Karamázov. Erro judiciário e parricídio[1]

Dostoievski narra sobre uma família disfuncional, onde o pai é assassinado. Influenciado por Ivan Karamázov, Smerdiákov mata o pai, e então Dimitri passa a ser o principal suspeito, Smerdiákov armou para Dimitri, ele espera a amada de Dimitri e do pai chegar, porém como ela não apareceu ele deixou um envelope com 3.000 (três mil) rublos no chão o que passa a ser a principal prova do crime contra Dimitri. Na obra, o escritor demonstra sua obsessão e passa a caricaturar a própria família. Enfim, há o erro judiciário e o parricídio. O que nos leva a tecer considerações sobre o Direito Penal e Processual Penal.

Fonte: Gisele Leite

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Os Irmãos Karamázov é o último romance publicado de Dostoiévski é um romance complexo e traz muitas facetas diferentes da vida.  Sua estrutura destroi a unidade essencial do romance. A genialidade do autor foi integrar diversos elementos divergentes em um todo unificado. Há questões com o livre-arbítrio, apresentando e contestando diferentes justificativas para o comportamento humano. Já faz cento e quarenta e quatro anos.

E ao desafiar as leis morais, aponta para o homem é livre para fazer o que ele escolhe, isto é, tudo é permitido personagens que defendem uma liberdade ilimitada e amoral. E, indica que nossa atuação e posição na sociedade são os controladores de nosso modo de existir e agir.

A obra retrata uma família absolutamente disfuncional, algo tão contemporâneo. E, o pai é um devasso asqueroso além de ser egocêntrico, corrupto e imoral e que tem enorme devoção em saciar seus desejos bestiais.

Tendo casado, por duas vezes, pelos motivos egoístas, tratou suas mulheres com total desrespeito. É apenas um bufão vulgar e, sua esposa, Adelaída era uma mulher bonita e inteligente e, que veio da aristocracia.

O autor questiona-se o porquê essa mulher poderia se casar com um homem tão vil como Fiódor. Provavelmente, a resposta encontra-se em uma rebelião romântica contra a convenção da época. Mas, ela enxergava algo ousado, atraente e sarcástico e, depois, passou a nutrir por ele um fiel e profundo desprezo.

Quando seu filho nasce, Dimitri[2], a mãe foge com um seminarista sem dinheiro, abandonando o filho como Fiódor e monta um harém em sua casa, onde tem dias ébrios, comemorando a fortuna que ele surrupiou de Adelaída, que veio a falecer em seguida.

O pai esquece o filho que, num primeiro momento, foi criado por um dos servos da família, Grigoru. Em seguida, o primo rico da falecida mãe de Dimitri, Miusov, que retornou de Paris e resolveu a bancar o garoto.

Miusov logo se afasta e volta para Paris. Ele deixa Dimitri com um dos primos de Adelaída Ivanovna em Moscou e se esquece do garoto. Com a morte de seus tutores, Dimitri vai crescendo.

Do segundo casamento de Fiódor, com Sófia Ivánovna, nasceram Ivan Fyodorovich Karamazov, o filho do meio, conhecido como Ivan, e Alieksiêi Fydorovich Karamazov, conhecido como Aliócha, o filho mais novo. Esta mulher, Sófia Ivanovna, era notavelmente bonita, e sua beleza e inocência atraiu o lascivo Karamazov.

E, convenceu-a a fugir com ele contra a vontade de sua tutora e rapidamente se aproveitou de seu temperamento cordato e ao mesmo tempo aventureiro. Fiódor submeteu Sofia a muitas humilhações, e ela acabou morrendo de uma doença nervosa.

Quando sua antiga tutora soube de sua morte, ela veio e levou os dois meninos, Ivan e Aliócha, para criar. Após o falecimento da tutora, cada menino recebeu mil rublos deixados por ela para a educação deles. Após a sua caracterização completa do Karamazov mais velho, Dostoiévski[3] dedica os capítulos seguintes à prole.

Os Irmãos Karamazov[4] reporta uma prole onde muito diferentes uns dos outros, como se pode imaginar. Dimitri, Alyosha e Ivan. Cada irmão é impulsionado por diferentes filosofias ou visões de mundo, e todas essas diferentes filosofias disputavam a preeminência na Rússia do tempo de Dostoievski. Dimitri cresce com a convicção de que ele vai herdar bens quando sua maioridade chegar. Ele tem uma juventude "desordenada", não consegue terminar a escola e acaba nas Forças Armadas.

Ele leva uma vida selvagem e gasta uma grande quantidade de dinheiro em bebedeiras e gastos desnecessários. Seu temperamento é bipolar. Oscila entre a violência e a compaixão. Quando ele completa maioridade, retorna à casa de seu pai para reivindicar sua herança.

Fiódor Pavlovich explora o descuido de Dimitri com dinheiro, enviando-lhe pequenas quantias de vez em quando. Quatro anos mais tarde, Dimitri retorna para liquidar a herança de uma vez por todas, e fica atordoado quando seu pai diz que ele já recebeu toda a sua herança e não lhe deve mais nada. Ivan, o filho do meio, do segundo casamento, a meu ver, é um dos personagens mais brilhantes de toda a obra que li de Dostoievski até hoje.

Nenhum personagem é afligido com mais traumas ou conflitos internos que Ivan. Raskonikov é o personagem que pode até igualar, mas jamais ultrapassá-lo. Ivan é um aluno brilhante, possui uma mente incisiva, analítica e sua inteligência é a grande culpada por levá-lo ao desespero. Baseando-se na lógica, duvida da existência de Deus e da imortalidade da alma.

Ele acha que a única razão pela qual as pessoas são boas é o medo das consequências do juízo final. Por isso, ele rejeita Deus. Ele também rejeita as categorias morais do bem e do mal e prega a mensagem de que “se Deus não existe, tudo é permitido”.

Foi a partir desse axioma que Nietzsche[5] elaborou a teoria “vontade de potência”, que é a desconstrução dos fenômenos morais como o conhecemos e o estabelecimento de uma nova moral, de acordo com a natureza do homem, tal como ele observa ao longo da história.

A moral que Nietzsche[6] nos apresenta, por exemplo, procura elevar em muito a natureza do homem. Dessa concepção deriva algumas dicotomias, tais como mestre (o ativo), escravo (o passivo) e sua concepção de super-homem. Mas Ivan não acredita no que ele prega: ele é uma pessoa profundamente moral.

Por isso a aversão ao pai e a seu discípulo Smerdiakov, seu meio-irmão. Sua falta de fé em Deus transborda para falta de fé em si mesmo e na humanidade.

O terceiro filho, Aliócha, é o ponto fora da curva da família. Bondoso, gentil, amoroso, tem uma personalidade conciliadora, possui uma fé natural simples em Deus, que se traduz em um verdadeiro amor pela humanidade. Quando completa vinte anos de idade, Aliócha vai se dedicar ao mosteiro e tem como mestre o monge ancião Zossima, seu mentor espiritual.

Ele entende o mal humano e o fardo do pecado, e pratica o perdão universal. Suas dúvidas são resolvidas pelo compromisso em fazer o bem. Um homem comprometido com os ensinamentos de seu mestre, o monge Zossima, que recupera o seu legado para transmiti-lo aos jovens estudantes da cidade, que o adoram. Há um quarto elemento na família. Pavel Fyodorovich Smerdiakov[7] é um servo da casa, mas não leva o nome da família. Ele nasceu filho de uma mulher idiota e doente estuprada por Fiódor Pavlovitch.

Amaldiçoado por uma epilepsia, tem um temperamento que oscila entre a maldade pura e uma servidão rastejante. Uma figura repulsiva. Acabou sendo criado pelos empregados da casa de Fiódor. Mas sofre uma grande influência intelectual de Ivan.

O conflito que une todos os personagens apresentados começa quando Dimitri tenta recorrer à herança que, segundo ele, lhe era devida. O pai nega ao filho essa herança. E, pior do que isso: ele usa o dinheiro para seduzir Grushenka. Para complicar, Dimitri é insanamente apaixonado por Grushenka, embora estivesse noivo de Catierina Ivanovna Verkhovtsev, conhecida como Catierina Ivánovna. Como não tinha dinheiro, acaba pegando dinheiro de sua noiva.

E, precisa do dinheiro do pai para pagá-la. Aos poucos, Dostoiévski vai construindo um suspense com vários indícios de que Dimitri pode matar o pai. Dimitri chega a ponto de jurar liquidar o seu pai em público caso ele tente seduzir Gruchenka. Para trazer mais emoção à história, Ivan é apaixonado por Catierina e torce para que o irmão mate o pai para que possa ter Catierina como esposa. Aliócha, entretanto, tenta mediar o conflito freneticamente, mas ele precisa voltar para o mosteiro, e Ivan propositadamente sai da cidade[8].

O suspense continua sendo construído e Dostoiévski sutilmente manipula esses eventos de modo a deixar Fiódor (o pai) vulnerável. O inevitável acontece. Fiódor morto é assassinado, e as evidências recaem sobre Dimitri, que já havia ameaçado seu pai várias vezes em público[9].

Uma questão é atormentadora...quem matou o velho? Em “Os Irmãos Karamazov”, Dostoiévski enfatiza que, no livre arbítrio, Deus deu à humanidade uma grande responsabilidade, até mesmo um fardo. Todo mundo é livre para acreditar ou não em Deus, e fazer o bem ou não.

Em cada momento, o homem constantemente tem a capacidade de escolher o mal. Não faz parte dos planos de Deus fornecer milagres convenientes que forcem os homens a acreditar no que duvidam ou para responder aos desafios da vida de determinadas maneiras.

O livre arbítrio torna o caminho da humanidade mais difícil, doloroso e perigoso, mas é necessário se o homem quer evoluir para além do estado da infância.

 A parte do romance que examina mais explicitamente o livre arbítrio é o poema de Ivan, "O Grande Inquisidor”. Essa parte do romance é um capítulo à parte, que merece uma leitura especialmente atenta.

A provocação que eu gostaria de jogar a você, leitor deste espaço, é a seguinte: se Ivan acredita realmente em tudo o que ele diz sobre a ausência do bem e do mal e a falta de sentido de responsabilidade, então ele não deveria ter nenhum motivo para se sentir culpado em relação à morte de Fiódor Pávlovitch, seu pai que ele odiava.

A obra é muito mais do que um mistério de um crime, é um romance sobre choques de visões de mundos opostos. O estilo de vida hedonista de Dimitri é contrastado com o ateísmo de Ivan e o cristianismo bíblico de Aliócha. Há choque de ideologias e de consciências.

A relação de Deus com o ser humano, a existência do mal, da dor e do sofrimento num mundo em que a vontade de um Deus benevolente deveria prevalecer deixava Dostoiévski preocupado e pensativo.

Nesse sentido, “o problema da existência de Deus atormentou-o a vida inteira; para ele sempre foi emocionalmente impossível aceitar um mundo que não tivesse relação alguma com qualquer espécie de Deus”. O livro de Jó, que apresenta o tema do sofrimento humano diante da soberania de Deus, influenciou fortemente Dostoiévski e alguns de seus personagens.

Em última análise, podemos dizer que existem três visões de mundo. As descrições de extravagância e embriaguez de Dimitri são intercaladas com os jorros verbais de Ivan e lembranças da fé do mentor de Aliócha. E, é nesse conflito que a história ganha profundidade para a compreensão do leitor de cada personagem.

A obra é ponto de chegada de inúmeras questões históricas, teológicas e morais que atormentaram o escritor[10] por décadas, o livro apresenta um grau de complexidade incomum, que levou figuras como Sigmund Freud[11] e Friedrich Nietzsche a apontá-lo como a maior realização literária da história da humanidade.

Conta-se que Dostoiévski planejou “Os Irmãos Karamázov” para ser uma súmula de nosso tempo, uma espécie de Divina Comédia da modernidade. Faz total sentido, portanto, que este romance monumental dê espaço para questões prementes e contemporâneas ao autor.

A ficção é concebida como espaço permeável às discussões do momento, de maneira que vemos debates presentes nas revistas de Dostoiévski, no “Diário de um Escritor” e em toda a imprensa da época.

O fim da servidão em 1861, a reforma judiciária de 1864, a polêmica dos tribunais socioeclesiásticos, o espectro do socialismo e dos círculos revolucionários, o embate entre a ortodoxia cristã e o liberalismo europeizado emergente- tudo isso é tratado com detalhes, sendo plena a hibridização entre ficção e realidade.

Sobre o escritor, Fìódor Dostoiévski, nascido em 1821 e morto em 1881, no Império Russo[12], podemos dizer que se trata de um dos maiores romancistas da História. Há quem diga que ele captou, como ninguém, as profundezas da psique humana.

Suas criações nos trazem personalidades assustadoramente verossímeis, onde não há perfeição, mas conflitos morais e muitas dúvidas existenciais. Identificamo-nos, em maior ou menor medida, com vários de seus personagens, pois eles carregam um quê de humanidade que reflete as contradições e dilemas que há em nós, leitores.

O escritor costumeiramente abordava temas como o crime, o suicídio, o remorso, a fé, as paixões e tudo que há de universal nas culturas humanas (levando, muitas vezes, às últimas consequências); porém, com um enfoque social contextualizado em sua época. Dostoiévski viveu em um período de grandes turbulências econômicas e sociais, no meio de uma Rússia que, finalmente, ascendia.

Por séculos, enquanto a Europa prosperava, os russos ainda viviam como na Idade Média. Somente no século XIX, o país começou a engatinhar. A Reforma Emancipatória dos servos russos só veio a ocorrer em 1861.

Em seus romances, todo esse contexto é abordado e, muitas vezes, criticado. Vivendo na época, (o escritor sofreu de problemas financeiros)  por um longo tempo, foi viciado em jogos, além de ser epilético, doença que inspirou alguns de seus personagens.

Além d’Os Irmãos Karamázov, há alguns de seus outros célebres romances: “Noites Brancas” (1848); “Humilhados e Ofendidos” (1861); “Notas do Subterrâneo” (1864); “Crime e Castigo”[13] (1866) e “Os Demônios” (1872). Vale citar também o conto “O Sonho de um Homem Ridículo”, de 1877.

O homicídio do pai, parricídio é um crime submetido à competência do tribunal do júri[14]. Devemos enxergar o Direito como uma instância de poder que se desenvolve cotidianamente no interior da sociedade e que acaba direcionando, de um modo ou doutro, os juízos, as opiniões e condutas humanas.

Inspirando-se em Foucault que traduziu o Direito é um exercício de poder disseminado pela sociedade que o Direito é constituído, configurado e legitimado e, por isso mesmo, são crenças, desejos inconscientes ou preconceitos de toda sorte.

Em que pese todo o protagonismo de todos os Karamázov, durante toda a narrativa onde os conflitos que atingem a família têm como atores principais Dimítri e Fiódor. Em primeiro lugar, o filho mais velho considerava o pai o ladrão de sua riqueza. E, cresceu com a ideia de que tinha alguma fortuna e seria independente ao atingir a maioridade.

O parricídio é narrado de forma tendenciosa o que faz parecer um crime coletivo. Mas, o narrador jamais atribui a autoria do crime a Dimitri. E, as informações são trazidas por Gregório que apesar de não testemunhar o parricídio, presumiu que Dimítri o teria feito, pelo fato de visto o filho mais velho correndo pelo jardim e portando um pilão.

O parricídio é um crime hediondo[15]. São hediondos os seguintes delitos: homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII); lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 1422 e1444 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; latrocínio (art. 157, § 3º, in fine); extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º); extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lº, 2º e 3º) ;estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º) estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º); epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º); falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B); favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º); genocídio (Lei 2.889/56).

Os crimes hediondos e equiparados são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança. Percebe-se que o que a Lei 8.072/90 vedas, em seu art. 2º, II, é a fiança, e não a liberdade provisória.

Portanto, é possível que o acusado por um crime hediondo aguarde o desfecho da ação penal solto. O que não é possível, no entanto, é que a liberdade seja condicionada ao pagamento de fiança, por expressa vedação legal, mas o juiz não está impedido de impor outra das medidas cautelares do art. 319 do CPP.

O crime de homicídio é previsto no artigo 121 do Código Penal brasileiro, tem como objetivo proteger a vida humana extrauterina. O homicídio poderá ser doloso ou culposo. O homicídio doloso, a seu turno, poderá ser: privilegiado, simples ou qualificado.

Importante recordar que o homicídio simples poderá ser considerado como crime hediondo[16] quando praticado por grupo de extermínio, ainda que praticado por um só agente. É o que dispõe o artigo 1º da Lei 8.072/1990 conforme redação dada pela Lei nº 8.930, de 1994. Vide Lei nº 7.210, de 1984.

O verbo matar, aqui, significa cessar a atividade encefálica do ofendido. Oportuno salientar que matar alguém é, como regra, um crime comissivo.  Entretanto, o crime pode ser praticado por omissão quando quem se omite tinha o dever de agir (crime omissivo por omissão).

Nesta espécie de crime, é necessário existir o garantidor (ou garante). No Brasil, adota-se a teoria das fontes formais de garantidor. Segundo essa teoria, é garantidor aquele que a lei define como garantidor.

O garantidor é a pessoa que, definida pela lei (teorias das fontes formais de garantidor), tem obrigação de evitar o resultado, quando possível evitar o resultado.

O homicídio é um crime material. Isso significa que sua consumação depende da existência de resultado material (ou naturalístico). O resultado naturalístico do crime de homicídio é a morte do ofendido. Portanto, ocorre a consumação do crime de homicídio com a morte da vítima. É evidente que, não ocorrendo a morte da vítima existindo a intenção de matar (animus necandi), há tentativa de homicídio.

 Verifique-se que o homicídio qualificado. Segundo o art. 121, § 2°, do CP, o homicídio será qualificado quando cometido: I – Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – Por motivo fútil[17]; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V – Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: VI – Contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio): VII – Contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: VIII – Com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido; IX – Contra menor de 14 (quatorze) anos. Pena: reclusão, de doze a trinta anos.

Os incisos I, II e V tratam de qualificadoras subjetivas. Os incisos III e IV, contudo, são qualificadoras objetivas. Em primeiro lugar, é importante destacar que o homicídio qualificado é crime hediondo (art. 1°, I, da lei 8.072).

Um ponto importante para registrar, desde já, é que será possível ocorrer homicídio qualificado e, ao mesmo tempo, privilegiado. Para isso, contudo, a qualificadora deve ser objetiva.

Eis algumas frases da obra que vale a pena destacar:

“Quase sempre, o original é o indivíduo que se situa à margem” (pág. 15)

“Para o realista, não é a fé que nasce do milagre: é o milagre que nasce da fé. Se o realista passa a ter fé, precisa, em virtude de seu realismo, admitir também o milagre.” (pág.39)

“Quanto mais detesto as pessoas em particular, mais ardo de amor pela humanidade em geral.” (pág.73)

“Em vez de querer preservar a sociedade, cortando um membro gangrenado, não seria melhor visar francamente à regeneração e à salvação do culpado?” (pág. 79)

“Se a igreja de Cristo não existisse, não haveria para o criminoso nem freio a seus crimes, nem verdadeiro castigo: não um castigo mecânico que, como o senhor acaba de dizer, apenas o irrita, mas um castigo real, o único eficaz, o único que aterroriza e apazigua: a confissão da própria consciência.” (pág.80)

“Penso que, se o diabo não existe… se ele foi criado pelo homem… o homem fez o diabo à sua imagem e semelhança.” (pág.265)

“Para o homem, uma vez livre, não há preocupação mais constante, mais dolorosa, do que encontrar, com a maior rapidez, ‘a quem adorar'”. (pág.282)

“A vida também existe no subterrâneo.” (pág. 681)

No romance “Os Irmãos Karamázov” não é a ocorrência do parricídio em si, mas, sim, a suposta injustiça cometida pelo Poder Judiciário contra Dimítri Karamázov, uma vez que ele acaba condenado à prisão por um crime executado por Smierdiákov, seu meio-irmão bastardo[18].

Tal análise, contudo, parece simplória, pois deixa transparecer uma ideia até certo ponto ingênua sobre o próprio conceito de Direito, que considera mais a letra da lei do que a sua aplicação prática. Parece até que todas as decisões judiciais só levam em conta a conduta praticada, a legislação aplicável ao caso ou o conceito jusfilosófico de Justiça e não a rede de relações de poder nas quais o acusado, as testemunhas, os jurados e, até mesmo, os próprios julgadores porventura envolvidos.

Vejamos, breve resumo dos livros da obra.

Livro I:  Narra a história de uma família e o início do romance apresenta a família Karamázov e relata também a história de seu passado distante e recente. Os detalhes dos dois casamentos de Fiódor, bem como sua indiferença quanto à criação de seus filhos, são relatados. O narrador também descreve as personalidades bem diversas dos três irmãos e as circunstâncias que levaram ao seu retorno à cidade de Fiódor. O primeiro livro termina descrevendo a misteriosa ordem religiosa dos startzí a que Aliócha se afeiçoou.

Livro II: Narra uma reunião inoportuna O livro dois começa quando a família Karamázov chega no mosteiro local para que o stárietz Zossima possa agir como mediador entre Dimitri e seu pai Fiódor em seu conflito em torno da herança de Dimitri. Aparentemente, foi ideia do pai, como um gracejo, fazer a reunião num local tão sagrado na presença do stárietz. Dimitri chega atrasado, e a reunião logo degenera e apenas exacerba a briga entre Dimitri e Fiódor.

Este livro também contém uma cena onde o stárietz Zossima consola uma mulher que chora a morte de seu filho de três anos. A dor da pobre mulher compara-se à própria tragédia de Dostoiévski com a perda de seu filho jovem Aliócha.

Livro III trata dos lascivos. O terceiro livro fornece mais detalhes do triângulo amoroso que irrompeu entre Fiódor, seu filho Dimitri e Grúchenka. A personalidade de Dimitri é explorada na conversa entre este e Aliócha, quando Dimitri se esconde perto da casa do pai para ver se Grúchenka chegará. Nessa mesma noite, Dimitri irrompe na casa do pai e o ataca, enquanto ameaça voltar e matá-lo no futuro.

Este livro também apresenta Smierdiakóv e suas origens, bem como a história de sua mãe, Lizavieta Smierdiáschaia. Na conclusão do livro, Aliócha é testemunha da humilhação de Catierina, noiva de Dimitri, por Grúchenka, resultando num terrível constrangimento e escândalo para essa mulher orgulhosa.

 No Livro IV relata as mortificações. Esta secção apresenta uma história secundária que ressurgirá em mais detalhes adiante no romance. Começa com Aliócha observando um grupo de meninos atirando pedras em um de seus colegas, o doentio Iliúcha. Quando Aliócha chama a atenção dos meninos e tenta ajudar, Iliúcha morde o dedo de Aliócha.

Mais tarde fica-se sabendo que o pai de Iliúcha, um capitão reformado chamado Snieguirióv, foi atacado por Dimitri, que o arrastou pela barba para fora de um bar. Aliócha logo toma conhecimento dos infortúnios presentes no lar de Snieguirióv e oferece ao capitão reformado dinheiro como desculpas pelo seu irmão e para ajudar a esposa doente e filhos de Snieguirióv. Após, inicialmente, aceitar o dinheiro com alegria, Snieguirióv atira-o de volta para Aliócha por orgulho e corre para sua casa.

Livro V: Pró e contra. Eis que a ideologia racionalista e niilista que permeava a Rússia naquela época sendo defendida e adotada entusiasticamente por Ivan Karamázov ao se encontrar com o irmão Aliócha em um restaurante. No capítulo intitulado "Rebelião", Ivan proclama que rejeita o mundo que Deus criou porque foi erguido sobre uma base de sofrimento.

Em, talvez, o capítulo mais famoso do romance, "O Grande Inquisidor"[19], Ivan narra para Aliócha seu poema imaginado que descreve um líder da Inquisição Espanhola e seu encontro com Jesus, que retornou à Terra. Aqui, Jesus é rejeitado pelo Inquisidor que o lança na prisão e depois diz:

"Por que achaste de aparecer agora para nos atrapalhar? Pois vieste nos atrapalhar e tu mesmo o sabes. [...] Faz muito tempo que já não estamos contigo, mas com ele [Satã] [...] Recebemos dele aquilo que rejeitaste com indignação, aquele último dom que ele te ofereceu ao te mostrar todos os reinos da Terra: recebemos dele Roma e a espada de César, e proclamamos apenas a nós mesmos como os reis da Terra, os únicos reis [...], mas nós o conseguiremos e seremos os Césares, e então pensaremos na felicidade universal dos homens".

Jesus não deveria ter dado aos humanos a "carga" do livre arbítrio. Ao final dessas discussões, Jesus silenciosamente dá um passo à frente e beija o velho homem nos lábios. “O Grande Inquisidor”, atônito e comovido, ordena que Ele nunca mais volte ali, e o solta. Aliócha, após ouvir a história, vai até Ivan e o beija suavemente, com uma emoção inexplicável, nos lábios. Ivan grita de alegria, porque o gesto de Aliócha foi tirado diretamente de seu poema. Os irmãos então se despedem.

Livro VI: Um monge russo. O sexto livro relata a vida e história do stárietz Zossima no leito de morte em sua cela. Zossima explica que encontrou sua fé em sua juventude rebelde, em meio a um duelo, consequentemente decidindo tornar-se monge. Zossima prega que as pessoas devem perdoar as outras reconhecendo seus próprios pecados e culpa perante os outros.

Explica que nenhum pecado é isolado, tornando todos responsáveis pelos pecados de seus vizinhos. "Tudo é como o oceano, tudo corre e se toca, tu tocas em um ponto e teu toque repercute no outro extremo do mundo". Zossima representa uma filosofia que responde à de Ivan, que desafiara a criação de Deus no livro anterior.

Livro VII: Aliócha O livro começa imediatamente após a morte de Zossima. Acredita-se na cidade, e no mosteiro também, que os corpos de homens realmente santos são incorruptos, ou seja, não sucumbem à putrefação.

Assim a expectativa em torno do stárietz Zossima é que seu falecido corpo não se decomponha. A cidade inteira fica chocada quando o corpo de Zossima não só se decompõe, mas começa o processo quase imediatamente após sua morte. No primeiro dia, o cheiro do corpo de Zossima já é insuportável.

Para muitos isso põe em dúvida seu respeito e admiração anteriores por Zossima. Aliócha fica particularmente devastado pela mancha na imagem de Zossima devido a nada mais que a corrupção de seu corpo morto.

Um dos colegas de Aliócha no mosteiro chamado Rakítin usa a vulnerabilidade de Aliócha para marcar um encontro entre este e Grúchenka. Contudo, em vez de Aliócha se corromper, consegue renovar sua fé e esperança com Grúchenka, enquanto a mente atribulada de Grúchenka começa a trilha da redenção espiritual por sua influência: eles se tornam amigos próximos. O livro termina com a regeneração espiritual de Aliócha ao abraçar e beijar a terra fora do mosteiro e chora convulsivamente até finalmente voltar ao mundo, como instruído por Zossima, renovado.

Livro VIII: Mítia Esta seção trata basicamente da busca desenfreada e confusa de dinheiro por Dimitri para que possa fugir com Grúchenka. Dimitri deve dinheiro à sua noiva Catierina e se considerará um ladrão se não o devolver antes de embarcar em sua busca por Grúchenka.

Essa procura louca de dinheiro leva Dimitri do benfeitor de Grúchenka para uma cidade vizinha atrás de uma falsa promessa de negócio. Enquanto isso Dimitri morre de medo de que Grúchenka possa ir até seu pai Fiódor e desposá-lo, porque este já dispõe dos meios financeiros para satisfazê-la.

Quando Dimitri retorna de seu negócio fracassado na cidade vizinha, acompanha Grúchenka até a casa de seu benfeitor, mas logo descobre que esta o enganou e saiu de lá cedo. Furioso corre até a casa do pai com um pilão de cobre na mão, e o espia pela janela. “Odeio a papada dele, o nariz dele, os olhos dele, sua zombaria desavergonhada. Sinto um asco pessoal.”

Ele arranca o pilão do bolso. Depois, ocorre uma descontinuidade na ação, e Dimitri está subitamente fugindo da propriedade do pai, atingindo o criado Grigori na cabeça com o pilão com resultados aparentemente fatais.

Dimitri é depois visto atordoado na rua, coberto de sangue, com uma pilha de dinheiro na mão. Logo fica sabendo que o primeiro amante de Grúchenka retornou e a levou a uma estalagem em Mókroie, uma aldeia próxima. Ao saber disso, Dimitri enche uma carroça de comida e bebida e paga por um enorme festim para enfim confrontar Grúchenka na presença de sua velha paixão, com a intenção de se matar depois ao alvorecer.

O "primeiro e legítimo amor", porém, é um polonês rude que trapaceia num jogo de cartas. Quando essa fraude é revelada, ele foge, e Grúchenka logo revela a Dimitri que na verdade está apaixonada por ele. O festim prossegue, e justo quando Dimitri e Grúchenka estão planejando se casar, a polícia entra na estalagem e informa a Dimitri que ele está preso, acusado do assassinato de seu pai.

Livro IX: Investigação preliminar. O Livro nono apresenta os detalhes do assassinato de Fiódor e descreve o interrogatório de Dimitri ao ser interrogado pelo crime que sustenta que não cometeu.

O suposto motivo do crime é roubo. Dimitri, sabidamente, estava sem dinheiro nenhum no início daquela noite, mas subitamente foi visto na rua com milhares de rublos logo após o assassinato do pai. Enquanto isso, os três mil rublos que Fiódor Karamázov havia reservado para Grúchenka despareceram. Dimitri explica que o dinheiro que gastou naquela noite veio dos três mil rublos que Catierina lhe entregara para que ele enviasse à irmã dela.

Ele gastou metade em seu primeiro encontro com Grúchenka — outra bebedeira — e costurou a outra metade num saquinho, pretendendo devolvê-lo a Catierina em nome da honra, ao que diz. Os advogados não se convencem. Todos os indícios apontam contra Dimitri; a única outra pessoa na casa no momento do assassinato era Smierdiakóv, que estava incapacitado devido a um ataque epiléptico que aparentemente sofrera no dia anterior. Como resultado dos indícios esmagadores contra ele, Dimitri é formalmente acusado de parricídio e levado à prisão para aguardar o julgamento[20].

Livro X: Os meninos, neste livro, continuam a narrar a história dos meninos e Iliúcha que havíamos visto no Livro Quatro. O livro começa pela apresentação do menino Kólia Krassótkin. Kólia é um menino brilhante que proclama seu ateísmo, socialismo e crença nas ideias da Europa.

Parece destinado a seguir as pegadas espirituais de Ivan Karamázov. Kólia está entediado com a vida e constantemente assusta sua mãe ao se expor ao perigo. Como parte de uma brincadeira, Kólia deita-se entre os trilhos de uma ferrovia enquanto o trem passa por cima e torna-se uma espécie de lenda devido à façanha. Todos os outros meninos respeitam Kólia, especialmente Iliúcha.

Após os eventos narrados no Livro Quatro, sua doença progressivamente se agravou, e seu médico afirma que ele não se recuperará. Kólia e Iliúcha tiveram uma desavença porque Iliúcha maltratou um cachorro, dando-lhe pão com um alfinete dentro por sugestão de Smierdiakóv. Mas, graças à intervenção de Aliócha os outros meninos gradualmente se reconciliaram com Iliúcha, e Kólia logo se junta a eles na cabeceira do doente. É aqui que Kólia trava conhecimento com Aliócha e começa a reavaliar suas crenças niilistas.

Livro XI: O irmão Ivan Fiódorovich esse Livro relata a influência destrutiva de Ivan Karamázov sobre aqueles à sua volta e sua queda na loucura. É neste livro que Ivan encontra-se três vezes com Smierdiakóv, o encontro final culminando com a confissão dramática de Smierdiakóv de que havia simulado seu ataque epiléptico, assassinado Fiódor Karamázov e roubado o dinheiro, que apresenta a Ivan. Smierdiakóv expressa descrença na pretensa ignorância e surpresa de Ivan. Smierdiakóv alega que Ivan foi cúmplice no assassinato ao informar Smierdiakóv de quando estaria partindo da casa de Fiódor, e principalmente ao inculcar em Smierdiakóv a crença de que em um mundo sem Deus “tudo é permitido”.

A obra termina com Ivan tendo uma alucinação em que é visitado pelo diabo, que atormenta Ivan ao zombar de suas crenças. Aliócha encontra Ivan desvairado e informa-lhe que Smierdiakóv se matou logo após o encontro final deles.

Livro XII: Um erro judiciário. Este livro detalha o julgamento de Dimitri Karamázov pelo assassinato de seu pai Fiódor. O drama na sala do tribunal é muito satirizado por Dostoiévski. Os homens na multidão são apresentados como ressentidos e vingativos, e as mulheres sentem-se irracionalmente atraídas pelo romantismo do triângulo amoroso entre Dimitri, Catierina e Grúchenka.

A loucura toma conta de Ivan e, ele é carregado para fora da sala do tribunal após narrar seu encontro final com Smierdiakóv e a mencionada confissão.

O turn over no julgamento é o depoimento condenador de Catierina contra Dimitri. Enfurecida pela doença de Ivan que acredita resultar de seu suposto amor por Dimitri, ela apresenta uma carta escrita por Dimitri bêbado dizendo que mataria Fiódor. A seção se encerra com as observações finais eloquentes do promotor e da defesa, e o veredicto final revela que Dimitri é culpado[21].

O epílogo refere-se à seção final começa com a discussão de um plano desenvolvido para a fuga de Dimitri de sua sentença de vinte anos de trabalhos forçados na Sibéria. O plano não chega a ser plenamente descrito, mas parece envolver Ivan e Catierina subornando uns guardas.

Aliócha aprova, primeiro porque Dimitri não está emocionalmente preparado para se submeter a uma sentença tão dura, segundo porque é inocente, e terceiro porque nenhum guarda ou funcionário seria prejudicado ao ajudar na fuga.

Dimitri e Grúchenka planejam fugir para a América e trabalharem como agricultores ali por vários anos, e depois retornarem à Rússia sob nomes americanos falsos, porque ambos não conseguem conceber viverem fora da Rússia.

Dimitri implora que Catierina o visite no hospital, onde está se recuperando de uma doença antes de ser enviado à Sibéria. Nessa visita, Dimitri pede desculpas por tê-la magoado; ela por sua vez pede desculpas por ter apresentado a carta acusadora durante o julgamento[22]. O romance termina no funeral de Iliúcha, onde seus amigos ouvem o “Discurso Junto À Pedra” de Aliócha[23].

Este promete lembrar Kólia, Iliúcha, e todos os outros meninos e mantê-los no coração, embora tenha de deixá-los e possa não os ver de novo até que muitos anos tenham decorrido. Implora que amem uns ao outros e que sempre recordem Iliúcha, mantendo sua lembrança viva em seus corações e lembrando aquele momento junto à pedra quando estiveram todos juntos e amaram uns ao outros.

Aliócha, então, narra a promessa cristã de que um dia se reunirão após a Ressurreição. Chorando, os doze meninos prometem cumprir aquilo que Aliócha lhes pede, dão as mãos e retornam à casa de Snieguirióv para o jantar do funeral, gritando: "Hurra, Karamázov!".

O Epilogo é quando se revela um plano de fuga para Mítia que envolveria Katierina, Ivan e Aliócha subornando alguns guardas. Então Mítia e Grúchenka fugiriam para a América por alguns anos. Dimítri vai internado e para tratar uma febre que possuía antes de ser exilado para a Sibéria[24], enquanto está internado, Katierina vai ao visitar e ele pede perdão por magoa-la e ela pede perdão por ter apresentando a carta no seu julgamento.

A obra finda com o enterro de Iliúcha, onde Aliócha faz um discurso junto a pedra onde ocorria o sepultamento, o discurso do jovem emociona a todos que no fim partem de mãos dadas comer pasteis na casa de Snieguirióv enquanto repetiam com entusiasmo “Viva Karamázov!”

Em sua biografia, constata-se que Fiódor Dostoiévski envolveu-se na revolução de Mikhael Petrachevski contra o Czar Nicolau I[25] no ano de 1847. O resultado desta aliança foi a prisão e condenação à morte de Dostoiévski pelo Czar.

No momento da execução recebeu a mudança de sua sentença e foi exilado para a Sibéria juntamente com outros condenados para realizar serviços forçados de 1850 a 1854 e permanecendo mais seis anos como soldado raso em um batalhão siberiano para cumprir o restante da pena.

Casou-se com Maria Dmitrievna que morre de tuberculose em 1864, mesmo ano em que morre seu irmão. Neste período, Dostoiévski publicou duas obras que retratavam seu exilio, Memórias da Casa dos Mortos em 1861 e Memórias de Subsolo em 1864.[26]

Ainda na Sibéria[27], em 1855, Dostoiévski começou a trabalhar seu romance intitulado “Recordações da Casa dos Mortos”, publicado somente em 1862. Essa obra faz referência à sua prisão. Foi entre 1865 e 1871 que Dostoiévski escreveu “Crime e Castigo”, “O Jogador”, “O Idiota”[28] e “Os demônios”, respectivamente.

Em 1880, Dostoiévski terminou finalmente “Os Irmãos Karamazov”. Dostoiévski tinha enfisema pulmonar e começou a apresentar constantes hemorragias que o levaram à morte no dia vinte e oito de janeiro de 1881.

Marmelstein (2019) compreende o erro judiciário como toda e qualquer atividade meramente injusta praticada durante exercício da função concernente ao Poder Judiciário, violando inúmeros decretos constitucionais e legais, ou seja, todo dano que acontece no exercício da função judiciária é considerado erro judiciário.

Outra forma de conceituar o erro judiciário é relacioná-lo a todas e quaisquer consequências da interpretação errada dos fatos, ou seja, de alguma violação de norma vigente, seja de natureza material ou processual, também chamado de erro de direito.

Venosa (2020) cita como causas que levam ao erro judiciário os seguintes fatores: condenação causada por dolo, falhas na valoração das provas, omissão de algum fato, negligência, imprudência, imperícia nas ações judiciais, confissões, reconhecimento errôneo do réu, a confissão mediante tortura prova incontestável, a má vontade na apuração das provas conduzidas na instrução e decisões tomadas mediantes a pressão da sociedade.

Estudos recém-divulgados pela Comissão Criminal do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais revelaram que no ano de 2020, na cidade do Rio de Janeiro, 88 (oitenta e oito) pessoas foram condenadas injustamente por erro em reconhecimentos fotográficos, o que comprova claramente a violação da cláusula do artigo 226 do Código de Processo Penal inciso II. Ainda de acordo com Brasil (1988).

Em síntese, o erro judiciário é consequência do descumprimento das normas processuais por parte da jurisdição, que às vezes atuam de forma errônea, causando sérias lesões contra a vítima. Contudo, pode-se afirmar que não existe chance alguma de extinguir o erro judiciário, pois, o ser humano é falho, e nunca estará livre de cometer erro.

A questão relativa à responsabilidade civil do Estado em face do erro judiciário é alvo de grandes debates e, muitos posicionamentos defendem que o Estado tem a obrigação de reparar os danos causados, outros, porém, hesitam em reconhecer a necessidade de efetiva indenização.

A doutrina enfatiza que a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário somente deve ser imposta quando houver culpa de seus administradores, de forma que para se conseguir a indenização é necessário comprovar a culpa deste. Já, Di Pietro enxerga a responsabilidade do Estado não está associada ao tipo da sentença ou decisão, ou revisão criminal, isto é, nada disso implica na decisão judicial. A decisão permanece de fato para as duas partes; tanto para a que ganhou, como também para que perdeu e assim continuam ligadas aos efeitos da causa julgada.

Assim, o Estado somente poderá ressarcir tais danos, mediante de provas que comprove a existênccia do dano alegado, do contrário, não há como cogitar o deve indenizar. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano é o elemento essencial para caracterizar o dever de indenizar.

O caso dos Irmãos Naves é considerado o maior erro judiciário do Brasil, e um dos maiores do mundo; acontecido na cidade mineira de Araguari (próxima a Uberlândia e Uberaba), região do triângulo mineiro, rica em belezas naturais, cidade de gente “boa”, povo “religioso e temente a Deus”, pelos idos dos anos de 1937. Os irmãos Naves (Sebastião, com 32 anos de idade, e Joaquim, contando 25), trabalhadores que compravam e vendiam cereais, tinham uma vida pacata, o labor diário era árduo, porém o amor à vida e aos familiares faziam da labuta a alegria dos irmãos.

Joaquim Naves e seu irmão Sebastião eram sócios de Benedito Caetano (filho de fazendeiro abastado). Os negócios não “andavam bem das pernas”, compram expressiva quantidade de arroz, e vendem ao Armazém dos Lemos, que pagam em dinheiro, ficando como depositário Benedito Caetano.

No Tribunal do Júri, tem lugar o primeiro julgamento: dos sete jurados, seis votam pela absolvição dos irmãos Naves, a Promotoria inconformada recorre ao Tribunal de Justiça Mineiro, que anula o julgamento, por considerar nula a quesitação.

Realizado novo julgamento, confirma-se o placar anterior 6 X 1. Parece que a justiça será feita. Mas... o Tribunal de Justiça altera o veredito, o que era possível, mercê da ausência de soberania do Júri popular no regime ditatorial, vigente a Constituição brasileira de 1937. São condenados os irmãos Naves, a cumprirem 25 anos e 6 meses de reclusão (depois reduzidos, na primeira revisão criminal, para 16 anos).

No ano de 1960, vinte e dois anos depois de iniciado o martírio, o Supremo Tribunal Federal, conferiu a Sebastião Naves e aos herdeiros de Joaquim Naves o direito a indenização. Tal “epopeia” O CASO DOS IRMÃOS NAVES tornou-se indelével, tendo sido inicialmente pelos idos de 1960 publicada pela Editora Círculo do Livro (São Paulo); na atualidade o clássico de João Alamy Filho acha-se publicado pela Editora Del Rey.

Por meio da biografia de Dostoiévski, pode-se perceber que a religião ortodoxa russa o acompanhou desde criança e influenciou toda a sua obra. As desventuras e sofrimentos de Dostoiévski ao longo de sua vida também contribuíram para os seus escritos e inquietações.[29]

Suas principais ideias e pensamentos surgiram de experiências concretas que ele experimentou ao longo da sua história. Os temas do sofrimento, da teodiceia, do bem e do mal, da liberdade ou do livre arbítrio que aparecem no conto estão imbricados e relacionados com a cultura e com a mística ortodoxa. Sem esta, não é possível compreender o discurso do conto[30].

Em síntese, a indenização por erro judiciário e prisão indevida, atualmente, adquiriu status constitucional no artigo 5º, inciso LXXV, da Constituição da República de 1988 e, seguindo o caminho trilhado pela respeitável doutrina tanto nacional como estrangeira, toda atividade judiciária danosa deverá ser reparada, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos causados, assegurado o direito de regresso contra o agente público responsável pelo ato. 

Referências

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Notas:


[1] A definição de parricídio não se limita ao assassinato do pai. Seria mera definição simplista. Tanto o parricídio como o matricídio são tipos de delitos que exaltam emoções diferentemente de um mero assassinato qualquer. O parricídio ronda todas as sociedades humanas, desde a formação dos homens como entidade social. O parricídio, o incesto e o infanticídio são proibidos desde tempos ancestrais, onde as proibições totêmicas se instalaram relacionados aos desejos intrínsecos do Complexo de Édipo. Enfim, matar o pai-rival e possuir a mãe apenas para si mesmo.

[2] Mais comum no Brasil em sua forma Dimitri, esse nome quer dizer “consagrado à Deméter”, “consagrado à mãe terra”.

[3] "Se Deus não existe, tudo é permitido". Erro clássico. Essa afirmação de Dostoiévski não discute sua crença, nem o consequente comportamento moral decorrente dela. Ela discute o fato de que, pouco importando sua crença, se Deus não existe, não há cobrança final sobre seus atos.

[4] Otto Maria Carpeaux, na introdução que faz a Os Irmãos Karamázov diz: Em Dostoiévski, a frequência de cenas de masoquismo tem uma razão pessoal: o grande escritor nunca dissimulou os seus próprios maus instintos, antes exibindo-os cruelmente nas suas obras, a menos que a censura do subconsciente o impedisse. Este último caso se deu nos Irmãos Karamázov. Mikhail Andreievitch Dostoiévski, o pai do escritor, foi assassinado pelos próprios servos, fato que lembra imediatamente o assassinato do velho Karamázov pelo bastardo Smierdiákov; e o romance presta-se muito bem para explicações psicanalíticas, como J.  Neufeld, P. C. Squires e o próprio Freud as tentaram. Desde Sófocles, o “complexo de Édipo” não encontrou maior realização artística do que no romance em que três filhos do terrível “pai da horda” são  suspeitos do parricídio, do qual é o verdadeiro culpado o quarto filho.  Não há dúvida de que o conflito subconsciente está na raiz da obra.  Mas a solução do conflito leva o autor para outras regiões, por assim dizer, para regiões da superestrutura da alma. (CARPEAUX apud SANTANA, 2007, p. 52).

[5] Se Dostoievski fosse filósofo, poderia ter discutido seus temas em laboratórios de pesquisas acadêmicas, Crime e Castigo, fala também sobre o pobre e mundano mundo russo do século XIX, sobre a moral cristã e os caminhos da salvação pela fé. Dostoievski percebeu que somos capazes de decidir os rumos de nossas vidas sem levar em conta os dogmas religiosos, pois se um terremoto em segundos pode matar e fazer sofrer milhares de homens e crianças, então aonde estaria Deus, talvez ele não exista. Nietzsche escritor alemão, em 1882, foi autor de Assim Falou Zaratrusta, cuja alcunha seria de o Evangelho Ateu; Zaratrusta foi um profeta persa do século 6 a.C., e teria estabelecido a diferença entre o bem o e mal. O Zaratrusta de Nietzsche filosofava de uma forma que acabou com a diferença que governa a moral dos homens, pois questionou quem foi que inventou esta forma errada de interpretação entre o bem e o mal, foi extremamente criticado pelo princípio da “igualdade”, defendido pelas igrejas, o pensador alemão fez emergir a figura do indivíduo além do bem e do mal, acima dos códigos morais pré-fabricados por Platão e muito bem usufruído pelo cristianismo ocidental, Nietzsche deturpou a compreensão que temos de nós mesmos, inventado por Platão no século 5 a.C. e manipulado pelo cristianismo que existe um mundo perfeito, passando o homem a um ser submisso desse ideal acachapante e obediência aos valores cristãos; pois demonstrou que achava desumano abençoar quem foi “desabençoado” pelo Todo Poderoso; o homem livre em seus pensamentos pode criar seus próprios valores, tornando-se cada vez melhor, Nietzsche, desprezou as instituições, como, por exemplo, o estado que rouba, cobra e não cumpre suas funções, para Nietzsche, Deus estava morto, ou nunca existiu, deixando em seu legado que as convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que a mentira.

[6] A moral, de acordo com Nietzsche, pode ser entendida como um costume, que num dado momento pode ter sido útil, mas que depois passa a ser utilizada como uma norma de conduta a ser seguida, sem questionamentos. Como filólogo de formação, Nietzsche aprofunda-se, justamente, no estudo da palavra bom e, consequentemente, da palavra mau. O gênio provocativo de Nietzsche traz, assim, um texto com certo teor de sarcasmo. Isso é facilmente verificado já na primeira das três partes da obra. Todas as questões levantadas pelo homem da época de Nietzsche, principalmente os psicólogos ingleses, não levam a nada, não trazem a origem do bem e do mal. O que importa, na psicologia nietzschiana, é a busca da verdade de uma forma imparcial, conforme ele mesmo escreve no primeiro ensaio da obra: “(...) desejo que seja exatamente o contrário; desejo que estes investigadores, que estudam a alma ao microscópio, sejam criaturas generosas e dignas, que saibam refrear o coração e sacrificar os seus desejos à verdade (...) ainda que simples, suja, repugnante, anticristã e imortal... porque tais verdades existem”. O intuito de Nietzsche, contudo, é a construção de uma História da Moral.

[7] Dostoiévski traz o personagem Smerdiékov, seu terrível recalque, seu subconsciente, o verdadeiro assassino, epilético como o autor. Ivan é a sua razão, a sua cultura, o seu consciente que, embora sabendo da existência do impulso homicida, não quer admitir, tampouco aceitar que desejasse que alguém o transformasse em realidade.

[8] Em um dos primeiros diálogos do livro, Vânia expõe suas teorias sobre a relação entre o Estado Russo (responsável pela política criminal do país) e os Tribunais Eclesiais. Essa tensão debatida no livro compreende as discussões em voga na época da publicação, que debatiam o posicionamento das entidades religiosas em relação aos crimes cometidos por seus membros. Este discurso acontece em um aposentado reservado de um mosteiro e é assistido pelos principais personagens da obra, dentre eles seus irmãos alguns dos religiosos que viviam no claustro e, principalmente, pelo stárietz (título religioso dado a alguns hiermonges russos) Zossima – homem que é tido como santo pelos personagens da obra, que se torna o principal interlocutor de Ivan neste trecho.

[9] Os irmãos Karamazov é, induvidosamente, um livro complexo e largo, interessante sob o ponto de vista religioso, a professar um catolicismo ortodoxo que o autor russo advogou, de umas tais larguezas que seria veleidade pretender esgotá-lo em tão curto espaço que tal ensaio se reservou, tendo levantado significados apenas com a intenção de ressaltar-lhe a pré-figuração freudiana de algumas definições cientificas da psicanálise, embora não possamos jamais esquecer o substrato jurídico que a narrativa expressa em suas quase mil páginas de profundas reflexões e descrições psicossociais.

[10] Dostoiévski constante e severamente criticou a psicologia mecanicista, tanto seu viés pragmático baseado no conceito de direito natural e utilidade, e até mais seu viés fisiológico, que reduzia a psicologia à fisiologia. Ele ridiculariza isso em seus romances também. É o suficiente lembrar os “tubérculos no cérebro” na explicação de Lebezyatkinov para a crise espiritual de Katerina Ivanovna (Crime e Castigo), ou a transformação do nome de Claude Bernard em um símbolo pejorativo da liberação do homem de sua responsabilidade – os “Bernards” de Dimitri Karamázov (Os Irmãos Karamázov). (BAKHTIN, 1984, p. 61, tradução livre).

[11] Freud amava Dostoievski. Para ele “Os Irmãos Karamazov” era “o romance mais grandioso já escrito” e refletia aspectos da personalidade de seu autor que ocuparam parte importante do pensamento psicanalítico. O escritor parece transmutar-se num de seus personagens, o criminoso inocente, deixando-se arrastar por uma forte pulsão de destruição que visa sua própria pessoa e se manifesta sob a forma de profundo sentimento de culpa e masoquismo”, escreveu Freud. Para os autores, os laços que unem a psicanálise à literatura são “mais fortes e estreitos do que com as demais formas artísticas, como a pintura ou a música.” Mas o livro leva a conclusão mais longe um pouco: sem literatura possivelmente nem existiria a psicanálise.

[12] Em “Recordações da Casa dos Mortos”, é na parte da revolta na prisão. As reclamações dos presos sobre a comida escalam até a desobediência organizada. Mesmo sabendo da punição severa que se abateria sobre os participantes, o narrador-protagonista Goryanchikov resolve se unir aos rebelados. O entusiasmo de estar junto dos irmãos de cadeia é frustrado logo a seguir, quando Goryanchikov é rejeitado pelo grupo. Ele não pertence. Desolado, vai juntar-se aos presos que não aderiram ao movimento, na segurança da cozinha prisional. Como os correligionários, Dostoievski foi condenado à morte por fuzilamento, mas teve a sentença comutada pelo czar. A comutação só foi comunicada aos condenados na ultimíssima hora. A polícia fez questão de simular toda a via crucis até o local da execução, interrompidas segundas antes da ordem de “fogo!”. Como pena alternativa, Dostoievski foi punido com a “morte civil” (perda dos direitos) e o aprisionamento num campo de trabalho em Omsk, na Sibéria. Em princípio, ele jamais poderia voltar aos centros europeus da Rússia. Quando terminasse a pena principal, ele não estaria livre, pois ainda deveria permanecer exilado o resto da vida na qualidade de colono. Contribuiria dessa forma nas regiões de fronteira, para a expansão do Império. Ele tinha 28 anos.

[13] Publicado em 1866, o romance conta a história de Raskólnikov, um jovem estudante que planeja e comete um assassinato como parte de um experimento filosófico para provar sua teoria de que algumas pessoas são superiores às outras e têm o direito de cometer crimes para alcançar seus objetivos.

[14] Na obra, Dostoiévski não hesita em descrever o espetáculo em que e configurou a audiência de Dimítri Karamázov. E cita por diversas vezes o próprio acusado manifestando-se ao júri. Dimítri é inocente: outro dos irmãos é que cometeu o delito. Mas no decorrer do processo se pronuncia o dito que ficou famoso: a Psicologia é uma arma de duplo fio (tradução nossa).

[15] Os crimes considerados hediondos, na maioria das vezes, são crimes que causam repulsa e comoção da sociedade. Além disso, são crimes que desrespeitam direitos constitucionais e os direitos humanos. Logo, são crimes também com punições mais severas. Alguns exemplos de crimes hediondos são: Homicídio; Roubo; Extorsão; Extorsão mediante sequestro; Epidemia com resultado de morte; Prostituição ou exploração sexual infantil; Entre outros. Os crimes tipificados na lei causam repulsa na sociedade, seja devido a forma como acontecem, seja devido ao modus operandi. Esta lei elenca 16 tipos diferentes de crimes hediondos. A punição é progressiva, sendo que a lei prevê que qualquer crime cometido com violência ou grave ameaça, pode ser enquadrado na definição de crime hediondo e sofrerá uma pena severa. Uma vez condenado de um crime hediondo, o réu não poderá recorrer à progressão de pena, definida pela Lei de Execução Penal.

[16] A diferença entre crime hediondo e crime passional como dito anteriormente, “crime hediondo” é apenas uma característica para um grupo determinado de crimes. Da mesma forma é o crime passional, contudo, não há uma lei específica para definir quais são os crimes passionais por uma razão bem simples: sabe-se que crime passional é aquele praticado por violenta emoção, seja ela ódio, inveja, ciúme, paixão, entre outros sentimentos. Pode ocorrer de um crime passional ser um crime taxado como hediondo, por exemplo, o homicídio qualificado. Um sujeito matar a sua ex-namorada por ciúme é um crime passional, e também é previsto como crime hediondo: homicídio qualificado por motivo torpe. Ocorre que não há nenhum tratamento diferenciado para crimes passionais, não há nenhuma regulamentação ou previsão legal. “Crime passional” é um termo usado tão somente para caracterizar que aquele crime foi praticado movido pela emoção.

[17] Entende-se por motivo fútil aquele manifestamente desproporcional à gravidade do fato, como no caso em análise em que o réu ateou fogo à casa da vítima, pelo fato de ela ter retirado a cerca divisória. Já o motivo fútil é aquele motivo insignificante, banal, motivo que normalmente não levaria ao crime, há uma desproporcionalidade entre o crime e a causa. Ex: matar por ter levado uma fechada no trânsito, rompimento de relacionamento; pequenas discussões entre familiares; etc.

[18] O livro "Os Irmão Karamazov" aborda várias temáticas e nos leva a uma discussão filosófica, nos faz refletir sobre os valores humanos do nosso tempo. É um livro cheio de enigmas em um jogo de discussões e dúvidas. Usando de vários personagens o escritor Dostoiévski, discute o embrutecimento das relações humanas baseados em situações de domínio pelo outro, ou pela falta de uma condição financeira mais favorável. Esta obra de Dostoievski nos traz a uma reflexão sobre as fragilidades dos laços humanos, sobre a sociedade e seus problemas sociais e pessoais tão profundos a ponto de gerar níveis de insegurança maiores em um leitor não preparado para uma leitura mais profunda, chega a afetar negativamente a fé, os laços familiares e amorosos, e afeta também a capacidade de tratar um estranho com humanidade, com respeito e carinho.

[19] O Grande Inquisidor é um poema idealizado pelo personagem Ivan Karamázov e desenvolvido em forma de prosa no relato a seu irmão Aliócha no romance de Fiódor Dostoiévski Os Irmãos Karamazov (1879-1880). Trata-se de um monólogo, situado na cidade de Sevilha à época da Inquisição Espanhola, no qual o Grande Inquisidor, um velho Cardeal, depara-se com Jesus Cristo, aparecido no período, e ordena a sua prisão mesmo ciente de que se trata do Messias, questionando e condenando sua volta à Terra e condenando-o à morte na fogueira. O Grande Inquisidor é uma parte importante do romance e uma das mais conhecidas passagens da literatura moderna, devido às suas ideias acerca da natureza humana, da liberdade e do poder político-religioso.

[20] Bem menciona Carnelutti ao tratar de “pena, arrependimento e penitência”, em sua obra O Problema da Pena: Arrepende-se quem reconhece o seu pecado, e o reconhecimento ou constatação do mesmo é a condenação; mas tal reconhecimento, para ser verdadeiro, implica uma realizada inversão da alma do culpado, o qual, voltando sobre o seu ato, se julga, se envergonha, e se castiga; o castigo não se esgota no instante do juízo, mas se arrasta, às vezes, quando o feito é grave, por toda a vida. (...) Se agora alguém dissesse que tudo isto vale no plano religioso ou, ao menos, no plano moral, mas não no plano do Direito, cometeria o erro de não perceber que o problema da pena é, antes de mais nada, um problema moral: todo o Direito, mas o Direito Penal em primeira linha, é um meio para reduzir, à moral, a conduta dos homens. Este é um fim que, infelizmente, só imperfeitamente se pode alcançar; mas o dever dos juristas é o de dedicar-se a que se aproxime cada vez mais. Portanto, se a reflexão em relação à pena mostra que a sua função repressiva ou restritiva não opera nem pode operar de outra maneira que através do arrependimento, este, para a ciência do Direito, é um dado fundamental. Deriva disso que, para responder à sua função, a pena deve resolver-se na imposição, ao réu, de um modo de viver, pelo qual ele possa, o mais rápido e o mais seguramente possível, alcançar o arrependimento e, com isso, readquirir a liberdade. (CARNELUTTI, 2015, pp. 36).

[21] A visão de Dostoievski sobre o ser humano vai muito além disso, pois suas obras recorriam ao suicídio, ao orgulho ferido, a destruição dos valores familiares, ao renascimento espiritual através do sofrimento, a rejeição do Ocidente e da afirmação da ortodoxia russa e o czarismo. Dostoievski é tido como o criador do existencialismo a ponto de Walter Kaufmann descrevê-lo como a “melhor proposta para existencialismo já escrita”.

[22] O advogado o descreve com tintas verdadeiras: “Parece-me que ele não amava ninguém, além de si mesmo, e tinha uma autoestima impressionante. Imaginava que a civilização não fosse nada além de belas roupas, ternos decentes, camisas limpas e botas brilhantes. Imaginava ser o filho natural de Fiódor Pavlovitch (e, realmente, disto existem provas); a sua situação em relação aos filhos legítimos de seu patrão, causava-lhe horror: tudo era para os outros filhos, nada para ele mesmo; para eles, todos os direitos, toda a herança, mas ele mesmo, ele mesmo não passava de um cozinheiro do próprio pai.”

[23] Dostoiévski consegue manter o suspense e ainda inserir elementos da psicologia para analisar os personagens diante dos diversos acontecimentos vividos por eles e, com isso, construir a idiossincrasia de cada um. O autor usou elementos de sua própria vida para criar um livro tão realista ao ponto de abordar questões estruturais da mentalidade humana, sendo uma obra marcante pela sua verossimilhança e perfeição.

[24] De prisão a atração turística.  O local que serviu para aprisionar os opositores e inimigos de Stalin, atualmente abriga um insólito museu. Anualmente, milhares de turistas do mundo inteiro, pagam para ter a experiência de dormir uma noite em uma das celas da Fortaleza de Tobolsk.

[25] Nicolau I foi o último Imperador da Rússia, Rei da Polônia e Grão-Duque da Finlândia. É também conhecido como São Nicolau, o Portador da Paixão, pela Igreja Ortodoxa Russa. Oficialmente, era chamado Nicolau II, Imperador e Autocrata de Todas as Rússias. Foi o Imperador da Rússia e Grão-Duque da Finlândia de 1825 até sua morte. Era o penúltimo filho do imperador Paulo I e sua segunda esposa Sofia Doroteia de Württemberg, tendo ascendido ao trono após a morte de seu irmão mais velho Alexandre I. Nicolau é mais lembrado como um conservador cujo reinado foi marcado por uma grande expansão territorial, repressão de dissidentes, estagnação econômica, políticas ruins de administração, burocracia e guerras frequentes que culminaram na derrota russa durante a Guerra da Criméia. Durante seu governo tentou eliminar os movimentos nacionalistas, perpetuar os privilégios da aristocracia e impedir o avanço do liberalismo. Também reprimiu a insurreição dezembrista em 1825 e apoiou a Áustria no controle da revolta húngara de 1848, o que lhe valeu o epíteto de o guarda da Europa. Em 1830, depois de reiteradamente negar-se a aceitar os limites constitucionais fixados pelo congresso polaco, foi deposto como rei da Polónia pelo chamado Levante de Novembro. Nicolau respondeu aniquilando os insurrectos e anexando a Polônia como província russa. Teve uma política expansionista que começou com a Guerra da Criméia. Faleceu em São Petersburgo em 1855, antes que britânicos e franceses, aliados do Império Otomano na guerra, triunfassem no cerco de Sebastopol, abrindo o caminho às reformas efetuadas por seu filho Alexandre II.

[26] Influenciado por Ivan Karamázov, Smerdiákov mata o pai, e então Dimitri passa a ser o principal suspeito, Smerdiákov armou para Dimitri, ele espera a amada de Dimitri e do pai chegar, porém como ela não apareceu ele deixou um envelope com 3.000 rublos no chão o que passa a ser a principal prova do crime contra Dimitri.

[27] Depois de cinco anos trabalhando na Sibéria, sua pena foi reduzida para serviço militar por tempo indeterminado. Durante a prisão, o autor sofreu seu primeiro ataque de epilepsia, doença que o acompanhou pelo resto da vida e se tornou presente em sua obra.

[28] Autor do romance “O idiota”, tornou-se uma grande influência para filósofos existencialistas. A base do romance é Michkin, que não é um homem brilhante e atravessa a sociedade de forma simples. Mas é uma pessoa boa, honesta, simpática e agradável. Por essa “ingenuidade” todos o veem como um idiota. Para que vocês tenham uma ideia, quando ele entra em uma grande herança, ele é chantageado por um homem que afirma ser o filho ilegítimo do benfeitor de Michkin. Mas quando a história do homem é desmascarada, Michkin faz amizade em vez de castigar o culpado e seus cúmplices. Nesta sociedade, o protagonista dialoga com seu jeito simples, de um lado, com a grande sociedade composta de pessoas elegantes, o mundo dos ricos e poderosos e conservadores; e, de outro lado, com a fúria dos jovens anarquistas e niilistas e sua inexorável hostilidade. Nesse tiroteio o príncipe está sempre sozinho, exposto ao fogo de ambos. Michkin revela a sua doçura, a sua natureza infantil. Sozinho, aceita a afronta, o insulto, e está sempre pronto a aceitar toda a culpa, chamando para si toda a responsabilidade sobre os seus ombros de ambos os lados. Tanto dos ricos como dos revolucionários. Mas ele sem querer acaba pisando no pé de todos. Todos possuem ressentimentos comuns uns contra os outros, estão unidos na escuridão.

[29] “Os Irmãos Karamázov” aborda temas universais como: as relações entre Deus e o homem, o papel do humano dentro do pensamento filosófico da época e as relações entre crime, culpa e pecado, ao narrar à saga dos irmãos Dmitri, Ivan e Alieksiêi, todos filhos de Fiódor Pavlovicht Karamázov. Estes pontos filosóficos são tratados na obra tanto diretamente, através dos diálogos entre as personagens centrais, quanto indiretamente através das ações dos personagens. Neste último, destaca-se o parricídio, crime que ocorre dentro trama principal do romance e que possui caracteres que possibilitam seu estudo tanto dentro do direito, da psicanálise e da filosofia.

[30] Percebe-se que a ideia de que um sistema único que impõe penas físicas e de isolamento como únicas soluções para a resolução dos crimes em uma sociedade não produz resultados satisfatórios já encontra precedentes na literatura do século XIX. Literatura esta que contribui para o discurso demonstrando, ilustrativamente através de uma narrativa, que o meio efetivo para a reabilitação dos indivíduos universalmente, seria um exercício da “consciência sobre a própria consciência” – método este incapaz de ser aplicado no Estado contemporâneo; divulgando ideias presentes dentro das ciências criminais ao grande público.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Crime Homicídio Pena Culpa Direito Penal Brasileiro Direito Processual Penal CF/88

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