O CPC de 2015 e a Lei brasileira da Inelegibilidade

O texto esclarece a aplicabilidade do CPC/2015 na Lei Complementar 64/1990 e demais aspectos como os poderes instrutórios do magistrado na instrução processo.

Fonte: Gisele Leite

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O espectro de incidência da influência do CPC de 2015 é amplíssimo, o que permitiu também uma releitura sobre diversos dispositivos da Lei de Inelegibilidade, a Lei Complementar 64/1990.


Aliás, são recorrentes as críticas sobre a atuação e funcionamento da Justiça Eleitoral que tem o poder de regulamentar abrangente e, ainda, dispõe de ativismo judicial, devendo impor limites ao direito de candidatura e até às próprias campanhas eleitorais.


O grande busilis talvez seja a discussão sobre a ausência de legitimidade para interferir na soberania popular que é manifestada nas urnas e as dúvidas e vacilações são as mais frequentes. Os mais xiitas, esgrimam alegando o governo ou a ditadura do Judiciário.


Os questionamentos que envolvem o direito eleitoral são muito perigosos, pois cogita-se da democracia e, ainda, da observância do devido processo legal. É verdade que a maior parte das críticas procede, mas é errôneo entender que a Justiça Eleitoral não esteja devidamente legitimada para anular os votos conferidos a certo candidato nas urnas, mesmo diante do relevante respeito à soberania popular. Portanto, está habilitada a prover a efetiva cassação de chapas eleitorais e destituições de cargos obtidos por meio do voto direto.


Foi o constituinte de 1988, eleito diretamente pelo povo que veio primeiramente a imprimir no bojo do texto constitucional a necessidade da indispensável lisura das eleições, vedando expressamente o uso de influência do poder econômico ou, mesmo, o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na Administração indireta ou direta pública, a fim de se preservar a normalidade e a legitimidade das eleições.


Convém ainda ressaltar que os direitos políticos admitem certa possibilidade de restrição, por força de autorização constitucional e mediante a apuração de fatos, com a observância do devido processo legal. Por vezes, a obtenção do endosso através do voto da maioria, somente fora obtido mediante fraude e demais práticas ilícitas, o que não coaduna com a essência da democracia.


Afinal, o resultado das urnas deve mesmo refletir a vontade livre, idônea e consciente do eleitor.  Ademais, a nenhum candidato é outorgado o direito de se valer de ilícitos expedientes para conquistar tout court o seu mandato. O povo, por sua vez, apesar de ser maioria não pode tudo.


Há de se recordar que o Estado de Direito, edita leis por meio do seu Legislativo, mas à lei também se vincula por meio de observância e obediência. Não há ninguém que esteja isento ou imune ao princípio da legalidade.


Deve-se mesmo lembrar que a democracia não se revela em ser a ditadura da maioria. Não pode o povo, mesmo que em ampla margem numérica, tornar elegível quem seja inelegível, ou ainda, defender a validade do mandato conquistado mediante fraude e estratagemas ilegais.


Resta inequívoca, portanto, a total legitimidade à Justiça Eleitoral em atuar, principalmente com a inescapável necessidade impor as garantias processuais para serem respeitadas e, que estão à disposição de todos os litigantes, candidatos ou ex-candidatos.


Recentemente, o Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, ocorrido em abril de 2016, que contou com a preciosa presença de Lenio Streck e que mencionou não haver crítica na doutrina sobre a redação do famigerado artigo 23 da Lei Complementar 64/90, que é o que permite o juiz formar sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes (...).


Não entendo que o texto viole o devido processo legal ao permitir a produção probatória por parte do magistrado, apesar de que existam doutrinadores que o alcunhem de ser o “assistente do autor” da demanda.


Contra o julgamento por presunção, há dispositivos do NCPC tais como o art. 10 que veda a chamada decisão-surpresa, o art. 489 que trata dos casos que não se pode considerar fundamentada a sentença e, ainda, o art. 493, parágrafo único, que impõe a necessidade de estabelecer o contraditório em caso de constatação de ofício, de fato novo[1].


Cumpre distinguir, em tempo, fato novo de fato notório. Há muita divergência sobre o conceito de fato notório e, realmente fazem parte da cultura vivenciada do processo. Há doutrinadores mais restritivos que apontam que seriam os fatos dos quais todos os integrantes da relação jurídica processual estariam de acordo e são por eles francamente conhecidos.


A dimensão conceitual de fato notório certamente deve respeitar o limite do espaço e do tempo em que vivem os litigantes. Assim, a notoriedade somente pode ser concebida como meio de prova quando limitado a um determinado local ou região da qual pertencem os envolvidos, assim como no tempo do processo.


Os fatos conhecidos pelo famoso "homo medius" assim entendido como seu nível de cultura mediana provido da sociedade e no tempo em que vive. Fato notório é, portanto, o conhecível pelo homem de cultura média, no tempo em que transcorre o procedimento processual.


Sabe-se ainda que fato notório dispensa prova, sendo o juiz o delimitador em cada caso concreto se determinado fato alegado é notório ou não, e deverá adequadamente fazê-lo no momento da fixação de pontos controvertidos da lide, permitindo, o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.


Já o artigo 493, caput, do CPC/2015 prevê que se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, seja de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.


Enfim, consagrou o legislador pátrio a máxima que rege que a decisão deve refletir o estado de fato e de direito existente no momento do julgamento da demanda, e não àquele que existia quando da sua propositura.


Assim determinou o novo codex as circunstâncias que devem ser levados em consideração pelo julgador no momento de proferir sua decisão. Forçando com que a decisão judicial seja condizente com a realidade fática ao tempo da sua prolação, para que possa finalmente cumprir o escopo social da tutela jurisdicional e, enfim, prover a pacificação social.


Há mesmo que alegue que passou por mitigação e quase supressão o antigo chamado “livre convencimento”, entendendo que pela expressão "livre" se refere a um sistema desvinculado de provas tarifadas, ou seja, com valor prefixado.  Aliás, nunca existiu, em verdade, o livre convencimento do juiz e, sim, apenas o convencimento judicial contingenciado, pois havia necessidade de indicar o porquê, e baseado em quais provas exarou determinada decisão.


E, ainda tendo em vista a teoria da carga dinâmica da prova, a obrigação de comprovar o fato é da parte que melhor detenha condição de fazê-lo, desde que o juiz normalmente fundamente tal necessidade.


Diferentemente de muitos doutrinadores que entenderam pela extinção do livre convencimento, o enxergo que está relacionado com o dever de fundamentação específica das decisões judiciais, sinceramente acredito, por revés, que o livre convencimento ganhou maior e efetiva legitimidade e eficácia com sua devida fundamentação.


A advertência de Streck é de todo pertinente, pois o tema é infelizmente ainda parcamente abordado em doutrina e, merece mais profundo estudo, notadamente em razão do Código de Processo Civil de 2015, a respeito ao convencimento do juiz, o dever de fundamentação e, ainda, sobre a proibição da chamada decisão- surpresa[2].


O fato de o artigo 23 estar previsto em Lei Complementar (LC 64/90) em nada altera a conclusão de que os preceitos do CPC (lei ordinária) possam ser aplicados àquela, porquanto a CFRB/1988 delegou à legislação complementar apenas a previsão de outros casos de inelegibilidade. Vale dizer que não havia razão para LC 64/90 tratar de procedimento, matéria afeita à legislação ordinária.


Mas, mesmo assim, o art. 23 tem redação de cláusula geral, fenômeno já existente no Código Civil de 2002 e, plenamente aceito tanto pela doutrina como pela jurisprudência. E, assim, não o fosse, caberia sempre enfatizar a necessidade indispensável da interpretação do Direito em razão das peculiaridades do caso concreto e, ainda, por dever de observar e cumprir o devido processo legal.


Cumpre recordar que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade do art. 23, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.082 que fora proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), em 1994, apontando violação à segurança jurídica, ao devido processo legal, à paridade de armas, à igualdade substancial e ao contraditório.


A liminar foi indeferida pelo então ministro Néri da Silveira, sob os fundamentos do interesse público, da ordem pública, do controle do Judiciário e como apoio no art. 131 do CPC/73. Ratificando-se, na ocasião, pela plena constitucionalidade do referido artigo 23.


Quanto ao mérito, registra-se um julgado de 2014 da relatoria do Ministro Marco Aurélio o argumento prevalente de que as regras do Código de Processo Civil permitiam a produção de prova pelo magistrado, posto que a finalidade seja a de propiciar a melhor elucidação dos fatos imprescindíveis para a adequada formação de convicção judicial.


Ainda assim, o venerável Ministro realizou algumas ressalvas, recomendando temperamentos na aplicação da regra processual. Pois a atenuação do princípio do dispositivo no direito processual contemporâneo não está apta a tornar o magistrado o maior protagonista da instrução processual.


Ademais, a feição impressa pelo CPC/2015 esquadrinha um processo dialógico, onde todos os intervenientes, sem exceção, participam principalmente sob a égide do princípio da cooperação conforme prevê o art. 6º.


Evidentemente a iniciativa probatória estatal, se extremada, gera inegavelmente parcialidade e falta de isenção, se, de fato, transforme o juiz em mero assistente de litigante. Mas, recordemos que as partes continuam a ter função precípua de propor os elementos indispensáveis à instrução do processo, mesmo porque não se extinguem as normas referentes à isonomia e ao ônus probatório.


O Ministro Luiz Fux teceu inclusive comentários mais amiúde sobre a questão e deixou transcrito em acórdão:


" (...) se são fatos que não foram alegados, e o juiz leve em consideração e ninguém falou nada sobre esses fatos e nem provou nada, a afronta ao princípio do devido processo legal e ao contraditório é claríssima. Mas aqui não estão os interesses indisponíveis que permitem ao juiz conhecê-los de ofício, o que significa dizer: independentemente de provocação da parte”. (In: Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.082 Distrito Federal. 22.05.2014. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7065151 Acesso 10.06.2017).


É cediço que o processo é um conjunto de garantias, dentre estas, a de ter um terceiro imparcial (não tecnicamente neutro, conforme já explicou Alexandre Freitas Câmara) e que seja equidistante das partes, cuja missão é julgá-lo.


O processo serve a tutela de direitos e, se os fatos são públicos e notórios, por que razão a parte interessada não os trouxe aos autos? A quem interessa a ocultação de fatos relacionados com a demanda?


Há ainda doutrinadores que inquerem sobre o motivo pelo qual o juiz deve trazê-los à baila e, ainda, se deve suprir a inércia de quem tinha o ônus de agir? Poderá o julgador invocar indícios ou mesmo presunções em matéria relevante?


Outros questionamentos, apontou Fux, que a mera observância do dever de fundamentar a decisão, não viola a dimensão substancial do contraditório, caso às partes não tenha sido dado o direito de manifestação prévia sobre certo fato ou circunstância levada em consideração pelo magistrado?


Em sua derradeira parcela do caput do artigo 23 da LC 64/90 aponta que a finalidade da produção da prova deve ser a preservação do interesse público sobre a lisura eleitoral, mas a decisão cogita também que o objetivo é auxiliar ao julgador na elucidação dos fatos.


Apesar de que é reconhecido ser das partes a incumbência de provar o alegado e, o caminho natural para uma demanda cuja comprovação não ocorreu é a improcedência. Questiona-se, ainda, excepciona-se a regra do juiz não suprir a referida deficiência probatória, quando se tratar de interesse público?


E, mais, mesmo quando tratar de interesses privados, por se revestir do processo, que é instrumento público, a sua idoneidade e eficiência, deve ser zelada e organizada pelo juiz? Sabemos que no território probatório é onde mora quase sempre a essência decisória das demandas e, que o contraditório é reflexo do princípio democrático que se baseia o processo.


Lembremos que a participação no processo mesmo no viés dialógico, opera-se pela efetivação da garantia do contraditório que deve ser encarado como exigência para o exercício democrático de um poder.


Em termos sintéticos, podemos afirmar que o contraditório é princípio, é vetor axiológico que pode ser basicamente decomposto em duas garantias, a saber: a participação (audiência, comunicação e ciência) e ainda a possibilidade de influência na decisão, e nesse sentido, é bastante salutar a previsão do art. 10 do CPC/2015.


Infelizmente, ouso discordar quando entendem alguns doutrinadores que ao juiz não cabe a produção de prova, tarefa que originalmente compete às partes. A lisura das eleições situada no plano contencioso é incumbência recíproca dos litigantes envolvidos e, ainda, do Ministério Público Eleitoral, que aliás, pode prosseguir, mesmo que os litigantes da demanda renunciem.


A Justiça Eleitoral, detém, positivamente a legitimidade constitucional para aplicar todas as sanções previstas em lei, desde que em conformidade com a Constituição Federal Brasileira de 1988 e, que sejam ainda observadas as regras democráticas, inclusive as normas que podem ser subsidiariamente aplicadas do Código de Processo Civil de 2015, particularmente quanto ao devido processo legal, tendo em vista o processo dialógico, com contraditório dinâmico e, com a dinâmica do ônus probatório, de sorte, que o juiz não deve evitar conhecer fatos ou circunstâncias apesar de não alegados pelas partes, principalmente se tratar de fatos públicos e notórios.


É verdade que os sistemas processos ao longo de sua evolução vêm apresentando mudanças e a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988 expressamente adotou o regime democrático de direito, repercutindo em todas as searas jurídicas, especialmente a processual.


É próprio desse regime o princípio da imparcialidade que surgiu como um dos pilares do sistema acusatório. E, segundo tal princípio, o juiz deve se manter distante da persecução penal, estando isento de qualquer relação com as partes e aos fatos da causa.


Para garantir tal imparcialidade do magistrado é necessário que seja independente, por essa razão, é que possui benefícios como a vitaliciedade, inamovibilidade e da irredutibilidade de subsídios, previstos no artigo 95 da CRFB/1988. Assim, o julgador está livre para julgar conforme seu livre convencimento, pois são que independentemente de sua decisão, o seu cargo e seus vencimentos estão garantidos.


Observe que a imparcialidade é meio para garantir exatamente a observância dos demais direitos previstos na legislação, sendo que através deste que a jurisdição se dá de forma plena, sem a interferência de volição pessoal, estando comprometida apenas com os anseios legais.


Verifica-se que o sistema processual brasileiro por mais que a Constituição Federal Brasileira de 1988 tenha adotado o sistema acusatório ainda possui fortes vestígios inquisitivos. Enfim, o sistema processual brasileiro é acusatório, mas não sendo puro e ortodoxo em sua essência.


Cumpre analisar se é possível ao julgador a produção de prova ex officio, como a CFRB/1988 adotou claramente o sistema acusatório, a reforma do CPP em 2008, alterou o artigo 156, que prevê a possibilidade de o juiz de ofício determinar, no curso da instrução, ou, antes de proferir a sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida relevante e, mais até, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção de provas consideradas urgentes e importantes. Desta forma, o juiz atua de forma inquisitória no processo.


Nem sempre o juiz ao produzir a prova, estaria enfraquecendo um dos litigantes em detrimento do outro, é evidente a característica inquisitória do juiz e, pauta-se na busca da verdade real, para amparar os poderes instrutórios, que muito se parece com o poder de cautela, onde é possível o provimento de medidas atípicas, mas que sejam aptas a preservar o bem, ou a situação jurídica até que haja o final julgamento.


Portanto, discordo que a produção de provas pelo magistrado retire deste a imparcialidade indispensável para julgar o caso concreto. O poder instrutório[3] do juiz no direito processual brasileiro deve buscar a verdade real[4], procurando realmente conhecer os fatos e circunstâncias tão como efetivamente, ocorreram, a fim de, assim, dizer o direito ao caso concreto.


Portanto, tal poder visa prover prestação jurisdicional adequada, dando razoabilidade da resposta jurisdicional à demanda de forma efetiva e qualificada, não podendo o juiz ser mero espectador durante o trâmite processual, podendo valer-se de poderes instrutórios concedidos pela lei, de modo que possam ser aclarados as controvérsias, e, desse modo, de forma qualificada e equânime.


Marinoni, Arenhart e Mitidiero afirmam em sua obra “O Novo Processo Civil”, o juiz tem o poder de acordo com o sistema do Código de Processo Civil brasileiro, quando os fatos não lhe parecerem esclarecidos, de determinar a prova de ofício, independentemente de requerimento da parte ou de quem quer que seja que participe do processo, ou ainda, quando estes outros sujeitos já não têm mais a oportunidade processual para formular esse requerimento".


Asseveram, os doutos doutrinadores, outrossim, que se processo existe voltado para a tutela dos direitos, deve-se conceder ao magistrado amplos poderes probatórios para que possa cumprir sua tarefa.


A fonte do princípio da verdade real[5]reside na finalidade precípua do Poder Judiciário de exercer o seu múnus público, dizer o direito de forma qualificada, quando julgar necessário esclarecer os fatos para o julgamento da demanda, o juiz poderá determinar a realização de provas no processo ex officio.


Mas, destaque-se que os poderes instrutórios do juiz são subsidiários, pois cabe primeiramente, as partes, na fase postulatória, indicar as provas que serão produzidas para provarem os fatos que sustentam e já apresentam a prova documental pelo autor em anexo à exordial e pelo réu em anexo à contestação e, após, encerrada a fase postulatório, o juiz oportuniza aos litigantes a formulação do pedido de provas de provas, pericial, inspeção judicial, depoimento pessoa da parte adversa, a oitiva de testemunhas, entre outras.


Não sendo estas suficientes para esclarecer os fatos discutidos na demanda, ou não postulada pelas partes, provas necessárias ao deslinde do feito, o juiz ex officio pode determinar as provas que são necessárias para julgar o caso, podendo, por exemplo, ouvir testemunha não arrolada, realizar inspeção judicial determinar prova pericial, etc.


Desta forma, não se pode considerar que o juiz seja apenas o destinatário da prova, mas lhe cabe também papel ativo no que tange à produção probatória, podendo, quando julgar necessário, determinar de ofício a produção de provas.


Frise-se que o juiz poderá ouvir testemunhas até mesmo que intempestivamente arroladas pela parte interessada. Somente se a oitiva for desnecessária para a solução do litígio que poderá ser indeferida pelo julgador e, de forma fundamentada, mas não pela mera intempestividade do arrolamento e, nesse mesmo sentido, cabe citar novamente Marinoni, Arenhart e Mitidiero.


Conclui-se ainda que pela Resolução 23. 478, de 10 de maio de 2016 que veio disciplinar a aplicabilidade da Lei 13.105/2015 no âmbito da Justiça Eleitoral reafirmando a aplicação de regras tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.


Curiosamente para o Ministro Tarcísio Neto, muito das inovações[6] legislativas trazidas pelo Novo CPC não se mostram aptas a serem aplicadas na Justiça Eleitoral, justamente em razão da incompatibilidade sistêmica. Esclareceu ainda que se dará a aplicação nos casos de necessidade de correção de deficiências existentes na legislação eleitoral, e ainda, nos casos de omissão da legislação eleitora, quando ocorrerá a aplicação subsidiária e, não propriamente a aplicação supletiva.


A aplicação supletiva significa que o emprego de uma certa lei se dará quando o regramento eventualmente existente não for completo, ou seja, a aplicação será complementar, possibilitando o aperfeiçoamento da lei existente, trazendo maior efetividade e justiça ao processo. Enquanto que a aplicação subsidiária dar-se-á apenas quando inexistir o instituto processual para determinado feito, diante de lacunas ou antinomias.


Apesar de tecnicamente não se reconhecer as lacunas na lei, não se reconhece a existência dessa, no sistema jurídico do país, o que reforça a imprescindibilidade da interpretação das normas jurídicas. De toda sorte, a não aplicação do CPC/2015, se ocorrer, deve se dar de forma devidamente motivada. Cumpre ainda destacar que o Código Fux inovou ao delinear o conceito e os efeitos de precedente, o que ratificou seu empenho em preservar a celeridade processual e a segurança jurídica, evitando-se, assim, as decisões judiciais conflitantes e contraditórias.


Referências:


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DE MELO, Nehemias Domingos. (Coordenação). Novo CPC Anotado- Comentado- Comparado. 2ª edição. São Paulo: Rumo Legal, 2016.


HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Curso Completo de Processo Civil. Niterói, RJ: Impetus,2016.


FARIA, Fernando de Castro. Novo CPC permite releitura sobre dispositivo da Lei de Inelegibilidade. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-set-04/cpc-permite-releitura-artigo-lei-inelegibilidade  Acesso em 10.06.2017.


FAZANARO, Renato Vaquelli; VAUGHN, Gustavo Fávero. O Fato Novo e as normas fundamentais do processo civil. Disponível em: https://jota.info/artigos/o-fato-novo-e-normas-fundamentais-processo-civil-03122016 Acesso em 13.06.2017.


JR.DIDIER, Fredie. Curso de Processo Civil. 17ª edição. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.


Informativo de Jurisprudência de 2014 organizado por ramos do Direito. 19ª edição (Informativos 533 a 552).  Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/informativos/ramosdedireito/informativo_ramos_2014.pdf   Acesso em 13.06.2017.


LEITE, Gisele. Novo CPC. Comentários às principais inovações do Novo Direito Processual Civil. Campo Grande- MS: Contemplar, 2016.


_____________. Sobre o pedido e a causa de pedir. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2614  Acesso em 13.06.2017.


MACHADO, A.C. Da C. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998.


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MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Organização). O Novo Código de Processo Civil. Programa de Estudos Avançados em Homenagem ao Ministro Arnaldo Esteves Lima (12 e 13 de março de 2015). Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região. Rio de Janeiro: EMARF, 2016.


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SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil. 3ª edição. Niterói, RJ: Impetus, 2014.


Notas


[1] O saudoso Moacyr Amaral dos Santos lecionou apontando dois requisitos para que o julgador considere quando do surgimento da apreciação de um fato novo legítimo, a saber: 1. Que tenham ocorrido depois da propositura da ação; 2. Que influam no julgamento da lide, ou seja, que a lei material revele que o fato novo constituiu, modificou ou extinguiu o direito controvertido. E, ainda, há um terceiro elemento, expressamente previsto no CPC/2015 a observância ao princípio do contraditório (arts. 9 e 10) de caráter dinâmico e efetivo.


[2] José Miguel Garcia Medina nos ensina que dentro da concepção do princípio do contraditório decorrem várias consequências, como a de que não pode o órgão jurisdicional proferir decisão com surpresa para as partes. Aliás, algumas legislações indicam isso expressamente, é o caso do art. 3º, n.3 do CPC Português que in litteris dispõe: "o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de fato, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem".


Em forma similar, a ZPO prevê no §139, que o órgão jurisdicional somente pode decidir sobre alguma questão quando as partes tenham tido a oportunidade de se manifestar em relação à mesma.


Assim, mesmo sobre as chamadas questões de ordem pública que autorizam o julgador a se manifestar de ofício, deve evitar-se a prolação da decisão-surpresa. O ilustre doutrinador ainda defende que a proibição de prolação de decisões-surpresa, assim, não depende de previsão expressa em lei processual ordinária. Apesar de que veio Código Fux a fazê-lo expressamente.


[3] A tendência da doutrina contemporânea é a de permitir ao julgador uma posição ativa na colheita da prova, ampliando seus poderes na instrução da causam autorizando ao magistrado a iniciativa de escolher e determinar as provas que entende relevantes, que passa a não caber, exclusivamente à parte. O reconhecimento de amplos poderes instrutórios do juiz, qualquer que seja a natureza da relação jurídica discutida no processo, não ofende o princípio do dispositivo, pois natureza da relação jurídica material não infere nos poderes concedidos ao juiz, que se dá numa outra relação jurídica (a processual). Desta forma, o princípio dispositivo não tem qualquer liame com a instrução da causa, matéria eminentemente processual, mas apenas com as limitações impostos ao juiz em razão da disponibilidade do direito material.


[4] Vige divergência séria se a verdade a ser alcançada no processo civil é a verdade real ou a verdade formal. Nesse sentido Humberto Theodoro Júnior sustenta que o juiz, no processo moderno, deixou de ser mero árbitro diante do duelo judiciário existente entre os litigantes e assumiu poderes de iniciativa para pesquisar a verdade real e bem instruir a causa. Isto representa uma possibilidade de maior participação do julgador na condução processual. De sorte que é permitido ao juiz, por exemplo, a determinação de outras provas, além das que foram produzidas pelas partes, de forma a alcançar a busca da verdade real, com o objetivo de formar melhor convencimento.


Já o processo penal é regido pelo sistema acusatório, apesar de uma clara adoção do sistema inquisitivo observado no Código de Processo Penal e, pelo princípio da busca pela verdade real. Afinal, o princípio da inquisitividade, o juiz pode proceder de ofício e livremente colher a prova, podendo participar ativamente da instrução probatória em busca da verdade real. Mas, tal busca é pautada nos princípios constitucionais.


A verdade formal é a que resulta do processo, embora possa não encontrar a exata correspondência com os fatos, como aconteceram historicamente. Já a verdade real é aquela a que chega o julgador, reveladora dos fatos tal como ocorreram historicamente e não como querem as partes que apareçam realizados.


A distinção entre as verdades surgiu no confronto entre processo penal e processo civil. Pois no processo civil, os interesses, são, supostamente menos relevantes do que os interesses articulados no processo penal em face dos bens tutelados, a vida, a liberdade, o jus puniendi do Estado.


Antonio Cláudio da Costa Machado esclarece que em termos processuais diz-se, então, que o processo civil se aproxima do penal porque o órgão jurisdicional não se dará por satisfeito com a verdade formal, mas unicamente com a verdade real. Adota-se em Direito Processual Civil a verdade formal como consequência de um procedimento permeado por inúmeras formalidades para a colheita das provas, por inúmeras presunções legais definidas aprioristicamente pelo legislador, tais como, preclusão, coisa julgada, revelia, confissão. Noutras palavras, enquanto no processo penal só a verdade real interessa, no processo civil serve a verdade aparente. A verdade que na contemporânea doutrina moderna do direito processual, tais diferenças foram paulatinamente abolidas.


[5] O próprio Carnelutti ofereceu crítica a respeito destas diferenciações entre verdade formal e verdade real, classificando-as como "verdadeiras metáforas".


[6] Quanto a causa de pedir, importante ressaltar que o novo codex adotou a teoria da substanciação, onde os fatos jurídicos possuem maior relevância ao julgamento da causa. Para entender a dimensão conceitual da causa petendi há de se responder o porquê o autor almeja a tutela jurisdicional e ainda quais são os fundamentos jurídicos em que se baseia sua pretensão.  Assim, tanto o fato causa como o fundamento jurídico devem guardar nexo com o pedido. Assim, o efeito jurídico desejado na demanda deve corresponder ao fato que serve de premissa básica à pretensão de fundo (direito material).


É conhecida na seara doutrinária a divisão da causa de pedir em próxima e remota. Aquela correspondente ao fato jurídico enquanto que a outra, referente, ao fundamento jurídico. Não há possibilidade de julgamento do pedido, sem anteriormente, adentrar-se no exame dos fatos alegados como violadores ou ameaçadores de um direito, o que esquadrinham tecnicamente a pretensão processual.


Conclui-se que os fatos essenciais, os que tenham consequências jurídicas para a demanda, são descritos na peça exordial e considerados como a causa pedir próxima ou imediata, enquanto que os fundamentos jurídicos, considerados como causa de pedir remota ou mediata. Por conseguinte, o pedido é, pois, a conclusão de tudo que fora narrado e requerido na peça exordial.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: CPC/2015 Lei da Inelegibilidade Poderes Instrutórios Causa de Pedir Contraditório Processo Legal

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