As polêmicas do Processo Civil
As principais polêmicas consistiram na definição da actio romana, o direito de ação, a natureza jurídica da ação processual, da relação jurídica processual, a diferença entre a relação de direito material e a relação jurídica de direito processual, a diferença de processo e procedimento e a coisa julgada fomentaram toda a evolução da ciência do direito processual. E, pavimentaram as principais conquistas que o processo civil contemporâneo que tanto contribuiu para a concretização dos direitos fundamentais, do acesso à justiça e a plena cidadania.
O
surgimento e evolução do direito processual consolidou-se depois de polêmica
que conduziu a visão sistemática dos fenômenos do processo, todo trajeto
evolutivo do direito processual foi marcado de muitas outras polêmicas, umas
mais significativas de que outras, o que traduz o iter dialético que conduz à síntese
esclarecedora de diversos problemas paradoxais.
Em
meados do século passado Windscheid e Muther travaram a célebre disputa sobre o
conceito da actio romana[1], não tivessem a intuição
da relevância que seus escritos estavam destinados a ter para a futura
impostação da problemática da ação com referência ao direito moderno, a qual
haveria de empolgar os juristas do fim do século passado e da primeira metade
deste.
Para a
compreensão de que existe no processo uma relação jurídica que por mais de um
título se diferencia da relação material eventualmente corrente entre as
partes. Entender os dois planos, o substancial e um processual, e aqueles que o
reduzem provavelmente estranhos ao intuito dos contendores, resultados esses
que não significam nada mais, nada menos, resultou o nascimento de uma nova
ciência o direito processual.
O
mundo do século XIX vivia embalado com os ideais liberais, gerado a Revolução
Francesa. Estava então, em voga, o culto do valor liberdade, depois que a
burguesia sublevada havia contestado violentamente o princípio da autoridade,
que era antes o instrumento com que as classes sociais então dominantes como a
nobreza e o clero que defendiam as suas posições privilegiadas.
Os
juristas reagiam diante qualquer manifestação da autoridade do Estado sobre a
esfera do indivíduo. O direito corresponde a uma consciência popular e, tem
nessa consciência a sua fonte, conforme afirmava Savigny, e por isso o Estado
deve renunciar a impor uma legislação sua, uma codificação sua; o direito deve
ser feito mediante os doutos juristas que são os únicos e autênticos arautos da
vontade popular.
Savigny[2] munido com tais
argumentos, combatia a ideia da promulgação de um Código Civil para a Alemanha,
o que significaria intromissão indevida no âmbito da autonomia do indivíduo,
resultando em indesejável limitação à liberdade.
E,
ainda que não confessando opinião ortodoxa, a grande generalidade dos juristas
opunha-se ao Estado, de vocação prepotente, e o freio consistente no direito,
quando se cogitou em Estado de Direito, na juridicidade do Estado, no Estado
enquanto pessoa jurídica.
Dessa
forma, em prol do princípio da liberdade, assistia-se ao individualismo que
atingia até institutos de nítido caráter publicista e, entre estes, os
processos e suas instituições afins.
A ação
era considerada o próprio direito subjetivo material no estado de defesa, ou
como direito novo, com certo viés privado, que nascia da violação do direito
subjetivo, ou como o direito em estado bélico. Em síntese, o espírito
individualista e anti-estatal conduzia à incontrastada supremacia do direito
privado sobre o direito público. E, a ação era um direito contra o adversário
e, não contra o juiz, nem contra o Estado. E, com o seu exercício prosseguia entre
as partes, a mesma relação privada antecedente e, não se percebia, ou se fazia
tudo para evitar a presença e a interferência do Estado nesse duelo, que era o
processo. Então, o processo era visto e encarado como mero procedimento[3], isto é, uma série de atos
ligados entre si, os quais as fases que se sucedem numa caminhada e numa
destinação.
Não existia
percepção da existência de uma relação jurídica processual, nem era cogitado o
problema da formação da vontade concreta da lei através do processo ou
independemente dele.
Em
poucas palavras, o esplendor do direito privado impedia a visão sistemática dos
fenômenos do processo que eram vistos como meros apêndices do direito privado.
O
embate de Windscheid versus Muther surgiu num clima jurídico e político
que deu consistência a polêmica entre esses dois romanistas alemães. Em 1856,
Bernhard Windscheid, professor de Greifswald que na época integrava o Estado
sueco, escreveu a obra intitulada "A actio" sob o ponto de vista
do direito da época.
E, tal
obra pretendia ser a tradução atualizada dos romanos que exprimiam com a
palavra "actio"[4], demonstrando-se o
significado diverso da palavra ação, sendo apenas captado fielmente se
entendesse o espírito do direito romano. Windscheid afirmou que a actio não era
um sistema de direitos subjetivos, mas sim, um sistema de actiones, e não dizia
ao indivíduo que tinha esse ou aquele direito. Mas, você tem esta ou aquela actio.
E,
assim, a actio era não o próprio direito subjetivo, nem o direito ao
processo e aos resultantes inerentes a esse, mas sim, a faculdade de impor a
própria vontade em via judiciária e, assim, conforme existem atualmente os
direitos de variadas espécies, existiam igualmente diversas ações típicas, com
as quais procurava o direito romano tutelar a vontade dos indivíduos em todas
as circunstâncias que fosse possível.
Com
essa construção, afirmava o doutrinador alemão, devia-se ao senso extremamente
prático dos juristas romanos, que consideravam o que era seguro de que um bem é
devido a alguém só quando exista uma força suficientemente eficaz para lhe
proporcionar realmente esse bem, mesmo subtraindo-o a quem opõe resistência.
Mas,
devia-se também à particular posição do magistrado romano, que não era sujeito
ao direito material, podendo antes negar seu apoio àquele a que o jus civile reconhecia
um direito, ou vice-versa.
A
actio, segundo Windscheid, nasce do contexto de uma crítica aos romanistas em
geral, aos quais debitou o vício de explicarem os fenômenos antigos como se
fossem inseridos na realidade atual, bem como a falsa premissa metodológica
consistente em deixar crer que o direito romano fosse o direito em sentido
absoluto (ou seja, um conjunto de princípios de validade universal e eterna),
com a propensão de construí-lo segundo a boa razão.
Havia
a ingênua crença que o direito é o que resulta da natureza das coisas, e depois
convencendo-se que a solução encontrada já estava dentro do direito romano.
A
referida atitude diante dos juristas da época gerou a indignação de Theodor
Muther[5] que destilou sua raivosa
resposta, logo em 1837 através da obra intitulada pelo quilométrico no tamanho:
“Sobre a doutrina da actio romana, do hodierno direito de ação, da
litiscontestatio e da sucessão singular nas obrigações”.
E, já no prefácio, o doutrinador de Könis-berg
se declarou irritado por não ter manifestado o seu adversário a devida estima e
homens que serão o orgulho de nossa nação e da ciência, ainda em tempos
distantes, aos quais eu por isso mesmo venero, como por exemplo Savigny. Desde
logo, assumiu posição hostil e anunciou que não dará nenhuma resposta a uma
eventual réplica.
Windscheid devia ter sido mais prudente ao
escrever a sua crítica. Negou que no direito romano houvesse aquela
preponderância da regra judiciária sobre a jurídica, afirmando que também o
magistrado de então, tanto como o de hoje, se limitava a declarar o direito
preexistente, sem nada criar, sem nada acrescentar ao patrimônio das partes.
A actio
não era um direito, ou uma faculdade, tendo por sujeito passivo o adversário, mas
um direito perante o magistrado, o qual era obrigado a emitir em favor do autor
a fórmula adequada; ela difere do direito subjetivo substancial, seja pela
diversidade do sujeito passivo, seja pela observação de que há direitos não
amparados pela ação.
O
ordenamento de Roma não era, portanto, como desejava Windscheid, um sistema de
ações, mas um verdadeiro sistema de direitos, tanto quanto os ordenamentos
jurídicos daquela época.
Ainda
em 1857, veio a resposta de Windscheid, com o livro "A actio",
a réplica de Muther. Deploráveis os ataques pessoais de Muther[6], o qual, após ter
declarado grande respeito por ele, usou de um tom que está em contraste com
essa afirmação, um tom pejorativo, desdenhoso, que atrai pouca estima.
E sem
usar o mesmo tom odioso, reafirmou os pontos de vista já sustentados, aduzindo então
novos argumentos e explicações. E, com isso, punha fim na polêmica cujas
consequências eles próprios não poderiam prever e cujos reflexos ainda hoje se
fazem sentir.
As
três fases da disputa foram traduzidas ao italiano e publicados num único
volume no qual se vê a excelente introdução feita pelo romanista Pugliese, que
é dos tradutores. Onde foi ressaltada a influência da polêmica nos futuros
estudos de direito romano, de direito civil e de direito processual e, são
analisadas as causas de maior repercussão das teses de Windscheid entre estas as
chamadas causas externas, como o maior prestígio que este já tinha
anteriormente e o que veio o adquirir mais tarde com a publicação das
Pandectas, a sua idade superior à do adversário, a atitude antipática deste, o
fato de este logo em seguida ter abandonado as pesquisas romanísticas.
O
mérito fundamental dessa polêmica, ação, relação processual e ordenamento
jurídico, foi o de ter despertado a ciência do direito para importância do
direito público, se não acima pelo menos ao lado do direito privado; daí, para
a fundação de um verdadeiro direito processual, científico, sistemático, o
passo haveria de ser breve.
E,
três foram as questões cuja discussão, com referência ao direito moderno, foi
provocada pelos romanistas: a ação, a relação processual, a estrutura do
ordenamento jurídico.
A
actio romana não era correspondente à ação atual, nem ao direito subjetivo, era
um conceito intermediário, que em língua alemã se designa pelo substantivo Anspruch.
E, essa palavra traduzida como pretensão, às vezes, perplexidade no leitor, em
primeiro lugar porque designa um objeto desconhecido em nossa cultura (e,
plenamente dispensável) e depois porque esse objeto não coincide exatamente com
aquilo a que chamamos pretensão (vocábulo eminentemente processual).
Anspruch às
vezes significa, sim, pretensão, mas nem sempre é preciso estar atento e
entendê-la às vezes como direito, outras como razão ou fundamento de uma
pretensão processual. Mas, o necessário
parênteses terminológico, voltemos aos reflexos da polêmica na teoria da ação.
Distante
e dissociado do direito atual a ação do direito subjetivo e da Anspruch em que
se funda a pretensão em sentido processual, que é o poder de impor a própria
vontade em via judicial. Windscheid praticamente sugeria a ideia da ação como
poder de provocar um provimento de mérito, poder que existe independentemente
da existência ou inexistência do direito subjetivo substancial (teoria abstrata
da ação[7]).
E,
mais nítida foi a influência de Muther na obra daqueles que definiram a ação
como direito à tutela jurídica, ou direito concreto de agir, recorde-se que ele
definira tanto a actio romana como a ação moderna como direito perante o
Estado, não perante o adversário, a obter a tutela judiciária, e no direito
romano, mediante a fórmula.
Aliás,
embora fosse notar que a ação fosse muito difundida a ideia de que a ação se
exercia contra o adversário, já um jurista como Hesse vinha sustentando que o
titular passivo é o Estado.
Por
outro lado, mais tarde, após a obra de Muther, ainda discutindo-se sobre essa
titularidade passiva, não faltou quem afirmasse ainda que a ação era um direito
contra o adversário, como fez Chiovenda, ou quem afirmasse que, é contra o
magistrado pessoalmente, e não contra o Estado (Carnelutti). Todavia, com o
progressivo e definitivo triunfar do direito pública, veio consolidar a ideia
sustentada por Muther,
Ademais
a afirmação de Windscheid jamais fora ressaltada pelos processualistas, mas à
qual absolutamente não se ode afirmar que faltem adesões entre os juristas
modernos, e de onde partiu um processualista da nova geração como Fazzalari
para propor minuciosa decomposição da ação em uma série de poderes, faculdades
e deveres.
E,
assim, a afirmação de Windscheid era irrepreensível até para o direito moderno,
e que actio não se referia apenas ao ato de dar iniciativa ao processo, mas
também, a todos os atos de impulso.
Não se
exerce a actio apenas com a propositura da petição inicial que instaura
o processo, mas também, o autor que responde às preliminares arguidas pelo
demandado, que junta documentos, que presta depoimento pessoal no curso do
processo e que recorre, ou o exequente que pede reforço de penhora, que impugna
a avaliação que pleiteia a adjudicação do bem penhorado.
Em uma
palavra, a ação é um poder sim, mas um poder que se desdobra em uma infinidade
de poderes que se coordenam todos à provocação do ato final do proceso que é a
sentença de mérito no processo de conhecimento, ou ato de satisfação do direito
a que se refere o título executivo, na execução forçada.
Cotejando
a ação moderna, afirmou Muther que com a lesão de direito subjetivo
substancial, nascem dois direitos, ambos de natureza publicista: o direito do
ofendido à concessão da tutela estatal (ação) e o direito do Estado, contra o
autor da lesão, à eliminação desta.
Ora,
essa afirmação, mas, enfim, todo o debate sobre as relações entre o direito e a
actio, entre o magistrado e a lei, entre jus civile e o judicium, tudo isso
somado não podia deixar de ressaltar a existência de dois tipos (substancial e
processual) de normas, de relações de poderes, deveres e ônus[8].
Não
podia, noutras palavras, deixar de chamar a atenção para a existência de um
direito processual, de natureza eminentemente publicista porque envolve o poder
e a atividade do Estado soberano, distinto e independente do direito privado, e
que mereceria ser estudado à luz de princípios próprios, segundo uma ciência
autônoma.
De
fato, essa previsível repercussão da polêmica em apenas onze anos, após 1868
veio à luz o famoso livro de von Büllow[9], Teoria das exceções
dilatórias e dos pressupostos processuais, que é geralmente indicado como a
obra que significa o início do direito processual científico.
Eis
que rompendo-se a relação de estrita dependência que prendia os institutos do
processo ao direito privado, é traçada a teoria da relação jurídica processual,
de natureza marcadamente pública, por vários aspectos distinta da relação
substancial, incluindo em seu conteúdo também o Estado soberano, subordinada
aos requisitos processuais muito diversos exigidos para a relação material.
Ora
nascendo a ciência do processo e a consciência deste como entidade destacada do
direito substancial, originou também a dúvida sobre se a norma concreta que
rege as relações entre as partes surge de vez, em face das normas de direito
substancial ou se o processo tem alguma participação nisso, eis quando surgiram
as chamadas teorias unitárias do ordenamento jurídico que tanto sustentam que
as normas processuais se aliam às de natureza material para proporcionarem a
produção de norma concreta e, ainda o nascimento do direito subjetivo.
Na
obra de Muther, enxerga-se a ideia dualista, afirmando decisivamente que com a
lesão ao direito este não deixa de existir para ser substituído pela ação, mas
subsiste ao lado desta e do direito do Estado a impor ao autor da lesão a
respectiva eliminação.
Também
Windscheid não negou, para o direito moderno, a procedência do direito à ação,
mas suas pesquisas de direito romano e a sua tese de que este era um sistema de
ações e não de direitos, apontava para a prevalência da regra judiciária sobre a
jurídica o que deve ter inspirado aqueles doutrinadores, que a partir de Büllow
sustentaram que, também no direito moderno, o processo se insere no iter
de produção do direito, e tanto que o partidário da teoria unitária, Pekelis,
afirmou que Windscheid havia implicitamente demonstrado, com a indagação objetivamente
histórica que a concepção do primado da ação sobre a obrigação era tão pouco um
sofisma para divertir leigos e doutos, que era até o fundamento de um
ordenamento jurídico tão longe dos abstratismos infecundos, como era o romano.
E, até
aos dias atuais[10],
resta viva a discussão da estrutura do ordenamento jurídico. Quanto a polêmica
de Liebman percebe-se que a teoria dualista do ordenamento jurídico poucas
vezes foi defendida de forma especial, e com entusiasmo, por algum
processualista, e, no entanto, esta é intuitiva, simples e insinuante.
A
teoria dualista, em essência, na afirmação de que o Estado tem duas atividades
jurídicas distintas, a saber: a legislativa e a jurisdicional, com a primeira,
produz as normas genéricas e abstratas, as quais se tornam concretas e
específicas no momento em que na experiência concreta ocorre o fato previsto;
com a segunda, procura fazer com que sejam atingidos os resultados desejados
pela norma concreta preexistente.
Significa
essa teoria a afirmação de que o ordenamento jurídico é composto de dois
planos, duas qualidades de normas, distinguindo-se bem o que é direito
substancial e o que é direito processual.
Porém,
à tese adversária têm sido dadas grande atenção, desde Büllow, Kelsen,
Capograssi até Carnelutti,, Ascarelli e Satta. E, nos derradeiros anos, vem
este dando particular relevo à unidade do ordenamento jurídico, seja nas
edições mais recentes de seu Diritto processuale civile e do Commentario
al codice di procedura civile, seja em artigos jurídicos publicados.
Nota-se
a entusiasmada tese filosófico-processuais de Satta[11] que escreveu um artigo em
1969, Ordinamento e giurisdizione, uma polemica tra processualisti, no
qual não poupou adjetivo para enaltecer a obra daquele doutrinador que foi o
primeiro processualista italiano que refuta os esquemas ou cânones como
experiência.
Depois,
de sustentar a bondade daquelas teses e a oportunidade de se subverter toda a
ordem vigente dos institutos processuais segundo as recentes descobertas satianas
e, lançou censura ou desafio aos demais processualistas, dizendo que essa era
uma orientação metodológica que não conduz com a hostilidade silenciosa do
conformismo acadêmico.
Quem
acolheu o desafio foi Liebman, o qual fez publicar uma postilla em
defesa dos processualistas e da tese dualista do ordenamento jurídico.
Polemicamente, fez ver que a matéria não é de direito processual, mas de teoria
geral do direito, e que nem por isso, deixam os processualistas de ser aqueles
que em maior número cuidam desta.
Além
disso, o que falta é uma adesão à tese de Satta, não atenção à esta. Aquilo De
Fina chama de conformismo acadêmico é mesmo uma tendencia dos que sustentam a
tese dualista, a qual emerge intuitiva da própria natureza das coisas e não
precisa de muita argumentação para impor-se.
Todavia,
o elevado nível e mesmo a validade das considerações filosóficas de Satta, das
quais se contesta apenas a relevância na solução do problema do ordenamento
jurídico.
Os
reflexos da polêmica entre os romanistas alemães nos fizeram focalizar também
outra disputa que houve na Itália, nos primeiros anos do século XX, entre
Mortara e Chiovenda, sobre a inibitória, provimento com o qual a corte
investida do conhecimento de um processo em virtude e de apelação pode revogar
a cláusula de execução provisória concedida pelo juiz que pronunciara sentença
condenatória.
O tema
do debate é superado na Itália, conter o novo CPC (1973) resolveu expressamente
a matéria, no sentido da interpretação de Chiovenda, afastando qualquer motivo
de dúvida, e, perante o direito positivo brasileiro, o problema não tem razão
de ser, pois nós desconhecemos a cláusula de execução provisória. A eficácia imediata
de certas sentenças é dada pela lei, e não ope judicis e, por isso mesmo, não
podemos cogitar da inibitória.
Porém,
a polêmica é interessante como sinal de uma divergência metodológica como
sintoma de embate entre as duas escolas. Chiovenda publicou em 1903 um artigo,
cujo título sobre a matéria versada, procurando demonstrar a tese de
discricionariedade do juiz da apelação ao apreciar o pedido de inibitória.
Chiovenda
chamou em causa a disciplina francesa, que expressamente exclui o poder
discricionário. E, deu ênfase ao seu argumento, quando afirmou que nunca se notou
que o artigo do Código Francês que continha a verdadeira e positiva proibição
das inibitórias não existe no Código italiano.
Enfim,
o consagrado Mortara que era o então conselheiro da Cassação de Roma, pareceu
que aquele nunca se notou fosse a expansão triunfal de um dos doutores atuais,
o qual estaria descobrindo algo muito conhecido por todos.
O
debate teve um significado histórico e respondeu a duas perguntas, a saber:
quem era Mortara[12]
e o que defendia Chiovenda?
Lembremos
que naquela época, a ciência italiana do processo era muito pouco científica, e
porque não afirmar bem pouco italiana, antes da obra de Chiovenda. E, mesmo o
CPC italiano vigente então, feito em 1865 um pouco depois da unificação
italiano, sofria de nítida influência napoleônica, recordando que o Code Civil
estivera em vigência na Itália na época do expansionismo imperialista francês,
e, com isso, os institutos estranhos à tradição italiano tinha direito de
cidade na península.
E,
sempre em virtude da influência francesa, os processualistas de então
comentavam os textos, com pouca preocupação de buscar e identificar os
princípios, de estabelecer sistema verdadeiramente científico mediante a
coordenação harmoniosa dos institutos. Em outras palavras, estavam satisfeitos
com método puramente exegético, bem ao estilo francês, acompanhando a lei em
sua fragmentariedade, conforme tratavam certos institutos.
Afinal,
desde o início do século XX, a escola italiana andava por estreitos caminhos, e
o vigor científico dos alemães, que depois de Büllow tinha desenvolvido escola
com autêntica sistemática de processo civil e não tinha influenciado os
comentadores da época e que eram Ricci, Galdi, Simoncelli e, o grande
Mattirolo.
E,
Mortara formado nessa mesma escola, não ocultava sua tendência empírica e
irônica conforme afirmou Chiovenda, pelos velhos métodos.
Chiovenda,
porém, desejava alterar as coisas, além de conhecer a fundo o direito romano e
a formação do direito medieval e, sobretudo, embebido nas lições dos
processualistas da escola alemã. Postulava o retorno à tradição italiana, e a
mais notável tese era a da oralidade no processo, que incluiu depois no
Anteprojeto de Código de Processo Civil que apresentou em 1909 e ainda
introduziu o método científico no estudo do processo e, tomou partido no debate
a respeito da natureza da ação, construir a teoria das condições da ação,
cogitou sobre o escopo do processo e defendeu a tese dualista do ordenamento
jurídico, manifestou0se sobre a natureza da sentença, notadamente a
condenatória, traçou a estrutura do título executivo, as relações deste com a
ação executivo e, em tudo deixou a marca do seu novo método, de sua nova
terminologia.
A
reação agastada de Mortara lançara voz dos pobres empíricos desacreditados, o
que se percebe claramente quando Mortara se defende dizendo: nós, pobres
empíricos desacreditados, temos o hábito de falar uma linguagem inteligível a
todos, ou: na nossa insignificância não conseguimos perceber o grave erro
descoberto pelo douto professor, ou ainda: os comentadores não teriam sido
águias de engenho, nem arcas de erudição, mas, paciência, uma medíocre dose de
bom-senso e de inteligência, entre todos juntos, é provável que tenham tido.
Quando
em 1926 se preparava um volume de trabalhos de direito processual em homenagem a
Chiovenda, o seu ex-adversário apressou-se em fazer uma carta (que foi
publicada), lamentando a impossibilidade
absoluta de participar com um artigo, manifestando um sentimento que vem do
íntimo de minha consciência de amigo e de estudioso, e esperando que a Giuseppe
Chiovenda dê alegria o meu aplauso e a
minha adesão às homenagens que lhe são dedicadas, e ainda mais o augúrio
fervidíssimo de que por muitos anos ele continuou a prodigalizar o tesouro de
suas inigualáveis energias para o incremento e a glória da doutrina jurídica
italiana. As pazes estavam feitas, a escola exegética não existia mais.
Todos conheceram
a pena terrível que impunha Carnelutti que era implacável quando afirmava sem
rodeios que a obra não tinha preparação cultural ou, que tinha baixo nível
estudantil, ou simplesmente, que a tese sustentada era absurda. E, por vez, o
referido doutrinador italiano, se excedida em sua impiedosa crítica.
Seu
mau temperamento foi mantido com Liebman sobre o título executivo. Quando
Carnelutti que era um doutrinador sênior duelou com Liebman que era simples
professor contratado na Universidade de Sassari, na Sardenha e, então, escrevia
o seu primeiro livro, que foi traduzido no Brasil como Embargos do executado.
Carnelutti
sustentava a teoria documental do título executivo, o qual para ele teria a
função de provar ao juiz da execução, o crédito ostentado pelo exequente.
Liebman com seu livro publicado em 1931, bateu-se contra tal teoria, sustentando
que o título executivo é um ato, cuja eficácia consiste na aplicação da sanção
processual e consequente criação da ação executiva, da qual ele é a fonte
imediata e autônoma, a única de sua existência.
No
mesmo ano, Carnelutti publicou artigo jurídico usando a velha ironia de Mortara
e respondeu às críticas de Liebman e insinuou que Liebman não tinha a vivência
prática do processo, e que nunca teve na prática o problema de saber o que é
que o oficial de justiça exige para
intimar um preceito ou para fazer uma penhora, se exige um documento, e esse
documento, segundo Carnelutti, é o título.
E, que
talvez Liebman não saiba que sem o documento em mãos do oficial de justiça não crê
em sua afirmação de qua haja uma sentença, acrescentando que seria desaconselhável
ter Liebman escrito livro sobre execução sem ter antes passado por essas
humildes dificuldades práticas.
Liebman
respondeu e, afirmou que quanto à natureza do título, insistiu na diferença
entre prova e forma de negócio, afirmando que é uma ilusão desejar o que conta
que é a prova do ato a que lei dá força executiva, pois, na realidade, o que é
decisivo é a forma como o ato se constitui.
E,
fugiu ao dilema imposto por Carnelutti, que reconhece que o título reside no
documento, ou se cai no absurdo de afirmar que a eficácia executiva venha do
negócio jurídico, isto é, da vontade das partes.
E, se
percebe que embora se apegue ao vocábulo ato, na realidade, Liebman descrevia o
título extrajudicial como fato jurídico em sentido estrito, ou seja, um fato tomado
objetivamente pela lei como hipótese a que ela própria liga autoritariamente um
efeito, sem consulta à vontade ou intenção dos particulares.
Quanto
à função do título executivo, disse que entre outras coisas que o adversário
perde a noção unitária deste, ligando a eficácia executiva da sentença
condenatória à circunstância de esta conter segundo Carnelutti, o acertamento de
uma responsabilidade, coisa que o título extrajudicial não faz evidentemente.
E,
assim, referindo-se ao conceito de prova integral, a que Carnelutti procurou
introduzir, Liebman disse e convenceu que o mesmo violenta o conceito de prova,
e que com ele o adversário criou um quebra-cabeça só pelo gosto de resolvê-lo
com elegante estratagema.
E, a
polêmica não cessou. Essas e muitas outras observações agudas de Liebman
provocara a ira de Carnelutti, o qual respondeu que bastavam que não levaria o
debate adiante, mesmo assim não deixou de replicar e censurar o adversário.
Evidenciou
Liebman que realmente Carnelutti usava de seu virtuosismo dialético para
distorcer a realidade dos fenômenos, e dissera também que se a teoria era
desmentida pela construção dogmática italiana vigente, isto não era motivo para
criticar a lei, conforme fizer Carnelutti, cujo único pecado era não ter
previsto o surgimento dessa teoria.
Das
duas teorias, a de Liebman era muito mais aderente à concepção abstrata da ação
executiva, pois postular uma função probatória do título significava afirmar
que o juiz da execução só poderia dar andamento a esta, se lhe for provado o
crédito, e sem existência comprovada deste não há também a ação executiva, e,
isso, é uma concepção concreta da ação.
Porém,
o que há de louvável em Carnelutti foi a preocupação de construir a teoria do
processo de execução segundo os princípios da teoria geral do processo, os
quais só serão válidos se aplicáveis igualmente à cognição e à execução
forçada, ao processo definitivo e ao cautelar, ao Processo Civil e ao Processo
Penal.
Note-se
bem, que não se trata de transportar peculiares princípios ao processo de
cognição, de empréstimo, ao de cognição, conforme acusou Liebman ao Carnelutti
de fazê-lo.
A
orientação metodológica de Carnelutti é de grande valia e extensão e nunca o
processo de execução alcançará nível realmente científico, tal baseado conforme
já atingiu o processo de cognição, enquanto a lei e a doutrina não o tratarem
assim.
Havia
em nosso país, a tentativa de Anteprojeto Buzaid que alteraria a estrutura do
CPC vigente suprimindo as disposições gerais, Livro I, ou seja, os artigos 1 ao
152, e mandando aplicar subsidiariamente à execução forçada as disposições que
regem o processo de conhecimento; essa orientação, de fato, mereceria a crítica
de Liebman.
O
embate sobre a coisa julgada entre Liebman e Carnelutti. Já em 1935 estavam no
ringue os mesmos contendores e a polêmica, desta vez, era a coisa julgada.
Novamente, então jovem Liebman a atacar as posições do veterano Carnelutti.
E, foi
quando Liebman definitivamente escreveu sua doutrina na história do processo
civil, e, tudo começou com o livro "Efficacia ed autorità delia
sentenza" no qual Liebman impostava o problema da coisa julgada de
forma pouco ortodoxa, contrariando a doutrina tradicional e eriçando bases de
um sistema rico de consequências teóricas e práticas contrárias ao pensamento
vigente na época.
Ele
colocava em dois planos distintos a eficácia natural da sentença, isto é, a sua
aptidão de produzir efeitos, mas a efetiva produção dos mesmos, e a autoridade
da coisa julgada que corresponde a imutabilidade da sentença, não um ulterior
efeito desta, mas uma qualidade dos efeitos que cada sentença tem.
E,
ancorado nessa distinção básica, dizia que, se a autoridade da coisa julgada
vincula exclusivamente as partes, a eficácia da sentença a todos se impõe, e se
impõe imediatamente, independentemente da verificação da validade da mesma,
pois essa é a vocação de todos os atos soberanos do Estado, quer emanarem do
Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário (depois, no prefácio da segunda
edição, em 1961, Liebman preferiu aderir aos resultados adquiridos pela
doutrina publicista, aceitando o nome de imperatividade para designar o que
antes chamara de eficácia natural da sentença.
Novamente,
respondeu Carnelutti de forma agressiva, não se limitando tecer crítica
objetivo mas proferindo ataques pessoais. Carnelutti insistiu na tese de que a
sentença se insere no processus de formação do direito do caso concreto e
principiou por reprovar Liebman a terminologia usada, eficácia, para
Carnelutti, é o efeito criativo do direito concreto, e a imutabilidade é a
estabilidade sa sentença já sujeita a recurso.
Carnelutti
definiu a primeira como coisa julgada material e a segunda como coisa julgada
formal. Defendeu ardentemente a teoria dos efeitos reflexos da sentença e,
disse que a coisa julgada material (eficácia da sentença0 não atinge somente às
partes do processo, mas também, àqueles que forem titulares de lides conexas.
Liebman
responde em 1936, a convite do próprio Carnelutti, o qual com esse convite
demonstrava sua lealdade ao debate e, nessa resposta, veio Liebman lamentar a
aspereza do adversário e sua incompreensão por uma teoria que tinha como único
pecadilho de discordar da sua; observava que quem precisa munir-se de paciência
para superar a cólera nãos e encontra apto a uma discussão científica.
Logo
no início fez uma blague em torno de toda aquela disputa sobre a eficácia da
sentença e a sua autoridade, dizendo que a eficácia da argumentação aduzida
contra a sua teoria inovadora não estava à altura da autoridade de quem a
expendia.
No “Bilancio di una polemica”, que
publicou um ano mais tarde, Carnelutti deu o último lance da contenda, afirmando
que das teses do adversário umas eram absolutamente inócuas, e outras ele agora
via que não eram, senão as suas próprias teorias apresentadas com palavras
diferentes.
No
entanto, a doutrina de Liebman estava fadada a ter grande sucesso e, apesar do
acolhimento brusco com que fora recebida inicialmente e da incompreensão dos
primeiros críticos (incompreensão que Liebman haveria de deplorar, depois, ao
escrever o prefácio da segunda edição), é hoje merecidamente considerada uma
das maiores contribuições já trazidas à teoria da coisa julgada. E de notar, inclusive,
que a mais abalizada doutrina brasileira em boa parte aceita o modo de pensar
de Liebman, como o faz José Frederico Marques[13] em suas “Instituições” e
como o manifesta Buzaid na redação do art. 507 do seu Anteprojeto (esse artigo
é uma definição da coisa julgada material como qualidade dos efeitos da
sentença).
Passada
a tormenta da polêmica, porém, recompuseram-se os contendores, a ponto de ter o
velho Carnelutti mais tarde convidado o adversário codividir a direção da “Rivista
di Diritto Processuale”; e hoje, talvez numa homenagem póstuma àquele que
deu tudo de si à teoria do Processo Civil, ou talvez em recordação das
consagradoras polêmicas da juventude, bem à vista em seu escritório de
advocacia Liebman exibe um retrato autografado de Carnelutti, ao lado dos dois
outros monumentos do direito processual italiano: Chiovenda e Calamandrei.
No
fundo, o que nos interessa não foi o mérito das polêmicas travadas, mas o
registro desses embates, houve um episódio triste que não prosperou devido a
serenidade dos ofendidos que preferiram apenas responder secamente, deixando ao
público o julgamento do ofensor.
Em 1969,
Salvatore Satta fundou outra revista, onde procurou suprir a lacuna existente
e, escreveu artigos, glosas, notas e sentenças e livros e ainda episódios
jurídicos da atualidade e que vem servindo para progredir a hercúlea tentativa
de demolir o edifício da ciência atual do direito e do processo e, construir
outro em seu lugar, segundo os ditames da teoria unitária do ordenamento
jurídico, não há direito sem o processo, da qual foi fervoroso defensor.
A
notícias histórica sobre a coisa julgada e terceiros vem na lavra de Ada
Pellegrini Grinover, tem-se que a coisa julgada não pode prejudicar a
terceiros, res inter alios iudiccata aliis non praeiudicare. Mas, em
razão de exigências práticas, na mesma época, firmou-se o entendimento que
levou a estender à coisa julgada a alguma categoria de terceiros, admitindo-se
que a sentença pronunciada entre os interessados principais também obrigasse os
que tinham interesse secundário. O caso mais célebre foi narrado por Alexandre Tartagno,
em seu comentário à Lei Saepe[14].
Posteriormente,
veio a obra de Savigny que tomou força o conceito de uma espécie de
representação dos interesses do terceiro por obra da parte, conceito que foi
posteriormente especificado por outros na figura da representação in
utilibus, para beneficiar e não prejudicar os terceiros.
Os
processualistas italianos posteriores seguiram a opinião de Chiovenda, com
algumas particularidades: Redenti acrescentou ao conceito de Chiovenda a
observação de que para os terceiros a coisa julgada tem caráter reflexo.
Segni
ampliou a categoria dos efeitos reflexos, abrangendo neles tanto os efeitos
secundários da sentença, quando dizem respeito a terceiros, quanto a extensão a
eles da autoridade do julgado, afirmando a identidade de uns e outra.
Betti
sistematizou os terceiros que são atingidos pela coisa julgada em categorias,
afirmando que os terceiros juridicamente interessados, que se encontram
subordinados à parte com relação à decisão judicial, se sujeitam necessariamente
à coisa julgada.
Carnelutti[15], o mais radical de todos,
os terceiros juridicamente interessados, indistintamente, qualquer que seja a
relação entre os terceiros e a relação jurídica das partes.
Liebman[16], na famosa teoria que
distinguiu entre a eficácia natural da sentença e a autoridade da coisa
julgada, sustentou que a eficácia natural era ato de potestade do Estado,
atinge a todos, mas que a autoridade da coisa julgada só alcança as partes. Os
terceiros juridicamente prejudicados poderão opor-se à autoridade da coisa
julgada.
A
teoria teve grande acolhida no Brasil e, veio ser consagrada no CPC de 1973 no
artigo 472[17].
A imperfeição salientada por Barbosa Moreira consiste na circunstância de que
os efeitos da sentença são reconhecidamente capazes de atingir a esfera
jurídica de terceiros. Mas, o que o CPC quis dizer é que a coisa julgada e não
a sentença fica restrita às partes da demanda, não beneficiando nem prejudicando
a terceiros, e, assim tem sido interpreta da norma positivada.
Ainda
sob a égide do CPC de 1973 cogitava-se sobre a relativização da coisa julgada,
remodelando o significado da noção de coisa julgada, assim entendida a
proibição que impede a modificação de uma decisão judicial que tenha por
conteúdo a resolução do mérito mediante a propositura de nova ação idêntica.
Assiste
às partes, na forma do artigo 5º, inciso XXXVI da CFRB/1988, um direito
fundamental à intangibilidade da coisa julgada material, de modo que vedado ao
legislador e ao intérprete desafiar os limites do comando judicial que
solucionou a questão objeto do pedido formulado pela parte nos casos em que a ordem
jurídica houver estabelecido que tal decisão não mais pode ser reformada.
A
relativização da coisa julgada corresponde, sob a ótica das partes, as decisões
acima mencionadas conferem direitos subjetivos cuja realização prática não raro
depende de formação de novo pleito de tutela jurisdicional. A solicitação de
medidas ulteriores com vistas ao cumprimento da sentença ou à instauração de um
processo destinado a tal escopo decorre justamente da sede da parte em obter,
como resultado, um proveito que vai além da segurança jurídica, e que adentra a
dimensão da satisfação do seu interesse mediante a implementação de alterações
situadas no plano dos fatos.
A
relativização da coisa julgada e efeitos da decisão proferida em sede de
controle de constitucionalidade. Cumpre observar o artigo 525, §12º do vigente
CPC e, de acordo com a lei, é considerada inexigível a obrigação reconhecida em
título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado
inconstitucional pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou
do ato normativo tido pelo STF como incompatível com a Constituição Federal
brasileira, em controle de constitucionalidade[18] concentrado ou difuso.
A
primeira marca a ser sublinhada refere-se ao fato que o legislador brasileiro
dispor no sentido de que a inexigibilidade de que se cogita é da obrigação reconhecida
no título executivo judicial e não do título executivo em si.
Diferentemente,
quem diz que a obrigação constante do título executivo[19] é inexigível está, antes,
impondo restrições ao credor de uma relação obrigacional, de modo que o comando
judicial em questão não poderia gerar qualquer tipo de transformação ou efeito
no plano do direito material.
Uma
consequência relevante dessa distinção pode ser vista em se considerando que,
nos termos do art. 525, § 14º, do CPC/2015, a decisão do STF capaz de tornar
inexigível a obrigação constante de um título executivo judicial deve ser
anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.
Esse
marco temporal é, no mínimo, problemático, já que enseja o surgimento de uma
quebra de isonomia e de segurança jurídica que não pode ser explicada apenas
com base nesse fator de discrímen.
Não há
sentido em diferenciar duas pessoas que, não obstante estejam em situações
análogas, acabam por ser submetidas a decisões judiciais distintas aplicáveis aos
casos concretos em questão, uma delas espelhando a orientação expressa do STF e
outra a contrariando de maneira frontal, tão somente pelo fato de a decisão do
STF ser posterior ao trânsito em julgado dos comandos proferidos nos casos
concretos. Essa diferenciação requer, pois, alguma justificação ulterior, que
não consta textualmente do texto legal ora analisado.
A
verdade é que a interpretação dos comandos em questão reclama atenção especial,
para além das dificuldades nascidas em função da linguagem truncada empregada pelo
legislador. Se o objetivo do sistema é o de fazer com que uma decisão proferida
pelo STF sirva como parâmetro para uniformização do entendimento dos demais
tribunais no enfrentamento de determinada questão, impõe-se, então, verificar a
partir de que data a referida decisão opera seus efeitos.
Sob
essa ótica, a verdade é que a existência ou não de trânsito em julgado da
decisão exequenda ao tempo em que proferida a decisão paradigma do STF deve ser
tomada como um fator irrelevante se os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade retroagem de modo a alcançar fatos anteriores ao citado
trânsito em julgado.
O
acerto dessa orientação resta confirmado em se considerando que, de acordo com
o constante do art. 525, § 13º, do CPC/2015, a modulação[20] dos efeitos da declaração
de inconstitucionalidade é vista pelo legislador como uma ferramenta
comprometida com a exigência de segurança jurídica. Impõe-se, no momento, um olhar mais detido
sobre essa dimensão do raciocínio ora construído.
O fato
de as partes submeterem-se ao longo do tempo a determinadas decisões faz com
que atos jurídicos sejam praticados à luz das orientações estampadas em tais
comandos, com a produção de efeitos em relação à esfera jurídica das partes e,
até mesmo, regulando o agir de terceiros[21].
A
superveniência de uma decisão que inove em relação ao quadro anterior impõe uma
quebra de continuidade que, por sua vez, traz consigo a necessidade de definição
a respeito da preservação ou não dos efeitos dos atos jurídicos praticados à
luz da orientação até então vigente.
É a
partir desse cenário que se faz possível compreender que o art. 525, § 13º, do
CPC/2015 permite que o STF possa modular os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade no tempo. Trata-se de providência destinada a fazer com
que a lei, ato normativo, interpretação ou aplicação de norma jurídica, objeto
de análise, sejam considerados incompatíveis com o texto constitucional apenas
a partir de certa data, a fim de que os efeitos dos atos jurídicos praticados
até então sejam devidamente preservados, de modo que a inovação trazida pela
orientação do STF não venha a impor ruptura capaz de gerar prejuízos
indesejados do ponto de vista da necessária continuidade no convívio social.[22]
Ao que se denominou como relativização[23] da coisa julgada no presente texto, as novidades introduzidas pelo legislador não podem ser consideradas simples alterações cosméticas de redação. Inúmeros desafios acabam por se apresentar ao intérprete que, buscando fazer com que o sistema processual possa lhe oferecer tudo o que lhe é devido, acabará por explorar as inúmeras possibilidades que surgem a partir das escolhas linguísticas feitas pelo legislador pátrio.
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TARELLO,
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1976.
Notas:
[1]
Para os romanos, os conceitos de ius e actio eram inseparáveis,
uma vez que só se pode ter um ius enquanto se tem um actio e só existe actio
quando há um ius. A evolução do direito romano não se caracteriza pela
atribuição de direitos subjetivos, mas pela concessão de actiones. Os juristas
e o pretor não determinavam as hipóteses em que um direito existia, mas os
casos em que havia actiones; sobretudo a atividade do pretor, que não
podia criar direitos nem impor obrigações, limitou-se a engendrar meios
processuais novos ou mais completos dos quais surgem muitos institutos. Aliás,
essa relação entre ius e actio era tão estreita no direito romano que o direito
romano, posterior à lei Aebutia, se apresentava, de forma diferente dos
direitos modernos, não como um sistema de direitos subjetivos, mas pela concessão
de actiones.
[2]
Friedrich Carl von Savigny (1779-1861) foi um dos mais respeitados e influentes
juristas alemães do século XIX. Foi o maior nome da Escola Histórica do
Direito, seu pensamento teve grande influência no direito alemão, bem como no
direito dos países de tradição romano-germânica, especialmente no direito
civil. Foi o responsável pela criação e pelo desenvolvimento do conceito de
relação jurídico e de diversos conceitos relacionados, como o fato jurídico,
tendo seu método histórico influenciado, entre outros movimentos, a
jurisprudência dos conceitos. Na política alemã, Savigny foi Ministro da
Justiça entre 28 de fevereiro de 1842 e 30 de março de 1848, tendo renunciado
devido à revolução.
[3]
Importante diferenciar os conceitos de processo e procedimento para o estudo
mais aprofundado da teoria geral do processo. O processo é entendido como
entidade complexa, com mais de um elemento. A composição do processo se dá com
a relação jurídica processual + procedimento. Presentes os dois elementos,
aplicam-se os princípios processuais para que se configure o Processo.
Portanto, trata-se de uma relação jurídica de direito público, composta por
autor, juiz e réu, que tem como objetivo solucionar um conflito e que se
desenvolve a partir de uma sequência ordenada de atos. A relação jurídica
processual é a ligação tríplice que surge quando o sujeito provoca o judiciário
em face de terceiro, supostamente violador de direitos. Já o procedimento é a
simples sequência de atos, a ordem na qual as coisas devem ser feitas.
[4] Muther, combatendo algumas ideias de Windsheid, distinguiu nitidamente direito lesado e ação. Da ação surgiriam dois direitos, ambos de natureza pública: o direito do ofendido à tutela jurídica do Estado e o direito do Estado à eliminação da lesão, contra aquele que a praticou. Por sua vez, Windsheid conclui que a pretensão é o equivalente moderno da actio, delineando-a como uma situação jurídica substancial, distinta tanto do direito de se queixar quanto do próprio direito subjetivo, do qual é uma emanação que funda a possibilidade de o autor exigir a realização judicial do seu direito. Destarte, surgiu no conceito quase unânime da doutrina europeia a concepção de autonomia do direito de ação.
[5]
Theodor Muther (1826-1878) foi jurista e historiador alemão. Em 1852, tornou-se advogado do tribunal.
Porém, no mesmo ano, mudou-se para Berlim para aprofundar suas pesquisas e seu
trabalho acadêmico. Foi muito influenciado em suas obras acadêmicas, principalmente
naquelas sobre direito romano, por F.L. Keller. Também foi profundamente
influenciado por F.J. Stahl, à quem
visitava frequentemente em sua casa e tinha parentesco em comum com a mulher
dele. Em Halle, Muther completou sua habilitação em direito romano e processo
civil.
[6] Contrapondo Windsheid, Muther argumentou que a ordenação romana era de direitos, dizendo que aquele que pedia a fórmula ao pretor também devia ter direito subjetivo, o qual seria o próprio fundamento do direito à fórmula. Muther afirma, ainda, que o direito à concessão da fórmula nasce de um direito originário, e que, enquanto o obrigado perante o direito originário é o particular, o obrigado diante do direito à fórmula somente pode ser o pretor ou o Estado. Assim, desde o direito romano se podia conceber que ligado a um direito originário, havia um direito contra o Estado, de modo que também no direito moderno, existiria um direito de agir autônomo em relação ao direito originário, ainda que a ele vinculado. Então, para Muther, o direito de agir, embora não se confundindo com o direito material, tem ele como pressuposto.
[7]
Segundo a teoria abstrata, o direito de ação seria, simplesmente, o direito de
provocar a atuação do Estado-juiz. Em outros termos, para essa teoria, a ação é
o direito de se obter um provimento jurisdicional, qualquer que seja o seu
teor. O direito de ação seria um direito inerente à personalidade, sendo certo
que todos seriam titulares do mesmo, o que significa dizer que todos teriam o
direito de provocar a atuação do Estado-juiz, a fim de que se exerça a função
jurisdicional.
[8]
Os ônus e deveres processuais são categorias de situações jurídicas
processuais. E, a seu turno, as situações jurídicas consistem em eficácias das
normas. Logo, os ônus e deveres são eficácias de normas jurídicas, ao lado de
várias outras. A moderna distinção entre ônus e dever é resultante da evolução
da ciência dogmática ao longo de algumas décadas. No pensamento científico
moderno, a permissão da distinção foi concebida por Giovanni Brunetti, em sua
obra intitulada Norme, Regole Finale nel Diritto de 1913. Resumidamente, o
doutrinador deu a seguinte classificação: de um lado, as regras finais que se
fundam nos deveres livres ou finais, doutro lado, as regras imperativas, que se
fundam nos deveres absolutos. A regra imperativa traz um comando, traduzido em
dever absoluto. Já a regra final exprime
um dever final também chamado de dever livre. Basicamente entre três obras
expõem a ideia de Carnelutti sobre ônus e deveres: Sistema Del Diritto
Processuale Civile (1936), Teoria Generale del Diritto (1940), Instituzioni
del Nuovo processo Civile Italiano (1941). O ônus consiste na subordinação
do interesse do sujeito ao interesse próprio. Quando há um ônus, o agente
sacrifica um interesse próprio em benefício de outro interesse também próprio,
daí por que ele tem margem de escolha para agir ou não. Inexiste
obrigatoriedade de conduta, é uma conduta do sujeito agir ou não, sabendo que
se agir, poderá obter uma situação de vantagem.
[9]
BÜLLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e Dos Pressupostos Processuais. São
Paulo: LZN, 2003. O presente estudo de ´Oskar Von Büllow´ serviu para alavancar
o posicionamento do direito processual civil afastando-o dos domínios do
direito material. Partindo da relação jurídica com enfoque nos pressupostos
processuais e as exceções o autor sistematiza toda a matéria e ao mesmo tempo
teoriza em torno dela. Há inúmeras incursões ao direito romano e isso se
explica pelo forte vínculo entre as correntes emergentes daquela época e o
direito comungado pelos romanos. A teoria basicamente trata sobre a relação
jurídica processual ocorrente entre as partes e o juiz. Esta ideia já foi
discutida por vários outros doutrinadores, porém o mérito a Büllow se dá pela
“sistematização da relação processual e não propriamente da existência da
relação processual.
[10] Em síntese, o direito de ação seria o direito à composição do litígio pelo Estado, que, por isso, não depende da efetiva existência do direito material da parte que provoca a atuação do Poder Judiciário. Mesmo quando a sentença nega a procedência do pedido do autor, não deixa de ter havido ação e composição da lide. É, assim, suficiente, para o manejo do direito público de ação, que o autor invoque um interesse abstratamente protegido pela ordem jurídica.
[11]Salvatore
Satta e "Il Mistero del processo" conferência ministrada na
Universidade de Catania na Itália e, 4 de abri de 1949, Tradução da língua
italiano por Arno Dal Ri Júnior e Lucas Carlos Lima. Foi Professor catedrático
de Direito Processual Civil nas Universidades La Sapienza de Roma (1971-1975);
o Manual Diritto Civile, de 1948, pro longo tempo foi a obra adotada nas mais
importantes universidades italianas, atualmente em sua XIII edição.
Instituzioni di diritto fallimentare, também de 1948, e o manual de Diritto
fallimentare, 1974.
[12]
Foi a obra de Lodovico Mortara que iluminou e evidenciou a insuficiência dos
métodos então existentes, colocando em descrédito as ideias, definições e
figuras que até então eram adotadas. Com efeito, Calamandrei, em substancial
estudo histórico, lembra que a passagem do método exegético para o
histórico-dogmático foi marcada pelos Comentários de Mortara, no qual,
especialmente, no primeiro volume, restou o enunciado da unidade da jurisdição
e da natureza pública do processo. Apesar de a obra de Mortara já anunciar a nova
postura, deve-se a Chiovenda a afirmação da escola histórico-dogmática que em
seu nome pretendia significar uma tendência sistematizante.
[13]
José Frederico Marques teve sua carreira é reconhecida por diversos prêmios em
1979, recebeu a medalha Teixeira de Freitas pelo instituto dos Advogados
Brasileiros (IAB). Em 1983, em homenagem aos seus setenta anos, foi publicado o
livro "Estudos de Direito em
homenagem a José Frederico Marques, promovido
pela OAB na Seção de são Paulo. A grandeza da obra de Frederico Marques
para o direito brasileiro é inegável. Sua atuação como magistrado no Estado de
São Paulo, bem como sua carreira acadêmica são notáveis. Mas é o número de seus
escritos que se destacam. Podem ser citados, dentre outros: “Da competência
penal” (1953), “Curso de direito penal”
(3 vols., 1956), “Ensaio sobre a jurisdição
voluntária” (1959), “Tratado de direito penal” (4 vols., 1961),
“Instituições de direito processual
civil” (5 vols., 1958), “Estudos de direito processual penal” (1960), “Instituições de direito
processual penal” (4 vols., 1961) e
“Tratado de direito processual penal” (2 vols. 1980). Sua escrita era
fácil e de grande qualidade, características típicas dos grandes juristas.
[14]
Tartagno, em seu comentário à Lei Saepe. Mais tarde, por obra de Savigny, tomou
força o conceito de uma espécie de
representação dos interesses do terceiro por obra da parte; conceito que foi
posteriormente especificado por outros
na figura da representação in utilibus, para beneficiar e não prejudicar os
terceiros. Nos albores do direito
processual científico, Wach sustentou que ‘quando a sentença tenha sido
prolatada entre os legítimos contraditores, a coisa julgada entre as partes
opera, enquanto tal, em relação a todos’. Na Itália, foi sobretudo Chiovenda
quem recolheu e desenvolveu a lição de Wach, afirmando: ‘Todos somos obrigados
a reconhecer o julgado entre as partes; não podemos, porém, ser por ela
prejudicados’. E acrescentou que não se pode, contudo, afirmar esse prejuízo,
quando ele for simplesmente de fato. Os processualistas italianos posteriores
acompanharam o caminho aberto por Chiovenda, com algumas peculiaridades:
Redenti acrescentou ao conceito de Chiovenda a observação de que para os
terceiros a coisa julgada tem caráter reflexo. Segni ampliou a categoria dos
efeitos reflexos, abrangendo neles tanto os efeitos secundários da sentença,
quando dizem respeito a terceiros, quanto a extensão a eles da autoridade do
julgado, afirmando a identidade de uns e outra.
[15]
Francesco Carnelutti (1879-1965) foi um dos mais eminentes advogados e juristas
italianos e grande inspirador do Código Civil Italiano. Os seus estudos
abrangeram variadas áreas do saber jurídico. Em 1975, foi fundada em Udine a Fundação Forense Francesco
Carnelutti, constituída pelos Conselhos das Ordens de Udine, Trieste, Gorizia e Tolmezzo, com o objetivo de apoiar o
crescimento da cultura forense e judicial e de fornecer aos advogados um serviço de actualização nas
várias áreas forenses e da atividade jurídica. Frases célebres: “A lei é igual
para todos. Também a chuva molha todos, mas quem tem guarda-chuva abriga-se.” “Quanto
mais notário, menos juiz.” “Lide é o conflito de interesses qualificado por uma
pretensão resistida." "As pessoas não sabem, tampouco os juristas,
que aquilo que se pede ao advogado, é a dádiva da amizade, antes de qualquer
outra coisa." "O advogado é o primeiro juiz da causa.". "As
pessoas creem que o processo penal termina com a condenação, o que não é
verdade. As pessoas pensam que a pena termina com a saída do cárcere, o que
tampouco é verdade. As pessoas pensam que prisão perpétua é a única pena que se
estende por toda a vida: eis uma outra ilusão. Senão sempre, nove em cada dez vezes a pena
jamais termina. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, os homens não".
"Conciliação é a sentença dada pelas partes, e a
sentença é a conciliação imposta pelo juiz"
[16]
Liebman deu-se conta da dificuldade que surge quando a relação jurídica
atingida pela coisa julgada e a do terceiro são incindíveis, em face da
situação jurídica que se apresenta como indivisível, devendo ser única para
todos. Um exemplo jurídico típico dessa figura aponta-se a impugnação de
deliberação de sociedade anônima por parte de um sócio, e que não poderia ser
mantida ou anulada senão perante todos. Liebman sustentou, para esse caso, que,
rejeitada a ação que objetiva a anulação, a sentença tem como conteúdo
simplesmente a declaração da improcedência, a sentença tem como conteúdo
simplesmente a declaração de improcedência da ação, ficando aberta aos demais
sócios a via processual para impugnar a mesma deliberação. Mas, diante do
exercício vitorioso da demanda por parte de um sócio atingiria o escopo comum a
todos eles, razão pela qual haveria falta de interesse de agir ou interesse
processual para o exercício de outras ações.
[17]
Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de
pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário,
todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.
[18]
Em suma, no sistema jurídico brasileiro tem-se desenvolvido técnicas de
interpretação constitucional que permitem a suspensão dos efeitos da lei em caráter
excepcional, até que a decisão definitiva seja prolatada, além de possibilitar
que o STF module os efeitos de suas decisões, por meio de técnicas de
declarações parciais ou totais de
constitucionalidade ou inconstitucionalidade, efeitos ex tunc, ex
nunc, pro futuro e interpretação
conforme a constituição.
[19]
É o documento que se apresenta perante um juiz para se requerer a execução de
uma dívida ou obrigação a que se comprometeu o devedor. O título comprova a
existência daquela dívida. São requisitos obrigatórios de todo título executivo
a liquidez, certeza e exigibilidade. Há duas espécies de título executivo, o
judicial e o extrajudicial. O título executivo judicial é formado mediante
atuação jurisdicional, enquanto o título executivo extrajudicial é formado por
ato de vontade das partes envolvidas na relação jurídica de direito material
(ou somente de uma delas). Nota-se, contudo, que a lei considera a sentença
arbitral como título executivo judicial, mesmo que não produzido perante o
Poder Judiciário. Além do mais, há diferentes formas de executá-los:
cumprimento de sentença do título executivo judicial e processo autônomo de
execução de título executivo extrajudicial.
[20] Modulação dos efeitos significa a possibilidade de se restringir a eficácia temporal das decisões do Supremo em controle difuso ou concentrado de constitucionalidade nas ações que ali cheguem, de modo a terem efeitos exclusivamente para o futuro (prospectivos). O que é modulação dos efeitos no controle de constitucionalidade? A modulação dos efeitos temporais é mecanismo que permite ao tribunal restringir a eficácia da sua decisão de inconstitucionalidade, a qual será eficaz a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento fixado. Modulação de efeitos em ADI deve fluir a partir da data do julgamento, diz TJ-SP. A modulação deve fluir a partir do julgamento, e não da data da publicação da ata, do acórdão, ou ainda do trânsito em julgado. A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade se abona em razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, dependendo de maioria de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal.
[21]
A possibilidade jurídica de mitigação de garantias constitucionais ou, o entendimento de que inexiste garantia
constitucional absoluta, é plenamente aceitável pelo nosso ordenamento
jurídico, e podem ser usadas facilmente como
exemplo, as hipóteses que se seguem: liminares inauditas altera pars, em
desfavor do contraditório; os prazos
privilegiados da Fazenda Pública, ante ao à garantia de isonomia; a decisão arbitral com força de
coisa julgada material, frente a garantia
constitucional da inafastabilidade e outras mais.
[22]
O CPC de 2015 também trouxe polêmica, uma dessas é que a partir de sua
vigência, passa a ser dever do advogado intimar as testemunhas e ainda as
conduzir para a prestação de depoimento diante do juiz. Ganha-se em agilidade,
por outro lado, questionam-se quais devem ser as providências cabíveis aa serem
tomadas quando a testemunha se nega a comparecer em audiência, vez que o
advogado não possui o poder para condução coercitiva da testemunha. A fixação
de honorários em demandas contra a Fazenda Pública é tema gerador de
discordâncias mas doravante o CPC vigente dispõe que tais honorários devem ser
fixados até o percentual de vinte por cento de forma proporcional ao valor da
condenação. O fim dos embargos infringentes que era recurso previsto e que
provocava o reexame de matéria quando houvesse divergência entre os
desembargadores do julgamento do recurso. Permitia-se, portanto, a reanálise da
matéria sobre questões jurídicas em que não havia unanimidade de julgamento, o
que sempre fora visto como salutar para todas as partes. Quanto a penhora de
bens prevê o artigo 852 a alienação antecipada de bens, dentre outras
hipóteses, quando houver manifesta vantagem. E, há a possibilidade de
efetivação da constrição de bens e valores das partes executadas, sem a sua prévia
ciência. Isso fornece grande efetividade de uma execução, por outro lado, reduz
a segurança jurídica e ainda eleva os riscos de bloqueios judiciais indevidos
sobre bens e valores.
[23] Eventualmente, entre uma garantia constitucional e outra, poderá existir conflitos, o que faz nascer à teoria da proporcionalidade, que é uma forma de superar eventual antinomia jurídica. E, diante das tensões entre garantias constitucionais deverá se considerar em sua aplicação o custo-benefício entre elas, não apenas para as partes, mas, também para o ordenamento jurídico como um todo. Deve-se evitar resultados desproporcionais e injustos lastreados em valores conflitantes, isto é, a aplicação intransigente de certa garantia deverá ceder em face de outro direito fundamental de maior valor. A proporcionalidade faz com que o cidadão tenha o direito a menor desvantagem que possível, mediante o juízo de ponderação, meios e fins são equacionados com o fito de se avaliar se o meio usado é ou não desproporcional em relação ao fim.