É futebol ou vale-tudo?
Lesão corporal produzida por preposto do empregador em ambiente de trabalho é crime grave e atentatório à dignidade da pessoa humana. Punir a vítima é também errôneo, pois a lesão pode trazer reflexos emocionais e psicológicos no trabalhador e, até impedi-lo de retornar ao trabalho.
O
jogador do renomado time carioca foi agredido com soco no rosto, depois da
vitória do time sobre o time local, em Belo Horizonte. A agressão partiu do
preparador físico que fora demitido por justa causa. A agressão ocorreu no
vestiário em Belo Horizonte. Aliás, o referido preparador físico não é novato
em envolvimento em episódios violentos.
Em
agosto de 2023 no jogo entre Nice e Olympique de Marselha, no campeonato
de futebol francês, também proferiu soco em um torcedor que havia invadido o
gramado e participado da confusão entre jogadores e as comissões técnicas dos
dois times.
A
vítima do preparador técnico prestou a queixa-crime na delegacia da Polícia
Civil de Minas Gerais e relatou ainda que estava no vestiário conversando pelo
celular com familiares, logo depois da partida pelo Brasileirão, quando fora
abordado violentamente pelo preparador técnico.
Tudo
começara porque o preparador físico perguntou o motivo pelo qual o jogador
abandonou o aquecimento na beira do gramado, nos finais minutos do jogo. E, em
seguida, proferiu tapas no rosto do jogador. E, quando a vítima afastou a mão
do agressor, na sequência, deu-lhe um soco e, outros jogadores do time tiver
que conter o exaltado e violento preparador físico. Questiono-me: É futebol ou
luta livre?
A
explosão agressiva foi justificada pelo preparador foi devido se sentir magoado
com a situação e ter reagido da pior forma.
A
vítima, o jogador passou por exame de corpo de delito que atestou as lesões no
rosto e na boca. Foi lavrado Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) em que o
envolvido, preparador, assumira o compromisso de comparecer à audiência no
Juizado Especial Criminal para as medidas legais cabíveis e, em seguida, fora
liberado.
Questiono-me,
novamente, houve indubitável flagrante delito, por que o agressor não ficou
detido? E, depois levado à audiência de custódia? A propósito, o agressor não é
brasileiro e, portanto, há forte indício que não responderá a dita ação penal
correspondente.
As
infrações de menor potencial ofensivo são todas as contravenções penais[1] (Decreto-Lei nº 3.688/41)
e os crimes cuja pena privativa de liberdade não excede 2 (dois) anos de
reclusão.
Assim,
por exemplo, não se prende em flagrante nos seguintes casos: lesões corporais
leves, dano, constrangimento ilegal, ameaça, crimes contra a honra isoladamente
considerados (calúnia, difamação e injúria), desobediência, desacato, exercício
arbitrário das próprias razões, perturbação do sossego alheio, jogo de azar,
jogo do bicho, entre outros.
O
óbice à prisão em flagrante não significa, porém, a impossibilidade de
aplicação das penas em lei previstas, em caso de responsabilidade criminal
comprovada. Portanto para infração penal leve descabe a prisão em flagrante
delito.
Cumpre,
em tempo, diferenciar vias de fato de lesão corporal leve. Vias de fato, a seu
turno, trata-se de infração penal, prevista no artigo 21 do Decreto-Lei
3.688/41, que ameaça à integridade física através da prática de atos de ataque
ou violência contra pessoa, desde que não resulte em lesões corporais. São os
atos agressivos de provocação praticados contra alguém, mas que não deixam
marcas ou sequelas no corpo da vítima.
Como a
conduta é menos grave, a pena prevista é de prisão simples de 15 (quinze) dias
a 3(três) meses. Pode ser aumentada em até 1/3, caso a vítima seja idosa. Servem
como exemplos os atos de: empurrar, sacudir, rasgar ou arrancar roupas, puxar
cabelo, dar socos ou pontapés, arremessar objetos e demais atos que não cheguem
a causar lesão corporal.
Já lesão corporal leve trata-se de crime
previsto no artigo 129 do Código Penal, que descreve a conduta criminosa como
ofensa à saúde ou lesão ao corpo de alguém. A constatação da lesão corporal, em
regra, é realizada através de laudo pericial. Caso o laudo não aponte lesão, o
caso pode ser tratado como vias de fato.
O
conceito de lesão corporal leve corresponde
aos atos agressivos de provocação praticados contra alguém, mas que não
deixam marcas ou sequelas no corpo da vítima. Como a conduta é menos grave, a
pena prevista é de prisão simples de 15(quinze) dias a 3 (três) meses. Pode ser
aumentada em até 1/3, caso a vítima seja idosa. Não há definição de lesão
corporal leve, exceto por exclusão. Será lesão leve se não tiver ocorrido
qualquer dos resultados que caracterizam a lesão corporal grave (§1º) ou
gravíssima (2º).
Deve-se
não apenas relacionar lesão corporal somente à integridade física, mas sim com:
Integridade física; Saúde fisiológica (funcionamento do organismo); Saúde
mental.
No
crime de lesão corporal, a conduta é mais grave, logo, a pena prevista é mais
alta, de detenção de 3(três) meses 1(um) ano. Também são previstas hipótese de
aumento, diminuição e substituição da pena, bem como pena mais grave para os
casos nos quais o crime ocorra no âmbito de violência doméstica. Trata-se de
Crime de ação penal pública condicionada à representação da vítima vide o art.88, Lei 9099/95.
Segundo
o artigo 483, alínea f da CLT depois da agressão a vítima poderá pedir a
rescisão contratual com o clube devido à quebra contratual unilateral, pois a
agressão partiu de preposto do empregador, que é o status do preparador
físico.
De
fato, a vítima poderá entrar com ação trabalhista solicitando a rescisão
indireta do contrato, com base no já citado artigo da CLT, frisando-se ainda
que o empregador é plenamente responsável pelos atos praticados por seus
prepostos no exercício da função.
O que
dá azo a possível indenização por danos materiais e morais causados pelo
preposto em face da agressão física já comprovada. E, poderá ainda a vítima
pleitear a indenização perante a Justiça do Trabalho.
Sendo
procedente o pedido de rescisão indireta, poderá a vítima ficar libre para
contratar com qualquer outro clube que o queira. Apesar que da decisão ainda
caberia recurso, o que poderia formar um imbróglio jurídico, como aconteceu com
Gustavo Scarpa e o Fluminense em 2018.
O que
poderia afastar por algum tempo o jogador de efetiva atuação em campo. Em caso
de procedência do pedido, haveria comunicação direta e imediata a CBF e que
publicaria no BID sobre a rescisão, liberando-o para o mercado.
Além
da covardia física adiciona-se a psicológica pois a agressão fora perante
outros jogadores em pleno vestiário. O que também caracterizaria assédio moral.
Cumpre
elucidar que o jogador vitimado não saiu do banco de reservas na vitória por
dois a um diante do time mineiro, e ao se recusar a continuar no aquecimento
depois de outros jogadores terem sido escolhidos para entrar em campo,
traduziu-se em insubordinação, mas mesmo assim, nada justifica a agressão
física do preparador físico contra o jogador.
A
vítima não revidou a agressão sofrida e, a diretoria depois de muitas reuniões
tentou contornou a situação e, decidiu pelo imediato desligamento do preparador
físico.
Realmente,
o referido incidência traz à baila questões controvertidas e sérias sobre o
comportamento dentro do ambiente esportivo e a relevância de se manter um
ambiente seguro e respeitoso para o time. O time passa doravante pela
necessidade de reorganizar a equipe de preparação física e ainda resolver a
situação do auxiliar técnico.
Enfim,
a dita agressão reverberou pelo mundo afora, e um jornal francês ressaltou que
a comissão técnica corre sério risco de demissão.
Ainda
repercutiu em Portugal, e os principais jornais esportivos fizeram ampla
cobertura do fato. Alegam que os jogadores do time se recusam doravante voltar
aos treinos enquanto o referido corpo técnico não for despedido.
A
agressividade humana no desporto não é novidade e a controvérsia esbarra com
várias teorias que analisam e ponderam o melhor método de combate. Analisar a
agressão no esporte passa pelo enquadramento sociocultural e, principalmente,
pela própria modalidade esportiva em questão.
Em
particular no futebol, a agressão está associada a muitos fatores, em face da
tarefa tática do jogador, do comportamento de treinadores, preparadores e
dirigentes e, a ansiedade que tem peso significativo sobre o comportamento dos
mesmos dentro e fora do esporte.
O
episódio não é nada agradável mas, deixaram dúvidas ainda não sanadas.
Poder-se-á punir a vítima que não voltou a comparecer aos treinos? Deve o jogador vitimado ainda pagar multa por
indisciplina? Afinal, há o impacto moral e emocional da vítima a ser relevado.
Nota: