Constituição Brasileira de 1934

Considera a mais completa das Constituições[1] na América, por Pontes de Miranda, apesar do breve período de vigência, influenciou notavelmente o constitucionalismo republicano brasileiro.

Fonte: Gisele Leite

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A indubitável relevância histórica da Constituição brasileira de 1934 sendo resultado de nossa terceira Constituinte, o que justificou toda a atenção dispensada pela Ciência do Direito Constitucional.

A Constituinte é reconhecida como um desaguadouro natural dos anseios gerais e as necessidades impostergáveis do povo. E, assim foi nos primórdios dos anos 30. Tanto o texto como seus elaboradores nasceram de duas revoluções, a de 1930 e a de 1932. A primeira imbuída de ideário liberal em política, apesar que os fatos posteriores a transformassem em projeto social-democrático e, em seguida, na causa da ditadura bajuladora inspirada no fascismo europeu.

O heroísmo paulista de 1932[2] pode ter tido motivações econômicas não verificadas naquela época, como a reação política dos fazendeiros de café contra a ameaçada em sua hegemonia pelas novas forças da economia, situadas na cidade e na indústria.

Ou ainda, nos motivos políticos baseados no regionalismo que consagrou a famélica política café com leite que fora desalojado do poder através da revolução vitoriosa, mas apesar disso, o movimento paulista fora cunhado de revolução constitucionalista e as multidões, que nas ruas carregavam entusiasmadas bandeiras, não sabiam das discutíveis conclusões trazidas por futuras análises históricas.

Foram os ideais pela Constituição que municiou o povo paulista a erguer as armas e ofereceu sua vida em prol da Pátria. E, ainda o grande esforço da propaganda governamental para tachar o movimento como separatista.

É incoerente e improcedente o argumento que alega ser a revolução paulista atrasou a constitucionalização brasileira, porque posterior ao ato do governo que fixava a data para a realização de eleições para Assembleia Constituinte e criava a Comissão para elaborar a anteprojeto da futura Constituição brasileira.

O Decreto do Governo Provisório foi de maio de 1932, quando os sucessos de São Paul já ocorriam há meses. E, foram estes que forçaram o Governo a criar a Comissão e a anunciar as eleições. Desde a vitória em 1930, foi colocada a questão da necessidade imediata da convocação de uma Constituinte.

Destacou-se o alagoano, Sampaio Dória, Professor da Faculdade de Direito de São Paulo que atuou como importante missão na luta de 1932, e já em 1930 que, realizada a tarefa preparatória de estabelecer as condições de nova legalidade, a Constituinte haveria de ser convocada como solenemente prometido, não sendo mais razoável prolongar-se, além do estritamente indispensável, o regime dos poderes discricionários.

Durante quase três meses seguidos, o povo de São Paulo e suas forças militares lutaram brava e heroicamente pela com quista do ideal de reconstitucionalização, resistindo a um cerco de ferro e fogo. E, para vencê-los, a ditadura teve que mobilizar todos os seus elementos armados de terra, mar e ar, inclusive as tropas de reservas e forças irregulares. Não fosse o colapso do comando da força pública do Estado, que negociou o armistício em separado com o inimigo a guerra teria durado ainda por maior tempo

Cogitava-se,  naquela época, em República Velha[3] e República Nova e, para que essa se estivesse, era uma Constituição fiel aos novos tempos além de ser capaz de traduzir a síntese das aspirações nacionais.

O mundo vivenciava grandes transformações e, o século XX nascera em meio de forte otimismo da técnica e da ciência. E, posicionados ao lado de valores da cultura, da filosofia, não demorou que a Primeira Grande Guerra  Mundial e suas terríveis consequências como cair por ter as esperanças no cientificismo.

O mundo do Estado Liberal começara a ruir e, a Constituição de Weimar[4] institucionalizar a social-democracia, procurando conciliar a liberdade individual com a necessidade de um Estado forte, cuja função não era restrita à produção de normas jurídicas, mas se estenderia à sua maneira que se transformasse num Estado não meramente de direito, mas também em político e administrativo.

A Revolução soviética, por sua vez, impusera a presença organizada da massa de trabalhadores no poder, através de um partido disciplinado e coeso na sua doutrina ideológica, o qual tomando posse da máquina estatal, seria fiel aos desígnios de planejamento total em prol de economia e aos de vivenciar, a seu favor, os defeitos que apontava no mesmo Estado, quando em poder da burguesia e dócil às determinações capitalistas de produção.

O mundo tomara consciência de situações dramáticas que iriam pôr em perigo a felicidade imaginária pelas abstrações liberais.  Enfim, não é possível deixar de intervir. Impõe-se ao homem a direção da história. E, a fome representa um fantasma dantesco, também, para as sociedades capitalistas mais prósperas.

O Direito não deve apenas garantir a liberdade, porque esta gera quase sempre também a escravidão em face das desigualdades naturais. Entre o rico e o pobre, o patrão e o operário, o forte e o fraco, é a liberdade que justamente escraviza e, é o Direito que liberta. E, para contrabalançar os ideais de uma democracia voltada para os aspectos sociais, as ideias do fascismo progrediam e iriam precipitar o maior de todos os conflitos.

A República Velha, porém, era dominado pelo bacharelismo do Direito Privado, tanto que eram todos civilistas e comercialistas. Eis os ramos jurídicos que importavam. Nada de Direito Público, o qual não tendo prestígio das academias jurídicas, também não merecia o cioso respeito pelos governantes.

Havia ainda Rui Barbosa, com o gigantismo de sua palavra e oratória e de sua vida política, mas ele era também um desiludido com a República tanto que  apontava os desvios da política em relação ao ideário dos republicanos históricos.

Rui Barbosa[5] também se situava na oposição à República Velha. O Direito Público nas mãos da oligarquia era mais um instrumento para utilização do poder, do que a condição necessária para o seu exercício. Eis a  explicação do fato de como, em uma República dominada pelos bacharéis, havia tanta fraude nas eleições, tanto desvirtuamento das instituições, o clima, enfim, que levou ao ciclo revolucionário, cujo epílogo está em 1930.

A automação alterou muito as relações de produção e indicou uma revolução mais aguda do que a decorrente da invenção da máquina a vapor e, do corolário na industrialização. A cibernética e a informática subvertem todos os planos de conhecimento.

E, o fantasma da guerra atômica atemorizou o mundo inteiro e, a Segunda Guerra Mundial fez aflorar a crueldade dos preconceitos e o vazio de um Direito tão somente formal.

O Estado, mais uma vez, parece englobar tudo. E, o comunismo fuzilou o mito do Estado evanescente. E, a ideia de planejamento total trouxe a catástrofe da diminuição da produtividade.

O problema dos conflitos entre os países ou entre grupos deles vem passando a ser equacionado não mais em função das posições ideológicas e políticas, mas em razão ou da posição estratégica e geopolítica ou como decorrência do grau de desenvolvimento que une as nações, pela similitude de suas agruras e dificuldades.

A questão social assumiu dimensão incomensurável e não é mais suficiente um Estado político-administrativo, como não o era o Estado de Direito, agora se espera e se deseja um Estado de Justiça que sirva o homem, incluindo a proteção da sua liberdade e de mínima intervenção estatal.

Eis o grande paradoxo: um Estado forte e eficiente, mas que intervenha pouca. As ideias socialistas se fortaleceram dentro de um esquema democrático e postergaram o regime de igualdade fundado na ausência de liberdade. E, desejam o planejamento e a liberdade.

Almeja-se uma Constituição como apanágio de um Estado de Direito Democrático.  Se, na primeira República, o Direito Público não era forte na formação dos governantes, sobretudo quanto à forma escorreita e ética na sua aplicação, os anos recentes representaram notável concessão ao materialismo econômico, fazendo tudo depender do fato econômico que se desejava controlar com categorias econômicas, sem qualquer consideração com as de caráter jurídico e mesmo cultural.

A grande diferença, porém, reside que em 1930 estávamos prontos para o debate, enquanto agora a discussão sobre a Constituinte sobrepujou em muito a temática da própria Constituição. Tanto a Comissão que elaborou o anteprojeto como a Constituinte promulgadora do novo texto constitucional refletem o alto nível das ideias em jogo. Nível não somente intelectual e cultural, como também patriótico.

Os temas abordados indicavam fórmulas novas e colocações não ortodoxas. Naquele momento não se poderia dizer, como nos últimos anos, que nossos constitucionalistas estão abraçados com cadáveres de ideias mortas.

Em relação a essas novidades da Lei Maior, originária da nossa terceira Constituinte, considerando que elas ainda estão em pauta, é que se pode afirmar, ainda uma vez, a oportunidade do estudo da Constituição de 1934. Afonso Arinos referindo-se aos trabalhos da Comissão, chega a afirmar que “muito do bom e muito do mal da organização política brasileira, desde então até a lei vigente, tem a sua origem nos debates daquela Comissão.

Formalmente, a Constituição brasileira de 1934, a inspiração dos estadistas era na então Constituição de Weimar de 1919 e na Constituição da República espanhola, de 1931. Foi elaborada de acordo com o pensamento jurídico da época, o qual, nascido depois da Primeira Grande Guerra[6], buscava a racionalização do poder.

O Brasil é o país em que todo mundo sabe Direito, todo mundo discute Direito, todo mundo fala sobre Direito. Eu recebi projetos integrais de Constituições, escritos por militares, engenheiros, médicos, farmacêuticos e advogados.

“Ontem, ainda recebi dois. Todos os dias me chegam às mãos. Vejo que são exatamente tantas vítimas de Mirkine Guetsérvitch”. In: Hélio Silva, 1934. A Constituinte, Civilização Brasileira, Rio, 1969, pp. 62 a 64.

Nessa Constituição brasileira, prevaleceu a noção de representação classista. A Câmara dos Deputados compor-se-ia de representantes do povo, que eram eleitos mediante sistema proporcional e sufrágio universal, igual e direto e, de re representantes eleitos pelas organizações profissionais.

A Lei Maior que os deputados das profissões seriam eleitos na forma da lei ordinária por um sufrágio indireto da associações profissionais, reunidas nos seguintes grupos: lavoura e pecuária, indústria, comércio e transportes profissões liberais e funcionários públicos.

Com exceção da quarta categoria, haveria em cada círculo profissional dois grupos eleitorais distintos, um  referente as associações de empregadores, e outro referente as associações de empregados.

Eram grupos constituídos de delegados das associações, eleitos mediante sufrágio secreto, igual ou indireto por graus sucessivos. Na discriminação dos círculos, a lei deveria assegurar a representação de atividades econômicas e culturais do País. Ninguém poderia votar em mais de um associação profissional. Os estrangeiros não votariam.

As novidades mais importantes sobre o Poder Judiciário ficaram por conta da criação da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar. E, prevalecera a tese da dualidade, vencida a proposta unitária, que federalizava toda a Justiça, da Comissão.

Na ocasião, Arthur Ribeiro[7], o Ministro do Supremo Tribunal e que saíra da Comissão por não concordar com o unitarismo, e conseguiu que sua opinião se sagrasse vitoriosa na Constituinte, sobretudo porque sustentada pelos representantes originários dos Estados mais fortes e ricos da Federação.

A referida Constituição também cuidou dos tribunais e juízes federais. E, o dualismo veio temperado, não tanto como no anteprojeto que idealizara lei orgânica a reger a Justiça como um todo. E, os dispositivos constitucionais influenciavam a constitucionalização dos Estados que haveriam de respeitar os princípios relativos às garantias do Poder Judiciário e do Ministério Público locais.

O texto, de maneira sintomática, estabelecia restrições aos magistrados e ao Poder Judiciário. O juiz, mesmo em disponibilidade, sob pena de perda do cargo não poderia exercer qualquer outra função pública, salvo o magistério (art. 65). Vedava-se-lhe, ainda, a atividade político-partidária (art. 66); e ao Judiciário, “conhecer de questões exclusivamente políticas”.

Mantinha-se, na trilha do anteprojeto, a instituição do júri com a organização e as atribuições que a lei lhe desse (art. 72). Abria-se, portanto, a perspectiva de um maior sentimento democrático para o júri.

Depois de alguma discussão (houve substitutivo que propôs lista quíntupla de múltiplas origens), prevaleceu a ideia de que os ministros da Corte Suprema (nome dado ao Supremo Tribunal Federal[8], de hoje) seriam nomeados, com aprovação do Senado, entre brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada, não devendo ter, “porém”, salvo os magistrados, menos de 35, nem mais de 65 anos de idade (art. 74).

Foi sábia ao impor o limite máximo. Impedia a nomeação por pouco tempo de juízes para a mais alta Corte do País. Evitava-se, assim, que a sua contribuição fosse por um prazo mínimo,  já que a aposentadoria compulsória as colhia como agora, numa determinada idade.

Uma criação interessante da Constituição de 1934 era o Tribunal Especial, presidido pelo Presidente da Suprema Corte e composto de nove juízes, três dessa última Corte, três senadores e três deputados, com competência para julgar os crimes de responsabilidade do Presidente da República, dos Ministros da Suprema Corte, dos Ministros de Estado, quando em conexão com os do Presidente da República (art. 58, § 7º).

A Constituição delegava à lei a criação de tribunais federais quando assim o exigissem os interesses da Justiça (art. 78). Criava, todavia, um tribunal (seria o nosso Tribunal Federal de Recursos), cuja denominação e organização a lei estabeleceria, composto de juízes nomeados pelo Presidente da República, com iguais requisitos dos da Suprema Corte (art. 79).

A Constituição de 1934 foi classificada por Pontes de Miranda[9] como “a mais completa”, no momento, das Constituições americanas, não foi revista nem emenda, mas fora rasgada pelo golpe de 1937[10].

Apesar de seu curto tempo de vigência não afasta nem elimina sua relevância histórica, projetando mesmo sua influência sobre o futuro que de certa forma, ressurgira em 1946, não sendo difícil correlacionar ainda muitas de suas disposições na Lei Maior de 1967 até mesmo os dias atuais.

Representou um progresso em rumo ao realismo constitucional em conformidade com o idealismo de 1891 apesar de se ter perdido em normas programáticas, embora de valor ideológico que traduziram sonhos irrealizados.

Valeu por suas ideias revolucionárias que tanto absorveu e até pelas que rejeitou. Reconhecida como repositório valoroso de temas constitucionais e como importante maro para nosso constitucionalismo republicano.

Referências:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 34ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval; TONETO, Rudinei. Economia Brasileira Contemporânea. 7ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.

KOIFMAN, Fabio. Presidentes do Brasil/ Departamento de Pesquisa da Universidade Estácio de Sá. São Paulo: Cultura, 2022.

POLETTI, Ronaldo. Coleção Constituições brasileiras. Volume III  Constituição de 1934. 3ª edição. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012.

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 43ª edição. São Paulo: Brasiliense, 2012.

SILVA, Hélio. 1934 A Constituinte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.

Notas:

[1] Foi a terceira Constituição brasileira e a segunda republicana. Trouxe novidades como a instituição do voto feminino e da Ação Popular. Estabeleceu a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho e, previa o Mandado de Segurança. Também foi aquela de menor duração em toda História do Brasil, apenas um triênio.

[2] A chamada Revolução Constitucionalista de 1932 foi confronto armado entre forças majoritariamente paulistas contra o Governo de Getúlio Vargas que havia ascendido por meio Revolução de 1930, um marco fundador do Brasil moderno.´ Foi chamada pelos getulistas de contrarrevolução pois nascera de uma série de insatisfações. A primeira foi a perda do protagonismo político, uma vez que, até 1930, São Paulo que ascendia graças ao dinheiro do café, basicamente comandava o processo político brasileiro que foi denominada política do café com leite. As elites paulistas buscavam reconquistar o comando político que haviam perdido com a Revolução de 1930,  pediam a convocação de eleições e a promulgação de uma Constituição. O Dia da Revolução Constitucionalista é celebrado em 9 de julho e é feriado no estado de São Paulo.

[3] A República Velha em dois períodos: O primeiro período vai de 1889 a 1894, chamado de República da Espada, foi o período dominado pelos militares. Ganhou este nome, pois o Brasil foi governado por dois militares: Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. O segundo período vai de 1895 a 1930, chamado de República Oligárquica, foi o período dominado pelos Presidentes dos Estados, pois na época os atuais governadores eram chamados de presidentes. As principais diferenças entre a República Velha (de 1889 até 1930) e a República Nova (ou Estado Novo ou Era Vargas) que existiu no período de 1930 a 1945 são a ênfase econômica (pois a República Velha defendia  o modelo agrário e a nova república defendia o modelo industrial), a instituição do voto (bem mais limitado na república velha do que na nova) e os direitos trabalhistas, fundados na república nova. As principais semelhanças estão na forte participação do Estado na economia, que defendia os interesses dos grandes capitas nacionais, a política repressiva contra a dissidência política e o fato de que eram períodos democráticos apenas na aparência, estando o governo nas mãos de poucos atores políticos.

[4] Instituidora da primeira república alemã, a Constituição dita de Weimar, cidade da Saxônia onde foi elaborada e votada, surgiu como um produto da grande guerra de 1914-1918, que encerrou o “longo século XIX”. Promulgada imediatamente após o colapso de uma civilização, ela ressentiu-se desde o início, em sua aplicação,  dos tumultos e incertezas inerentes ao momento histórico em que foi concebida. A vigência efetiva dos textos constitucionais depende, muito mais do que as leis ordinárias, de sua aceitação pela coletividade. Ao sair de uma guerra perdida,  que lhe custou, ao cabo de quatro anos de combate, cerca de dois milhões de mortos e desaparecidos (quase 10% da população masculina), sem contar a multidão dos  definitivamente mutilados, o povo alemão passou a descrer de todos os valores tradicionais e inclinou-se para soluções extremas. Sem dúvida, o texto constitucional  é equilibrado e prudentemente inovador. Mas não houve tempo suficiente para que as novas ideias amadurecessem nos espíritos e as instituições democráticas começassem a funcionar a contento. A Constituição de Weimar foi votada ainda no rescaldo da derrota, apenas sete meses após o armistício, e sem que divisassem com clareza os novos valores sociais. Ela não podia deixar, assim, de apresentar ambiguidades e imprecisões, a começar pela própria designação do novo Estado, que se quis reconstruir sobre as ruínas do antigo. A Carta política abre-se com a surpreendente declaração de que “o império alemão (das Deutsche Reich) é uma República”! Mesmo antes do armistício de 11 de novembro, a Alemanha viu-se sacudida por uma rebelião naval, que em pouco tempo desembocou em verdadeira guerra civil.  Em 29 de outubro de 1918, os marinheiros estacionados no porto de Kiel rebelaram-se contra uma ordem do comando naval da frota de alto-mar, para se lançarem  à “batalha final”. Em 3 de novembro, a revolta ganhou adesões na quase-totalidade das forças navais, ao mesmo tempo em que, um pouco em toda parte,  constituíam-se “conselhos de soldados e operários”, segundo o modelo soviético. Embora a abdicação do Kaiser Guilherme II fosse insistentemente pedida, ele ainda tentou salvar a dinastia, ao nomear no início de novembro seu filho,  o Príncipe Max de Baden, como chefe do governo. Alimentava com isso a esperança de ganhar tempo e, em último caso, abrir mão tão-só da coroa imperial,  permanecendo como rei da Prússia. No campo da vida familiar, a Constituição alemã de 1919 contém mais duas inovações de importância. Ela estabeleceu, pela primeira vez na história do direito ocidental,  a regra da igualdade jurídica entre marido e mulher (art. 119), e equiparou os filhos ilegítimos aos legitimamente havidos durante o matrimônio, no que diz respeito à política social do Estado (art. 121). Ademais, a família e a juventude são postas, precipuamente, sob a proteção estatal (arts. 119 e 122). Mas foi, sem dúvida, pelo conjunto das disposições sobre a educação pública e o direito trabalhista que a Constituição de Weimar organizou as bases da democracia  social. Consagrando a evolução ocorrida durante o século XIX, e que havia contribuído decisivamente para a elevação social das camadas mais pobres da população em vários países da Europa Ocidental, atribuiu-se precipuamente ao Estado o dever fundamental de educação escolar. A educação fundamental foi estabelecida com a duração de  oito anos, e a educação complementar até os dezoito anos de idade do educando. Em disposição inovadora, abriu-se a possibilidade de adaptação do ensino escolar  ao meio cultural e religioso das famílias (art.146, Segunda alínea). Determinou a Constituição que na escola pública em ambos os níveis — o fundamental e o  complementar —, o ensino e o material didático fossem gratuitos (art. 145, in fine). Ademais, previu-se a concessão de subsídios públicos aos pais de alunos  considerados aptos a cursar o ensino médio e o superior (art. 146, última alínea). A seção sobre a vida econômica abre-se com uma disposição de princípio, que estabelece como limite à liberdade de mercado a preservação de um nível de existência conforme à dignidade humana (art. 151). A função social da propriedade foi marcada por uma fórmula que se tornou célebre: “a propriedade obriga” (art. 153, Segunda alínea).

[5] Membro do Partido Liberal, Rui Barbosa participa de comícios nos teatros e praças, defendendo eleições diretas, liberdade religiosa e regime federativo. No dia 21 de novembro de 1876, depois de uma disputa com o amigo Rodolfo, pelo coração da jovem, casa-se com Maria Augusta Viana Bandeira. Em 1877, com o partido em alta, ingressou na Câmara Baiana e no ano seguinte no Parlamento do Império. Empenhou-se pela reforma eleitoral,  pela reforma do ensino e pela libertação dos escravos sexagenários. O controle dos votos feito pelos fazendeiros escravagistas e uma campanha contra  os abolicionistas não reelegeu Rui Barbosa. Rui Barbosa voltou aos jornais, em março de 1889. Tornou-se redator chefe do Diário de Notícias. Na luta pelo regime federativo, começou a afastar-se do  Partido Liberal. Nesse mesmo ano, durante o governo de Deodoro, exerceu as funções de Ministro da Fazenda. Dois fatos marcaram sua passagem: a Constituição de 1891,  quase toda de sua autoria, e o encilhamento. Depois de graves crises e violenta inflação, Rui Barbosa deixou o governo. Em 1907, durante o governo de Afonso Pena, Rui Barbosa alcançou celebridade mundial ao representar o Brasil na Conferência de Haia, que reuniu as grandes  personalidades da diplomacia mundial. O grande tema era a criação de uma corte permanente de justiça. Com seus longos discursos e atacando a classificação dos países pela sua força militar  Rui Barbosa conquistou o respeito das nações. Sua volta ao Brasil foi uma festa. Já conhecido como a “Águia de Haia”, recebeu do presidente da República uma medalha de ouro. Rui Barbosa foi lançado candidato à presidência da república em 1909, mas o escolhido foi o Marechal Hermes da Fonseca. Em 1919, o nome de Rui Barbosa surgiu com fortes possibilidades de ser indicado pelo Partido Republicano, mas Rui se recusou a comparecer à convenção, mas mesmo assim recebeu 42 votos. Epitácio Pessoa, paraibano, apoiado por São Paulo e Minas, venceu com 139 votos. Embora derrotado, Rui Barbosa era respeitado nacionalmente. Foi convidado para chefiar a delegação do Brasil na Liga das Nações, mas recusou o convite. Em 10 de março de 1921, em ofício ao Senado, mostrando sua descrença na velha República, que os princípios e a lealdade que consagrou sua vida pública eram  corpo estranho na política brasileira.

[6] A Primeira Guerra Mundial foi um conflito envolvendo vários países entre 1914 e 1918. Desde o século XIX, as potências europeias rivalizavam o domínio das novas colônias na Ásia e África, o que gerou a corrida armamentista. A Paz Armada significou o investimento em armamentos no período anterior à guerra. A Primeira Guerra Mundial foi um marco na história da humanidade. Foi a primeira guerra do século XX e o primeiro conflito em estado de guerra total – aquele em que uma nação mobiliza todos os seus recursos para viabilizar o combate. Estendeu-se de 1914 a 1918 e foi resultado das transformações que aconteciam na Europa, as quais fizeram diferentes nações entrar em choque. O resultado da Primeira Guerra Mundial foi um trauma drástico. Uma geração de jovens cresceu traumatizada com os horrores da guerra. A frente de batalha, sobretudo a Ocidental, ficou marcada pela carnificina vivida nas trincheiras e um saldo de 10 milhões de mortos. Os desacertos da Primeira Guerra Mundial contribuíram para que, em 1939, uma nova guerra acontecesse.

[7] Artur Ribeiro de Oliveira nasceu em Entre Rios (MG) no dia 12 de junho de 1866, filho de Joaquim Ribeiro de Oliveira e de Adelina Carolina de Oliveira. Autor do Código do Processo Civil e Comercial do estado de Minas Gerais, posto em vigor pela lei de setembro de 1922, em julho do ano seguinte foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Artur Bernardes (1922-1926), na vaga aberta com o falecimento de Alfredo Pinto Vieira de Melo. Após a Revolução de 1930 e a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, integrou, na qualidade de representante do STF, a comissão formada para elaborar o anteprojeto da Constituição, afinal promulgada em 16 de julho de 1934. Permaneceu no STF até o seu falecimento, ocorrido no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, no dia 24 de março de 1936.

[8] O Supremo Tribunal Federal foi instituído como o mais alto órgão de justiça do país, atuando como tribunal de defesa da Constituição. De acordo com seu decreto de criação, deveria ser integrado por 15 juízes de notório saber e reputação. Entre suas atribuições figuravam: instruir os processos e julgar em primeira e única instância os presidentes da República nos crimes comuns, os juízes de seção nos crimes de responsabilidade, os ministros diplomáticos em ambos os crimes, os pleitos entre a União e os estados ou destes entre si, os litígios e as reclamações entre as nações estrangeiras e a União ou os estados, a suspeição aposta a qualquer de seus membros, e os conflitos de jurisdição entre os juízes federais ou entre estes e os juízes estaduais; proceder a julgamentos em grau de recurso e em última instância em casos especiais; rever processos criminais em que houvesse sentença condenatória definitiva, e conceder ordem de habeas-corpus. A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 confirmou a composição e a competência do STF. Após a Revolução de 1930, o governo provisório expediu o Decreto nº 19.656, datado de 3 de fevereiro de 1931, reduzindo para 11 o número de juízes do STF. Até 1931, o tribunal havia funcionado em sessões plenárias. Nesse ano, passaram a funcionar provisoriamente duas turmas de cinco ministros cada uma, que viriam a ser reconhecidas regimentalmente em 1937. A Constituição de 1934 mudou o nome do STF para Corte Suprema, mas conservou o número de juízes fixado pelo decreto de 1931. Este número de ministros podia, contudo, ser elevado por lei até 16. Esta situação foi mantida na Constituição de 1937, quando o tribunal recuperou sua antiga denominação, e também na Carta de 1946.

[9] Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Alagoano, nascido em 1892, que foi professor, advogado, Juiz, desembargador, diplomata, jurista, autor de incontáveis obras, das quais as mais referenciadas são o Tratado de Direito Privado, com 60 volumes, o Tratado das Ações, em 10 volumes e Comentários à Constituição, tanto de 1937, quanto a de 1946 e de 1967. Iniciou a carreira, como advogado e, em 1924, ingressou na magistratura, como juiz de órfãos. Atuou como desembargador do antigo Tribunal de Apelação do Distrito Federal, época em que também representou o Brasil em duas conferências internacionais: Santiago, no Chile, em 1923, e Haia, nos Países Baixos, em 1932. Essas experiências influíram em sua transferência para a carreira diplomática em 1939, quando foi nomeado embaixador na Colômbia. Em 1943, afastou-se da diplomacia e dedicou-se às atividades profissionais de parecerista e escritor. Mas não apenas na área jurídica Pontes de Miranda se destacou. Com efeito, foi autor de livros nos campos da matemática e das ciências sociais como sociologia, psicologia, política, poesia e filosofia. Suas obras foram publicadas em português, alemão, francês, espanhol e italiano. Sobre o “mundo em si” e o “mundo para nós”, convém mencionar um trecho significativo de sua obra “Sabedoria dos Instintos”, de 1921. Todo o real só existe sob a condição geral de ser sentido, isto é – deixar de ser um mundo em si, “an sich”, como dizem os alemães, para ser um mundo para nós, “für uns”. Dependem do nosso espírito as formas do último, como dependem dos vasos as superfícies dos líquidos. Só a parte superior poderá ficar livre do contorno. Em verdade, escrevemos impressões, ao lado dos fatos, – não “dizemos” fatos. Os acontecimentos são frases que somente podem ser “ditas” pela Natureza, pelo Todo.

[10] Em 10 de novembro de 1937, através de um golpe de estado, Vargas instituiu o Estado Novo em um pronunciamento em rede de rádio, no qual lançou um Manifesto  à nação, no qual dizia que o regime tinha como objetivo "reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país". Em 1937, iniciaram-se as campanhas dos candidatos à sucessão presidencial. Candidataram-se ao pleito o governador do Estado de São Paulo, Armando de Sales Oliveira,  o situacionista, José Américo de Almeida,  e o presidente da Ação Integralista Brasileira, Plínio Salgado. Getúlio Vargas não respaldou politicamente nenhuma das candidaturas para as eleições de 1938,  nem sequer apoiou o candidato indicado para sucedê-lo. Essa campanha para a eleição presidencial acontecia em um período de turbulência política, estava em vigência o estado de guerra para coibir a atuação comunista  no país. O estado de guerra tinha sido decretado em 1936 como repressão às Revoltas Comunistas de 1935. Desse modo, as campanhas também foram cerceadas pela censura e limitações políticas impostas pelo estado de guerra. Os opositores do governo de Vargas também foram alijados pelo estado de guerra. Getúlio Vargas pretendia manter-se no poder, por isso, durante as eleições, fomentou resistências regionais — em Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul — pela continuidade do governo dele.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito Constitucional Constituição de 1934 Poder Judiciário República Democracia

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