Jogue as cartas, leia o destino e desafie a sorte
Viver é ler o mundo existindo, e a ficção, parece nos segredar este pequeno conto, entra nesse existir na medida em que é capaz de revelar, de mostrar coisas que parecem óbvias depois de reveladas. Esse é o jogo – o conto. Enfim, é jogar as cartas, ler os destinos e, ainda, desafiar a sorte. É preciso combater veementemente através de políticas públicas e campanhas de conscientização de que a violência doméstica e à mulher são repudiáveis e, suas consequências reverberam em toda família e se alastra por toda sociedade.
A
Cartomante é escrito por Machado de Assis e publicado em 1884 na Gazeta de
Notícias do Rio de Janeiro e, depois republicado em outros livros, como “Várias
Histórias” e “Contos uma antologia”.
O
conto “A Cartomante” de Machado de Assis apresenta uma ironia sofisticada,
característica do estilo de escrita do Bruxo do Cosme Velho, apresenta uma
ótica da pessoa desesperada para saber o
que irá acontecer no futuro (triângulo amoroso do melhor amigo com a esposa
dele de modo extraconjugal) e que recorre a cartomante, que fez uma leitura
como programação neurolinguística (PNL), trouxe as respostas que o seu cliente
quer ouvir e que não são a verdade.
A obra
apresenta uma crítica sobre os valores como amizade, amor, traição, morte como
honra, alienação, fraqueza de espírito, medo com fortes referências shakespearianas
da obra Hamlet.
Camilo
busca um desvio que o livre de seu fadado destino Se, até aquele momento, as
ações nervosas da personagem marcavam a inquieta passagem do tempo, a partir de
então, o tempo é marcado ou não por suas ações, mas pelas ações da cartomante,
que, ao revés das ações de Camilo, são todas tranquilas e, sem nenhuma pressa.
O
conto narra o enredo do triângulo amoroso composto por Vilela, Rita e Camilo. A
história começa numa sexta-feira de novembro de 1869. Rita, angustiada com a
sua situação amorosa, resolve consultar, às escondidas, uma cartomante que
serve como uma espécie de oráculo.
Apaixonada
pelo amante Camilo, amigo de infância do marido, Rita teme pelos
relacionamentos correrem em paralelo. Camilo zomba da atitude da amante porque
não acredita em nenhuma superstição. Rita, Vilela e Camilo eram bastante
próximos, especialmente após a morte da mãe de Camilo.
Rita e
o marido viviam em Botafogo e, quando conseguia escapar da casa, ia encontrar o
amante às ocultas na Rua dos Barbonos.
O
problema surge quando Camilo recebe cartas anônimas de alguém que revela ter
conhecimento da relação extraconjugal. Camilo, sem saber como reagir, se afasta
de Vilela, que estranha o desaparecimento súbito do amigo.
Desesperado
após receber um bilhete de Vilela convocando-o para um encontro em sua casa,
Camilo recupera as antigas crenças herdadas da mãe e, assim como Rita, segue em
busca da cartomante.
Após a
consulta, Camilo se acalma e vai, tranquilo, encontrar o amigo, crente que o
caso não havia sido descoberto.
O pièce
de résistance do conto se dá no último parágrafo quando se revela o final
trágico do casal de amantes. Ao adentrar na casa de Vilela, Camilo se depara
com Rita assassinada. Por fim, toma dois tiros do amigo de infância, também
caindo morto no chão.
Outra
característica da prosa de Machado de Assis é o fato de o escritor brasileiro
deixar muitos mistérios no ar. Em A cartomante, por exemplo, chegamos ao final
do conto sem entender como Vilela efetivamente descobriu a traição.
Muitas
questões atormentam o leitor, a saber: Teria sido a cartomante a contar o caso
extraconjugal? O marido teria interceptado uma das cartas trocadas entre os
amantes? Como leitores atentos, seguimos com as dúvidas.
O
conto tragicômico trouxe um conjunto de críticas sociais e uma denúncia da
profunda hipocrisia que reinava na sociedade burguesa da época. Paira de tudo
um pouco, assassinato, adultério e, principalmente, a sustentação de um
casamento vazia apenas para manter as aparências e cumprir a ordem social.
Ao
longo do enredo, há o casamento tão-somente fulcrado na conveniência e não no
amor conforme deveria ser... Tanto a sociedade burguesa e o matrimônio são, em
verdade, movido apenas or meros interesses financeiros.
A
inspiração machadiana adveio de muitos casos que eram denunciados em jornais da
época, aliás, o adultério era recorrente no debate do século XIX.
Todos
os personagens interpretam papel social e são vítimas e algozes,
simultaneamente e alternadamente. Se Rita, por exemplo, traía o marido, por outro
lado, a ela era o fardo de interpretar o papel da mulher socialmente adequada e
capaz de manter íntegra a imagem do casamento de fachada.
Rita
quando totalmente angustiada pela traição resolve discretamente consultar uma
cartomante. Temia que pela situação que vivenciava, a de ter duas relações simultâneas,
e assim, a cartomante funcionaria como uma espécie de oráculo.
Camilo
que era seu amante, além de amigo de infância de seu marido Vilela, caçoou da
consulta de Rita, alegando que não acreditar em nenhuma superstição.
Rita e
Vilela moravam no bairro de Botafogo e, ela sempre que podia, encontrava o
amante, na Rua dos Barbonos. O auge de toda trama é quando Camilo começou a
receber as cartas anônimas que relatavam a traição. Sem saber das cartas
anônimas,
Vilela
estranhou o sumiço súbito do amigo e, resolveu enviar bilhete até Camilo para
que vá até a sua casa. O desfecho trágico se dá quando ao chegar em cada de Vilela,
Camilo encontra Rita morta pelo marido. Logo em seguido, foi alvejado com dois
tiros à queima-roupa e caiu no chão em óbito.
O
desfecho trágico estigmatiza a cartomante por charlatanismo. Há julgados nos
tribunais condenando oraculista pelas práticas de estelionato[1] religioso, charlatanismo e
curandeirismo contra pessoas em situações de vulnerabilidades (financeira,
emocional, saúde, amorosa) usando a boa-fé delas para obtenção de vantagens.
A
morte de Camilo é considerada uma das mais relevantes para Machado de Assis. Com
esse caso concreto analisaremos aspectos do Direito Penal, particularmente
sobre o homicídio.
Em
nosso país, a violência contra a mulher por razões de gênero é fenômeno que tem
aumentado nos derradeiros anos. E, tal fato pode ser constatado no Anuário
Brasileiro de Segurança Pública (2019) que mostra o crescimento do número de
casos de feminicídio (o homicídio de mulher por razões de gênero) que passou de
1.075 para 1.206 casos no ano de 2018.
A
qualificadora do feminicídio, que está presente no Código Penal brasileiro,
artigo 121, inciso VI, ocorrer quando envolver: 1. violência doméstica e
familiar; 2. menosprezo ou discriminação à condição de mulher §2ª e o §2º-A.
De acordo
com Mello (2015), essa linguagem traz várias interpretações, o que vem permitindo o surgindo de
divergências quanto à sua natureza
jurídica: se objetiva e/ou subjetiva.
Logo,
o trabalho motivou-se por essa divergência existente e o crescente aumento de
casos de feminicídios nos dias de hoje no Brasil, já que se acredita que a
falta de conhecimento (por ser um tema recente), interfere diretamente na
tipificação de casos e na adequada
punição aos agressores.
O
entendimento do tema demanda, de início, a exposição sobre violência de gênero
e suas formas de combate no Brasil, que se dá por meio de dois eventos: a Lei
nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a Lei nº 13.104/15 (Lei do Feminicídio),
que são de grande importância para a proteção dos direitos das mulheres e a
igualdade de gênero no Brasil.
Antes
de partir para o conceito “violência de gênero”, é necessário discutir sobre a
conceituação de “violência” e “gênero”. Esses termos são fenômenos complexos,
utilizados em diversas áreas do conhecimento e, consequentemente, apresenta
diferentes definições.
Minayo
(2006) afirma que o termo violência resulta da palavra latina vis, significando
“força” e se refere às noções de constrangimento e uso da superioridade física
sobre o outro para adquirir autoridade, poder, domínio, posse, aniquilamento do
outro ou de seus bens.
De
acordo com Paviani (2016), como consequência, a violência produz danos físicos,
ao produzir ferimentos, tortura e morte ou danos psíquicos, como a humilhação,
ameaças e ofensas.
De
acordo com o documento ‘Diretrizes Nacionais Feminicídio – investigar,
processar e julgar com perspectiva de gênero a morte violenta de mulheres’, a
palavra gênero refere-se às relações existentes entre homens e mulheres e a
forma como são feitas na sociedade, rejeitando a explicação biológica.
Percebe-se
relações desiguais, nas quais as atividades e atributos dos homens são
considerados superiores aos das mulheres. Essas relações de poder existentes na
sociedade variam de geração para geração em função do tempo e espaço em que se
manifestam (BRASIL, 2016).
Nesse
sentido, a violência de gênero de acordo com Streit (2016), é “uma ação que
resulta ou pode resultar em agressão (física, psicológica, sexual) em sua
esmagadora maioria, à mulher”, a partir da construção sociocultural de que a
mulher deve ficar na posição de inferioridade em relação ao homem.
É
certo que a cultura imposta na sociedade que a violência baseada no gênero
aconteça nas relações entre homem-mulher. Porém essa violência não é sempre praticada
pelo homem contra a mulher, mas pode ser de relações entre homem-homem ou ainda
de mulher-mulher
A
violência de gênero possui as seguintes características:
1)
Decorre de uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher;
2) Esta relação de poder advém dos papéis impostos às mulheres e aos homens,
reforçados pela ideologia patriarcal, os quais induzem relações violentas entre
os sexos, já que calcados em uma hierarquia de poder; 3) A violência perpassa a
relação pessoal entre homem e mulher, podendo ser encontrada também nas
instituições, nas estruturas, nas práticas cotidianas, nos rituais, ou seja, em
tudo que constitui as relações sociais; 4) A relação afetivo-conjugal,
a
proximidade entre vítima e agressor (relação doméstica, familiar ou íntima de
afeto) e a habitualidade das situações de violência tornam as mulheres
ainda
mais vulneráveis dentro do sistema de desigualdades de gênero, quando comparado
a outros sistemas de desigualdade (classe, geração, etnia).
A LEI Nº 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA)
nasceu em homenagem à farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes que
denunciou em 1998 o Brasil para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) alegando intolerância ao seu caso. Essa denúncia trouxe a adoção pelo
Estado brasileiro de medidas contra violência doméstica e familiar no âmbito
interno, resultando na Lei nº 11.340/06, que ficou conhecida como “Maria da
Penha” em homenagem a essa senhora, vítima de violência doméstica causada por
seu marido (FONSECA, 2015).
Ávila
(2007), sobre a importância da Lei Maria da Penha expôs que ela “reflete a
necessidade premente de repensar as relações de gênero como uma relação
construída sobre uma cultura secular de poder simbólico de dominação machista,
cuja perversa marca tem sido a violência doméstica”.
Diante
disso, no seu artigo 1º, já começa trazendo inovações ao combate à violência
contra a mulher, já que “cria mecanismos para coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de
assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e
familiar”. Percebe-se que a lei traz todo um suporte essencial quanto a esse
tipo de violência, que vai desde a prevenção até a punição do agressor.
Além
disso, cabe destacar a importância do papel do Estado brasileiro para a
efetivação da lei, que obrigatoriamente, como afirma Oliveira, Santos e Viana
(2017, on-line), “aumentou o custo da pena para o agressor, possibilitou
melhores condições para que a vítima pudesse denunciar e aperfeiçoou os
mecanismos jurisdicionais promovendo uma atuação mais efetiva da justiça
criminal nos casos que fazem referência à violência doméstica”.
É
indiscutível que a Lei Maria da Penha trouxe avanços ao combate à violência
contra a mulher por razões de gênero, não sendo mais os casos tratados apenas como crimes de menor
potencial ofensivo. No entanto, sua efetividade ainda e um grande desafio, pois
o número de casos de violência doméstica e familiar ainda é elevado no Brasil.
A Lei
Nº 13.104/15 (LEI DO FEMINICÍDIO) trouxe a alteração do Código Penal para
inserir o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio se deu pela Lei
nº 13.104, em 09 de março de 2015. A referida norma inseriu no artigo 121 do
Código Penal, o inciso VI no § 2° e o § 2º-A, bem como o § 7º (aumento de
pena), como pode ser observado abaixo:
Homicídio
qualificado
§ 2°
Se o homicídio é cometido: [...]
Feminicídio
VI-
contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
Pena
reclusão, de doze a trinta anos
I
violência doméstica e familiar;
II
menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Aumento
de pena
[...]
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime for praticado:
I –
durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II –
contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com
deficiência;
III –
na presença de descendente ou de ascendente da vítima;
IV -
em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I,
II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.
Entende-se
que o feminicídio consiste no homicídio contra a mulher por razões da condição
de sexo feminino, quando é cometido em situação de violência doméstica e
familiar ou quando determinado por menosprezo ou discriminação à condição de
mulher.
Nucci
(2017) aduz que o feminicídio é uma continuidade da tutela contida na Lei Maria
da Penha (Lei 11.340/2006), que tem o objetivo de proteger a condição do sexo
feminino, em particular nos relacionamentos domésticos e familiares. A lei do
feminicídio considera homicídio qualificado e hediondo a conduta de matar a
mulher, valendo-se de sua condição de sexo feminino.
Além
disso, por se tratar de um crime hediondo, teve aumento de pena, recebendo um
tratamento mais rígido pela Justiça, variando de doze a trinta anos de reclusão
em vez de seis a vinte anos para quem comete um homicídio e a ocorrência de agravantes
(gravidez, menor de idade, deficientes, entre outros).
Vale
sublinhar que, ainda pela existência da pouca compreensão do feminicídio pela
doutrina brasileira, a tipificação trouxe uma melhor visibilidade de modo a
permitir conhecer melhor as características e especificidades desse crime.
Quanto à temática, a Agência Patrícia Galvão (2017) afirma:
Para
além do agravo da pena, o aspecto mais importante da tipificação, segundo
especialistas, é chamar atenção para o fenômeno e promover uma compreensão mais
acurada sobre sua dimensão e características nas diferentes realidades vividas
pelas mulheres no Brasil, permitindo assim o aprimoramento das políticas
públicas para coibi-lo.
Diante
disso, assim com a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio é de suma
importância no combate de violência contra a mulher no Brasil, porém um dos
desafios dessa qualificadora está em relação à compreensão de sua natureza
dentro do campo jurídico, por trazer equívocos na hora da tipificação e
julgamento dos crimes contra a mulher.
Questiona-se
sobre a natureza jurídica do feminicídio se é objetiva e/ou subjetiva?
Desde
a inclusão da qualificadora do feminicídio no Código Penal, é notável a
existência de posicionamentos diferenciados quanto à sua natureza jurídica na
doutrina e jurisprudência, já que pode ser: exclusivamente objetiva,
exclusivamente subjetiva ou ainda objetiva-subjetiva (será objetiva quando
envolver violência doméstica e familiar e subjetiva quando ocorrer menosprezo
ou discriminação à condição de mulher).
Analisemos
os posicionamentos da doutrina e jurisprudência sobre o Feminicídio.
As
qualificadoras subjetivas são aquelas vinculadas à motivação do sujeito para a
prática do crime e não ao fato por ele praticado, podendo ser observado nos
incisos I (mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe),
II (por motivo fútil) e V (para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade
ou vantagem de outro crime) (BIANCHINI, 2016).
A
qualificadora do feminicídio irá ocorrer, nesse caso, quando existir a
motivação para o crime (por razões da condição do sexo feminino) envolvendo
violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação pela vítima ser
mulher. Alice Biachini (2016), sobre a temática afirma:
A
qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva. Uma hipótese: mulher usa
minissaia. Por esse motivo fático o seu marido ou namorado a mata. E mata-a por
uma motivação aberrante, a de presumir que a mulher deve se submeter ao seu
gosto ou apreciação moral, como se dela ele tivesse posse, reificando-a,
anulando-lhe opções estéticas ou morais, supondo que à mulher não é possível
contrariar as vontades do homem.
Em
motivações equivalentes a essa há uma ofensa à condição de sexo feminino. O
sujeito mata em razão da condição do sexo feminino, ou do feminino exercendo, a
seu gosto, um modo de ser feminino. Em razão disso, ou seja, em decorrência
unicamente disso.
Rogério
Sanches Cunha (2016), quanto à classificação dessa qualificadora, afirma:
A
qualificadora do feminicídio é subjetiva, pressupondo motivação especial: o
homicídio deve ser cometido contra a mulher por razões da condição de sexo
feminino.
Mesmo
no caso do inciso I do § 2º-A, o fato de
a conceituação de violência doméstica e familiar ser um dado objetivo, extraído
da lei, não afasta a subjetividade. Isso porque o § 2º-A é apenas explicativo;
a qualificadora está verdadeiramente no inciso VI, que, ao estabelecer que o
homicídio se qualifica quando cometido por razões da condição do sexo feminino, deixa evidente que isso ocorre
pela motivação, não pelos meios de execução.
Ainda
para colaborar com a argumentação acima, Márcio André Lopes Cavalcante (2015, on-line),
conclui dando mais hipóteses dessa qualificadora como sendo de natureza
subjetiva:
[...]no
caso do feminicídio baseado no inciso I do § 2º-A do art. 121, será
indispensável que o crime envolva motivação baseada no gênero (“razões de
condição de sexo feminino”).
Ex.1:
marido que mata a mulher porque acha que ela não tem “direito” de se separar
dele;
Ex.2:
companheiro que mata sua companheira porque quando ele chegou em casa o jantar
não estava pronto.
Por
outro lado, ainda que a violência aconteça no ambiente doméstico ou familiar e
mesmo que tenha a mulher como vítima, não haverá feminicídio se não existir, no
caso concreto, uma motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo
feminino”).
Ex:
duas irmãs, que vivem na mesma casa, disputam a herança do pai falecido;
determinado dia, uma delas invade o quarto da outra e a mata para ficar com a
totalidade dos bens para si; esse crime foi praticado com violência doméstica,
já que envolveu duas pessoas que tinha relação íntima de afeto, mas não será
feminicídio porque não foi um homicídio baseado no gênero (não houve violência
de gênero, menosprezo à condição de mulher), tendo a motivação do delito sido
meramente patrimonial.
Diante
dos argumentos, observa-se que a natureza subjetiva da qualificadora do
feminicídio se dá pela motivação do crime, não bastando que esse crime seja
praticado contra uma mulher, mas pelo fato da vítima ser mulher, ou seja, em
razão da condição de sexo feminino.
Dentre
as consequências, sendo o feminicídio de natureza subjetiva, está nos casos em
que houver concurso de pessoas, pois como afirma o art. 30, do Código Penal
“não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo
quando elementares do tipo”, o feminicídio torna-se prejudicado aos demais
coautores ou partícipe, exceto se esses tiverem a mesma motivação para cometer
o crime.
Não
permite também a existência de “feminicídio qualificado privilegiado”. Nesse
caso, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram a existência apenas na
qualificadora de natureza objetiva, já que todas as hipóteses contidas no art.
121, § 1º, do CP, que prevê causas de diminuição de pena são subjetivas, o que
tornaria incompatível com as qualificadoras subjetivas (BARROS, 2019).
Além disso, ainda conforme Barros (2019), a
qualificadora do feminicídio sendo subjetiva, considera bis in idem (repetição
de sanção sobre o mesmo ato) a cumulação dela com as qualificadoras de motivo
torpe e fútil, pois o homicídio de uma mulher por razões de discriminação ao
gênero já é um delito considerado torpe/fútil.
É
possível observar na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em
um julgamento do ano de 2017, a adoção do feminicídio como qualificadora
subjetiva, considerando que configura bis in idem a sua cumulação com a
qualificadora do motivo torpe.
As
qualificadoras de natureza objetiva ou real são àquelas relacionadas aos meios
e formas de execução do crime. Estas estão presentes nos incisos III (com emprego de veneno, fogo, explosivo,
asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar
perigo comum) e IV (à traição, de
emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne
impossível a defesa do ofendido) do artigo 21 do Código Penal (BIACHINI, 2016).
Amom
Albernaz Pires (2015), quanto à natureza dessa qualificadora expõe: A nova
qualificadora do feminicídio tem natureza objetiva, pois descreve um tipo de
violência específico contra a mulher (em razão da condição de sexo feminino) e demandará dos jurados mera avaliação
objetiva da presença de uma das hipóteses legais de violência doméstica e
familiar (art. 121, § 2º-A, I, do CP, c/c art. 5º, I, II e III, da Lei 11.340/2006) ou
ainda a presença de menosprezo ou discriminação à condição de mulher (art. 121,
§ 2º-A, II, do CP).
Nesse
sentido, note-se que a hipótese do inciso II do § 2º-A ficou reservada aos
casos em que autor e vítima são pessoas desconhecidas e sem qualquer relação interpessoal,
diferentemente da hipótese do inciso I do § 2º-A, que cuida dos casos em que
autor e vítima têm ou mantiveram alguma relação de proximidade, conforme
hipóteses do art. 5º, I, II e III, da Lei 11.340/2006 [...]
Guilherme
de Souza Nucci (2017) aduz que “diversas normas foram editadas ao longo do
tempo, com o exclusivo objetivo de conferir maior proteção à mulher, em face da nítida opressão enfrentada quando
em convívio com alguém do sexo masculino, como regra”.
Diante
disso, percebe-se que ao contrário do posicionamento do feminicídio com
natureza subjetiva, é permitida a comunicação aos demais coautores ou
partícipes, em caso de concurso de pessoas (desde que os envolvidos tenham
conhecimento), a existência do “feminicídio qualificado privilegiado” e o uso
em conjunto da qualificadora do feminicídio com as qualificadoras subjetivas
(motivo torpe ou fútil), não configurando bis in idem (BARROS, 2019).
Em
relação às jurisprudências, cabe destacar o Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios (TJDFT), que é referência quanto ao tema, já que foi o
pioneiro a adotar o feminicídio como qualificadora objetiva.
O
Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI) apresenta também posicionamento a favor da
natureza objetiva do feminicídio. Confere-se um julgamento que ocorreu em 18 de
julho de 2018:
PENAL
E PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – FEMINICÍDIO E ABORTO (ART. 121, § 2º,
VI C/C O ART. 125, AMBOS DO CÓDIGO PENAL) – AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA –
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO – DECISÃO UNÂNIME.
1 –
Nos termos do art. 121, § 2º, VI, do CP, haverá o crime de feminicídio quando o
homicídio for praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e
familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;
2 – A incidência
da qualificadora do feminicídio nos casos em que o delito é praticado contra
mulher em situação de violência doméstica e familiar possui natureza de ordem
objetiva, dispensando então a análise do animus do agente, como na espécie.
Precedentes do STJ;
3 –
Recurso conhecido e improvido, à unanimidade.
(TJPI
| Apelação Criminal Nº 2017.0001.004818-5 | Relator: Des. Pedro de Alcântara
Macêdo | 1ª Câmara Especializada Criminal | Data de Julgamento: 18/07/2018).
A
partir dessas decisões, percebe-se a possível coexistência entre as
qualificadoras de motivo torpe ou fútil (subjetivas) e a qualificadora do
feminicídio (objetiva), acarretando uma pena maior, tornando mais rígida para
os agentes que praticam violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em
recente tese sobre violência doméstica contra mulher, divulgada na edição 625
do Informativo de Jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu
que não caracteriza bis in idem (repetição de sanção sobre o mesmo fato)
o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio em casos
de crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência
doméstica e familiar:
Considerando
as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência
entre as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Isso porque a
natureza do motivo torpe é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o
feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra
a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver
atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do
agente não é objeto de análise (Ministro Felix Fischer, REsp. 1.707.113-MG,
publicado em 07/12/2017).
Assim
entende também o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT),
em relação a compatibilidade entre as qualificadoras de feminicídio e motivo
torpe:
Não
configura bis in idem a incidência conjunta das qualificadoras do
feminicídio e do motivo torpe nas hipóteses de delito praticado contra a mulher
em situação de violência doméstica e familiar, pois aquela tem natureza
objetiva (dispensa aferição acerca do animus do agente), enquanto esta última
possui caráter subjetivo.
Existe
ainda doutrinadores que defendem a natureza jurídica do feminicídio como
objetiva e subjetiva, ou seja, quando envolver violência doméstica e familiar
(inciso I, § 2ª-A, art. 121 do CP), será considerada objetiva e quando envolver
menosprezo ou discriminação à condição de mulher (inciso II, § 2ª-A, art. 121
do CP) será subjetiva.
Everton
Zanella, Márcio Friggi, Marcio Escudeiro e Virgílio Amaral (2015) defendem esse
posicionamento. Confere-se:
A
primeira ilação obtida da análise do conceito jurídico de violência doméstica e
familiar é que, nessa vertente, a qualificadora tem natureza objetiva. Com
efeito, embora a disposição remeta à noção de motivação (“em razão da condição
de sexo feminino”), as definições incorporadas pela Lei Maria da Penha
sinalizam contexto de violência de gênero, ou seja, quadro fático-objetivo não
atrelado, aprioristicamente, aos motivos determinantes da execução do ilícito.
Observa-se,
nesse caso, que o conceito de violência doméstica e familiar está atrelado aos
conceitos presentes no artigo 5º da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que
trata sobre as disposições gerais da configuração de violência doméstica e
familiar contra a mulher como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que
lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer
relação íntima de afeto”, o que percebe a natureza objetiva dessa
qualificadora.
No
entanto, quando envolver menosprezo ou discriminação à condição de mulher, será
subjetiva, já que “não conta com referência normativa no nosso ordenamento
jurídico. Nessa linha, caberá ao aplicador delimitar a extensão do conteúdo da
expressão menosprezo ou discriminação à condição de mulher” (ZANELLA, et al,
2015).
O
feminicídio é crime de homicídio qualificado de natureza objetiva, cometido
contra mulher, por razões da condição de sexo feminino. O feminicídio foi
criado para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher e o
menosprezo ou a discriminação à condição de mulher.
O
feminicídio resulta da ideologia de que o machismo e o poder se sobressaem como
instrumentos de dominação e subjugação da mulher pelo homem.
O
Brasil é um dos países que mais se matam mulheres no mundo. O feminicídio é
circunstância de natureza objetiva por se tratar de situação ou qualidade
pessoal da mulher. O feminicídio não se confunde com os motivos do crime, pois
se trata de violência estrutural e institucionalizada.
O
Ministério Público deve incorporar a perspectiva de gênero nos casos de feminicídio
para reforçar a efetividade da Lei Maria da Penha .A Lei 13.104/2015 ainda
estabeleceu o aumento de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado
durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto. O aumento vale
também quando o crime for praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos,
maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; e quando cometido na presença
de descendente ou de ascendente da vítima.
O aumento
de pena é devido a circunstâncias que nitidamente tornam mais grave a conduta,
impedindo que o julgador possa realizar interpretações “solipsistas”,
obrigando-o a aplicar punição mais gravosa.
A nova
lei ainda alterou o art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990,
para estabelecer o feminicídio como crime hediondo, portanto, sujeito a regime
de cumprimento de pena diferenciado e mais gravoso.
O
feminicídio é resultado do Projeto de Lei do Senado nº 292, de 2013. A redação
original estabelecia o feminicídio como homicídio cometido contra a mulher por
razões de gênero feminino. A expressão “por razões de gênero feminino” foi
substituída “por razões da condição de sexo feminino”, durante a tramitação do
projeto na Câmara dos Deputados, alcançando, assim, sua redação final.
Apesar
de ter desagradado aqueles que defendiam a manutenção da expressão “por razões
de gênero feminino”, a redação final (“em razão da condição de sexo feminino”)
não prejudica os objetivos do projeto.
Pelo
contrário, a redação final torna mais fácil a compreensão do feminicídio pelos
jurados e juízes leigos, dos quais não se
exige conhecimentos jurídicos e técnicos aprofundados. A expressão “gênero
feminino” poderia causar mais dificuldades no momento de explicar e perplexidades
no momento de compreender.
O
agressor pode ser o marido, companheiro, parente, amigo, conhecido, ou namorado
da mulher9, contanto que seja integrante da unidade doméstica, com ou sem
vínculo familiar. No âmbito familiar, as pessoas podem ser ou podem se
considerar aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa; ou que tenham ou tivessem tido relação íntima com a mulher,
independentemente de coabitação.
De outra forma, o indivíduo desconhecido da
mulher, que realiza homicídio por misoginia, comete crime de feminicídio. Nada
impediria que uma mulher fosse autora de crime de feminicídio, desde que do
fato se extraia situação de violência doméstica contra a mulher ou misoginia.
A Lei
Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 2006) estabeleceu que as relações pessoais de
violência contra a mulher independem de orientação sexual. Como bem definiu o
Superior Tribunal de Justiça (REsp 1183378/RS), “as famílias constituídas por
pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas
por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros
e o afeto”. Portanto, nada impediria que uma mulher, numa relação homoafetiva,
pudesse responder por crime de feminicídio.
Por
sua vez, a vítima de feminicídio deve ser mulher, inclusive em relação
homoafetiva. A divergência pode ocorrer quando a vítima é “homossexual
masculino”, em especial, quando se trata de transexual, que não se reconhecem
no seu sexo biológico e assumem inteiramente o estado psicológico feminino.
Existe
uma tendência. de se adotar um critério jurídico, ou seja, somente pode ser
considerado mulher quem assim comprova esta condição na certidão de nascimento.
Ocorre
que caso haja situações em que seja impossível deixar de reconhecer que a
vítima transsexual ou transgênero tenha assumido, de fato, atitude psicológica
e aparência femininas, de modo que o sexo masculino registrado em cartório não
passe de um fato pouco relevante, o juiz teria que reconhecer a vítima
transsexual como mulher, ainda que tenha nascido no corpo masculino, para fins
de aplicação do feminicídio? Não há uma resposta fácil, pois o que define
mulher não é apenas o órgão feminino (sexo biológico), mas, sobretudo, o papel
que o indivíduo desempenha nas relações de gênero.
O
homicídio contra mulheres, em geral, possui características próprias, quando é
relacionado à violência doméstica e familiar e à violência sexual. O crime
cometido em razão do gênero feminino se destaca pelos motivos e pelos modos de
execução.
Em
geral, os autores deste tipo de delito preferem mutilar e desconfigurar suas
vítimas, lesionando o rosto, os seios e os órgãos sexuais. Os agressores
preferem o emprego de meios cruéis ou degradantes, visando aumentar, de forma
desnecessária, o sofrimento das vítimas.
Segundo
dados coletados por Waiselfisz (2015), enquanto, em homicídios praticados
contra homens, prepondera o uso de arma de fogo (73,21% dos casos), nos
feminicídios, essa incidência é bem menor (48,8% dos casos), pois há
“concomitante aumento de estrangulamento/sufocação, cortante/penetrante e
objeto contundente, indicando maior presença de crimes de ódio ou por motivos fúteis/banais.”
De
fato, os agressores possuem uma preferência por meios que causem profundo sofrimento
à vítima, como é o caso de: pedradas, uso de fogo, pauladas, agressões
contundentes em que o agente bate a cabeça da vítima por diversas vezes contra
o muro, facadas em número excessivo, emprego de veneno, agressões em que o agente
esgana e obriga a vítima a ingerir veneno e água sanitária.
Os
argumentos de que há diferença entre feminicídio e feminicídio e de que o
legislador deveria ter mantido a expressão “por razões de gênero feminino não
convencem”.
O feminicídio
é o homicídio de mulher, enquanto o feminicídio é o homicídio de mulher por razões
de gênero. Na prática, como a maior parte dos homicídios de mulheres envolvem
violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação ao sexo feminino
(misoginia), os termos feminicídio e feminicídio são empregados de forma
indistinta ou intercambiante.
O novo
tipo penal teve como objetivo assegurar que o homicídio praticado contra a mulher
por razões de gênero fosse considerado crime de Estado. O Projeto visou
combater as interpretações jurídicas anacrônicas, tais como as que reconhecem a
violência contra a mulher como crime passional. Apesar deste esforço, a redação
final do crime de feminicídio não deixa inteiramente clara a natureza objetiva
que buscou estabelecer. Assim, faz-se necessárias considerações aprofundadas sobre
o assunto
O
feminicídio resulta da ideologia de que o machismo e o poder se sobressaem como
instrumentos de dominação e de subjugação.
Trata-se
de um crime de ódio, semelhante ao racismo e ao genocídio, crimes que se
dirigem a categorias com método despersonalizado.
O
homicídio pode ser motivado por impotência, ciúme, egocentrismo,
possessividade, prepotência e até vaidade, mas somente é feminicídio se é
praticado em razão do gênero feminino.
São
motivos comuns para o feminicídio o término de relacionamento (ou negativa em
reatar o relacionamento), a rejeição amorosa ou conjugal, discussão em meio a
bebidas alcoólicas, adultério, etc. Certo que o feminista não mata por amor,
contudo, raramente o crime de homicídio não é um crime de ódio.
Quando
o homem mata a mulher por ciúmes[2], o faz por motivos que
podem ser fúteis ou torpes, ou que podem ter resultado de uma injusta
provocação da vítima, que por sua vez, podem ou não constituir homicídio
privilegiado ou atenuante de violenta emoção.
Podem
constituir tão somente um injusto penal, sem causas de aumento ou diminuição de
pena. O mesmo se aplicaria se o crime de homicídio fosse praticado por um homem
contra outro homem, de modo que é fácil concluir que o feminicídio pode ser
motivado por ciúmes, mas não sofre alteração em razão da natureza dos ciúmes.
Os
ciúmes[3] que um homem sente por
outro não possui o mesmo significado, status familiar ou social que os
ciúmes que um homem sente por uma mulher, portanto, estas duas situações não
podem ser tratadas da mesma forma.
Os
ciúmes, sentimento tão natural entre casais, pode ser até desejável, mas quando
é utilizado para motivar um crime contra a mulher, raramente, deixa de ser
censurável, podendo ser até torpe ou fútil, a depender de sua origem. De
qualquer modo, a violência não combina com o amor, e não pode significar defesa
da honra, pois o crime, por si só, já é desonra.
O
crime passional em que foi autor um homem e vítima outro homem pode significar
uma disputa irracional, mas quando a vítima é mulher, já se busca saber se o
homem teve motivo “justo” para fazê-lo. Em verdade, o crime passional é um mito
penal que visa a suavização ou a inibição da responsabilidade criminal do
agressor.
Como
ensina Casara (2015), o “mito penal pode ser conceituado como o elemento do
discurso que versa sobre o poder penal (ou seja, sobre o poder de atribuir
respostas estatais às condutas etiquetada de delitos [...]”.
Na
tensão entre o poder penal e o jus libertatis, o crime passional funcionaria
como instrumento útil ao estado de liberdade, pois tenciona para justificar o
delito como ato de amor desequilibrado ou de sofrimento inescrutável, algo
entre a inexigibilidade de conduta diversa e a inimputabilidade penal.
Enfim,
um ato de paixão sem freios inibitórios. Trata-se de categoria mitológica que
visa vivificar o ato criminoso como algo mais próximo de nobreza virtuosa ou de
um infortúnio indesejável.
Não
existem dificuldades de entender o feminicídio quando decorre de violência
doméstica e familiar contra mulher, ou de feminicídio íntimo.
Dificuldades podem aparecer quando se tratar
de feminicídio não íntimo, no qual o agressor não conhece a vítima, contudo a
mata pelo fato de ser mulher (como seria o caso do estupro, seguido de
homicídio).
Trata-se
do feminicídio por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A COPEVID
(Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher) entende a misoginia como circunstância de natureza objetiva, em face da
situação e da condição pessoal da vítima.
É
incontestável que há uma profunda desigualdade de oportunidades nos campos do
emprego, da renda e da política. As mulheres sempre estão em desvantagens em
relação aos homens.
A
construção do conceito de violência de gênero pressupõe uma análise de natureza
objetiva, eis que acompanha a própria formação dos seres humanos e de suas
gerações. As relações de poder entre homens e mulheres são necessariamente
construções psicossociais.
A
formação do homem, em síntese, é de negação reiterada: “não sou uma menina, não
sou minha mãe, enfim, não sou uma mulher”. Assim, o homem cria uma imagem da
própria identidade como pessoa que não é uma mulher. A negação do gênero feminino traz, como
consequência, a violência de gênero como construção social.
No
contexto da construção da identidade de gênero é difícil sustentar que a
misoginia se trata de motivo determinante, quando a construção dos significados
e dos sentidos vai além do desejo próprio do indivíduo.
O
desafio, assim, é rechaçar o suposto caráter subjetivo do feminicídio. É
preciso repelir a ideia de que a misoginia é um valor social e moral de
natureza pessoal. É preciso fazer com que os operadores do Direito e os jurados
do Tribunal do Júri compreendam que as razões de gênero não são particulares,
mas assumidas de maneira individual pelo agressor em um contexto de violência
estrutural e institucionalizada[4]
A
violência doméstica e familiar contra a mulher e a misoginia decorrem de
relações de poder desiguais entre os sexos, em que o feminino é o gênero em
estado de vulnerabilidade. Assim, o feminicídio é circunstância sempre de
natureza objetiva.
O
feminicídio foi criado em face das estatísticas que indicam um recrudescimento
de homicídio de mulheres nas últimas décadas.
A taxa
de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres coloca o Brasil na incômoda 5ª posição
entre os países que mais matam mulheres, conforme dados da Organização Mundial
da Saúde (OMS).
Ante a
precariedade da prova sobre o ciclo de violência, existe uma forte tendência de
que os homicídios tentados contra mulheres sejam desclassificados para lesões
corporais. Afinal, os inquéritos e processos judiciais costumam observar uma
especial atenção ao comportamento da vítima. Assim preponderam fatores de
recriminação e revitimização.
É
recorrente o esquecimento da inclusão da qualificadora do feminicídio e até
mesmo da agravante do art. 61, inciso II, letra f, do CP, nas denúncias,
pronúncias ou sentenças condenatórias. O sistema de justiça é refratário quanto
ao reconhecimento do feminicídio. Os crimes são retratados como se fossem
situações particulares entre acusados e vítimas e não como um crime de Estado
O
feminicídio é crime de homicídio qualificado de natureza objetiva, em que o
agente comete o crime contra mulher, em razão do sexo feminino, em situação de
violência doméstica e familiar; ou por menosprezo ou discriminação à condição
de mulher.
Apesar
de alguma divergência quanto a natureza jurídica do feminicídio, os tribunais,
e, em especial, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, já
formularam indicativos no sentido detratar a violência contra a mulher como
violência estrutural e institucionalizada.
Desse
modo, espera-se que o feminicídio seja tratado como circunstância qualificadora
do crime de homicídio da qual não dependa dos motivos determinantes do crime,
ou seja, que o feminicídio possa coexistir com os motivos de forma
independente. Assim, ainda que o júri reconheça o homicídio privilegiado, nada
impediria o reconhecimento do feminicídio, tratando ambas as situações com seu
devido respeito.
Não
são raros os casos em que os júris deixam de reconhecer a torpeza ou a
futilidade dos crimes praticados contra a mulher, mas acolhem a tese de
feminicídio, assegurando um tratamento mais justo.
Quando
explicada a natureza jurídica objetiva do feminicídio, expostos os dados
relativos à violência contra a mulher e desenvolvida uma narrativa holística
dos fatos para fazê-los entender que o feminicídio é um crime grave, é possível
fazer justiça e combater a percepção de que o sistema de justiça não tem a
capacidade de responder em tempo razoável para dissuadir a violência contra a
mulher.
Contudo,
é preciso capacitar os profissionais do júri para que incorporem a perspectiva
de gênero nos casos de feminicídio. Também se faz necessário que se desenvolvam
estratégias para que o sistema de proteção à mulher também sirva às Vara do
Tribunal do Júri.
A efetividade da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 2006) também passa pelo Tribunal do Júri[5]. Os promotores do júri possuem uma responsabilidade enorme no combate ao feminicídio, reafirmando a verdade e colaborando para a promoção da justiça.
Analisemos se a cartomancia no Brasil é considerada profissão. O Código Penal pátrio que é de 1940 passou a viger a partir de 1941.
Do
período de 1941 até 1997, a cartomancia era considerada contravenção penal, um
crime de menor potencial ofensivo, sendo crime simples.
A
cartomancia possui a definição de ser um jogo de cartas com perguntas e
respostas e, se tem um retorno financeiro pela prática. Assim, nesse Portanto,
no aludido período era considerado crime.
Em
1996, o então deputado federal Almino Affonso (PSB-SP) apresentou projeto de
lei para desconsideração da cartomancia como prática criminosa, revogando-se o
artigo 27 do Decreto-Lei 3.688, de 03 de outubro de 1941, a célebre Lei das
Contravenções Penais.
No
período de 1996 até 2002 a OIT, a Organização Internacional do trabalho que é uma
agência internacional da ONU entrou com representação no Brasil para que
houvesse reconhecimento do profissional laboral, o que foi deferido.
Ressalte-se
que a OIT possui cento e oitenta e sete Estados e que reconhece a cartomancia no
exterior. Em 2002, O Ministério do Trabalho reconheceu, em conformidade com a
diretriz da ILO - International Labor Organization, a ocupação profissional do
cartomante pela CBO – Classificação Brasileira de Ocupação.5168-05 (5168 -
Esotéricos e afins):
5168-05
- Analista kirlian;
5168-05
– Cartomante;
5168-05
– Cristalomante;
5168-05
– Frenólogo;
5168-05
- Leitor de oráculos;
5168-05
- Quirólogo
5168-05
- Quiromante
5168-05
- Radioestesista
5168-05
- Rumenal
5168-05
- Tarólogos
5168-05
- Vidente
Ocupações
Relacionadas
5168-10
- Paranormal
Compreende-se
que todas as atividades descritas na CBO são especificações para a categoria de
profissionais esotéricos.
·
Kirliangrafia (Fotografia da áurea ionização dos gases e vapores corporais,
1939); Cartomancia (Leitura pelas cartas, século XIV d.C.); Cristalomancia
(Leitura com bola de cristal, século VIII d.C.); Frenologia (Análise da
personalidade, inteligência por meio da medição do crânio, século XIX d.C.); Quirologia
(Leitura pelas linhas das mãos, século IV a.C.); Radiestesia (Técnica holística
de captação de frequências para tratamento de bloqueios energéticos em pessoas,
ambientes e situações 2.000 a.C);Runas (Leitura em pedras ou outro material com
alfabeto próprio de origem nórdica, 150 d.C); Vidência (Dom sobrenatural de ver
eventos antigos, atuais ou futuros, sem uso de oráculos ou técnicas); Paranormal
(Dom sobrenatural com uso de poderes não compreendidos cientificamente).
Esclarecendo
a diferença conceitual entre cartomante e terapeuta holístico.
Cartomante
é profissional que consulta e interpreta as cartas de baralho para trazer
orientações sobre o futuro, presente ou acessar o passado.
Terapeuta
holístico é profissional que oferece um tratamento alternativo para tratar
dores de forma holística: física, mental, espiritual e emocional gerando
bem-estar.
Logo,
ser cartomante é diferente de ser terapeuta holística. Porém, ambos são
profissionais esotéricos e todas as atividades laborais citadas são
reconhecidas, porém não regulamentadas no Brasil[6].
Não existe
lei que regulamente a profissão da cartomancia e terapeutas holísticos, mas há
registro e classificação na CBO para atuação legal no Brasil.
Viver
é ler o mundo existindo e, a ficção, parece nos segredar este pequeno conto,
entra nesse existir na medida em que é capaz de revelar, de mostrar coisas que
parecem óbvias depois de reveladas. Esse é o jogo – o conto. Enfim, é jogar as
cartas, ler os destinos e, ainda, desafiar a sorte.
É preciso combater, veementemente, através de políticas públicas e campanhas de conscientização de que a violência doméstica e à mulher são repudiáveis e, suas consequências reverberam em toda família e se alastra por toda sociedade.
Referências
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Acesso em: 12.10.2022.
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Notas:
[1] O estelionato é um crime comum pela facilidade de ser aplicado por qualquer pessoa, não faz uso da força, apenas o uso da fraude e da influência como forma de receber dinheiro, bens ou qualquer patrimônio da vítima de forma indevida. Características do estelionato, conforme o art. 171 CPB: Adquirir vantagem ilícita sobre o patrimônio da vítima; Causar danos à vítima; Que seja ardiloso, fraudulento, enganoso; Levar a vítima a cometer erro; O charlatanismo é a promessa de cura secreta ou infalível com metodologia 100% eficiente, parecido com o curandeirismo. O curandeirismo é crime contra saúde pública, pois prescreve, ministra e aplica regularmente qualquer substância, faz uso de protocolos místicos ou espirituais realiza diagnósticos em nome da fé.
[2]
Conveniente informar que a tese da legítima defesa da honra fora recentemente
declarada pelo Supremo Tribunal Federal como inconstitucional. A tese é
invocada em processos que tratam de casos de violência contra a mulher e
feminicídio e, até ocasionava a redução da pena e, por vezes, a absolvição do
réu perante o Tribunal do Júri. A justificativa, a partir da tese, era no
sentido de que era aceitável o comportamento do réu de assassinar ou agredir
sua parceira (vítima) caso ela cometesse adultério, pois esta teria ferido sua
honra, ou seja, era uma forma de o agressor atribuir o fator motivador de seu
comportamento descontrolado e criminoso ao comportamento da vítima, culpando-a
pelo que ele mesmo cometeu, imputando à mulher a causa de sua própria morte ou
lesão.
[3]
A tese da legítima defesa da honra deita sua origem no Brasil Colônia quando
vigente a tradição da honorabilidade masculina como sendo bem jurídico
protegido pela ordem jurídica da época. Eis que o Título XXXVIII, Livro V das
Ordenações Filipinas concedia ao marido, o direito de matar sua esposa, caso
flagrada ema adultério, assim agindo para garantir a manutenção de sua honra.
E, até que o primeiro Código Criminal Brasileiro fosse promulgado em 1830,
vigeu a tese na legislação.
[4]
Cogitar sobre a ideologia de gênero é tratar sobre violência. E, de uma das
formas mais abjetas e brutais de violência contra mais da metade da humanidade
e que tem amargado desde tempos muito remotos. Eis que é vergonhosa a
legislação do Código Canônico que traz em seu índice, e onde a palavra
"mulher" nem aparece. Ao longo dos séculos, a ideologia foi baseada
no ódio de classes sociais, o que culminou no marxismo. Depois veio a ideologia
como ódio entre etnias, o que propiciou o nascer e a ascensão do nazismo. E, o
ódio entre os sexos que gerou a ideologia de gênero. Sua ambição é a supressão
de tudo na sociedade que possa significar e causar opressão à mulher, é a busca
de uma sociedade igualitária e pautada pelo respeito à dignidade humana para
prover um lenitivo para as abissais desigualdades existentes entre homens e
mulheres.
[5]
O Tribunal do Júri, ou “Tribunal Popular”, é o tribunal formado por pessoas do
povo. É um colegiado de pessoas leigas, isto é, não constituído de juízes de
direito (concursados), para jugar pessoas que cometem determinados tipos de
crime. Conforme prevê a alínea “d” do inciso XXXVIII, do art. 5º da
Constituição Federal, devem ser julgados pelo Tribunal do Júri os crimes
dolosos contra a vida (tentado ou consumado), que são aqueles previstos nos
artigos 121 a 126 do código penal, quais sejam: Homicídio – art. 121, CP
Induzimento, instigação ou auxílio por terceiro ao suicídio – art. 122, CP;
Infanticídio – art. 123, CP Aborto provocado pela gestante ou com o seu
consentimento – art. 124, CP; Aborto provocado por terceiro sem o consentimento
da gestante – art. 125, CP; Aborto provocado com consentimento da gestante –
art. 126, CP
[6]
O consulente/cliente não poderá reclamar pelos serviços prestados por nenhum
profissional esotérico, pois tal serviço se enquadra no direito intangível
(classificação para adivinhação). Ao contratar o serviço de um oraculista ou
terapeuta holístico servem de orientação, aconselhamento, auxílio para um
equilíbrio e busca pelo bem-estar na vida daquele que solicita a contratação da
prestação de serviços esotéricos. Não há o que se reclamar sobre questões do
futuro, presente ou inconsciente, como os serviços adivinhatórios ou
paranormais. Sendo um assunto esotérico, e não havendo promessa que não possa
cumprir, não há de se falar em responsabilidade de quem prestou o serviço.