, ainda assim não é suficiente. Com a proximidade das eleições municipais no presente ano, traduz eleição atípica pois deixaremos de discutir problemas como e buraco de calçada, de IPTU, para ser um debate mais político de projeto de país",

Não bastará o mero aprimoramento da eficiência do sistema de segurança pública, com melhoria do controle da atividade policial, por exemplo.

A crise importa em reavaliação da distribuição de gastos públicos, e a busca de equilíbrio eficiente entre custo e benefício. Requer-se também uma revisão da política do desarmamento e maior clareza no tratamento de pessoas que produzem, traficam, portam e consomem entorpecentes, evitando a confusão no tratamento no processo criminal.

Referências

DA SILVA, Luiz Gilmar. A crise do sistema de segurança pública brasileiro e as atuais propostas de reforma. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/xmlui/handle/1884/64825 Acesso em 17.2.2024.

Ministério da Justiça. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Diretrizes Básicas para arquitetura penal. Brasília-DF,2011.

Relatório Descritivo - Perfil das Organizações de Segurança Pública. Disponível em: https://www.observatoriodeseguranca.org/files/Relat%C3%B3rio%20Descritivo%20-%20Perfil%20das%20Organiza%C3%A7%C3%B5es%20de%20Seguran%C3%A7a%20P%C3%BAblica.pdf Acesso em 17.2.2024.

SALLA, Fernando. A crise na segurança pública no Brasil. Disponível em: https://nev.prp.usp.br/wp-content/uploads/2019/08/A-Crise-na-Seguran%C3%A7a-P%C3%BAblica-no-Brasil.pdf Acesso em 17.2.2024.

Notas:

[1] Segundo Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública o tema da segurança pública padece de limbo sociojurídico pois o texto constitucional vigente não conceitua o que seja segurança pública apenas afirma por quem deve ser exercida. Para Lima, um bom conceito de segurança pública seria prevenção, investigação e punição de responsáveis por atos de violência e criminalidade e administração de conflitos para garantir direitos básicos da população para que ela possa exercer outros direitos da cidadania, como sair de casa, ir ao médico e trabalhar.

[2] Definida pelo Art. 288 do Código Penal, a associação criminosa se dá quando três ou mais indivíduos se associam para cometer crimes cuja pena seja de até três anos. Para tais normas, existirá uma organização criminosa quando presentes os seguintes elementos: atuação conjunta de, no mínimo, três pessoas, estrutura organizacional, estabilidade temporal, atuação concertada, finalidade de cometer infrações graves, intenção de obter benefício econômico ou moral. Comentários sobre a Lei 12.850/2013 – nova redação do artigo 288 do Código Penal. A Lei 12.850/2013 trouxe inovações, como a alteração do artigo 288 do Código Penal, mudando o crime de “quadrilha ou bando” para a “associação criminosa”, formada por grupo de três ou mais pessoas com o fim específico de cometer crimes.

[3] A diferença entre presídio e penitenciária é que enquanto os presídios abrigam réus com processos sem transitado e julgado, isto é, o julgamento ainda não aconteceu, as penitenciárias abrigam presos já condenados pelo sistema judiciário. Eles recebem, inclusive, o nome de presos permanentes.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Segurança Pública CF/1988 Execução Penal Penitenciária de Segurança Máxima Crise Segurança Pública

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