Risco social ou vulnerabilidade

A responsabilidade social em saúde exige bem mais que a responsabilização dos Estados na estruturação de políticas públicas, o que exige estratégias  sociais no âmbito nacional ou internacional que  diminuam ou eliminem  as desigualdades e promovam o bem-estar dos vulneráveis. Afinal, vulnerabilidade e integridade devem ser reconhecidas como dimensões intrinsecamente humanas, sendo componentes da identidade individual que devem ser consideradas em todas as funções

Fonte: Gisele Leite

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Realmente, o conceito de vulnerabilidade merece uma revisão doutrinária e jurisprudencial, principalmente, diante de documentos internacionais. E, os avanços tecnológicos e científicos no século XX suscitaram novas formas de vulnerabilidade onde restam evidentes as causas sociais, políticas e ambientais que traduzem e perfazem a vulnerabilidade social.

A vulnerabilidade humana deve ser considerada na aplicação e no progresso do conhecimento científico, das práticas médicas, clínicas e de tecnologias associadas, pessoas e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a integridade individual deve ser respeitada.

O vocábulo "integridade" é de origem latina, do adjetivo integer, que significa  “não tocado, integral” quanto do substantivo integritas, que significa “totalidade,  integridade”.

O substantivo “integridade” evoca o estado em que todas as partes  são mantidas, além da qualidade do que não é alterado, gerando, assim, igualmente  o adjetivo “íntegro”.

Segundo a Declaração de Helsinki, a integridade aparece como atributo de inviolabilidade do sujeito de pesquisa que não pode ser desrespeitado.

Na DUBDH, a integridade diz respeito à totalidade do indivíduo, aos aspectos  fundamentais da vida humana que devem ser respeitados. Portanto, não está  relacionada a virtude, honestidade, caráter moral ou bom comportamento de alguém.

O artigo 8º da DUBDH foi estrategicamente disposto após os artigos 6º e 7º,  que tratam respectivamente do consentimento e de indivíduos sem capacidade  para consentir, no intuito de abranger situações em que esses dois princípios se mostram insuficientes. Pessoas sem capacidade para consentir  são aquelas que a princípio são autônomos e têm capacidade para consentir,  mas que estão sob influência de fatores que impedem sua independência com  relação a qualquer tipo de controle

O Relatório Belmont de 1978 trouxe princípios éticos[1] e diretrizes sobre a proteção sujeitos humanos, já tratava sobre a vulnerabilidade das pessoas de forma específica e relativa (de caráter voluntário) e da população relacionada à avaliação de riscos e benefícios. a importância da proteção de pessoas ou grupos por meio da  exigência ampla e rigorosa do consentimento informado.

Isso implicava o cumprimento do princípio da autonomia, compreendida como capacidade de autodeterminação, rejeitando o protecionismo paternalista.

Somente em 1996 aparece para classificar sujeitos de investigação em termos particulares e relativos, enunciando a necessidade  da sua adequada proteção. A Declaração Universal sobre o Genoma Humano  e os Direitos Humanos e a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos  Humanos fazem referência à integridade no sentido deontológico.

Isto é,  as declarações descrevem grupos vulneráveis, indivíduos e famílias como  merecedores de especial atenção a partir do desenvolvimento da responsabilidade, virtude ou moral do pesquisador diante das questões suscitadas devido a  implicações éticas e sociais das pesquisas genéticas.

A sociedade deve exigir  o cumprimento da moralidade e da eticidade por parte dos diferentes atores,  garantindo a integralidade, ou seja, agir corretamente no desempenho do presente artigo jurídico.

Na Declaração de Barcelona (1978) que tinha quatro princípios fundamentais (autonomia, dignidade, integridade e vulnerabilidade)  para uma política europeia conjunta em matéria de bioética e biodireito, a vulnerabilidade foi apresentada como objeto a ser  desenvolvido pela bioética e princípio a ser respeitado.

Já as Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo  Seres Humanos, do Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas em colaboração com a Organização Mundial de Saúde,  também faz referência à vulnerabilidade. Descrevem-na como categoria de indivíduos, sujeitos, pessoas, grupos, populações ou  comunidades incapazes de proteger seus próprios interesses, restringindo-se ao campo da experimentação humana.

Inicialmente, o artigo 8º da DUBDH não fazia parte dos projetos preliminares do Comitê Internacional de Bioética e só foi aceito na última sessão da reunião intergovernamental das câmaras técnicas.

A DUBDH enxerga integridade como a unidade de uma pessoa compreendida  na pluralidade de suas dimensões (física, psicológica, social e espiritual) que não podem ser feridas.

O dever do respeito pela integridade individual afirma a obrigação de se considerar a vulnerabilidade inerente a todos os seres humanos, como também de priorizar  indivíduos e grupos vulneráveis. A compreensão do paciente acerca de sua própria vida, de sua doença, de seus interesses e de suas  escolhas devem ser respeitadas.

O relatório do Comitê Internacional de Bioética da Organização das  Nações Unidas para Educação, Ciência e a Cultura (Unesco), publicado em 2013,  reconheceu duas categorias fundamentais de vulnerabilidades específicas:  a especial e a social. A primeira pode ser temporária ou permanente,  causada por incapacidades, doenças ou limitações dos estágios da vida.

A segunda categoria, por determinantes políticos e ambientais, aparece por intermédio  da cultura, da economia, das relações de poder ou desastres naturais.

Para a bioética a noção de vulnerabilidade não é evidente. Recorre-se à condição existencial de pessoas e grupos populacionais expostos em certas circunstâncias de desamparo.

Reconhece-se a complexidade do princípio do respeito à vulnerabilidade sofrendo de bipolaridade sem lítio quando As concepções amplas  referem-se ao reconhecimento do princípio como a base de toda a ética,  considerando-o como o mais importante da bioética por expressar  ontologicamente a finitude da condição humana. Ou seja, vulnerabilidade como aspecto inerente ao ser humano.

Por ser capaz de aproximar estranhos morais em uma sociedade plural, o conceito deve ser visto como princípio biopolítico medular do  Estado de bem-estar moderno. A crítica dessa concepção demasiadamente genérica é o esgotamento de sua força moral. Em contrapartida,  as concepções restritas podem ser baseadas no consentimento ou no dano.

Geram o problema de não abarcar todo o aspecto da vulnerabilidade  na investigação médica e na prática clínica, além de criar estereótipos, não havendo distinção entre quais pessoas do grupo devem e quais não  devem ter as características especiais levadas em consideração.

Schramm e Kottow diferenciam os conceitos de vulnerável e vulnerado.  O primeiro doutrinador assinalou característica universal de qualquer organismo,  vista como potencialidade, fragilidade, e não estado de dano.

Já vulnerado se refere à situação de fato, de dano  atual que tem consequências relevantes no momento da tomada de decisão. Em vista dos danos  sofridos, as vulnerações requerem cuidados especiais por instituições sociais organizadas.

Ou seja,  é necessário que a sociedade instale serviços terapêuticos e de proteção, como serviços sanitários,  assistenciais, educacionais etc., para diminuir e remover danos a fim de empoderar os desfavorecidos[2].

Requer ações negativas por parte do Estado, visando a proteção equitativa dos indivíduos  contra danos para impedir que sua vulnerabilidade  seja transformada em lesão à sua integridade

Essa vulnerabilidade é diminuída respeitando os direitos humanos  básicos em ordem social justa. Requer ações negativas por parte do Estado, visando propiciar a proteção equitativa dos indivíduos contra danos para impedir  que sua vulnerabilidade seja transformada em lesão à sua integridade.

O artigo 17 da DUBDH para a proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade no acesso e uso de recursos  que comprometam as condições de vida em nosso planeta. Porém, a dimensão ética continua antropocêntrica tanto pela dificuldade de se instituir o valor moral da natureza quanto pelo poder que tem o homem para destruir o todo existente, enfatizando o dever moral humano de zelar pelo respeito à vulnerabilidade e integridade.

A articulação das funções anteriores trouxe a noção de vulnerabilidade como princípio. Formula a obrigação da ação moral, que:

       “Excede a lógica preponderante da reivindicação dos direitos que assistem às pessoas e anuncia a lógica da solicitude dos deveres que a todas competem, visando a complementaridade entre uma consolidada ética dos direitos, firmada na liberdade do indivíduo e desenvolvida pelo reforço da autonomia, e uma urgente ética dos deveres, firmada na responsabilidade do outro e desenvolvida pelo reforço da solidariedade”.

Observa-se que de característica condicional e temporária, a vulnerabilidade se tornou condição universal, permanente.  De fator de diferenciação, quando não de discriminação entre populações e indivíduos, tornou-se fator de igualdade. De consideração privilegiada no domínio da experimentação com humanos, ganhou constante atenção no âmbito da assistência  clínica e de políticas de saúde. Da exigência da autonomia e da prática do consentimento esclarecido, passou a exigir  responsabilidade e solidariedade.

Assim, a DUBDH se tornou o primeiro passo em nível mundial de criação de conceito de vulnerabilidade moralmente  sustentável. O respeito à vulnerabilidade aparece como proposta para a bioética global, em que existe pouco consenso  diante do pluralismo moral nas maiorias das democracias atuais .

Eos que Cunha e Garrafa, analisando conceitos de  vulnerabilidade por meio de cinco perspectivas regionais (Estados Unidos, Europa, América Latina, África e Ásia)  sobre bioética, concluíram que vulnerabilidade é princípio fundamental para a bioética global.

As relações assimétricas de poder se sobressaem quando a vulnerabilidade é ocultada. Isso porque, ao se ocultar a vulnerabilidade, ocultam-se também suas causas sociais, daí a grande valorização da autonomia como expressão do poder. No entanto, é sabido que poder não é o mesmo que autonomia. Assim:

A tentativa de ocultar as causas da vulnerabilidade leva a fazer da autonomia um discurso de responsabilização das vítimas por suas próprias feridas. Em escala política, vemos este discurso da autonomia entregar grupos sociais e nações inteiras às suas próprias condições de pobreza e sendo responsabilizados por ela 26.

O doutrinador ainda exemplificou três cenários da relação entre vulnerabilidade e poder. O primeiro cenário aborda as dificuldades ou o não reconhecimento dos limites das vulnerabilidades devido aos fascinantes desdobramentos da ciência, o que nos torna uma “sociedade de riscos”.

Já o segundo cenário chama atenção para a concentração de poder (tanto de consumo quanto de produção), estruturando uma sociedade sem reflexão ética que legitima a iniquidade.

E, por fim, a fragilidade e a vulnerabilidade do poder são vistas nas guerras, no terrorismo, nas disputas econômicas e políticas entre nações e na estruturação das iniquidades sociais.

Schramm  comentou os conflitos morais da bioética vivenciados nas práticas sanitárias públicas. Paradoxalmente, essas práticas podem levar tanto a formas de inclusão quanto de exclusão pelo exercício da biopolítica (nova forma de exercício do poder, chamado biopoder).

A biopolítica controla indicadores epidemiológicos, endemias, epidemias, acontecimentos que incidem sobre a segurança e o funcionamento das sociedades, aspectos ambientais, políticas de assistência e bem-estar social, entre outros. Assim, o doutrinador descreve as duas faces da biopolítica: a protetora e a discriminadora.

As derradeiras mudanças realizadas em 2008 na Declaração de Helsinki revelam o imperialismo moral das nações desenvolvidas  na adoção de critérios éticos diversos (ou double standards) no âmbito da pesquisa clínica quando comparados a nações em desenvolvimento.

As mudanças tratam de questões como a garantia de acesso aos melhores métodos de tratamento disponíveis, o que possibilita o uso do double standard, assim como a não obrigatoriedade da responsabilização dos patrocinadores  pelos sujeitos de pesquisa após o término dos estudos.

De acordo com o Estado de Bem-Estar Social que adotou uma acepção utilitarista e visa objetivar a maioria da população, não devendo excluir as minorias, prevendo a justiça distributiva o que dá acesso equânime as oportunidades aos seus cidadãos. A igualdade e justiça e  equidade assumem valores fundamentais para promover as políticas públicas direcionadas para a justiça social.

Ainda segundo a teoria da justiça distributiva de John Rawls à área da saúde, justifica o motivo moral pelo qual devemos obedecer ao princípio da proteção de igualdade de oportunidades. E, de acordo com a doutrina, a saúde humana é afetada por aspectos determinantes sociais.

E, tais doenças e incapacidades prejudicam o funcionamento normal e natural das pessoas, restringindo suas oportunidades. E, a causa dos impactos negativos porque a saúde preserva as habilidades das pessoas para serem cidadãos participativos e proativos na vida social, cultural, econômica e política da sociedade.

O contexto de exploração e os danos causados pela violação da integridade justificam o tratamento diferenciado e positivo dos setores prejudicados pela vulnerabilidade, proibindo, assim, as barreiras discriminatórias para corrigir os efeitos das desigualdades.

Portanto, tal contexto inclui, para além da assistência em saúde, a provisão de educação pública e outras intervenções para gerar oportunidades desde a infância.

Lembremos que as ações afirmativas objetivam garantir a justiça social de modo democrático e, ressalta-se a relevância do artigo 14 da DUBDH que aponta para o princípio da responsabilidade social e saúde. Trata-se de um dos aspectos da responsabilidade pessoal, política, social e jurídica atuante na promoção da saúde e, sendo um direito fundamental para todo ser humano.

A versatilidade do conceito de vulnerabilidade é capaz de proclamar explicitamente o princípio de forma universal, reconhecendo as formas de vulnerabilidade que possam serem superadas por meios específicos de proteção e por ações baseadas em direitos e dignidade humana que ofereçam proteção equitativa por parte do Estado.

Observa-se íntima relação da vulnerabilidade com a justiça, exigindo-se mais critérios e restrições éticas para o desenvolvimento de pesquisas clínicas envolvendo sujeitos vulneráveis. A aplicação da justiça também se faz presente na elaboração de políticas  públicas e na assistência sanitária por meio de ações afirmativas capazes de promover justiça social e oportunidades de acesso a todos de modo equitativo.

Reconhecer que a vulnerabilidade não pode ser completamente eliminada, pois não é somente circunstancial. O fato de se exercer  autonomia por meio do consentimento livre e esclarecido não suprime a vulnerabilidade, pois sempre há o risco de ser explorada.

Por exemplo, há possibilidade de fraudes, apresentações “maquiadas” sobre os benefícios dos resultados, medicalizações exageradas como resposta a todo e qualquer tipo de sofrimento, agravadas pela publicidade de seus patrocinadores.

Pelas razões descritas, a autonomia não deve ser entendida de modo restrito a partir da abordagem principialista norte-americana  (capacidade de agir livremente segundo seus valores e crenças), mas também a partir de criações efetivas de condições que  tornem a pessoa capaz de agir de maneira autônoma.

Ou seja, alguém liberto e empoderado que compreenda as relações de poder que influenciam sua autodeterminação e que, a partir dessa compreensão, possa agir sobre fatores determinantes de sua saúde,  reduzindo sua situação de vulnerabilidade.

Conclui-se que a vulnerabilidade é conceito com diferentes perspectivas regionais, o que permite diálogo para uma bioética global na busca de novas abordagens que incluam essas perspectivas com o compromisso de enfrentar problemas bioéticos atuais e futuros.

A responsabilidade dos profissionais de saúde com a saúde pública é significativa para combater a vulnerabilidade sanitária e preservar ou restaurar a integridade dos pacientes. O que também persiste diante de outras vulnerabilidades.

O referido dever se materializa, sobretudo, na promoção dos interesses dos pacientes para reforçar seus direitos fundamentais (baseados na dignidade humana e direitos humanos) e respeitar suas opções e sua história de vida.

 In litteris: 

            "A tutela das vulnerabilidades foi levada a sério no direito brasileiro a partir do momento em que o ordenamento jurídico colocou a pessoa humana em seu centro de proteção e promoção" (…) e que "o reconhecimento da vulnerabilidade de alguns grupos é a forma de se concretizar uma tutela positiva, já que a simples proibição da discriminação se demonstrou insuficiente para a promoção da igualdade substancial de certas pessoas, sendo necessário ações afirmativas no sentido de editar leis especiais para a proteção a esses grupos" (Brochado Teixeira e Carla Moutinho, 2021).

Forçoso, então, reconhecer que o suprimento das necessidades especificas, por leis especiais, de cada grupo vulnerável identificado, como os das crianças e dos adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e mulheres sob violência doméstica, está a exigir, sempre, uma tutela jurídica integral, sob pena de a proteção constitucional quedar-se inerte e/ou deficitária, falhando o Estado nos seus inerentes deveres de proteção dos direitos  fundamentais dos cidadãos.

A esse propósito, torna-se indiscutível que "ao não proteger suficientemente tais direitos, o Estado viola a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)" O “Untermassverbot”, termo extraído da doutrina constitucional alemã, com ampla repercussão em outras áreas de direito (por exemplo: penal e civil), tem-se constatado todas as vezes quando o Estado não legisla, adequadamente, a proteção de determinado direito fundamental, implicando uma notória deficiência.

Cabe afirmar que as obrigações de Estado não devam ser prestadas aquém do necessário integral, porque se assim forem, estará o Estado incorrendo em proteção deficiente, a não se permitir ou tolerar. Qualquer que seja a deficiência de uma prestação legislativa impostergável, o elemento da insuficiência resultará na desproteção dos bens jurídicos fundamentais tuteláveis.

É forçoso admitir que em termos do que preconiza o artigo 245 da Carta Magna vigente, são insuficientes, de fato, as proposições legislativas então apresentadas, como refere, em sua petição inicial, a ADO 62[3].

A regra constitucional do artigo 245 CF/1988., ao tratar da "prestação assistência", não pode ser entendida, restritivamente ao suporte financeiro dos desassistidos.

A assistência aos vulneráveis, nessa espécie, colima uma proteção integral, ou seja, a proteção quanto bastante, como a Constituição assim também reserva como cláusula protetiva aos demais grupos vulneráveis.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD)  dispõe que a determinação de uma deficiência deve levar em conta não apenas uma  catalogação biomédica, caracterizada por sintomas e formas de expressão física de  determinada doença, mas deve considerar também os aspectos sociais a que o sujeito  está envolto, a fim de identificar situações de vulnerabilidade, exclusão e limitação de  manifestação de vontade sofridas por pessoas com alguma deficiência.

O conceito de vulnerabilidade tem sido perquirido mundialmente, sendo constatada  a dificuldade de sua aplicação teórico-normativa na solução de casos concretos, inclusive  quando se trata de grupos comumente considerados com vulnerabilidade acrescida.

Esse  entendimento tem sido pautado, na maior parte dos casos, por características biológicas de  determinados grupos ou pessoas, como é o caso de crianças, pessoas idosas e adultos  com deficiência, sendo observados também, mas com menor regularidade, aspectos  socioeconômicos e culturais.

Assim, a vulnerabilidade é um conceito passível de diversas  interpretações, sendo necessário o aprofundamento dos estudos especializados na  temática.

No sentido etimológico-conceitual, o termo vulnerabilidade possui origem latina da  palavra vulnus, cujo significado é ferida. Assim, o vulnerável é aquele suscetível de ser  ferido.

O conceito de vulnerabilidade perpassa pela ideia de fragilidade e de maior  exposição de alguém a ser acometido por doenças ou por situações de agressões, sejam  físicas ou psicológicas.

Nessa perspectiva, todos os seres humanos são vulneráveis, pois  estão suscetíveis a danos, doenças, abusos e até mesmo serem explorados por outros.

A relação entre vulnerabilidade e  proteção de adultos com deficiência intelectual, o marco conceitual trazido por Herring[4]   se mostrou pertinente, uma vez que seu estudo é desenvolvido apontando casos de adultos  vulneráveis, especificamente os idosos, e analisando situações de abuso no cuidado  desenvolvido por familiares.

O doutrinador abordou o tema salientando a importância de outros  elementos, que vão além dos aspectos biológicos inerentes ao indivíduo, como  reciprocidade, cooperação, solidariedade e laços de confiança estabelecidos entre as  pessoas.

O doutrinador apresenta também as dificuldades em balancear os direitos de proteção  e direitos quanto à autonomia de adultos vulneráveis, especialmente quando estes não  querem proteção, concluindo pela necessidade de se impor limite razoável às obrigações  do Estado na promoção da proteção.

Herring argumentou que a vulnerabilidade pode ser compreendida de duas  formas: a primeira, como uma condição humana universal, ou seja, todos os seres  humanos carregam em si a condição de vulnerabilidade e estão sujeitos a sofrerem danos;  a segunda, é o reconhecimento de que existem grupos com vulnerabilidades específicas,  em regra advindas de condições biológicas, mas que podem ser geradas, agravadas ou  minimizadas de acordo com o suporte social, institucional e condições socioeconômicas  em que estão inseridas.

Assim, o aparato estatal, ou a ausência deste, possui o condão de reduzir ou agravar as situações de vulnerabilidade, especialmente em casos de doença.

Observa-se que ambas as vertentes são complementares. Quanto à interconexão social do  sujeito e à relação de dependência deste para com os demais, levam a concluir que a  vulnerabilidade específica pode ser agravada, quando para além das condições biológicas  do indivíduo, tais como idade, sexo e situações de doença, as conexões sociais travadas  por este não lhe sejam benéficas, principalmente quando este está inserto em um  ambiente de relações abusivas.

 Assim, o contexto social, condições econômicas, culturais,  a qualidade de cuidados e o nível de acesso a redes de proteção social também interferem  em seu estado de bem-estar, já que a vivência humana nos torna dependentes uns dos  outros.

Identifica-se o peso dado na esfera do direito  internacional dos direitos humanos à proteção de grupos vulneráveis, por outro, se levanta  algumas questões sobre a produção de estigma por parte do etiqueta mento das pessoas  vulneráveis, retirando-lhe a voz, desconsiderando sua vontade e preferências e  substituindo sua decisão.

Outro aspecto a ser destacado é que comumente pessoas têm sua  autonomia denegada simplesmente pelo fato de serem deficientes, o que as tornam,  segundo visões equivocadas e estigmatizantes, como mais vulneráveis.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a deficiência intelectual é uma  capacidade significativamente reduzida de entender informações novas ou complexas e de  aprender e aplicar novas habilidades. Isso resulta em uma menor capacidade de lidar de  forma independente com escolhas, o que compromete também a interação social.

A partir do QI, a deficiência intelectual é classificada em leve (QI entre 50 a 69), moderada (QI entre 35 e 49), grave (QI entre 20 e 34) e profunda (QI inferior a 20), segundo a Organização Mundial da Saúde 2; 4; 6; 7.

Inicia a deficiência mental  antes da idade adulta, com um efeito duradouro no desenvolvimento do indivíduo. A  deficiência depende não apenas das condições de saúde ou incapacidades, mas também  de fatores ambientais e meios de apoio à participação e a inclusão plena da pessoa na  sociedade.

A Declaração de Montreal sobre a Deficiência Intelectual prevê, em seu artigo  6º, que os Estados possuem a incumbência de providenciar serviços de apoio capazes de  facilitar que pessoas com deficiência intelectual possam tomar decisões significativas sobre  sua vida, visto que são detentoras dos mesmos direitos que outras pessoas.

Há o  reconhecimento de que elas são aptas a fazer escolhas, tomar decisões e comunicar suas  preferências, para melhorar seu desenvolvimento pessoal, seus relacionamentos e sua  forma de participação na sociedade, apesar das dificuldades que enfrentam.

Mesmo com a existência da CDPD e da Lei  13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência – a qual dispõe, em seu artigo 6º,  inciso IV, que um dos direitos de pessoas com deficiência é ter seu direito à fertilidade  respeitado, sendo vedada esterilização compulsória, o Poder Judiciário desprezou tais  dispositivos ao argumento de que “inexistem políticas públicas apropriadas que  disponibilizem às pessoas portadoras de necessidades especiais métodos  anticoncepcionais adequados à sua condição”. (In: Brasil. Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional  sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2009/decreto/d6949.htm. [Acesso em:  2.11.2023.)

Sublinhe-se que adultos com deficiência  intelectual se encontram em situação de vulnerabilidade acrescida, o que, por si só, não  justifica a intervenção impositiva em seu corpo e a supressão de seus direitos humanos,  sob o manto da proteção.

Assim, o cuidado e as ações estatais exigem extrema atenção  quanto a aplicações práticas da concepção de proteção a vulneráveis, na medida em que  esta pode limitar o exercício da autonomia de pessoas com deficiência intelectual,  ensejando dano travestido de proteção.

As definições de risco e vulnerabilidade, afirmando  que ambas só podem ser entendidas quando associadas a diferentes contextos histórico-sociais e a  diferentes áreas científicas que as desenvolveram para dar conta de seus objetos.

Em segundo lugar, é  defendida a ideia de que são conceitos distintos, mas intrinsecamente relacionados, pois, enquanto risco se  refere às condições fragilizadas da sociedade tecnológica contemporânea, vulnerabilidade identifica a  condição dos indivíduos nessa sociedade.

Finalmente, concorda-se que a sociedade pós-industrial é uma  sociedade de risco, principalmente pelos efeitos que a tecnologia e a globalização econômica produziram.

Há uma discussão em torno da gênese do  conceito de risco e seu uso (França et al., 2002; Yunes; Szymanski, 2001), que se apresenta em várias  disciplinas do campo das Ciências Naturais e Exatas (por exemplo, Biologia e Ecologia) e, em particular,  das Ciências da Saúde (Medicina, Epidemiologia) e das Ciências Sociais e Humanas (Economia, Sociologia, Direito,  Política e Psicologia).

Essas aplicações dos conceitos tiveram implicações para pesquisas e práticas em  relação à infância e adolescência, pois o risco como conceito parte do discurso linguístico, tem-se  constituído na trajetória histórica e cultural das sociedades e deve ser sempre pensado como processo e  não como variável em si (França et al., 2002; Yunes; Szymanski, 2001).

As definições de risco e vulnerabilidade[5] que só podem  ser entendidas como um processo associado a diferentes contextos histórico-sociais e a diferentes áreas  científicas que as desenvolveram para tratar seus objetos. Não se pretende, entretanto, por uma questão  de limitação da análise, fazer exame exaustivo da trajetória do uso dos conceitos em questão.

Em segundo lugar, é defendida a ideia de que, por um lado, tem havido uma confusão no uso dos  conceitos de risco e vulnerabilidade e, por outro, alguns autores concentram-se mais no conceito de  risco, enquanto outros, no de vulnerabilidade.

A necessidade de esclarecimento conceitual evidencia-se  no uso que os órgãos governamentais fazem destes conceitos, como, por exemplo, o que se constata na  Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004).

Foram as estudiosas Yunes e Szymanski (2001) que chamaram atenção para a diferença entre os conceitos de  risco e vulnerabilidade. Segundo elas, o conceito de vulnerabilidade “é aplicado erroneamente no lugar  de risco”, pois são dois conceitos distintos.

Enquanto risco, segundo as autoras, foi usado pelos  epidemiologistas em associação a grupos e populações, a vulnerabilidade refere-se aos indivíduos e às  suas suscetibilidades ou predisposições a respostas ou consequências negativas.

É importante ressaltar-se, contudo, que, para essas autoras, existe uma relação entre  vulnerabilidade e risco: “a vulnerabilidade opera apenas quando o risco está presente; sem risco,  vulnerabilidade não tem efeito”. A palavra vulnerável origina-se do verbo latim vulnerare, que  significa ferir, penetrar.

Por essas raízes etimológicas, vulnerabilidade é um termo geralmente utilizado na  referência de predisposição a desordens ou de susceptibilidade ao estresse.

O conceito de vulnerabilidade foi formulado nos  anos 1930 pelo grupo de pesquisa de L. B. Murphy, que acabou por definir o termo como  “susceptibilidade à deterioração de funcionamento diante de estresse”.

A relação entre vulnerabilidade e risco, Reppold et al. (2002) afirmam que, frente a  situações adversas, o “comportamento dos sujeitos perante esses eventos depende de sua  vulnerabilidade”, ou seja, há uma predisposição ou mesmo resposta pouco adequada à situação.

Um dos fatores de risco para o desenvolvimento psicológico e social é o baixo nível socioeconômico. Em  famílias pobres, operam como fatores de alto risco, além do baixo nível socioeconômico, a remuneração  parental, baixa escolaridade, famílias numerosas e ausência de um dos pais.

A definição econômica da vulnerabilidade social[6], segundo Oliveira (1995) é “insuficiente e  incompleta”, porque, em primeiro lugar, não especifica as condições pelas quais os diferentes  grupos sociais ingressam no conjunto dos indivíduos ou grupos vulneráveis.

Em segundo lugar, há  indivíduos vulneráveis entre os índios, os negros, as mulheres, os nordestinos, os trabalhadores rurais,  tanto assalariados quanto aqueles ainda na condição de posseiros, meeiros, as crianças em situação de  rua, a maioria dos deficientes físicos, entre outros segmentos populacionais.

O referido autor entende que a resolução ou atenuação da vulnerabilidade reside,  exatamente, no econômico. Em sua opinião, “os grupos sociais vulneráveis se tornaram vulneráveis, pela  ação de outros agentes sociais”. Isso é importante “não apenas porque os retira da condição  passiva de vulneráveis, mas também porque identifica processos de produção da discriminação social”.

As políticas sociais públicas, segundo Oliveira (1995), apesar de atenuar as vulnerabilidades, não  esgotam o repertório de ações que se situam muito mais no campo dos direitos.

A Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004) menciona esses fatores e outros como o precário ou nenhum acesso  aos serviços públicos e a fragilização de vínculos afetivos, relacionais ou de pertencimento social (discriminações etárias,  étnicas, de gênero ou por deficiências[7], dentre outras), das famílias consideradas vulneráveis.

Registra que os grupos “indigentes” e “pobres” se  constituem nos maiores contingentes vulneráveis da sociedade brasileira, sendo que o mecanismo  produtor dessa vulnerabilidade, basicamente, é o mercado de força de trabalho.

A diminuição da  vulnerabilidade desses grupos está ligada, na opinião do autor, à retomada do crescimento econômico do  país dentro de um novo modelo e em níveis que possam ofertar empregos capazes de reempregar quem  foi desempregado e empregar os que estão ingressando na idade de trabalhar. Mas, se não ocorrer essa  retomada, segundo Oliveira (1995), a concentração da renda continuará produzindo indigentes do  mercado informal de trabalho.

A vulnerabilidade dos grupos sociais somente poderá ser  eliminada desde que se “transite de uma noção de carências sociais para o terreno de direitos sociais”,  parece ser interessante.

Direitos e cidadania são conceitos contemporâneos que implicam promover as  habilidades dos indivíduos e da coletividade em compreender, analisar, refletir e conscientizarem-se  sobre o mundo que os cerca, interagindo, tornando-se um agente e membro de grupo participativo e  criativo e, portanto, gerando desenvolvimento pessoal e social.

A tendência entre os pesquisadores na área da criança e do adolescente é a ênfase nos potenciais  e nas habilidades das crianças, dos adolescentes, das suas famílias e das comunidades, ao invés das  carências, das faltas ou das deficiências.

Esses pesquisadores tiram do foco a noção de risco, comumente  atrelada às famílias pobres, e passam a valorizar os aspectos preventivos e as formas de promoção do  desenvolvimento integral de seus filhos (Barker; Rizzini, 2002).

A visão da criança e do adolescente como oportunidade e a definição de bases de apoio formais  (creches, escolas, clubes, programas religiosos) e informais (redes de amizade e solidariedade, relações  afetivas significativas na vida das crianças e adolescente), bem como os recursos familiares e  comunitários, são os elementos fundamentais para o desenvolvimento saudável da criança

A vulnerabilidade como exposição a riscos e baixa capacidade  material, simbólica e comportamental de famílias e pessoas para enfrentar e superar os desafios com que  se defrontam.

Portanto, os riscos estão associados, por um lado, com situações próprias do ciclo de vida  das pessoas e, por outro, com condições das famílias, da comunidade e do ambiente em que as pessoas  se desenvolvem.

Em sociedades baseadas em economia de mercado, Carneiro e Veiga (2004) entendem que a  pobreza representa a primeira aproximação da maior exposição a riscos, principalmente em contextos  em que famílias pobres não contam com uma rede pública de proteção social (acesso a bens e serviços  básicos que viabilizem melhores oportunidades para enfrentar as adversidades).

A ausência de recursos  materiais alimentará outras fragilidades: baixa escolarização, condições precárias de saúde e de nutrição,  moradias precárias em locais ambientalmente degradados e condições sanitárias inadequadas  (necessidades insatisfeitas). Famílias e pessoas em tais condições de vida disporão de um repertório mais  reduzido para enfrentar as adversidades, o que, nos termos de Sen (2000), é denominado privação de  capacidades.

O conceito de risco tem sido estudado por pesquisadores  americanos e europeus nos últimos trinta anos e, no Brasil, o estudo foi intensificado a partir da década de  1990, principalmente pelo campo da Psicologia.

As autoras apontam uma trajetória das análises de risco,  tomando como ponto de partida a perspectiva culturalista de Mary Douglas (teoria cultural do risco), até  chegar à teoria social de Beck e Giddens. Para França et al. (2002), esses dois últimos autores deram uma  contribuição decisiva para que o conceito de risco assumisse um lugar central nas Ciências Sociais,  diferente do enfoque culturalista dado por Mary Douglas.

Em sua teoria, Douglas, citado por França et al.  (2002), mostra como o julgamento moral está envolvido com a percepção de risco em nossa sociedade,  visto que a percepção não é algo natural e que as instituições sociais o usam para controlar o  comportamento humano, reforçar normas e melhor coordenar as instituições.

A definição de risco para uma sociedade relaciona-se  com aspectos que envolvem a moralidade e reforçam as novas contribuições que Douglas traz sobre a  necessidade de criarem-se instrumentos de investigação que privilegiem as construções da população a  respeito de riscos, considerando seus aspectos sociais, o que inclui abranger as especificidades culturais,  econômicas e subjetivas das populações, sem querer universalizar as conclusões através de estudos  quantitativos e psicométricos (FRANÇA et al., 2002, p. 31).

O risco se configura, hoje[8], como um signo  importante para se compreender o homem. Focalizar os discursos e situar a concepção de risco em relação a tantos outros signos construídos na modernidade como por exemplo, infância, trabalho precoce,  subjetividade, saúde, pobreza já possibilitam a reflexão sobre as transformações que ocorrem no mundo  atual, as quais incidem nos sujeitos, em particular, e na sociedade.

A vulnerabilidade aparece também nas análises do conceito de resiliência. No contexto dos  estudos sobre resiliência, a vulnerabilidade é um conceito utilizado para definir as susceptibilidades  psicológicas individuais que potencializam os efeitos dos estressores e impedem que o indivíduo  responda de forma satisfatória ao estresse.

Yunes e Szymanski (2001) definem, ainda, que o termo  implica alterações aparentes no desenvolvimento físico e/ou psicológico de uma pessoa que se submeteu  a situações de risco, as quais podem torná-la suscetível e propensa a apresentar sintomas e doenças.  

Segundo as mesmas doutrinadoras, a vulnerabilidade diz respeito à predisposição individual para o  desenvolvimento de psicopatologias ou de comportamentos ineficazes em situações de crise.

Tais  autoras reiteram que a vulnerabilidade não se refere apenas a predisposições genéticas, pois condições  como baixa autoestima, traços de personalidade e depressão são frequentemente descritas como  vulnerabilidades.

A inclusão poderá viabilizar, assim, na opinião dos autores acima citados, a melhoria das  condições materiais de pessoas, famílias e comunidades, bem como o acesso a serviços públicos básicos  (educação, saúde, habitação, nutrição, segurança pública, justiça, cultura e recreação) para esses grupos  desenvolverem sua competência, autonomia, autodesenvolvimento e capacidade de ação.

Estudos  finalizaram sua análise dizendo que os riscos e as vulnerabilidades emergem de uma multiplicidade de  fatores interdependentes. E, as estratégias para reduzi-los e ampliar a inclusão requerem ações em várias  frentes, exigindo o planejamento para que elas sejam executadas de forma integrada e complementar.

Essa noção de risco exige que a Política de Assistência Social defina quais as situações que tornam os cidadãos  mais sujeitos à vivência do risco ou que imprimem maior vulnerabilidade social.

Um dos princípios da vulnerabilidade do consumidor é a vulnerabilidade  informacional: consiste na ausência, ou a complexidade da informação prestada que não  permite o entendimento do consumidor. Ou seja, a informação não é sucinta a ponto dos compradores compreenderem.

Conforme prevê o art. 6º, inciso II do CDC, é um direito básico do consumidor: "a  educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações".

A vulnerabilidade é o conceito que representa todo o sistema consumerista, no  que busca proteger a parte mais frágil da relação de consumo com o fim de promover o  equilíbrio contratual

Existem quatro espécies de vulnerabilidade do consumidor; fática, técnica, informacional e jurídica.

a)   Vulnerabilidade Fática (ou socioeconômica) consiste na relação de superioridade do  poder que o fornecedor tem em relação ao consumidor; b) Vulnerabilidade informacional; advém da ausência da insuficiência da informação que  não permite a compreensão para o consumidor; c) Vulnerabilidade Técnica; é o não conhecimento sobre o produto ou serviço técnico da relação de consumo; d) Vulnerabilidade jurídica; é a falta de conhecimentos jurídicos que permita entender as consequências jurídicas daquilo que se obriga a desvencilhar das coisas absurdas do  mercado.

Portanto, a principal razão pelo qual existe os direitos no  Código de Defesa do Consumidor, é a vulnerabilidade, a parte mais fraca, que é o  consumidor, sem nenhum esforço precisa-se ser equilibrado diante do fornecedor, e  protegê-lo.

A Política de Assistência Social estabelece  quais as vulnerabilidades sociais que devem ser cobertas por uma política de proteção ou de seguridade social, mas não  parece distinguir risco de vulnerabilidade, deixando um flanco que pode trazer, no futuro, dificuldades para a elaboração, o  monitoramento e a avaliação das políticas públicas. Esse fato tem consequências para a formulação de índices, taxas que  visem mensurar ou avaliar as situações vividas por grupos ou indivíduos.

Frise-se que a Norma Operacional Básica/SUAS (BRASIL,  2005), por outro lado, ao definir a Taxa de Vulnerabilidade Social Municipal, somente se refere à noção de  vulnerabilidade que considera o grupo familiar; seria mais apropriado, conforme Yunes e Szymanski (2001), se fosse usado o  conceito de risco.

Assim como as noções de “necessidades básicas insatisfeitas”, “pobreza multidimensional” e “desenvolvimento humano”, exclusão e vulnerabilidade social são noções antes de tudo políticas (ainda que nem sempre sejam percebidas como tal), que introduzem novos recursos interpretativos sobre os processos de desenvolvimento social, para além de sua dimensão monetária.

Nesse sentido, a leitura desses processos, resultante desta “nova” conceituação, pode dialogar e produzir efeitos sobre as propostas e os desenhos das políticas públicas, alargando seu escopo e colocando em evidência as responsabilidades do Estado, em todos os seus níveis administrativos, na promoção do bem-estar dos cidadãos.

O IVS (Índice de Vulnerabilidade Social)[9] ora apresentado tem a pretensão de sinalizar o acesso, a ausência ou a insuficiência de alguns “ativos” em áreas do território brasileiro, os quais deveriam, a princípio, estar à disposição de todo cidadão, por força da ação do Estado.

Os três subíndices que o compõem: i) Infraestrutura Urbana; ii) Capital Humano; e iii) Renda e Trabalho representam três grandes conjuntos de ativos, cuja posse ou privação determina as condições de bem-estar das populações nas sociedades contemporâneas.

Além disso, a vulnerabilidade é entendida, como mencionado anteriormente, como consequência da  existência de situações prévias de risco

O papel do risco na sociedade contemporânea,  porque para eles essa sociedade é uma “sociedade de risco”. Esses dois sociólogos se opõem à  abordagem quantificadora do risco e, por meio da Teoria da Modernização Reflexiva[10], oferecem outra abordagem.

Beck (1997) argumentou que a sociedade contemporânea é diferente da sociedade de classes  e define “sociedade de risco” como “uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os  riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o  controle da sociedade industrial” (BECK, 1997).

Em sua publicação de 1997, Beck acrescenta que a  definição de perigo não pode ser determinada pela ciência, pois é sempre uma construção cognitiva e  social.

Giddens, por sua vez (1997), acentua também a diferença entre a “sociedade de classes” e a  ”sociedade de riscos”. Para ele, a “sociedade de riscos”, além de introduzir novos tipos de perigos para a  humanidade, também introduz novas relações entre sistemas de conhecimentos, leigos e peritos, num  contexto em que a estimação dos riscos é, em grande parte, imponderável.

Nessa perspectiva, a noção  de risco em Giddens (1997) tornou-se tão central quanto à de Beck. Ao analisar a “alta modernidade”,  Giddens argumentou que não há imagem que possa traduzi-la, devido não só ao fato de este mundo ser  mais aberto e contingente, como também ao fato de acumularmos conhecimentos sobre nós mesmos e  sobre o ambiente material. Afirma, ainda, que vivemos em um mundo em que há um equilíbrio simétrico  entre oportunidades e perigo.

Ao cogitar o risco apenas como uma questão de preocupação pessoal e individual. As  incertezas da vida, nesse sentido, deveriam ser enfrentadas e respondidas pelas pessoas individualmente,  de acordo com as suas possibilidades. Assim, parece não haver mais o compromisso coletivo da  sociedade com os riscos sociais da população, da comunidade.

Como outros exemplos, pode-se cogitar  nos casos de pessoas que não tenham o que comer; que são violentadas pelos seus pais; que não  conseguem uma vaga na escola; que não conseguem desenvolver as suas potencialidades, ou se  encontram na circunstância de trabalhar desde a infância.

A noção de risco implica não somente iminência imediata de um perigo, mas também a  possibilidade de, num futuro próximo, ocorrer uma perda de qualidade de vida pela ausência de ação  preventiva.

A ação preventiva está relacionada com o risco, pois não se trata de só minorar o risco  imediatamente, mas de criar prevenções para que se reduza significativamente o risco, ou que ele deixe  de existir.

Que se os indivíduos não estiverem assegurados  contra imprevistos causados pelos riscos, viverão na insegurança, pois o risco social compromete a  capacidade dos indivíduos de assegurar por si mesmos sua independência social.

Para o doutrinador (2005), a  problemática surgiu, particularmente, nos anos 1980, devido a uma pane e erosão dos sistemas de proteção na sociedade  salarial. Há uma dificuldade crescente de se assegurar contra riscos sociais (acidente, doença,  desemprego, incapacidade de trabalhar devido à idade ou à presença de uma deficiência).

Com o enfraquecimento do Estado nacional e social, indivíduos e grupos que sofreram as  mudanças socioeconômicas e que intervieram desde os meados dos anos 1970, sem ter a capacidade de  controlá-las, encontram-se em situação de vulnerabilidade.

Assim, surgem uma insegurança quanto ao  futuro e uma confusão que também pode alimentar a insegurança civil, sobretudo em territórios como as  periferias, onde se cristalizam os principais fatores de dissociação social.

Não existe unanimidade sobre as formas de cálculo e os critérios para definição das linhas de pobreza e de indigência. Os  atuais programas sociais dos governos federal, estaduais e municipais usam valores diferentes.

Entretanto, para elaboração do Plano Plurianual (PPA), o critério tem sido a proporção de pessoas que tem rendimento familiar per capita de até meio  salário-mínimo (linha da pobreza) e de até um quarto de salário-mínimo (linha da miséria). Indivíduos pobres são definidos  como aqueles com renda familiar per capita inferior a R$ 75,50 (setenta e cinco reais e cinquenta centavos), ou meio salário-mínimo (BRASIL, NOB/SUAS, 2005).

Em  março de 2011, a equipe de transição do governo da presidente eleita Dilma Rousseff sugeriu que se adotasse a linha de  pobreza de R$ 108 (cento e oito reais) por pessoa da família, porém até o presente momento o IPEA e governo federal ainda não forneceram  uma definição oficial de pobreza e miséria.

No momento em que os sistemas de seguridade clássicos foram assim fragilizados, Castel (2005)  afirma que apareceu uma nova geração de riscos, ou pelo menos de ameaças percebidas como tais:  riscos industriais, tecnológicos, sanitários, naturais, ecológicos, etc.

São problemáticas do risco que não  parecem ter relação direta com a primeira geração, uma vez que sua emergência corresponde, no  essencial, às consequências incontroladas do desenvolvimento das ciências e das tecnologias que se  voltam contra a natureza e o meio ambiente que elas pretendiam controlar a serviço do ser humano.

A afirmação de que se vive numa ”sociedade do risco”[11] se baseia de fato numa extrapolação  contestável do conceito de risco. Um risco no sentido próprio da palavra é um acontecimento previsível,  cujas chances de que ele possa acontecer e o custo dos prejuízos que trará pode ser previamente  avaliado. Pode, portanto, ser indenizado, porque pode ser mutualizado.

O seguro[12] foi a grande tecnologia  que permitiu o controle dos riscos, repartindo os efeitos no seio de grupos de indivíduos que se  solidarizaram diante de diferentes ameaças previsíveis. É um modelo solidarista ou mutualista que está  na base da cobertura dos riscos sociais (CASTEL, 2005)

O risco não poder ser identificado como vulnerabilidade, embora se possa  estabelecer uma relação estreita entre eles. O primeiro conceito se refere à situação de grupos, e o  segundo deve ser usado para a situação fragilizada de indivíduos. Essa parece ser uma boa distinção.

Outra conclusão é a falta de clareza no uso dos conceitos de risco e vulnerabilidade social. A terceira conclusão evidencia que a sociedade pós-industrial é uma sociedade de risco,  principalmente pelos efeitos que o mundo globalizado produziu, no qual as ações individuais podem ter  efeito sobre o planeta e as modificações em algum lugar do planeta ter efeitos sobre os indivíduos do  mundo todo. Tende-se a concordar com esta visão, mas não se pode deixar de lado a importância da  economia na redução da vulnerabilidade social.

Além disso, com o enfraquecimento do Estado de Bem-Estar Social desde os anos 1980, as  condições de se combater o risco e a vulnerabilidade se tornaram mais frágeis.

Por fim, acredita-se que os conceitos de risco e de vulnerabilidade são de fato distintos, mas creio que,  apesar de terem uma origem no processo econômico social dos séculos XVIII e XIX, pela introdução do  capitalismo industrial e financeiro, não podem ser reduzidos a esse único processo.

Com razão Raffaele Giorgi apontou que o direito não consegue imunizar-se do risco do direito. E, a dogmática apesar de tentar estabilizar as novas figuras do direito para o controle do risco da situação ou que sancionam comportamentos lícitos em face do exercício do direito, produzem-se danos que teria pretendido evitar. Portanto, surgem novos problemas e efeitos sendo imprevisível a quantidade de fatores causais concomitantes.

A sociedade industrial  se transformou ao longo do século XX, como enfatizaram Beck e Giddens, em uma “sociedade de risco”  devido ao desenvolvimento altamente tecnológico. Progredimos tanto em certas áreas mas, amargamos retrocessos em outras[13].

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Notas:

[1] O Relatório Belmont – promulgado em 1978, numa reação institucional aos escândalos causados pelos experimentos da medicina desde o início da 2ª Guerra Mundial – utilizou como referencial para as suas considerações éticas três princípios básicos: a Autonomia (respeito às pessoas); Beneficência e Justiça. Do Relatório Belmont ao Código de Regulamentos Federais O relatório defendeu o respeito pelas pessoas, a beneficência e a justiça como princípios fundamentais para a conduta ética de pesquisas envolvendo participantes humanos.

[2] Três cenários da  relação entre vulnerabilidade e poder. O primeiro  cenário aborda as dificuldades ou o não reconhecimento dos limites das vulnerabilidades devido aos  fascinantes desdobramentos da ciência, o que nos  torna uma “sociedade de riscos”. O segundo cenário  chama atenção para a concentração de poder (tanto de consumo quanto de produção), estruturando  uma sociedade sem reflexão ética que legitima a iniquidade. E, por fim, a fragilidade e a vulnerabilidade  do poder são vistas nas guerras, no terrorismo, nas  disputas econômicas e políticas entre nações e na  estruturação das iniquidades sociais.

[3] EFEITOS DAS DECISÕES EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO: DA POSSIBILIDADE DE  PROLAÇÃO DE SENTENÇAS CRIATIVAS NO CONTROLE ABSTRATO DAS OMISSÕES DO PODER PÚBLICO. ADO 62 em face da demora do Congresso Nacional em cumprir o artigo 245 da CF/1988. A presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão foi ajuizada pelo PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, tendo por objeto suposta inércia do Congresso Nacional na regulamentação do art. 245 da Constituição Federal, que determina a edição de lei que disponha sobre hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito. A ADO 62 surge, agora, como instrumento de  eficiência ao ditado constitucional, para concitar o Congresso Nacional a adotar  medidas que tornem efetivos os comandos do artigo 245 da CF, importando  significativo acentuar, no epicentro da omissão, definir a exata latitude do  normativo, diante da assistência social programada aos herdeiros carentes. Por  exemplo, filhos menores que perdem suas mães por conta do feminicídio,  ficando também carentes da proteção materna, a exigir uma presença intensiva  de cuidadoras ou assistentes (mães sociais) destinadas, psicanaliticamente, a  substituir o elo perdido. O significado “carência” não deverá, portanto, ser  limitado ou subsumido ao mero conteúdo econômico e a lei assim cuidará de  dispor, em coerência. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15355660171&ext=.pdf Acesso 29.11.2023

[4] Partindo da concepção de Herring , tem-se que a vulnerabilidade é condição  inerente a todos os seres humanos, contudo, determinados grupos possuem  vulnerabilidade acrescida, tal como adultos com deficiência intelectual. Ora,  recorrentemente a autonomia de tais pessoas é afrontada, especialmente no campo da  saúde, na medida em que as decisões sobre sua vida são realizadas mediante utilização  exacerbada do recurso da tomada de decisão substituta, como a curatela, deixando de  ofertar-lhes suportes para tomada de decisão, que lhes permitam compreender  informações complexas e conduzir a própria vida. Com isso, tais pessoas acabam por  tornarem-se socialmente invisíveis.

[5] No âmbito do direito internacional dos direitos humanos, o conceito de vulnerabilidade é frequentemente utilizado, com referência a indivíduos, grupos ou segmentos de população que carecem de especial proteção ou de discriminações positivas. A Constituição Federal Brasileira vigente, em seu art. 3º estabelece objetivos fundamentais que revelam a noção de justiça social presente em nosso ordenamento jurídico. Dentre estes destacamos a redução das desigualdades sociais e regionais, que nos remete ao direito à igualdade, que constitui um dos pilares estruturais das normas jurídicas de nosso ordenamento, que deve ser compreendidos, também, a partir dos aspectos materiais de seu exercício, ou seja, sem que se desprezem, os critérios de proporcionalidade e  equidade que direcionam a aplicabilidade dos direitos fundamentais e trazem, de modo explícito a proteção de certos grupos, que decorre de uma análise da realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência diversas, as situações de vulnerabilidade social. Os grupos vulneráveis identificados neste artigo são as crianças e adolescentes em situação de risco e as pessoas com deficiência, embora o Texto Constitucional, ao tratar desta questão tenha disciplinado outras situações igualmente importantes, no que se refere à proteção do Estado para nosso progresso e justiça sociais.

[6] A vulnerabilidade social tem relação com a estrutura de vida cotidiana das pessoas. Entre as situações geradoras de vulnerabilidade social em pesquisas  nos países periféricos, podem ser citadas: a baixa capacidade de pesquisa no país; disparidade socioeconômicas na população; baixo nível de instrução das pessoas; inacessibilidade a serviços de  saúde e vulnerabilidades específicas relacionadas  com o gênero feminino e com as questões raciais e  étnicas, entre outras. 

[7] Com relação às pessoas com deficiência, a Constituição traz que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cuidarem da saúde, da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com deficiência. Porém, competem concorrentemente os Entes Federados para legislar sobre a proteção e integração social das pessoas com deficiência. Ademais, o Texto Constitucional garante as pessoas com deficiência, a assistência à saúde, atendimento educacional especializado, bem como a criação de programas de prevenção e atendimento às pessoas com deficiência, sua integração social, por meio de treinamento para o trabalho e a facilitação de acesso aos bens e serviços coletivos, eliminando as barreiras arquitetônicas. E, por fim, assegura-se que o Estado criará programas de prevenção e atendimento às pessoas com deficiência, bem como sua integração social, por meio de treinamento para o trabalho e a facilitação de acesso aos bens e serviços coletivos, eliminando as barreiras arquitetônicas. Ademais, a lei regulamentará sobre a construção de logradouros e edifícios de uso público e a fabricação de veículos coletivos para que o acesso às pessoas com deficiência esteja garantido.

[8] EMBI+ Risco-Brasil. Frequência: Diária de 29/04/1994 até 24/11/2023. Fonte: JP Morgan Unidade: - Comentário: O EMBI+ (Emerging Markets Bond Index Plus) estima o desempenho diário dos títulos da dívida dos países emergentes em relação aos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O índice é baseado nos bônus (títulos de dívida) emitidos por este grupo de países e mostra os retornos financeiros obtidos a cada dia por uma carteira selecionada de títulos. O EMBI+ auxilia os investidores na compreensão do risco de investir no país, quanto mais alto for seu valor, maior a percepção de risco. Ele foi criado para classificar somente países que apresentassem alto nível de risco segundo as agências de "rating" e que tivessem emitido títulos de valor mínimo de US$ 500 milhões, com prazo de ao menos 2,5 anos. A unidade de medida deste índice é o ponto-base, onde dez pontos-base equivalem a um décimo de 1%. Os pontos mostram a diferença entre a taxa de retorno dos títulos de países emergentes e a oferecida por títulos emitidos pelo Tesouro americano. Essa diferença é o spread, ou o spread soberano. Mais informações: Metodologia EMBI. Emerging Markets Bond Index Plus: Rules and Methodology Atualizado em: 28/11/2023

[9] No momento o IVS está sendo emitido somente com base na renda per capita, obtida por meio do Cadastro Único de Programas Sociais (CadÚnico), que o estudante poderá fazer na Secretaria de Assistência Social ou no CRAS do seu município. Índice que busca subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas de gestão e planejamento territorial, em especial a revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), a partir de representação da vulnerabilidade social no Distrito Federal e demais  Estados da federação.

[10] A teoria da modernização reflexiva considera que as decisões políticas de mais influência sobre as vidas cotidianas não derivam mais da esfera ortodoxa  da tomada de decisão - o sistema político formal, mas adviria das esferas informais, da politização do não-político. Pelo viés da modernidade reflexiva, apontada por Giddens, identifica-se uma teoria da ação social na qual o papel do indivíduo não é visto como mero  apêndice das estruturas que compõem a sociedade, mas compatível com a reflexão e recomposição das subjetividades e dos sujeitos.

[11] Sociedade de risco é um termo usado para descrever a maneira pela qual a sociedade moderna se organiza em resposta ao risco. O termo foi criado pelo sociólogo alemão Ulrich Beck em seu livro Risikogesellschaft (1986) onde coloca as origens e as consequências da degradação ambiental no centro da sociedade moderna. Tendo em vista a assertiva, segundo Beck (2011) a sociedade industrial foi deslocada pela sociedade de risco, na qual a distribuição dos riscos não corresponde às diferenças sociais, econômicas e geográficas da típica primeira modernidade.

[12] A teoria de securitização é uma das principais contribuições da Escola de Copenhague, que surgiu em 1985, originalmente chamada de Copenhagen  Peace Research Institute. Nesse momento, as escolas europeias acompanhavam o movimento de renovação teórica das Relações  Internacionais sobre os conceitos de segurança. Somado a isso, as marcas da II Guerra Mundial permaneciam no dia a dia europeu, o que favorecia o processo de criação de uma identidade europeia e a unificação das políticas de defesa e segurança. A Escola, inicialmente liderada por Barry Buzan,  Ole Waever e Jaap de Wilde, sustentava o pressuposto segundo o qual ocorreu uma evolução nos estudos de segurança internacional.  Segundo eles, três grandes diferenças marcaram a evolução nesses estudos. A primeira está no conceito chave de segurança. Após a II Guerra,  estudiosos deixaram de pensar esse conceito apenas como sinônimo de defesa, havendo uma abertura para questões políticas e sociais dentro dos  estudos da área. A segunda mudança foi a abordagem de um novo problema: as armas nucleares. Utilizar apenas meios militares para entender  segurança não era suficiente para compreender o uso ou não de armas nucleares. O contexto era significativamente diferente do anterior à II Guerra Mundial. A disputa nuclear se tornou a arte de evitar guerras, mas sem ser militarmente derrotado ou coagido. A terceira grande mudança diz respeito à natureza das questões de segurança, que deixaram de ser puramente militares e passaram a envolver outros temas relacionados à segurança do oponente, como as questões econômicas.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Responsabilidade Civil Desigualdade Vulnerabilidade Risco CF/88 CDC

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