Por que as democracias morrem?

Diante da recessão democrática no mundo, as incertezas e a sombra autoritária dominam a cena. No início, dá-se uma crise econômica terrível combinada com escândalos de corrupção e elevados índices de violência e criminalidade, o que irá justifica plenamente o discurso para o governo da força, pela força e para a força.

Fonte: Gisele Leite

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Diante da eleição de Donald Trump, dois professores de ciência política da Universidade Harvard Daniel Ziblatt e Steven Levitsky uniram estudos para escreverem o livro "Como as democracias morrem" que narra o enfraquecimento das democracias no mundo contemporâneo, principalmente mediante a análise comparativa com os casos passados.


Enfocaram inicialmente seus estudos na história da democracia norte-americana, descrevendo desde formação até momentos de crise e, ainda, como o sistema de freios e contrapesos da Constituição dos Estados Unidos, bem como as regras não escritas (costumes) serviram para defender a manutenção da democracia a mais longeva em todo mundo. Doravante ameaçada constantemente por presidente fora do establishment político e que apresenta fortes traços autoritários.


O foco de Levitsky é a América Latina e, em países em desenvolvimento, ao passo que Ziblatt enfoca seus estudos na Europa do século XIX. E


Ao imaginar a morte da democracia, a tendência imediata é cogitar em golpe militar, bem aos moldes do que aconteceu em terra brasilis em 1964 ou então no Chile em 1973, protagonizados pelas forças armadas e pelo uso de armas, violência e blindados, transformando tudo em uma ditadura do dia para a noite.


Na era moderna as democracias morrem devagar, muitas vezes através de procedimentos legalmente legítimos. E, os líderes autoritários nem chegam mais ao poder através de conflito armado, mas sim, por meio de eleições. E, adiante, passam a utilizar a lei a seu favor para ampliarem suas autoridades e poderes até mesmo para se perpetuarem no poder e comando total e absoluto.


E, a conclusão é que própria democracia carrega seu fim, quando seus mecanismos de defesa não mais são eficazes o suficiente para impedir a chegada de demagogos manipuladores ao poder.


Questionamo-nos como os autocratas chegam ao poder? E, concluímos que é mesmo pelo voto popular onde candidatos que, geralmente, não são políticos tradicionais ou simplesmente fazem discursos anti-establishment. É, o caso dos outsiders tais como Hitler e Mussolini que galgaram enorme popularidade entre o eleitorado, através de discursos ultranacionalistas e com flagrante viés autoritário, e assim, atraíram grande parte da sociedade, em geral, descontente com a situação política e econômica de seus países.


E, por atraírem bastante atenção do eleitorado, conseguem surfar na onda de popularidade e conseguem atrair mais votos, principalmente ao se aliarem aos demagogos. É possível identificar possíveis autocratas através de quatro indicadores de comportamentos autoritários.


Nem sendo necessário que o político em análise apresente todos os indicadores para ser considerado autoritário. Mas, quanto mais indicadores apresentarem maior será o risco que representa à democracia.


O primeiro aspecto é a rejeição às regras do jogo democrático. Rejeitam a Constituição e, propõem restringir direitos civis e políticos, endossando meios extraconstitucionais para modificar o governo, seja através de golpes e insurreições violentas e deslegitimam o processo eleitoral, se recusando sempre a aceitar os resultados eleitorais apresentados, seja alegando fraude, seja pela violação frontal de princípios fundamentais da democracia.


O segundo aspecto é negar a legitimidade de seus oponentes políticos, os acusando de subversão, de serem criminosos, ou até mesmo de não amarem o país, colaborando com governos estrangeiros.


E, o terceiro aspecto é ser totalmente tolerante e encorajar a violência, seja através de ligações com paramilitares ou milicianos, ou ainda, com gangues armadas ou guerrilhas, ou ainda elogiarem pública e significativamente a violência política. Tal como defender que todo cidadão deve ter sua arma de fogo. Qualquer coincidência não é acaso.


O atual 38º Presidente da República brasileira mesmo em seu mandato parlamentar já mostrava abertamente suas tendências autoritárias e, apresentou propostas legislativas tal como a PL5398/2013 que tornaria a castração química medida de progressão de pena para condenados por estupro.


Tal medida seria e, ainda é, inconstitucionais, posto que o texto constitucional veda as penas cruéis. E, numa entrevista ao programa Câmara Aberta em 199, o então deputado federal disse que, se eleito, para a Presidência, fecharia o Congresso e daria um golpe no mesmo dia.


E, nessa mesma ocasião questionou a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro, a firmando que as urnas eletrônicas utilizadas nas votações brasileiras, acusadas de serem não inseguras e, que não aceitaria resultado diferente de sua eleição.


Aliás, no primeiro turno contestou os resultados, alegando que fora vítima de fraude eleitoral, devido a suposta manipulação de urnas que jamais fora provada.


De fato, Bolsonaro encaixa perfeitamente no segundo indicador ao negar veementemente a legitimidade de seus oponentes políticos, e sua campanha empenhou-se em atacar diretamente o Partido dos Trabalhadores e seus membros, alegando que o então candidato do PT, Fernando Haddad seria mero fantoche de Lula, preso devido condenação em segunda instância.


Também o terceiro indicador é enquadrável pois o atual Presidente é opositor do Estatuto do Desarmamento e, tem gesto que muito é similar com uma arma de fogo como marca registrada, reproduzido até entre crianças ao longo de sua campanha.


Sendo veemente defensor do regime militar brasileiro, negando a ocorrência do golpe protagonizado pelas Forças Armadas e ainda homenageando publicamente o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi o primeiro militar condenado pela Justiça pátria pela prática de tortura durante a ditadura. E, em 2016 expressou ao declarar o seu voto no impeachment de Dilma Rousseff sua notória devoção.


Não obstante declarar-se como defensor da liberdade de imprensa, mobiliza-se constantemente em atacar e agredir às mídias tradicionais, por vezes, até vociferando para que se calem os jornalistas, quando não acusam que as entrevistas dadas foram editadas justamente para lhe prejudicar e, que os fatos arguidos pelas reportagens são mentirosos e infamantes.


Nos Estados Unidos, muitos autocratas já tentaram anteriormente concorrer à presidência, porém os mecanismos de seleção dos partidos Democrata e Republicano ajudaram a impedir que isso ocorresse.


Henry Ford, um magnata outsider conquistou bastante fama utilizando-se do seu semanário “Dear Born Independent” para disseminar suas opiniões contra banqueiros, judeus e comunistas, publicando artigos que afirmavam haver uma conspiração de bancários judeus contra o povo americano. Suas visões radicais se popularizaram rapidamente, e Ford era cotado para disputar a presidência.


Os caciques do Partido Democrata consideraram a ideia absurda, e se mostraram totalmente contrários a terem um outsider com ideais preconceituosos como candidato à presidência. Ao perceber que dificilmente conseguiria a indicação dos Democratas, Ford desistiu da ideia.


Também tentaram políticos de establishment tal como o ex-governador do Alabama, George Wallace que defendia francamente ideais racistas e autoritários e que não possuíam apoio dos mandantes do partido e, tiveram grande dificuldade em chegar até à Casa Branca.


Apesar de ter tido bom desempenho inicial em algumas rodadas de eleições primárias do Partido Democrata de 1964, renunciou mais tarde em face da inevitável candidatura de Lyndon Johnson, que possuía o grandioso apoio da maioria dos membros do partido. E, nas eleições de 1968, Wallace recebeu somente treze por cento dos votos.


É necessário mencionar que tal defesa da democracia proveniente dos partidos não é obrigatoriamente por bondade destes, e, sim, apenas estão interessados em eleger o candidato que adequadamente represente o partido e, que seja o mais alinhado com líderes partidários que compõem a diretiva partidária.


Ao definir que os partidos políticos são como os "portões da democracia" sendo responsáveis por escolher quem disputará os cargos públicos novamente, nos reportamos a situação da política brasileira que conta atualmente com trinta e três partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, sendo tal número expressivo, se compararmos com as demais democracias existentes no mundo.


E, muitos desses partidos, até em razão de sua grande fragmentariedade são fisiológicos e formam o famoso "centrão", que apresentam poucas nítidas características ideológicas e, por negociarem abertamente seu apoio ao governo mediante a troca de cargos em estatais, ministérios entre outros cargos políticos e administrativos relevantes.


Atualmente, a manutenção do presente governo brasileiro está a depender de negociações junto ao Centrão, outrora tão criticado pelo atual Presidente.  Infelizmente, a maioria dos partidos do Brasil não são instituições sólidas e com ideologia bem definida, negociam apoio em troca de poder e servem a seus próprios interesses, o que dificulta que exerçam com êxito uma de suas tarefas mais importantes: manter a democracia brasileira distante de demagogos.


Precisamos lembrar que o Congresso Nacional, Judiciário, partidos políticos e Ministério Público entre outras instituições democráticas são elementos essenciais para a manutenção de regimes democráticos. Não é por acaso que governantes autoritários tentam impor à força suas políticas, visando exatamente enfraquecer essas instâncias. E, na maioria das vezes, colocam-se acima da lei e reverenciam-se como insuspeitos e inatingíveis (bem como a sua família e amigos).


Em análise ao caso dos EUA, os estudiosos e autores do livro diferenciam regras constitucionais de normas (espécie de conjunto de costumes presentes no mundo político). E, para os autores, esses derradeiros são cruciais para a manutenção da democracia, pois, definem quais são os comportamentos não aceitáveis, mesmo que legais dos agentes políticos e governantes.


Por isso, defender a soberania do Supremo Tribunal Federal significa defender a democracia. E, um ataque à instituição bem como às pessoas dos ministros é inconstitucional, indigno e antidemocrático.


Deve-se atentar que a polarização exacerbada é perigosa pois contém potencial destrutivo e criam intolerância violenta fugindo das regas que disciplinam a política. Quando, enfim, partidos opostos se tratam como inimigos figadais, a tendência é o uso de meios abusivos, violentos e antiéticos na convivência política.


A obra intitulada " Como as democracias morrem" é muito atual, descrevendo com exemplos históricos e detalhes concretos como a recessão democrática tem sido observada em muitos países.


E, tendo enfoque no caso dos EUA, mesmo assim, pode ser usado como boa referência para compreender o processo de subversão democrática contemporânea, principalmente em países como o Brasil. Onde a falta de acesso à educação, cultura e cidadania vilanizam o eleitorado e o desprotege de governos perigosamente autoritários.


Referências


LEVITSKY, W; ZIBLATT, D. Como as Democracias morrem. Tradução: Renato Aguiar. Rio Janeiro: Zahar, 2018.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Democracia Crise Estado Democrático de Direito Ciência Política Direito Político CF

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