O grande dissidente

O pragmatismo jurídico está intimamente relacionado à ascensão do realismo jurídico, que no início do século XX passou a relacionar o Direito com a eficácia normativa e com a probabilidade associada às decisões judiciais, considerando que o Direito não é formado por enunciados dotados de conteúdo ideal a respeito do que é obrigatório ou proibido, mas pelas regras efetivamente observadas e aplicadas no contexto social. Seu grande representante foi o juiz Oliver Wendell Holmes Junior, da Suprema Corte dos EUA (1902-1932). Tanto o realismo como o pragmatismo desapareceram ao fim da Segunda Guerra Mundial vez que sua prática tornou fértil aos regimes totalitários que assolaram e arrasaram o Velho Continente.

Fonte: Gisele Leite e Ramiro Luiz Pereira da Cruz

Comentários: (0)




Oliver Wendell Holmes Jr., é figura referencial do realismo jurídico dos EUA, sendo um jurista militante e um filósofo diletante e, levou o pragmatismo jurídico ao extremo, atuando como juiz da Suprema Corte norte-americana de 1902 a 1932, discordando frequentemente de opiniões formalistas, o que valeu o apelido de the great dissenter, o grande prolatador de votos vencidos.

Como jurista antecipou as grandes mudanças da jurisprudência dos EUA que tanto marcaram o século XX. Holmes nascera em 1841 e faleceu em 1935, exatamente três anos após ter-se aposentado da Suprema Corte.

Seu pai, Oliver Wendell Holmes lecionou medicina na Universidade de Harvard e foi um dos mais conhecidos escritores norte-americanos do século XIX.

Holmes Jr. frequentou e conviveu com a elite do pensamento norte-americano, a exemplo de Charles Sanders Peirce[1], de William James[2] com quem se reunia habitualmente, em agremiação filosófica que fundaram, o chamado Clube Metafísico.

O pai de Holmes também havia estudado Direito, embora, ao que consta, odiasse o estudo das leis e de antecedentes jurisprudenciais, tendo abandonado o curso, justificando sinceramente a atitude, ao afirmar que era desagradável estudar direito, a opção subsequente foi mesmo a medicina, embora a literatura representasse seu maior interesse.

O pai de Holmes em uma carta datada de 1831 confessava que a advocacia é profissão daqueles que querem a selvageria, enquanto a medicina seria a ocupação de comedores de ópio que amam as desilusões. Holmes viveu na companhia do pai até seus trinta anos e, mesmo depois que se casou foi residir na casa do pai.

Destaca-se que Holmes lutou na guerra civil norte-americana, o que lhe marcou profundamente, servira como tenente e foi ferido várias vezes e, quase perdeu um dos pés, caiu preso entre os confederados, conseguiu retornar a Boston, e graduou-se em Direito, a partir de então, desenvolveu prolífica carreira.

É certo que sentiu medo da guerra, e desenvolveu percepção de profunda desconfiança para com a bondade humana. No derradeiro ferimento sofrido na guerra, quase perdeu a perna. Ficou por mais de nove meses distante dos sangrentos campos de batalha. Mas, o seu retorno à família fora triunfal. Sublinhe-se que Holmes era um abolicionista.

Tendo frequentado Harvard por força da tradição familiar. Indiscutivelmente, é o maior nome do pensamento jurídico norte-americano, ao qual imprimiu percepções e soluções práticas e pragmáticas, distanciando-se de problemas conceituais e metafísicos de problemas conceituais e metafísicos que marcavam e ainda marcam o pensamento jurídico europeu.

Holmes foi o primeiro juiz moderno a adquirir status de celebridade e, desde sua morte, tem sido festejado por muitos e, também condenado por tantos outros. E, mesmo depois mais de meio século de seu falecimento, ainda é tema de biografia e de estudos analíticos sobre o Direito e a Jurisprudência.

Voltando-se ainda à sua biografia, depois de ter concluído o curso de Direito, Holmes advogou e realizou pesquisas de história jurídica, sendo convidado a lecionar em Harvard, por Charles Eliot.

Convidou também uma série de jovens talentosos para lecionar como John Gray, Henry Adams, John Fisle aceitou a proposta, porém deixou bem claro que abandonaria o magistério se eventualmente que abandonaria o magistério se eventualmente fosse apontado para a magistratura, carreira que havia escolhido.

Aceitou ser professor, porém informou que abandonaria o magistério se fosse apontado para a magistratura que era a carreira que havia escolhido. E, no modelo dos EUA não há concursos públicos, o recrutamento se dá por indicação política.

Assim, juízes estaduais são indicados pelos governadores, enquanto os juízes federais e de tribunais federais superiores, como a Suprema Corte, são indicados pelo Presidente da República e, posteriormente, são sabatinados pelo senado. Holmes foi indicado[3] para uma vaga na Suprema Corte de Massachusetts.

Holmes estava lecionando em Harvard por apenas dois meses. Deixou os alunos no meio das aulas, não teria consultado ou informado seus colegas de magistério superior. O diretor da faculdade de Direito teria tido notícia da ida de Holmes para a Suprema Corte de Massachusetts pelos jornais. Holmes deixou a faculdade sem tomar o cuidado de aguardar a contratação de um sucessor, como era hábito.

De acordo com os principais detratores de Holmes Jr., seu plano era o de ser reconhecido como o maior jurista do mundo, ou seja, the greatest jurist in the world. Mas, foi uma figura contraditória, pois professava certa simpatia por práticas de eugenia, refutava a plena validade do direito natural, o que lhe trouxe a desconfiança e a antipatia de muitos segmentos católicos e religiosos.

Por outro viés, em sua biografia consta que manteve casamento de sessenta anos com sua esposa, Fanny Bowditch Dixwell Holmes, convivência que era encarada como um monumento ao matrimônio, o que provocou admiração.

Além de grande jurista, foi, sem dúvida, um grande intelectual, uma notável pessoa, e distinto norte-americano, dotado de grande vida. Registra-se que Holmes visitava semanalmente o túmulo da esposa e, conta-se que, quando Fanny faleceu, teria escrito que ela, por sessenta anos, havia feito da vida uma poesia para ele.

Havia boatos e suspeitas de que tivera uma amante inglesa e até aristocrática, conhecida como Lady Castledown. e para quem teria escrito cento e três cartas românticas, que ainda existem e veio a ser citadas no ensaio de autoria de David Seipp (1977), professor de história do direito da Universidade de Boston, e que defendeu Holmes na obra intitulada The Path of Law, em estado de grande paixão e euforia amorosa, e que o texto indica indícios de paixão romântica.

De qualquer maneira, Holmes é considerado um herói do Direito dos EUA. Benjamin Cardozo[4] o reputava o senhor de todo o direito e da filosofia do direito, o mais perfeito jurista de seu tempo.

Charles Wyzanski afirmava que, como a estátua A Vitória de Samotrácia, Holmes Jr., era o ápice de cem anos de civilização. Thomas Grey afirmara que Holmes era o maior oráculo do pensamento jurídico dos EUA. Tinha a mente mais distinta de seu tempo. Já para Morton Horwitz seria o único pensador jurídico de todo os EUA. Seria o mais perfeito ideal buscado por um advogado norte-americano.

Assim, Holmes Jr. fora beatificado, como um homem brutalizado pela guerra civil, tornou-se um grande jurista e pensador. Era brilhante e trabalhou muito arduamente e com seriedade. Além de ser, segundo alguns e algumas, um portador de um charme extraordinário.

Toda a trajetória de Holmes Jr., pode ser dividida em três fases. A primeira fase é quando exercia a advocacia, advogou com seu irmão Ned, por breve tempo. Quando, enfim, desencantou-se com a advocacia.

A segunda fase marca momento marcado pela pesquisa que lhe propiciou seus dois livros, a saber;

The Common Law e The Path of the Law. E, nesses textos encontram-se os principais pontos de seu pensamento, bem como do realismo jurídico, que é também denominado de movimento de pragmatismo jurídico[5].

A visão de Holmes Junior sobre a matéria contratual é bem eloquente. Na obra The Common Law, Holmes Jr. criticou o formalismo, corajosamente afirmando de que a decisão judicial não é mera aplicação de precedente judicial, embora, insinuasse que um bom juiz inconscientemente julgava de acordo com os padrões médios da sociedade em que vivia.

Hostilizou o pensamento de Christopher Columbus Langdell, ex-diretor de Harvard, que havia firmado o formalismo jurídico[6] nos EUA. E, na outra obra, cujo texto de abertura é antológica trouxe, in litteris: “Quando estudamos direito, não estamos tratando de um mistério, porém de uma profissão muito conhecida.

Estudamos o que devemos buscar ao falarmos com um juiz, ou como aconselhar as pessoas de modo que elas evitem problemas e fiquem distantes dos tribunais.

A razão pela qual o direito é uma profissão, os motivos pelos quais as pessoas pagam advogados que as representem junto aos juízes, reside no fato de que, em sociedades como a nossa, o comando da força pública está concentrado em juízes, que movimentam toda força do Estado, se necessário, para o implemento das decisões judiciais.  As pessoas querem saber sob quais circunstâncias e até onde elas correm riscos de se encontrarem em face do que é muito mais forte do que elas, e consequentemente isso se torna um negócio a resolver, quando tal perigo é fonte de temor.  O objeto de nosso estudo, então, é previsão, é a previsão da incidência da força pública como instrumento das cortes de justiça”.

O direito como mecanismo conceitual de previsão é tema central nas reflexões de Holmes Junior criticou o formalismo, corajosamente, afirmando que a decisão judicial não é a mera aplicação de um precedente, embora, bem entendido, insinuasse que um bom juiz inconscientemente, julgava de acordo com os padrões.

E ele esforçava-se para não confundir a previsão jurídica com base nas tendências e no comportamento de quem diz o direito, da mera leitura e do simples exercício estatístico dos precedentes judiciais:

“Boa parte de nossas previsões quando generalizadas e reduzidas a um sistema não formam um todo tão grande ou de difícil manejo. Elas se apresentam como um corpo finito de dogmas que pode ser dominado dentro de um lapso razoável de tempo.

Trata-se de um grande engano quando nos assustamos com o crescimento do número de julgados e de precedentes judiciais. Os julgados de uma determinada jurisdição ao longo de uma geração levam em conta o conjunto do direito disponível, interpretando esse conjunto a partir dos pontos de vista da época na qual o direito é aplicado. Podemos reconstruir esse conjunto (...) a utilização de julgados antigos é prioritariamente histórica (...)” (HOLMES, 1992).

Na obra The Path of the Law onde evidenciou quem é consumidor do direito, o bandido, o fora da lei, o bad man, para usarmos a figura de linguagem que ele criou. É para ele, o bad man, que o direito foi criado. é ele o principal consumidor do direito.

O criminoso ou bad man é anunciado, in litteris:

   “Pode se ver que um criminoso tem tanta razão quanto tem um homem correto para evitar as forças públicas, que representam a justiça, e disso consequentemente pode se deduzir a importância prática da distinção entre moralidade e direito. Um homem que não liga nada para uma regra ética praticada por seus vizinhos provavelmente não ligará muito para evitar ser forçado a pagar alguma coisa na tentativa de ficar fora da cadeia, se isso conseguir” (HOLMES, 1992)

Holmes Jr., desconfiava da separação entre direito e moral. E, David Seipp investigou as prováveis fontes literárias do bad man de Holmes, identificando-o em um livro de 1896, que Holmes certamente teria lido, de autoria de Melville Davidson Post, com o título The Strange Schemes of Randolph Mason.

Para David Seipp o bad man de Holmes Jr., pode ser qualquer advogado que aconselhe um bandido e, que pode tornar tão mau quanto o criminoso que ajuda.

Holmes teria sido abalado na infância pelas notícias de um crime horrível que ocorrera em Boston, e que consistira no assassinado e esquartejamento de certo Dr. George Parkman, que ouviu, falar em casa, porque seu pai havia testemunhado no caso.

Para Seipp (1997), Holmes percebia que eventuais distinções entre direito e moral não devem emergir de generalizações abstratas, porém, devem surgir de representações concretas, como as que teve na infância, e com a concepção do criminoso que nominou de bad man.

O bad man serviria a um propósito pragmático. Para Holmes (1992), “se você quer conhecer o direito (...) basta olhar para a situação como um criminoso, que liga apenas para as consequências materiais que tal conhecimento propicia a ele prever, e não como uma pessoa correta, que encontra razões para sua conduta, tanto no direito como fora do direito, nas vagas sanções ditadas por sua consciência”.

Uma última fase mostra-nos Holmes exercendo a magistratura nas cortes supremas, em Massachusetts, e depois em Washington. Holmes trabalhava freneticamente e redigia seus votos com espantosa velocidade e precisão (BOWEN apud Godoy, 1944). Holmes criou e desenvolveu a teoria moderna do federalismo, distanciando-se de ideias formalistas que fracionavam o modelo em feições verticais e horizontais.

Holmes Jr. percebia que o federalismo deveria ser convergente, prospectivo, e que o regime que fundamenta o pacto federativo centra-se menos na repartição convencional de competências abstratas e mais em engenharias constitucionais prenhes de criatividade, na mira do bem comum.

Holmes concebeu projeto de limitação de intervenções do judiciário, o judicial self-restraint, ideia que será apropriada pela guinada à direita que a Suprema Corte norte-americana vem desenvolvendo, desde a ascensão dos conservadores republicanos, a partir da administração Ronald Reagan, condicionante de um minimalismo judicial preocupante.

Cumpre destacar também que Holmes Junior também insistia na flexibilidade da interpretação constitucional e, a constituição para o juiz não é necessariamente um ser vivo e mutante; no entanto, gerações presentes não são prisioneiras do passado.

As soluções pretéritas não são obrigatoriamente mais adequadas para os dias contemporâneos. Holmes Jr. desconfiava do tradicionalismo como justificador da autoridade, ao usarmos a concepção Weber[7].

Holmes Jr., também desenvolveu o princípio exegético relativo as questões de liberdade[8] de expressão, garantindo-a, de modo relativo, na medida em que critério de perigo claro e eminente (clear and present danger) deveria ser o único a orientar o intérprete.

Holmes Jr.se posicionava ao lado do trabalhador nas demandas trabalhistas e rejeitava também o jargão dos especialistas, escrevendo do menos formal que possível.

Embora, recorrentemente, discordando de seus colegas da Suprema Corte, Holmes Jr. fazia-o com retórica impressionante e de forma elegante. Seu voto no caso Commonwealth versus Perry principia de forma como segue, colocada em português, com os prejuízos naturais da inexistência de uma hermenêutica diatópica, que propicie esperanto jurídico incontestável, in litteris:

“Eu tenho o desprazer de discordar de meus pares. Tenho submetido extensivamente meus pontos de vista e, considerando-se a importância da questão trazida a juízo, sinto-me obrigado a tornar pública, por meio de breve passagem, as razões de minha discordância, não obstante o respeito e a deferência que tenho para com o julgamento daqueles em face de quem eu discordo” (HOLMES, apud Godoy 1992).

No caso Northern Secuties Company versus United States[9], um elefante exórdio anuncia a discordância, in litteris:

   “Não consigo concordar com o julgamento da maioria desta Corte, e, embora eu pense que seja desnecessário indesejável, como regra, anunciar um voto vencido[10], sinto-me obrigado a fazê-lo nesse caso e então explicou as minhas razões.

Grandes questões e questões complicadas fazem um péssimo direito. Porque os grandes julgamentos são chamados de grandes, não tanto pela importância que têm em delinear a jurisprudência a ser seguida, mas prioritariamente porque um acidente qualquer provocou um demasiado interesse no caso, apelando para sentimentos que distorcem o julgamento.

Interesses imediatos exercem uma pressão hidráulica no julgador, fazendo aquilo que era claro parecer duvidoso (...).

Em carta endereçada a Harold Laski, o célebre juiz dizia não gostar de ser maculado como o discordante, o homem do voto vencido, dizendo que estava expressando suas expressões jurídicas e não lutando numa rinha.

No seu mais afamado voto vencido, no caso Lochner versus New York e principiou de forma dramática:

   “Eu sinto muito em não poder concordar com o julgamento que está sendo proferido no presente caso, e sinto que é minha obrigação de expressá-lo. Este caso está sendo julgado a partir de uma teoria econômica com a qual uma boa parcela da população deste país certamente não concorda. Se consistisse a questão meramente em se saber se eu concordo com essa teoria, eu deveria estudá-la muito mais a fundo antes de expressar minha opinião. Porém realmente sinto não ser essa a minha obrigação, porque acredito que minha concordância ou minha discordância em nada se relacionam com o direito que a maioria tem de expressar suas opiniões jurídicas”.

Nesse mesmo julgado, que tratava de proibição de que donos de padaria contratassem padeiros para jornadas laborais superiores a dez horas, Holmes Jr. condenou o liberalismo econômico, observando que a Constituição dos EUA não sufragava as estatísticas sociais de Herbert Spencer, pensador inglês que pregava o darwinismo social[11]. Holmes preferia ouvir e julgar a partir das sustentações orais dos advogados norte-americanos, desprezando petições e memoriais que lhe eram enviados.

Holmes cunhou epigramas mais recorrentes e frases mais famosas do linguajar jurídico norte-americano. Segundo Holmes (1992), “proposições gerais não decidem casos concretos”. É sua a mais eloquente passagem do realismo jurídico norte-americano:

“A vida do direito não tem sido lógica: tem sido experiência. As necessidades sentidas em todas as épocas, as teorias morais e políticas que prevalecem, as intuições das políticas públicas, claras ou inconscientes, e até mesmo os preconceitos com os quais os juízes julgam, têm importância muito maior do que silogismos na determinação das regras pelas quais os homens devem ser governados. O direito incorpora a história do desenvolvimento de uma nação através dos séculos e não pode ser tratado como se compreendesse tão-somente axiomas e corolários de livros de matemática. De modo a se saber o que é o direito, deve se saber o que ele tem sido e qual a tendência que há de se transformar. Deve se consultar alternativamente a história e as teorias jurídicas existentes” (HOLMES, apud Godoy 1991).

A imagem de que o direito não é Lógica[12], é experiência, é no entender de Richard Posner[13], a mais famosa sentença que Holmes Junior jamais teria escrito.

Para Holmes Jr. até cachorros sabem a diferença entre tropeçar e levar um chute, passagem desconcertante que revela simplicidade provocante. Excertos de Holmes Jr. influenciaram, inegavelmente, o medo como os advogados nos EUA pensam sobre o direito.

No entanto, na verve dos críticos de Holmes Jr com exceção de cinco parágrafo, o livro intitulado The Common Law seria confuso, túrgido, não obstante reputado como o melhor trabalho sobre a teoria do direito nos EUA. Por outro viés, Holmes transitava em campos conceituais distintos do que pensamento jurídico de sua época havia assentado como correto.

A liderança de Holmes Jr. representou uma revolta contra o formalismo jurídico, atacando o conceitualismo que havia por muito tempo triunfado em Harvard, no tempo de Christopher Columbus Langdell. De toda sorte, é em Holmes Junior que a esquerda e a direita do pensamento norte-americano paradoxalmente radicam seus pontos de vista.

Trata-se da famosa teoria da ferradura, e o que percebe em Holmes as raízes do pragmatismo[14] do movimento law and economics[15], bem como o antiformalismo radical do grupo critical legal studies[16].

Em relação a esse derradeiro grupo, Holmes Jr. vincula-se na medida em que anunciava que os juízes decidem “mais ou menos de acordo com as preferências e preconceitos pessoais” (ALSCHULER, 2000). É que, para Holmes, o direito acaba redundando no exercício de um poder orientado para a satisfação de interesses pessoais (ALSCHULER, apud Godoy, 2000).

O pragmatismo jurídico que Holmes Júnior concebeu persiste na concepção de direito ensinado nas escolas norte-americanas. O ceticismo que marca seu pensamento influencia críticos e neoliberais[17].

Holmes preocupava-se com questão pedagógica central na experiência jurídica. O que deve estudar o aluno de direito? O que deve estudar o advogado, o juiz? Qual o sentido de uma preparação especializada? Qual a importância de uma educação jurídica generalista? A citação é longa, porém provocante e atual:

“Por vezes ouço um desejo expresso por um impaciente, dizendo que o ensino tem que ser mais prático. Lembro-me então de um sábio que dissera a um amigo meu quando este último começava a sua vida profissional: ‘Não estude muito direito não’, e eu penso que possamos imaginar momentos em que esse conselho seja útil.

Porém ainda algo muito mais útil foi a mim dito (...) quando alguém não menos sábio me falava que ‘o negócio do advogado é conhecer o direito’.

Era propósito daquele professor de Harvard que seus alunos estudassem e conhecessem direito (...) E penso que o professor estava totalmente correto, não apenas em relação aos fins que perseguia, porém também no que toca aos meios que propunha para que tais fins fossem alcançados.

Sim, esta faculdade tem sido, e espero que continue, um grande centro no qual advogados ganham e aperfeiçoam conhecimentos, e do qual os jovens, muito mais inspirados pelos exemplos do que pelos ensinamentos, continuam avançando, não para imitar o que seus mestres têm feito, porém para viverem livremente suas vidas (...)  As pessoas formadas por esta faculdade [Harvard] podem nem sempre ser os que mais conhecem o modo de avançar na profissão (...) porém são orgulhosos na convicção de que o conhecimento para o qual consagraram suas vidas é consagrado para assuntos que realmente interessam ao mundo.

Trata-se do conhecimento do pensamento abstrato, da ciência, do belo, da poesia e da arte, de cada flor da civilização, na busca de um solo generoso que as abrigue e alimente. Se não encontram esse solo, as flores morrem. Porém, o mundo precisa muito mais das flores do que as flores precisam de vida” (HOLMES, apud Godoy 1992).

Holmes Junior lembrou alguém que lhe dissera que na Rússia havia muitos especialistas na classe média, enquanto nas classes mais altas havia muito mais gente civilizada. Assim, imaginava professores de direito que fossem recrutados entre os que melhor produzissem nas respectivas gerações.

Para o grande e notável juiz, os professores de direito deveriam oxigenar a produção de seus alunos, é de um tempo que que a América ainda desprezava advogados, em benefício de comerciantes, que, não obstante, ganhavam a vida de modo questionável, segundo a biografia de Holmes Junior.

Quando Holmes estudou direito, ele complementou a educação pessoal com intermináveis leituras que incluíam Montesquieu, Platão, David Hume[18], John Locke, Stuart Mill[19], Spencer.

E, ainda, recordou-se de Thomas Jefferson havia aconselhado que estudantes de Direito fizessem de todos os campos do conhecimento uma esfera de aprendizado pessoal; bacharéis, segundo o conselho de Thomas Jefferson (orientação que Holmes seguiu fielmente), deveriam ler ciências naturais, história, belles-lettres, crítica literária, retórica, oratória, e deveriam ler do nascer do sol à hora de dormir, o tempo todo (BOWEN apud Godoy, 1944).

No tempo em que Holmes foi para a faculdade de Direito, vivia-se o ocaso e a decadência do generalismo pregado por Jefferson, assistia-se ao desenvolvimento do pensamento especializado e formal, que Holmes criticou ao longo de sua vida (BOWEN, 1944).

Holmes recusou outras oportunidades de trabalho, como chefiar uma embaixada.

Holmes adorava o que fazia, gostava do direito, e pretendia transformar suas ideias em jurisprudência, no sentido americano do termo, isto é, em filosofia do direito. Holmes pretendia demonstrar como soluções particulares decorrem e envolvem teoria geral, e pretendia fazê-lo com estilo (HOLMES, 1992).

Holmes dizia admirar um conhecido advogado de Boston, Charles Lorging. É que a sogra de Holmes reputava Lorging como um grande homem e como um advogado excepcional, porque ele jamais teria aceitado uma causa na qual não acreditasse. Holmes (1992) arrematava dizendo que isso se devia ao modo sardônico como Lorging via suas causas...

Holmes era um, enfim, um realista, no sentido próprio e pessoal da própria conduta. Escreveu que sempre perguntava pelo preço das coisas, que procurava saber o quanto custava qualquer interesse que tinha, especialmente, quando estava obstinado com algo mais luxuoso. Individualista, o juiz acreditava que uma aceitação tácita de que os interesses sociais são comuns indicava falsidade. E, para ele, as leis circunstanciam os aspectos empíricos da vida social.

Em passagem famosa pelo movimento critical legal studies, Holmes Jr. escreveu que a lei é instância por meio da qual um grupo que detém o poder impõe ao menos poderoso os ônus e obrigações desagradáveis.

O individualismo de Holmes Jr. foi bem explícito e, alusivo em carta a Harold Laski[20], na qual Holmes escreveu que não via nenhum direito de seu vizinho ter parte do pão que, ele, Holmes Jr. Havia ganho.

E, também, escreveu para Laski que os direitos para um determinado grupo são aqueles pelos quais o grupo tem tudo. Assim, os juízes têm a tendência à ingenuidade, eram pessoas de mentalidade média, quando deveriam assumir um pouco de Mefistófeles[21].

É que todos precisaríamos ser educados para o óbvio, isto é, para aprendermos a transcender de nossas próprias condições e circunstância, de forma a deixarmos espaço para coisas que acreditamos, a fim de que realizemos nossas ideias com pequenas revoluções, que se fariam ordeiramente, mediante mudança bem-comportada do direito que nos rege.

Holmes Junior definiu o direito como um corpo de crenças triunfantes batalha das ideias, traduzidas em ação. Em discurso feito em banquete entre advogados em 1902, Holmes (1992) dizia ver o direito como um todo orgânico, como uma reação da tradição em face de tendência, desejos e necessidades da comunidade.

E, com muita simplicidade, embora com imenso sentido realista, Holmes (1992, p. 163) observou que a profecia do que juízes e cortes fazem e decidem de fato, e nada mais do que isso, e nada mais pretensioso, é que se deve entender por direito.

No entanto, é recorrente também em Holmes Júnior (1992) atitude de veneração para com o direito, e particularmente para com o direito norte-americano.

E, o excerto seguinte parece comprovar a assertiva:

 “Eu venero o direito, especialmente o nosso modelo jurídico [o norte-americano, que reputo como um dos mais vastos produtos da mente humana. Ninguém sabe melhor do que eu o incontável número de grandes intelectos que tem se dedicado em melhorar ainda mais esse modelo jurídico (...) não se trata de um sonho hegeliano, porém uma parte da vida dos homens. Mas pode se criticar também aquilo que se reverencia” (HOLMES, apud Godoy 1992).

Outro suposto paradoxo é revelado por surpreendente afirmação de Holmes (1992), para quem “a teoria é o meu tema e não pormenores práticos (...) a teoria é a mais importante parte do dogma do direito, como o arquiteto é a figura mais importante na construção de uma casa”. E ainda, Holmes curva-se à tradição, ao passado, ao pacto que a cultura jurídica norte-americana tem com o precedente, com a jurisprudência.

É que, em discurso proferido em Harvard, em 25 de junho de 1895, Holmes (1992) afirmava que “o direito, tanto quanto dependa de seu estudo, é, de fato, como tem sido dito, o governo dos vivos por meio dos mortos”. Para Holmes (1992), “o direito não é campo de estudo para artistas ou poetas; é um chamado para pensadores”.

Em certo sentido de interdisciplinaridade também nos é revelado, na conclusão da palestra ministrada em Harvard, em 17 de fevereiro de 1886, in litteris:

     “Se o seu tema de estudo é o direito, o caminho exige o estudo da antropologia, da ciência do homem, da economia política, da teoria da legislação, da ética e de várias sendas que conduzem a uma visão de vida (...)

Para dominar qualquer campo do conhecimento, você deve dominar todos aqueles que se aproximam de seu tema principal; de modo que, para conhecer alguma coisa, você deve conhecer tudo” (HOLMES, 1992).

Nota-se que a definição de cultura em Holmes Junior é, absolutamente pragmática, evidentemente significa mais madeira em estoque do que madeira na fornalha, uma quantidade suficiente para que você não seja obrigado a ir cortar mais madeira. Holmes Junior repudiava a lógica, e sua eventual utilidade na concepção e na prática do direito, observando que é falácia se imaginar que o desenvolvimento do direito seria resultado da utilização de métodos lógicos.

Enfim, para o grande Holmes Junior, os juízes primeiro decidem; e, depois, encontram a razão e a justificativa lógica para o julgamento feito e para a decisão judicial prolatada. E, de modo mais efusivo, in litteris:

  “(...) A preparação de advogados é um treinamento em lógica. Os processos de analogia, separação e dedução são aqueles nos quais o advogado se sente com maior familiaridade. A linguagem das decisões judiciais é basicamente uma linguagem lógica (...)

Porém a certeza lógica é uma ilusão e certamente não é marca do destino humano. Por detrás da lógica reside um juízo de relativo valor e importância, referente a leis e teses que estão competindo, marcando com frequência um julgamento desarticulado e inconsciente (...). Pode se dar para qualquer conclusão uma forma lógica.

Pode-se sempre se encontrar uma condição implícita em um determinado contrato. Mas, por que essa específica condição foi escolhida?” (HOLMES, 1992).

Holmes (1991) insistia que os parâmetros de uma decisão são puramente práticos, e que jamais poderiam ser apreendidos da gramática ou da lógica. O pragmatismo de Holmes o afasta do culto ao passado e a veneração para com sutilezas dos raciocínios silogísticos. Holmes pretende-se um prático. E o seguinte excerto é ilustrativo dessa imagem: “Devemos tomar cautela para com as ciladas da reverência ao passado”.

Devemos nos lembrar que nosso interesse no passado reside tão-somente nas luzes que eventualmente ele poderia jogar em nosso presente. Espero o tempo em que o papel protagonizado pela história na explicação dos dogmas do direito seja muito pequeno, e, ao invés de uma pesquisa ingênua, deveríamos gastar nossas energias nos fins que buscamos e na indagação às razões pelas quais desejamos tais fins. Um passo nesse sentido dá-se com a recomendação para que todo advogado estude economia.

O presente divórcio entre as correntes da economia política e da teoria do direito parece-me uma prova do quanto ainda devemos progredir em nossos estudos de filosofia.

No presente estado da economia política, de fato, aproxima-se de novo da história (...), porém na verdade se exige que sopesemos os objetivos das leis que temos, os meios para que possamos conquistá-los, bem como os custos que tudo isso envolve. Aprendemos que, para que possamos obter algo, devemos abrir mão de outras coisas.

Nos ensinam que devemos comparar as vantagens que obtemos com as desvantagens decorrentes daquilo que perdemos. Devemos saber bem o que fazemos quando escolhemos” (HOLMES, 1994).

Nas decisões que redigia, Holmes explicitava sua visão de mundo, de ciência, mostrando-se muitas vezes além de seu tempo e das discussões que agitavam a sua época.

No caso Towne versus Eisner (245 U.S. 418-1918)[22], Holmes (1992) escreveu que “não é necessariamente verdade que a palavra ‘renda’ signifique a mesma coisa na constituição e nas leis (...) uma palavra não é um cristal, transparente e imutável; é a pele que encobre um pensamento vivo e pode variar muito de tamanho e de conteúdo de acordo com a circunstância e com o tempo em que seja utilizada”. É que, para Holmes (1992), na teoria da fala, “o seu nome significa você e o meu nome significa eu, e os dois nomes são diferentes (...) eles são palavras diferentes”.

Nas questões de criminologia, Holmes Junior possui seu próprio referencial. Criticava abertamente as escolas criminológicas da sua época que se concentravam no criminoso e não no crime.

Afirmou que, se o criminoso é sujeito doente, movido por necessidade orgânica, psíquica, a exemplo dos motivos que impulsionam uma cascavel para que morda, seria mais doentio, ainda cogitar-se nos métodos tradicionais de encarceramento, para controle do criminoso.

Se o crime, como uma conduta humana normal, é questão de imitação, a punição bem poderia servir para diminuir a criminalidade. Outo passo, sugere uma criminologia própria, in litteris:

   “Tem sido pensado que o motivo determinante da punição seja a reabilitação do criminoso; isto é, o objetivo é de impedir que o criminoso cometa outros crimes e que as pessoas em geral cometam crimes similares; e isto é uma retribuição. Poucos iriam sustentar que o primeiro destes propósitos é apenas um.

E se fosse assim, todo prisioneiro deveria ser colocado em liberdade assim que ficasse claro que ele jamais voltaria a cometer o mesmo crime, e se não há cura nem remédio para o prisioneiro, ele nem mesmo deveria ser punido. Certamente seria difícil conciliarmos a pena de morte com essa doutrina”.

E, ainda no mesmo tema:

  “Deve ser levado em conta, por outro lado, que, se o objeto da punição é a prevenção, a mais pesada punição deve ser usada como ameaça quando os mais fortes motivos determinam sua utilização; e as leis primitivas parecem ter às vezes aderido a esse princípio. Porém se alguma ameaça irá barrar um homem que age sob a paixão e o calor do momento, uma ameaça inferior à pena de morte seria suficiente, e consequentemente a pena de morte tem sido, no entanto, excessiva” (HOLMES, 1991).

Para Holmes (1991), “um ato é sempre uma contração muscular voluntária, e nada mais”. Holmes lembramos Spencer[23] ou Darwin, ao perceber no ato criminoso contrações musculares espasmódicas.

Holmes já foi indicado como o Nietzsche norte-americano (POSNER apud HOLMES, 1992, p. xxviii). Era um cético, como Nietzsche, e bem sabia que o direito não consiste na busca de um maior bem para um maior número de pessoas, como quer a grande narrativa utilitarista; o direito é questão de quem leva o quê, é o interesse próprio na busca do poder (ALSCHULER, 2000). Em carta para Felix Frankfurter,

Holmes escreveu que concordava plenamente em “que o direito deveria ser um bem se refletisse a vontade das forças dominantes em uma determinada comunidade, mesmo que se nos mandasse diretamente para o inferno

Holmes sugere-nos que o direito é política, e que juízes e advogados defendem a neutralidade apenas quando o resultado os interessa (ALSCHULER, 2000).

Para Holmes Junior um ato é sempre uma contração muscular voluntária e, nada mais. Holmes já foi indicado como o Nietzsche norte-americano. Era um cético, como Nietzsche[24] e, bem sabia que o direito não consiste na busca de um maior bem para um maior número de pessoas, como quer a grande narrativa utilitarista; o direito é questão de quem leva o quê, é o interesse próprio na busca do poder.

Em carta para Felix Frankfurter[25], Holmes escreveu que concordava plenamente em “que o direito deveria ser um bem se refletisse a vontade das forças dominantes em uma determinada comunidade, mesmo que se nos mandasse diretamente para o inferno” (ALSCHULER, 2000). Holmes sugere-nos que o direito é política, e que juízes e advogados defendem a neutralidade apenas quando o resultado os interessa

A eugenia é questão frequente no tempo de Holmes Junior que, sobre o tema, manifestou-se de diversas formas. A crença na eugenia é sinal de pensamento progresso no tempo em que o juiz viveu.

É difícil julgá-lo, portanto, com olhos contemporâneos, e ao usarmos o modelo de Thomas Kuhn, que, em seu livro seminal escreveu que "cada revolução científica altera a perspectiva histórica de uma comunidade que a experimente".

Apesar de ter confessado não ter lido Darwin ou Spencer, em correspondência endereçada a Morris Cohen, de 5.2.1919, Holmes Junior afirmou que indiretamente conhecia tais autores, que estavam no ar.

Tendente a autorizar a esterilização de doentes mentais, no caso de Buck versus Bell, Holmes Junior escreveu que a experiência tem mostrado que a hereditariedade protagoniza importante papel na transmissão de insanidade e da imbecilidade.

Essa passagem considerada assustadora, no mesmo julgado, Holmes Junior, in litteris:

  “É melhor para todo o mundo que, ao invés de esperarmos que se executem descendentes de criminosos, ou deixar que eles morram de fome por conta da imbecilidade, a sociedade deve se prevenir contra aqueles que são manifestamente inadequados para a continuidade da espécie humana. O princípio que justifica a vacinação compulsória da população é amplo o suficiente para que se cortem as trompas de Falópio. Três gerações de imbecis já é demais”.

Holmes percebia a vida como uma competição (Cf. ALSCHULER, 2000), concepção que transborda Spencer e Darwin, pensamento dominante na virada do século XIX para o século XX. A vida lembraria uma corrida de cavalo, de barco, uma expedição para o Polo Norte, um mergulho nas cataratas do Niágara, um duelo de espadas (ALSCHULER, 2000).

Inadequados para a competição deveriam ser exterminados, e afirmação, colhida diretamente de um crítico, é realmente constrangedora para o leitor contemporâneo.

Tanto que cogitou sempre da esterilização de imbecis, em julgado de 1927, que sustentou legislação nesse sentido, assim, se aproximou do darwinismo social, que defendia que a pobreza, o sofrimento e a fome, assim como a guerra, seriam métodos que a natureza se utilizava para eliminar os inadequados à sobrevivência.

O ceticismo ético de Holmes é manifestado na veneração que seus julgados refletem em relação à luta e às metáforas daí advindas.

O crítico de Holmes afirma que seus julgados revelam falta de simpatia para com direitos e pretensões de estrangeiros (ALSCHULER, 2000).

Holmes também parece pós-moderno para o leitor atual, na medida em que firmemente rejeitava a metafísica, especialmente mediante sistemático repúdio às abstrações jurídicas totalizantes, embora, ainda ambiguamente, tivesse escrito que “civilização é a redução do infinito para o finito” (HOLMES, 1992).

Em missiva para Harold Laski, datada de 1º de agosto de 1925, Holmes (1992) escreveu que não ligava para direitos abstratos, bem como abertamente escreveu que falhava em respeito pelo conceito de igualdade. Isso torna muito ambígua sua posição em relação à questão social, e aceitação de que o capitalismo admitiria a luta de classes como um indicativo de competição, em sentido antípoda ao conceito do marxismo, e em relação convergente com o darwinismo social que marcava seu modo de pensar.

É exatamente o que se percebe na leitura de voto de Holmes no caso Vegelahn versus Guntner (167 Mass. 92, N.E. 1077- 1896). No referido julgado, Holmes (1992, p. 126) escreveu que:

   "Tenho visto sugestão dando conta de que o conflito entre patrões e empregados não é uma competição. Porém, corro risco de afirmar que nenhum de meus colegas nesta Corte iria se basear nessa sugestão.

Se a política sobre a qual se baseia nosso direito é centrada na expressão definida livre competição, poderíamos substitui-la por livre luta pela vida. Certamente esta política não é limitada por lutas entre pessoas da mesma classe competindo pelos mesmos objetivos. Ela se aplica a todos os conflitos de interesses na vida.

Assim, Holmes Junior defendia o direito de greve[26] e o fez através do voto vencido no caso Plant versus Woods (176 Mass. 492, 57 N.E> 1011-1900) da seguinte forma: “Embora eu ache que a greve seja um instrumento legal na luta universal pela vida, eu também sei que também é pura fantasia supormos que por esse método o trabalho asseguraria uma maior parcela de produção no capital (...) acho que seja legal um grupo de trabalhadores tente ganhar mais, embora o façam às custas de alguns colegas, e que com essa finalidade fortaleçam os sindicatos pelos boicotes e pelas greves”.

Holmes (1992) também defendia a função social da propriedade, e o fez de modo enfático:

     “Se um homem detém metade do trigo no país e anuncia sua intenção de queimá-lo, tal abuso de propriedade não seria tolerado. O povo iria matá-lo antes que ele queimasse o trigo”.

Enfim, o posicionamento de Holmes Junior quanto à tributação era firma no sentido de vincular exações com resultados sociais. Enfim, os tributos, em termos de resultados, significam tomada de parte do produto anual de um país para os propósitos do governo, e não pode significar nada mais do que isso.

Qualquer que seja o modo de imposição, tributos devem ser suportados pelo consumidor, isto é, especialmente pelos que trabalham e lutam pela comunidade.

Sobre a metafísica, o juiz em carta dirigida a Harold Laski, de 27.01.1929, lembrou de um fato de sua infância que bem ilustrava sua rusga contra o abstrato:

    “Quando eu era ainda um garoto, meu pai ensinou uma lição filosófica perguntando-me que gosto tem o sal. Ele me disse que eu não poderia respondê-lo, do mesmo modo que eu não conseguiria ensinar a um cego como são as cores. Há muitas questões em relação às quais deve se saber a resposta de antemão, ou jamais se poderá saber algo sobre elas”.

Também repudiava a história que deveria ser recontada na medida em que o tempo passa e, que, por essa razão, é volátil e pouco confiável.

Em carta também para Laski, e datada de 11.03.1922, comentou Edward Gibbon[27] e Fustel de Coulanges[28] para concluir que a história deve ser rescrita porque é a seleção de tendências de causas ou de antecedentes pelos quais nos interessamos e, que mudam a cada meio século, pelo menos.

Portanto, criticava a história como referencial de verdade absoluta. E, acreditava, porém, que a história adequadamente fomentava a compreensão do direito.

O estudo racional do direito é ainda em grande parte o estudo da história, e a história deve ser componente do estudo do direito, sem esta, jamais conseguimos entender o objetivo preciso das normas jurídicas, que é nossa obrigação conhecer.

Porém, insistia, no futuro deveria estudar-se estatística e economia e, a percepção que tinha da história era paradoxal e ambígua. Holmes filosofava constantemente.

Em um programa de rádio, levado ao ar em 1931, Holmes explicava sua longevidade e sua tenacidade em viver. Segundo ele, a morte, com frequência, aproximava-se de seus ouvidos e sussurrava: estou chegando... (HOLMES, apud Godoy, 1992). Conhecia bem Hume e Kant[29], a quem imputava responsabilidade por seu despertar de um sono dogmático (HOLMES, 1992).

Holmes teria lido com prazer Aristóteles, e essa alegria ele descreveu em carta para Lewis Einstein, datada de 23 de julho de 1906, na qual confidenciou o bem-estar que a leitura do estagirita lhe causava (HOLMES, apud Godoy,1992).

Holmes também se interessou por Hegel, cujos pormenores no pensamento, no entanto, não lhe cativaram (HOLMES, 1992). Dizia que é nossa obrigação uma dedicação total à vida, uma aceitação de nossas obrigações, de nossas limitações e de nossa ignorância; devemos oferecer nossos corações ao destino (HOLMES, 1992).

Simplesmente, quando se chega ao topo de uma colina, não há nada mais a ser feito do que descermos... (HOLMES apud Godoy). Insistia que devemo-nos dedicar com seriedade ao trabalho, e nos entregarmos nas horas de divertimento, quando não se exige muito de nossa conduta (HOLMES, 1992).

Sempre cheio de energia e vigoroso, Holmes (1992) na velhice afirmava que “a corrida se encerrou, porém o trabalho não está completo quando ainda se tem energia para lutar”. Em outra carta a Harold Laski, entre tantas que escreveu, datada de 20 de agosto de 1926, Holmes Jr. lembrou que o exército o havia ensinado algumas grandes e importantes lições.

Estar preparado para a catástrofe. Resistir firmemente aos aborrecimentos. Além disso, por mais experiência de vida que se acredite possuir, sempre há vezes em que se aprende com aqueles que reputamos jovens e inexperientes (HOLMES, apud Godoy, 1992).

O pragmatismo[30] em Holmes Junior ficou definitivamente delineado em seus discursos, principalmente o feito em 07.03.1900, em Boston, quando afirmou solenemente que o fim da vida é a vida em si, que a vida é ação, e que a vida consiste na utilização perene de nossos poderes e forças.

Noutra ocasião anterior, em 1884, numa cerimônia militar, afirmara que a guerra e a luta exigem que o combatente acredite em seus propósitos e, que se empenhe totalmente. E, o direito seria a incorporação institucional de ideias que triunfaram no embate do pensamento.

Holmes Junior era a favor da pena capital e, nesse sentido, o seu voto no caso Storti versus Commonwealth, de 1901, quando suscitou uma exceção tão célere e tão indolor quanto possível, o que no seu entendimento, não contrariava a Constituição dos EUA, que veda penas cruéis.

Na noite em que os anarquistas italianos Sacco e Vanzetti foram executados, Holmes Jr. negou um último habeas corpus em favor dos anarquistas réus.  Mais um paradoxo plasmado em sua personalidade tão peculiar que tão centrada na realidade, refletiu fielmente todas as suas ambiguidades e aporias do seu tempo.

A retomada do pragmatismo na segunda metade do século XX, em obras de Richard Rorty[31], Richard Posner e Stanley Fish[32], dentre outros, entretanto, entende que esse neopragmatismo não possui nenhuma característica que o distinga dos conceitos de pragmatismo consagrados em construções teóricas sobre o realismo jurídico.

Referências:

ALEXANDRE, Francisco Dion Cleberson; DE MOURA, Samuel. Do Positivismo ao Pós-Positivismo: A Revolta contra o Formalismo Jurídico e a Complexização dos Papéis do Poder Judiciário como Fatores de Influência para o Ativismo Judicial. Disponível em: https://publicacoeseventos.unijui.edu.br/index.php/salaoconhecimento/article/view/10252/8916 Acesso em 15.07.2022.

ALSCHULER, Albert W. Law without values (Lei sem valores) Chicago: Chicago University Press, 2000.

BORBA, Luiz Edmundo Celso. As raízes do experimentalismo no pensamento de Oliver Wendell Júnior e o surgimento da tese da junção do direito com a economia na obra de Richard Posner, 2013. Tese de doutorado em Direito. Faculdade de Direito do Recife. Universidade Federal de Pernambuco.

BOWEN, Catherine Drinker. Yankee from Olympus. Boston: Little Brown, 1944.

BURTON, Steven J. (Edited) The Path of the Law and Its Influence. The Legacy of Oliver Wendell Holmes, Jr. Disponível em: https://assets.cambridge.org/97805216/30061/sample/9780521630061WSN01.pdf Acesso em 15.07.2022.

D'MACEDO, Juliana Maria. Pragmatismo Jurídico no Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/07.pdf  Acesso em 15.07.2022.

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. O realismo jurídico em Oliver Wendell Holmes Jr. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/92825/Godoy%20Arnaldo.pdf?sequence=1 Acesso em 15.7.2022

FISHER III, William et al. (Ed.) American legal Realism. New York: Oxford University Press, 1993.

HOEFLICH, Michael M. Holmes, Oliver Wendell Jr. In: HALL, Kermit (Ed.) The Oxford companhion to american law. New York: Oxford University Press, 2002.

HOLMES JÚNIOR, Oliver Wendell. The Common Law. New York: Dover, 1991.

_____________________________. The essential Holmes. Chicago: Chicago University Press, 1992.

______________________ The Path of the Law. Disponível em: http://moglen.law.columbia.edu/LCS/palaw.pdf  Acesso em 15.07.2022.

KUHN, Thomas S. The structure of scientific revolutions. Chicago: Chicago University Press, 1996.

POSNER, Richard A. Para além do direito. Tradução de Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: Editora WMF, Martins Fontes, 2009.

SEIPP, David. Holmes-s Path. Boston University Law Review, v. 77, p. 515-559. Junho de 1997.

Notas:

[1] Charles Sanders Peirce (1839-1914) foi um filósofo, pedagogo, cientista, linguista e matemático norte-americano. Seus trabalhos apresentam importantes contribuições à lógica, matemática, filosofia e, principalmente, à semiótica. Trata-se de um dos fundadores do pragmatismo, juntamente com William James e John Dewey. Concebeu a Lógica dentro do campo que chamava de teoria geral dos signos ou semiótica. E, nos últimos trinta anos de vida dedicou-se aos estudos sobre Semiótica. Produziu cerca de oitenta mil manuscritos, sendo que doze mil páginas foram publicadas. A semiótica de Peirce pode ser considerada uma Filosofia científica da linguagem. A fenomenologia é a ciência que permeia a semiótica de Peirce e deve ser entendida nesse contexto. Assim, entendia que fenômeno é tudo aquilo que é percebido pelo homem, seja real ou não. Suas realizações, no entanto, não foram imediatamente reconhecidas.  O primeiro estudioso a lhe dar maior atenção foi Morris Raphael Cohen que editou uma antologia dos escritos de Peirce intitulada Chance, Love and Logic (1923).

[2] William James (1842-1910) foi filósofo e psicólogo norte-americano e o primeiro intelectual a oferecer um curso de psicologia nos EUA. Foi um dos principais pensadores do final do século XIX, sendo considerado como um dos mais influentes filósofos da história dos EUA enquanto outros o rotularam de pai da psicologia americana. Seu trabalho influenciou intelectuais como Durkheim, Husserl, Bertrand Russel, Ludwig Wittgenstein, Hilary Putnam e Richard Rorty. Entre seus livros mais influentes estão: Os princípios da psicologia, que foi um texto inovador no campo da psicologia; Essays in Radical Empiricism, um importante texto em filosofia; e As Variedades da Experiência Religiosa, onde James investiga diferentes formas de experiência religiosa, incluindo teorias sobre a cura de patologias mentais.

[3] Por sua brilhante carreira jurídica, foi designado para a Supreme Judicial Court do Estado de Massachusetts com apenas 41 anos. Em 1902, Theodore Roosevelt o nomeou para a Supreme Court, onde permaneceu até 1932. Durante sua atuação na Suprema Corte, Holmes julgou casos controvertidos, influenciado por seu pensamento:  Schenck v. United States; Abrams v. United States; Buck v. Bell; Otis v. Parker; Silverthorne Lumber Co. v. United States.

[4] Benjamin Nathan Cardozo (1870-1938) foi advogado e jurista norte-americano, reconhecido por significativa influência no desenvolvimento do Common Law norte-americano no século XX. Foi um dos juízes da Suprema Corte dos EUA de 1932 até 1938. Em muitas de suas principais decisões judiciais foram prolatadas quando foi juiz de New York Court of Appeals, onde serviu por dezoito anos. Era descendente de judeus sefarditas de origem portuguesa, embora tivesse sido agnóstico em sua vida adulta. Em 1932, o presidente americano Herbert Hoover indicou Cardozo para a Suprema Corte dos Estados Unidos para suceder a Oliver Wendell Holmes. A indicação de Cardozo foi ratificada por unanimidade no Senado dos Estados Unidos em 24 de fevereiro de 1932. No final de 1937, Cardozo teve um infarto e no início de 1938 sofreu de um acidente vascular cerebral. Ele morreu em 9 de julho de 1938, aos 68 anos e foi enterrado no cemitério Beth Olam, no Queens, Nova Iorque.

[5] O pragmatismo jurídico é uma concepção teórica acerca do Direito que surgiu no século passado e que possui como principal proposta o esforço de aplicar a tradição filosófica do pragmatismo ao problema da interpretação jurídica. O consequencialismo do pragmatismo manifesta-se no enraizar do direito na prática no conhecimento tácito nela gerado, e na preocupação com resultados. Já o contextualismo se define pelo julgamento dessas práticas e de seu conhecimento a partir da experiência passada e dos resultados desejáveis que elas produzem em situações problemáticas.

[6] O método formalista permite a intelecção do direito como um fenômeno imanentemente coerente por meio da apreensão das estruturas organizadoras e justificadoras implícitas nos arranjos jurídicos, isto é, as formas da justiça corretiva e da justiça distributiva. Com base nisso, o formalismo sustenta que a forma imanente ao direito privado e, consequentemente, à responsabilidade civil é a justiça corretiva. O formalismo jurídico teve como mola propulsora o juspositivismo clássico, sendo por vezes considerados a mesma coisa. Este concebe o direito como um fato pronto, aproximando-se do modo pelo qual as ciências naturais lidam com seus respectivos objetos. Para o juspositivista clássico, o direito se compõe somente das normas vigentes em determinado local e época, ou seja, o direito como ele é, como está posto, livre de avaliações valorativas ou ideológicas. Dessa forma, primando pelo aspecto científico, estuda as normas postas, independentemente de serem justas ou injustas, boas ou más. É mais uma pretensão de apartar o direito da moral.

[7] Max Weber era Maximilian Karl Emil Weber (1864-1920) foi intelectual, jurista, economista alemão considerado um dos fundadores da Sociologia. Seu irmão foi o também famoso sociólogo e economista Alfred Weber. É considerado um dos fundadores do estudo moderno da sociologia, mas sua influência também pode ser sentida na economia, na filosofia, no direito, na ciência política e na administração. Grande parte de seu trabalho como pensador e estudioso foi reservado para o estudo do capitalismo e do chamado processo de racionalização e desencantamento do mundo. Mas seus estudos também deram contribuição importante para a economia.

[8] “A liberdade é muitas vezes um fardo pesado para um homem. Envolve a necessidade de escolha perpétua, que é o tipo de atividade que os homens sempre temeram.” “Restringir a liberdade de expressão atinge duas vezes a liberdade intelectual, pois quem priva outro do direito de declarar pontos de vista impopulares necessariamente também priva outros do direito de ouvir esses pontos de vista.”.

[9] Northern Securities Co. v. Estados Unidos, 193 U.S. 197, foi um caso ouvido pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1903. O Tribunal decidiu 5-4 contra os acionistas das empresas ferroviárias Great Northern e Northern Pacific, que basicamente formaram um monopólio e dissolver a Northern Securities Company.  Juiz Harlan considerou que a fusão era ilegal. Dia da Justiça, Brown, McKenna e Brewer concordaram. O juiz Holmes, acompanhado por Fuller, White, Peckham, discordou. A dissidência de Holmes incluiu a famosa passagem: "Grandes casos como casos difíceis fazem leis ruins. Pois grandes casos são chamados de grandes, não em razão de sua real importância na formação do direito do futuro, mas por causa de algum acidente de interesse imediato e irresistível que apela aos sentimentos e distorce o julgamento."

[10] O mais longevo ministro do STF, Marco Aurélio também conhecido como "senhor voto vencido. E, em levantamento feito em 2015 pelo Anuário da Justiça, ligado à revista eletrônica Consultor Jurídico, mostra isso: de 514 de decisões colegiadas, proferidas entre 2006 a 2015, o ministro ficou vencido em 161.

[11] Darwinismo social é um nome moderno dado a várias teorias da sociedade, que surgiram no Reino Unido, América do Norte e Europa Ocidental, na década de 1870. Trata-se de uma tentativa de se aplicar o darwinismo nas sociedades humanas. A perspectiva pregada pelos adeptos do Darwinismo Social considera a extinção de algumas sociedades como parte integrante do processo evolutivo. Desse modo, o princípio de seleção natural de que fala Darwin se aplicaria às sociedades. Essa perspectiva teórica tem as ideias de progresso e hierarquização racial como centrais para o entendimento das relações entre as sociedades. O Darwinismo Social surgiu no século XIX e tem Herbert Spencer como principal mentor. O Darwinismo Social prega uma ideia de hierarquia entre as sociedades. Desse modo, seria possível falar que determinada sociedade é superior a outra. Essa hierarquização estaria associada a uma dinâmica competitiva existente entre os indivíduos. Nesse contexto, somente aqueles que apresentam maior aptidão física e intelectual seriam capazes de sobreviver socialmente. Com as sociedades, as mais desenvolvidas teriam a função legítima de governar as demais.

[12] A lógica é a ciência que expõe as leis, modos e formas do conhecimento científico. Trata-se de uma ciência formal desprovida de conteúdo, que se dedica ao estudo das formas válidas de inferência. Trata-se, portanto, do estudo dos métodos e dos princípios utilizados para distinguir o raciocínio correto do incorreto.

[13] Richard Posner (1939) é jurista dos EUA. É um dos principais expoentes da Law and economics, uma corrente de pensamento jurídico segundo a qual os processos legais, mais do que assegurar direitos, devem produzir a mais eficiente alocação de recursos. A teoria de democracia de Posner inspira-se no trabalho do economista austríaco Joseph Schumpeter. Defensor da desregulamentação, passou enfatizar a importância das regulamentações governamentais citando que é necessária mais regulação dos mercados financeiros e, condenando os liberais por estarem presos em fantasias de igualdade. Sua principal obra é Economic Analysis of Law de 1972 que lançou as bases do programa de pesquisas de Law & Economics.

[14] O pragmatismo jurídico é um fenômeno que está cada vez mais presente na atuação do judiciário brasileiro, em virtude do ativismo judicial. Importa, contudo, em grandes adaptações ao sistema jurídico estabelecido pela ordem constitucional, exigindo uma reflexão a respeito dos efeitos do crescente uso do Pragmatismo Jurídico no contexto das decisões judiciais. O Pragmatismo Jurídico tem influenciado as decisões do Supremo Tribunal Federal, quando se trata de questões de grande relevância social e política, a fim de demonstrar que é possível alcançar um equilíbrio entre o pragmatismo jurídico e a hermenêutica tradicionalmente utilizada na interpretação e aplicação das leis.

[15] A teoria da Law & Economics trata da aplicação de princípios econômicos à ciência jurídica, procurando explicar a conduta humana, bem como se a legislação estimula ou não esses comportamentos na formação, estrutura e processos das relações sociais. Dessa forma, surge a ideia de uma análise econômica do Direito (Movimento Law and Economics) nos Estados Unidos da América, tendo seu principal expoente em Richard Posner, escritor de A pragmatic manifesto e The economic analysis of Law, aplicando conceitos tipicamente econômicos à Ciência Jurídica, tais como relação custo-benefício, maximização de riquezas e lei de oferta e demanda. A análise econômica do Direito, se refere, comumente, à aplicação de métodos econômicos – da microeconomia em especial – a questões jurídicas. Nesse sentido, tendo em vista que o Direito é, de uma perspectiva objetiva, a ‘’’arte de regular o comportamento humano’’’ e que a Economia é a área do conhecimento que estuda a tomada de decisões em um mundo de recursos escassos e suas consequências, a Análise Econômica do Direito seria o emprego dos instrumentais teóricos e empíricos econômicos e ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito, aperfeiçoando o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas consequências.

[16] Buscando situar os Critical Legal Studies no seio desse processo. Em seguida, explora possíveis razões para o recrudescimento dos crits (nome dado aos participantes do movimento dos Critical Legal Studies). Embora atentos a questões características do sistema anglo-saxão (marcado pela preponderância dos costumes e da jurisprudência como fontes do Direito), os crits trazem reflexões que podem ser apropriadas, a contento, por juristas que atuam no universo jurídico romano-germânico (calcado na lei e na doutrina). Estudos jurídicos críticos ou estudos críticos do direito (em inglês: critical jurisprudence) é um movimento em filosofia jurídica/ teoria jurídica ou sociologia jurídica, que aplica abordagens ao sistema jurídico comparáveis ​​aos métodos da teoria crítica da Escola de Frankfurt.  Também conhecida pelas abreviaturas CLS (critical law studies) e, seus adeptos, Crit (critic), são abreviaturas usadas informalmente para se referir ao movimento e seus seguidores. Surge, sobretudo, no contexto do movimento dos direitos civis nos EUA, durante os anos 1960.

[17] Apesar da grande variação nas opiniões dos estudiosos críticos do direito em todo o mundo, há um consenso sobre os principais objetivos dos Estudos Jurídicos Críticos:  1. demonstrar a ambiguidade e possíveis resultados preferenciais de doutrinas jurídicas supostamente imparciais e rígidas.2. divulgar resultados históricos, sociais, econômicos e psicológicos de decisões judiciais.3. desmistificar a análise jurídica e a cultura jurídica para impor transparência aos processos jurídicos para que eles ganhem o apoio geral de cidadãos socialmente responsáveis. O movimento britânico de estudos jurídicos críticos começou aproximadamente em um momento semelhante ao de sua contraparte americana. No entanto, centrou-se em torno de uma série de conferências realizadas anualmente, particularmente a Critical Legal Conference e o National Critical Lawyers Group. Permanecem várias falhas na comunidade; entre teoria e prática, entre aqueles que olham para o marxismo e aqueles que trabalharam na Desconstrução, entre aqueles que buscam engajamentos explicitamente políticos e aqueles que trabalham em estética e ética.

[18] David Hume (1711-1776) foi filósofo, historiador, ensaísta e diplomata escocês. Conhecido por seu radical sistema filosófico baseado no empirismo, ceticismo e naturalismo. Considerado um dos mais relevantes representantes do empirismo radical e um dos mais destacados filósofos modernos do Iluminismo. Foi acusado de herege pela Igreja Católica, suas obras foram relacionadas no Índice dos Livros Proibidos. Influenciado pelo empirismo de John Loock, radicalizou e criou o fenomenismo, teoria filosófica que contraria as crenças naturais e do sentido comum. Dizia que todo conhecimento só é conhecimento só é possível através das percepções da experiência, percepções que podem ser impressões, dados diretos dos sentidos ou da consciência interna, ou ideias que resultam da combinação de impressões. Segundo Hume, há somente um conjunto de conteúdos de consciência, sem substância que lhe sirva de suporte. A moralidade e a religião, por conseguinte, são apenas o resultado de costumes e hábitos. Devem basear-se no bem comum, que constitui o princípio fundamental da sociedade.

[19]  John Stuart Mill (1806-1873) foi um filósofo e economista britânico. É considerado por muitos como o filósofo de língua inglesa mais influente do século XIX. É conhecido, principalmente, pelos seus trabalhos nos campos da filosofia política, ética, economia política e lógica, além de influenciar inúmeros pensadores e áreas do conhecimento. Defendeu o utilitarismo, a teoria ética proposta inicialmente por seu padrinho Jeremy Bentham. É um dos mais proeminentes e reconhecidos defensores do liberalismo político sendo seus livros fontes de discussão e inspiração sobre as liberdades individuais ainda nos tempos atuais. Devido aos seus trabalhos abordando diversos tópicos, John Stuart Mill tornou-se contribuinte influente no que logo se transformou formalmente na nova ciência da psicologia. Ele combatia a visão mecanicista de seu pai, James Mill, ou seja, a visão da mente passiva que reage mediante o estímulo externo. Para John Stuart Mill, a mente exercia um papel ativo na associação de ideias. Stuart Mill desenvolveu, em seu livro A System of Logic, os cinco métodos de indução que viriam a ser conhecidos como Os Métodos de Mill.

[20] Harold Joseph Laski (1893-1950) foi teórico político e economista inglês. Serviu como presidente do Partido Trabalhista Britânico de 1945 a 1946 e foi professor na London School of Economics de 1926 a 1950. Primeiro promoveu o pluralismo enfatizando a importância de comunidades voluntárias locais, como sindicatos. Depois de 1930, ele começou a enfatizar a necessidade de uma revolução dos trabalhadores, que ele insinuou que poderia ser violenta. A posição de Laski irritou os líderes trabalhistas que prometeram uma transformação democrática não violenta. A posição de Laski sobre a democracia ameaçando a violência sofreu mais um ataque do Primeiro-ministro Winston Churchill nas eleições gerais de 1945 e o Partido Trabalhista teve que repudiar Laski, seu próprio presidente. Foi um dos mais influentes porta-vozes intelectuais do marxismo do Reino Unido nos anos entre guerras. Os primeiros trabalhos de Laski promoveram o pluralismo, especialmente nos ensaios reunidos em Estudos sobre o problema da soberania (1917), “Autoridade no Estado moderno” (1919) e “Os fundamentos da soberania” (1921). Ele argumentou que o Estado não deve ser considerado supremo, uma vez que as pessoas podem e devem ter lealdade a organizações locais, clubes, sindicatos e sociedades. O Estado deve respeitar essas lealdades e promover o pluralismo e a descentralização.

[21] Mefistófeles é um personagem da Idade Média, conhecida como uma das encarnações do mal, aliado de Lúcifer e Lucius na captura de almas inocentes através da sedução e encanto através de roubos de corpos humanos atraentes. Mefistófeles é o nome de uma entidade diabólica nascida durante a Era Medieval, e apresentada como uma das manifestações do mal, companheiro de Lúcifer, seu assessor na apreensão de almas aparentemente puras. Em muitas tradições culturais este ser é associado ao próprio Diabo. Ao longo do período renascentista ele era chamado de Mefostófiles. Na literatura esta personagem está presente nas várias interpretações do mito de Fausto, principalmente na versão imortal do alemão Johann Wolfgang von Goethe. Entre os europeus há um consenso tradicional de que o Doutor Fausto realmente existiu, provavelmente na Alemanha, entre 1480 e 1540. Ele foi registrado historicamente como um falso médico, humanista, alquimista, mago, ousado cavaleiro andante, praticante de milagres, impostor, lascivo e homossexual.

[22] Ação para reparar o dinheiro arrecadado e retido pelo governo dos EUA, em razão do autor, como imposto sobre a renda nos termos da Lei de Imposto de Renda de 1913, o autor alegou que aquilo sobre o qual o imposto foi cobrado, uma bonificação em ações com base nos lucros, não era renda dentro da intenção da lei e, que, se a lei acumulada assim, era tão inconstitucional em sua razão, na Décima-Sexta Emenda, da qual sua validade dependeria.

[23] Herbert Spencer (1820-1903) foi um filósofo, biólogo e antropólogo inglês, bem como um dos representantes do liberalismo clássico. Foi profundo admirador da obra de Charles Darwin. Sendo dele a expressão "sobrevivência do mais apto", e em sua obra procurou aplicar as leis da evolução a todos os níveis da atividade humana. Teve suas ideias muito distorcidas. E, tais distorções lhe renderam a alcunha de Pai do Darwinismo Social. Spencer, no entanto, jamais utilizou este termo ou defendeu a morte de indivíduos mais fracos, assim como foi um notável opositor de governos militares e autoritários, de qualquer forma de coletivismo, do colonialismo, do imperialismo e das guerras. Estudou o comportamento humano como sendo um órgão biológico.

[24] Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) foi filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX. Escreveu vários textos criticando a religião, a moral, cultura contemporânea, filosofia e ciência, exibindo uma predileção por metáfora, ironia e aforismo. Sua ideia-chave incluiu a dicotomia entre apolíneo/dionisíaca, o perspectivismo, a vontade de poder, a morte de Deus, e o eterno retorno. Sua filosofia central é pela afirmação da vida, que envolve questionamento que qualquer doutrina que drene uma expansiva de energias, não importando o quão socialmente predominantes essa ideia poderia ser. Seu questionamento radical do valor e da objetividade da verdade tem sido o foco de extenso comentário e sua influência continua a ser substancial, especialmente na tradição filosófica continental compreendendo existencialismo, pós-modernismo e pós-estruturalismo. Como sua cuidadora, sua irmã assumiu o papel de curadora e editora de seus manuscritos. Förster-Nietzsche era casada com um proeminente nacionalista e antissemita alemão, Bernhard Förster, e retrabalhou escritos inéditos de Nietzsche para se adequar à ideologia de seu marido, muitas vezes de maneiras contrárias às suas opiniões expressas, que estavam fortemente e explicitamente opostas ao antissemitismo e nacionalismo. Através de edições de Förster-Nietzsche, o nome de Friedrich tornou-se associado com o militarismo alemão e o nazismo, mas estudiosos posteriores do século XX vêm tentando neutralizar esse equívoco de suas ideias.

[25] Felix Frankfurter (1882-1965) foi um advogado, professor e jurista austro-americano que pediu como juiz associado da Suprema Corte dos EUA. Serviu na Suprema Corte de 1939 a 1962 e foi notável defensor da contenção judicial nos julgamentos da Corte. Era considerado liberal e defendeu uma legislação progressista. Argumentou contra os planos de negócios, e reconheceu a necessidade de grandes mudanças para lidar com a desigualdade de distribuição de riqueza que levou à Grande Depressão.

[26] Entre outros aspectos dessa realidade, a disputa em torno da legalidade das greves tem grande importância. A primeira decisão judicial em torno de uma greve nos EUA referiu-se, muito provavelmente, a uma disputa da prefeitura de Filadélfia, no estado de Pensilvânia, contra uma fraternidade de sapateiros, em um caso definido em 29 de março de 1806. O júri entrou para a história com o nome Commonwealth versus Pullis. Em um período de franco desenvolvimento dos territórios norte-americanos, a produção de sapatos e botas tinha importância estratégica, e os artesãos responsáveis logo começaram a lutar por direitos que fizessem jus ao grande valor dos seus produtos. Parte dos trabalhadores que produziam calçados na cidade vinha, desde a metade da década anterior, atuando em bloco para tentar garantir estabilidade salarial. Durante cerca de dez anos, essa rudimentar forma de sindicalismo rendeu aos sapateiros alguns aumentos de salário – que, mesmo modestos, foram encorajando os funcionários a seguir buscando condições menos desvantajosas.

[27] Edward Gibbon (1737-1794) foi um historiador inglês e, autor da obra intitulada "A História do Declínio e Queda do Império Romano". Em 1761 publicou (em francês) Ensaio sobre o estudo da literatura. Dois anos depois faz viagem pela Europa e em Roma surgiu a ideia de sua grande obra: História do declínio e queda do império romano, obra esta que cobre não somente a história da Roma imperial, mas também do Império Bizantino e da Alta Idade Média ocidental.

[28] Numa Denis Fustel de Coulanges (1830-1889) historiador francês, positivista e considerado um gênio do século XIX. Sua obra mais conhecida é A Cidade Antiga (La cité Antique) publicada em 1864. Também é autor de L'Histoire des institutions politiques de l'ancienne France que influenciou muitas gerações de historiadores inclusive Marc Bloch. Tratou a historiografia francesa de forma científica.

[29] Para Kant, Direito é o que regula as relações entre indivíduos e moral é o conjunto de preceitos internos de cada indivíduo. “O direito é o conjunto de condições por meio das quais o arbítrio de um pode estar em acordo com o arbítrio de um outro, segundo uma lei universal da liberdade”. Kant reconhecia a necessidade do direito posto “Se a liberdade do homem não fosse controlada por regras objetivas, o resultado seria a mais completa e selvagem desordem”. Por outro lado, também reconhece a coação externa representada pelo direito como meio garantidor da liberdade dos indivíduos no meio social.

[30] O pragmatismo na ciência do Direito está intimamente relacionado à ascensão do realismo jurídico, que no início do século XX passou a relacionar o Direito com a eficácia normativa e com a probabilidade associada às decisões judiciais, considerando que o Direito não é formado por enunciados dotados de conteúdo ideal a respeito do que é obrigatório ou proibido, mas pelas regras efetivamente observadas e aplicadas no contexto social. O realismo, consequentemente, o pragmatismo desapareceu após o término da Segunda Guerra Mundial, uma vez que sua prática auxiliou a legitimação judiciária dos regimes totalitários que assolaram a Europa.

[31] Richard Rorty (1931-2007) foi um filósofo pragmatista dos EUA. Sua principal obra é Filosofia e o Espelho da Natureza. Defendia-se contra a pretensão de absoluto do pensamento analítico e renunciou durante décadas, a modo de protesto contra as correntes tradicionais do seu âmbito, a dirigir uma cátedra de filosofia (apenas aceitou até 1982 um lugar na Universidade de Princeton). Disse numa entrevista: "Creio que as histórias tristes sobre padecimentos concretos muitas vezes são um melhor caminho para modificar o comportamento das pessoas que citar regras universais" Nos últimos anos, o 'antiepistemólogo', que não defendia o fim da filosofia, mas sim da filosofia epistemologicamente centrada, surpreendeu os críticos quando começou a intervir cada vez mais em política. Assim, em 1997 apelou às universidades, num ensaio, a regressar a uma política esquerdista "que no essencial se ocupa de impedir que os ricos desvalorizem o resto da população.

[32] Stanley Fish (1938) foi importante teórico literário e acadêmico norte-americano. Situa-se entre os mais importantes críticos do poeta inglês John Milton no século XX e, é frequentemente associado com o pós-modernismo.  É professor emérito de Humanidades na Davidson-Kahn Distinguished University, professor de Direito na Florida International University, em Miami, e emérito do College of Liberal Arts and Sciences da Universidade de Illinois em Chicago. Também lecionou na University of California em Berkeley, Johns Hopkins University e Duke University. Escreveu dez livros e se descreve como um anti-fundacionalista.

*Gisele Leite, Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.

Palavras-chave: Realismo Jurídico Pragmatismo Jurídico EUA Suprema Corte Norte-americana Positivismo Jurídico

Deixe o seu comentário. Participe!

colunas/gisele-leite/o-grande-dissidente

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid