Algumas linhas sobre a teoria dos princípios. Entre jus & lex
De fato, é a lei que institui a ordem, em que se funda a regulamentação, evolutivamente estabelecida, para manter o equilíbrio entre as relações do homem na sociedade, no tocante a seus direitos e a seus deveres. Já a palavra "Direito" provém do latim directum, do verbo dirigere (dirigir, ordenar, endireitar), sendo o conjunto de preceitos, regras e leis com as respectivas sanções que serão adotadas para a sociedade solucionar os conflitos. Ressalta-se a importância dos princípios que edificam a ponte semântica entre a lei e o Direito.
Segundo
Paulo Bonavides, a evolução da juridicidade dos princípios divide-se em três
fases, a saber: a jusnaturalista, a juspositivista e a pós-positivista[1].
Na
primeira fase, os princípios possuem conteúdos abstratos e sua normatividade
era nula e duvidosa, contrastava com o reconhecimento de sua dimensão
ético-valorativa eu inspira os postulados de justiça.
Na
segunda fase, os princípios constituem uma fonte secundária ou subsidiária às
grandes codificações, ou numa válvula de segurança que garante o reinado
absoluto da Lei.
Nesse
sentido, é a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) o artigo 4º “Quando a lei
for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito”.
Na
fase pós-positivista, os princípios fundamentais adquirem eficácia jurídica e
se transformam em elementos hegemônicos sob os quais todo o sistema
político-constitucional se alicerça, de acordo com o modelo do Estado
Constitucional[2],
caracterizado como Estado Democrático de Direito.
Nessa
fase, os princípios deixam de ser confundidos com simples considerações de
equidade ou meras regras consuetudinárias e passam a ter valor de direito
positivo. E, sua autoridade e sua função não se reportam a uma fonte escrita,
existem independentes de forma e, o juiz declara e, é obrigado a garantir-lhe o
respeito.
Já na
terceira fase, a pós-positivista, tem-se prevalente entendimento de que os
princípios trazem consigo uma normatividade própria.
Depois
do advento da Constituição Federal brasileira de 1988, constatou-se a sua
máxima relevância como o mais importante elemento normativo de coerência geral
do sistema jurídico e funcionam como eficazes critérios de interpretação e
integração de todo ordenamento jurídico.
No fundo,
os princípios são normas supremas de um sistema jurídico, como a natureza
normogenética, o caráter de fundamentalidade, generalidade e plasticidade. E,
com essas características, possuem grande importância para a motivação judicial
para a justificação do direito como o todo. Os princípios incorporam os
principais valores que guiam todo ordenamento jurídico.
Com a
doutrina, a normatividade dos princípios é plenamente consagrada. É necessária
a distinção entre as regras e princípios[3] como espécies distintas de
norma. Sua distinção não mais se contrapõe e, sim, se complementam.
É
culminada pela contribuição de Dworkin[4] ao prescrever que as
regras são aplicadas de forma peremptória, num jogo de tudo ou nada (all or
nothing), sob a significação de que a hipótese de incidência de uma rega é
preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou
se ela não é considerada válida, e por conseguinte, não gera quaisquer
consequências normativas.
Para
as regras jurídicas sejam válidas, cogita-se em subsunção, ou seja, a adequação
completa entre o dispositivo e a situação fática prevista na regra.
Já, os
princípios não exigem esse cumprimento pleno, podem ser cumpridos ou não, sem
que afete sua validade.
Assim,
no caso de colisão entre regras uma delas deve ser considerada inválida e o
conflito se resolve por meio de critérios tradicionais de solução de
antinomias, pelo critério hierárquico, cronológico e de especialidade.
Os
princípios, ao contrário, não determinam vinculativamente a decisão, mas contêm
elementos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de
outros princípios numa dimensão de peso ou importância e o conflito de
princípios é resolvido pela ponderação.
A
linha traçada pro Dworkin exsurge da perspectiva exposta por Robert Alexy[5], na qual se releva a
compreensão da estrutura das normas jurídicas, agora conceitualmente elevadas à
categoria de gênero que tem como espécies as normas-princípios e as
normas-regras, ambas compondo o ordenamento jurídico a fim de lhe garantir a
unidade e coerência sistemática decorrente da teoria dos princípios da
argumentação jurídica[6].
Para
Alexy, o conceito de princípio é mais amplo, tem caráter de mandado de
otimização, o que implica que deve ser aplicados na medida possível e que, em
caso de lesão a direito fundamental, o princípio da proporcionalidade deve ter
papel central e, com isso, a ponderação.
Na
teoria de Alexy, os bens coletivos[7] também podem ser objeto de
regulação de princípios[8]. Por outro viés, na visão
de Dworkin, os direitos são visualizados com trunfos (trumps) e somente
os direitos individuais podem ser objeto de regulação de princípios, também há
diferenças na determinação das relações entre igualdade e liberdade.
Alexy
considera que a liberdade e igualdade como princípios[9] da mesma classe que podem
entrar em colisão, mas tal possibilidade foi excluída pela teoria de Dworkin
que considera a igualdade (equal concern) com a virtude suprema da comunidade
política.
Willis
Santiago Guerra Filho afirma que Dworkin considera princípios como proposições
que descrevem direitos, pelo que se diferenciam de outras, são importantes
standard argumentativo aquele que invoca as políticas públicas que descrevem
objetivos.
Tal
distinção, se afirma superada pela concepção corrente na doutrina alemã dos
direitos fundamentais dotados de dupla dimensionalidade, a subjetiva
individual, a que tradicionalmente a eles vem associada, e uma outra objetiva
que expressa valores almejados por toda comunidade política.
A
distinção de princípios e regras é feita por Alexy, através de diversos
critérios. Os princípios são normas dotadas de grau de generalidade
relativamente alto, enquanto as regras possuem baixo grau de generalidade[10].
Os
princípios são tidos como mandado prima facie, pois ordenam que algo
deve ser realizado na maior medida possível, tendo-se em vista as
possibilidades jurídicas e fáticas do caso concreto. Isto implica que, em casos
de conflito e colisão, resolve-se pela ponderação[11].
Para
Dworkin, a distinção[12] entre princípios e regras
pode ser feita por critérios lógicos e formais. Os princípios possuem uma
dimensão e peso ou importância que implica no processo argumentativo que
resulta em juízos ponderados relacionados com a tradição institucional ao
sistema normativo e aos valores morais institucionais de uma comunidade.
As
regras, ao contrário, não possuem essa dimensão e obedecem a uma apreciação
mecânica, à maneira do tudo ou nada, sem admitir ponderações e valorações estranhas
ao seu conteúdo, devendo ser complementadas e enumeradas no enunciado todas as
exceções cabíveis.
Outros
critérios também são utilizados para distinção entre os princípios e as regras[13]: a) o grau de
determinabilidade dos casos de aplicação nas situações enquanto os princípios,
caracterizadoras do juiz ou do legislador, como fundamentos jurídicos para as
decisões; b) o caráter de fundamentalidade do sistema; princípios e regras se
distinguem por exercerem aqueles um papel fundamental no ordenamento jurídico
devido à sua posição hierárquica no sistema, ou à sua posição estruturante, por
serem dedutíveis objetivamente do princípio do Estado do Direito da ideia de
Direito ou do princípio da justiça; c) natureza normogenética os princípios são
normas que estão na base ou constituem a ratio das regras jurídicas.
Segundo
Canaris[14], os princípios têm quatro
características básicas, que são: a) não valem sem exceção e podem entrar entre
si em oposição ou em contradição; b) não têm a pretensão de exclusividade; c)
ostentam seu sentido próprio apenas uma combinação de complementação por meio
de subprincípios e valores singulares, com o conteúdo material próprio.
Quanto
à função, os princípios têm utilidade tanto argumentativa, quanto de normas de
conduta. Na função argumentativa, eles permitem, por exemplo, denotar a ratio
legis de uma disposição.
Como
normas de conduta, permitem revelar normas qu3e não estão expressas por
qualquer enunciado legislativo, sendo úteis, nesses casos, aos juízes que
deverão proteger e proceder à integração e à complementação do direito.
Em
razão a sua generalidade, os princípios funcionam ainda, como elementos de
ponderação[15]
valorativa e de unidade inferior do direito. Possuem ainda, caráter de
plasticidade que permitem ao intérprete judicial adequar o sistema jurídico às
normas situações e transformações da sociedade com a manutenção nominal da
integridade do sistema constitucional, sem a imediata e constante necessidade
de edição de novas regras ou de modificação das já existentes para
regulamentação dos avanços sociais.[16]
Enfim,
para Alexy, os princípios podem ser equiparados aos valores: uma concepção de
valores ou axiológica, seguindo o doutrinador, traz uma referência não ao nível
de dever ser deontológico, mas ao nível do que pode ou não ser considerado como
bem.
Os
valores têm como caraterísticas a possibilidade de qualificação, isto é,
permitem que um determinado juízo possa ser classificado, comparado ou medido.
É de
observar que apesar dos princípios se equipararem aos valores, eles não são
valores, porquanto apontem para o que se considera devido o passo que os
valores indicam o que é de melhor ou de mais vantajoso.
Possuem
os princípios ainda, um aspecto que coloca, simultaneamente, no universo do
direito e da moral. Assim, os princípios jurídicos básicos do
constitucionalismo alemão, por exemplo, a dignidade humana, liberdade,
igualdade, Estado de Direito, democracia e o Estado Social, também possuem
dimensão de moralidade.
No que
tange à sistematização das normas constitucionais, Alexy expõe três modelos
possíveis, a saber: a) modelo puro de princípios; b) modelo puro de regras; c)
modelo de regras e de princípios.
No
modelo puro de princípios, as normas de direito fundamental são exclusivamente
princípios. Nesse modelo, evidenciam-se óbvias objeções e a principal delas é
que a indeterminação e a completa inexistência de regras precisas e de
restrições constitucionais explícitas acarretariam uma enorme insegurança
jurídica.
No
modelo puro de regras em que todas as normas de direito fundamental são as
regras, com a consequente renúncia à ponderação[17], esse modelo, apesar de
grande segurança jurídica, é falho pela impossibilidade prática e teórica de se
proceder pleno e exaustivo disciplinamento das situações da vida e pela
existência de muitas lacunas e de situações antinômicas não solucionáveis pelas
velhas regras da hermenêutica jurídica.
O
modelo de regras e princípios é de forma mista na qual se combinam os dois
modelos. A norma de direito fundamental é um dado de caráter duplo, tanto podem
ser regras como princípios. Trata-se de forma mais racional de integração das
regras e princípios no sistema jurídico.
É a
forma racional de integração das regras, quanto como princípios possibilitando
o funcionamento mais racional as normas jurídicas.
Nesse
modelo misto de regras e princípios, a atuação dos princípios como mandamentos
prima facie, possibilita uma crescente importância na análise de formas pelas
quais as decisões judiciais são justificadas em nome do direito. O que permite
maior amplitude e aplicação máxima de Alexy que os conflitos de regras que se
resolvem na dimensão de validade e a colisão de princípios na dimensão de
valor.
Toda a
filosofia do Direito construiu uma contínua busca de parâmetros estáveis e
duradouros, mas, encontra dramáticos obstáculos que aparentemente
intransponíveis no interior do ordenamento jurídico.
Enfim,
o processo normativo contemporâneo permanece em estado de vulnerável,
principalmente, por conta a transição da modernidade para quadro de
perplexidade que envolve o Estado de Direito contemporâneo. Gradativamente,
como uma resposta à essas contradições, surgiu nova dinâmica caracterizada pelo
avultamento da era dos princípios.
De
fato, Leon Trotsky tinha razão, quando certa vez afirmou que "Todo Estado
se mantém pela violência".
O
pensador da revolução russa de 1917, verificou que ao longo da história da
humanidade sempre se buscou fundamentos filosóficos que fossem capazes de
validar e justificar toda a violência institucionalizada.
Infelizmente,
o pressuposto básico da ciência jurídica não é a conciliação e o entendimento,
nem mesmo o diálogo, mas, sim a força e a sujeição que são legitimadas
plenamente pelas regras jurídicas e chanceladas pela coerção e, por vezes, pela
sanção, mediante a violação dos preceitos jurídicos.
A luta
pelo direito e do direito que fora timbrado pelo humanismo, valorizando a
prevalência dos princípios em relação às regras. Enfim, segundo Kelsen, o
Direito é prescrição e resume-se, exclusivamente, à norma em sua dimensão
coercitiva.
Assim,
uma vez prescrita a norma jurídica, dirigida ao seu destinatário, a quem
competiria somente cumpri-la. E, para garantir seu cumprimento, paira sobre o
mundo o Direito todo um aparato de instrumentos de força, com poderes suficientes
para anular a vontade do indivíduo, em razão de um pacto social que o autoriza.
Diante
da grande discussão sobre a liberdade da pessoa, Hobbes, de pronto, aponta o
problema da sujeição. E, para o filósofo, ser livre é ser sujeito à lei, e não a
outro indivíduo.
É
relevante a célebre definição dada por Von Ihering, segundo a qual "(...)
ninguém existe para si só, nem tampouco por si só: cada um existe para os
outros e pelos outros, intencionalmente ou não, pois assim como o corpo reflete
o calor que recebeu de fora, também o homem espalha em torno de si o fluido
intelectual ou moral que aspirou na atmosfera da civilização da
sociedade".
Enfim,
a relação humana não se submete à ascendência do outro, nem se deixa
contingenciar pela irrevogabilidade do elemento definitivo. Duradouro sim,
porém, jamais eterno. Pois é o signo da temporariedade que fez com que homem construísse
o próprio conceito de perenidade de valores que o servem e que transcendem o
espaço.
É a dinâmica jurídica. De início, temos a norma
fundamental. Esta é diferente de todas das demais, por ser uma norma básica,
não positiva, simples ponto de partida para a sustentação lógica das demais
normas. É simples hipótese de ordem gnoseológica. A norma fundamental só diz
que o primeiro legislador age com legitimidade e juridicidade. É apenas, uma
norma pensada, hipoteticamente. Não tem existência objetiva.
Para
que os mandamentos legais possam ser considerados obrigatórios é indispensável
supor a existência de uma norma fundamental, que admita a legitimidade do poder
e o dever de obediência da comunidade. A ordem coativa da conduta humana, como
sistema de normas obrigatórias, promana do referido axioma da teoria formal do
Direito.
À
norma fundamental seguem-se as normas constitucionais. Ocupam estas o segundo
plano. Dizem respeito à organização do Estado, bem como as competências dos
poderes legitimamente constituídos e suas relações com os membros da
comunidade. A estes últimos são atribuídos direitos e garantias individuais.
Em
terceiro lugar, surgem as normas ordinárias, isto é, todas as leis que preveem sociais
básicas. Dizem respeito ao equacionamento dos poderes e deveres dos membros da
comunidade, referentes às diversas situações de vida. (...) Ao lado destas normas
ordinárias devem ser colocadas as normas costumeiras. O costume, embora fonte subsidiária,
opera na falta da lei, pertencendo, ambos, ao ordenamento jurídico.
Decorrem
de um sistema de delegações (complementação autorizada), sendo sua elaboração
consequência da atribuição concedida, pelas normas superiores, aos agentes públicos
(juízes e órgãos da administração) e membros da comunidade para a disciplina de
determinadas relações jurídicas específicas. Assim sendo, as normas
individualizadas são imperativos autorizantes específicos. Através delas se
opera a passagem do plano abstrato ao concreto com as implicações que a simples
dedução deste último com relação ao primeiro pode operar.
De
fato, para compreender o fenômeno jurídico é preciso dominar a violência
estatal, mantendo-a sob vigilância rigorosa e atenta legalidade.
Sem o
elemento coercitivo, não há como fazer valer a norma. E, tal comprovação,
porém, não altera em nada a composição essencial desse instrumento, responsável
pela heteronomia do mandamento jurídico. A supressão da vontade, uma vez
declarada, revela-se com as mesmas características da violência que desconhece
e tripudia da alteridade do ser-em-si. Hegel já ensinava que a superação desse
impasse tem de ocorrer no plano do ser-para-o-outro.
Sobretudo,
é o Direito essa noção de temporariedade ilimitada. Pois a única coisa que
jamais se revoga é o tempo e sua fatalidade. E, nesse estado de constantes e
inevitáveis mutações, passamos a examinar amiúde o ser-para-o-novo.
Enfim,
o homem é singular e a própria realização humana onde participa com o status de
criador. E, a capacidade universal dos direitos de personalidade em adquirir
gerar direitos, e cumprir deveres.
Posto
que seja um pressuposto inalienável do exercício de toda e qualquer faculdade
ungida por virtudes jurídicas. Assim, sem tal revestimento primário, toda e
qualquer manifestação, neste sentido, será tomada em sua expressão meramente
ornamental.
O conceito
de direito natural traz o dilema essencial existente entre direitos e deveres confrontados
ao sabor das intercorrências advindas da vida normatizada.
Tal
vida se revela tanto na necessidade de governo, mediante a proteção de direitos
naturais do homem, quanto pela sua justificação, através da transferência
contratual à autoridade civil do direito natural de punir.
O
equilíbrio entre os dois extremos, o conceito do alterum non laedere e, de
outro lado, o jus puniendi concentrado no monopólio estatal que responde
por toda unidade do ordenamento jurídico cultivado no Ocidente.
Em
nosso texto constitucional vigente, mais precisamente, no artigo 5, inciso V,
tem-se que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, por dano
material, moral ou à imagem.
O dano
tido como categoria ontológica, no entanto, não ocupa o mesmo espaço na ordem
jurídica.
E,
esta, em seu pragmatismo positivista enxerga o bem imediato, bem como o seu
valor conversível à cotação do prestador jurisdicional. É difícil ao julgador
cotar e mensurar o efeito danoso sobre a reserva dos direitos conferidos ao
cidadão, calcule-se o dilema de quem aprecia a lesão moral que se agrega ao
patrimônio jurídico.
Aliás,
o maior pecado o juspositivismo ortodoxo ou xiita é ignorar a aura de
princípios e valores, que contemporaneamente
voltam
a reacender o científico interesse dos filósofos e juristas.
Boa
parte da questão civilizatória prende-se à valorização da Política e do
Direito. E, ainda depende de todo o processo da relação de equilíbrio entre a
capacidade disciplinar toda essa trama de ações e reações movida pelo
pensamento pela dinâmica social.
Foram
os gregos quem mais devotaram à causa da ideação desses valores e formularam as
bases filosóficas que nos levam até Heródoto, Tucídides, Platão e Aristóteles.
Por
outro viés, os romanos fundamentalistas do Direito e amantes das legalidades
privativas da ordem jurídica mais ampla que se conheceu no ocidente, em
verdade, não se preocupavam com o revestimento teórico ou doutrinário que esses
institutos teriam a oferecer.
O
pragmatismo da relação jurídica trouxe como era natural, uma gama de postulados
de grande serventia, nesse espaço, como é o caso de todo o patrimônio civilista
do qual somos herdeiros e legatários.
Os
romanos erigiram todo esse arcabouço que, pragmaticamente e concretamente
instalou os fundamentos de todo positivismo jurídico ocidental, ao ponto de
garantir a proteção legal através do Estado, mediante a mais irrestrita
operacionalização das instituições e do Estado.
A
noção de plenitude institucional se desenvolveu ao longo dos séculos e escreveu
notáveis páginas da história da humanidade, como exemplo, há a declaração
universal dos direitos do homem.
Mas,
tais noções não se esgotaram na esterilidade da norma positiva, impermeável à
razão humana. E, a lei resume a postura mítica de esfinge que desafia:
Decifra-me ou eu te devoro!
Em
verdade, a norma jurídica em sua bravura e crueldade costuma devorar os menos
favorecidos, os excluídos e os sem-direito. Interessante é perceber através de
Carnelutti que a configuração do Estado, o que reproduz o dito de Trotsky ao
profetizar que o Direito é a armação do Estado.
Os
filólogos até o presente momento não descobriram o vínculo entre as palavras ius
e iungere, entretanto, não duvido de que na mesma raiz destas,
manifeste-se uma as mais maravilhosas instituições do pensamento humano. O ius
une os homens e o iugum une os bois e como a armação une os tijolos. (Carnelutti).
O
Direito e o Estado interagem no espaço que se sujeitam às mesmas normas, ou
seja, simbióticas. Tanto um como outro só se realizam devido ao processo
interativo que flui da emissão das ideias, da livre manifestação do produto da
inteligência humana.
O
homem não é um conjunto previsível ajustado para atuar na cena história e
social conforme os limites de um software de potencial definido e funções
programada.
O zoon
politikon de Aristóteles opera na cadeia da realização cultural sob os
signos da improvisação e da criatividade. Vindo de elementos compatíveis com a
norma fundamental e com a dinâmica do Direito seguirá o seu curso
independentemente de outras questões de natureza axiológica ou social
O
dever-ser de Kelsen é inquestionável sendo inegável a precisão das formas
prescritivas do conjunto complexo que é o Direito. A concepção normativista do
dever-ser de Kelsen traz o componente de tensões resultantes da própria organização
da sociedade, e da natureza conflitiva do homem.
Se o
Direito é prescrição, a norma condutora dessa prescrição é, fundamentalmente,
resultado da pressão exercida por uma certa massa crítica que aflora à
superfície da trama social, a exigir mecanismos de controle que só a ordem
jurídica pode oferecer.
Interessante
é notar a noção de Direito sugerida por Gény: de um lado, o elemento “dado”,
oriundo “das realidades de fato ou dos princípios essenciais à ordem geral do
mundo que comporta certa permanência e se nos impõe, do outro, “o construído”,
conjunto de elementos artificiais, variáveis e contingentes, que tiram seu
valor e eficácia da vontade humana e constituem os meios necessários para dar
efeito às direções gerais fornecidas pelos fundamentos da sociedade”.
Enfim,
são os fatores de natureza social, econômica, étnico e cultural que atuam na
configuração dessas condições, criando o meio no interior do qual se defrontam
os interesses concorrentes ou antagônicos.
E, por mais que pretenda atribuir à norma uma autonomia impermeável às manifestações da causalidade histórico-social, não se pode confiar, nem muito menos concentrar o processo de formação do ordenamento jurídico somente nas mãos do legislador, como se fosse o único artífice do fenômeno jurídico e não o intérprete, ou se desejarem, o porta-voz do grupo social para o qual está legislando.
Compete,
realmente, ao aparato estatal velar pela integridade desse ordenamento, seja pela
sustentação das estruturas fundamentais da sociedade e, naturalmente, das
instituições de modo muito particular. E, aí se concentrar a principal questão
do processo jurídico numa visão monista do Direito.
Essa
unidade só se constrói pela força dos princípios e, a sua função ordenadora
revela-se nítida e forte nos momentos revolucionários, quando é nos princípios
que traduz a nova ideia do direito e não nos precários preceitos escritos, que
assenta diretamente a vida jurídico-política do país.
Graças
à Hugo Grócio, o Estado moderno acolheu a subjetivação do Direito, que
sedimentou a ideia da liberdade do agente perante uma ordem jurídica configurada
nos limites do Direito natural.
De
alguma forma, a proteção à individualidade humana surge, apesar de não
explicitamente normatizada, como fundamento do processo de conhecimento da
Antiguidade Clássica, e consta nas primeiras páginas da Paideia, é indiscutível
que foi a partir do momento em que os gregos situaram o problema da
individualidade no cimo de seu desenvolvimento filosófico que principiou a
história da personalidade europeia.
As
conotações indevidas surgem por conta do processo de formação de valores
humanísticos da Grécia Antiga ou mesmo na Idade Média, um arquétipo individualista
ou competitivo.
Recorre-se
a reflexão imediata sobre o ambiente em que passam a se desenvolver os
elementos de referência de uma personalidade social fundada em suporte
juridicamente válido.
A obra
de Dante Alighieri tem trazido especial interesse sobre a natureza ética. Aliás, Ítalo Sciuto, num criterioso estudo
realizado para a Universidade de Verona, sintetiza essa feição ético-política
numa longa citação do próprio Étienne, que vale a pena reproduzir:
“Em seu
famoso estudo Dante e a Filosofia, Etienne Gilson encara o tema como sendo de
absoluto relevo no pensamento dantesco, sobretudo pela sua inquestionável
originalidade no contexto da filosofia medieval, aponto de manter o permanente
interesse da crítica, de modo a assumir o caráter de tema central.
Segundo
Gilson, a orientação filosófica do convívio resta fundada substancialmente
sobre a função primeira consoladora e, portanto, indutora da felicidade
produzida pela filosofia, perpassada por um conteúdo eminentemente moral.
Aqui,
Dante dirige-se a um público de nobres, políticos e homens de ação, nunca aos especialistas
das escolas que dedicam o seu tempo aos prazeres da especulação.
No mais,
a sua vida de exul immeritus lo obriga a involuntárias, injustas e
continuas preocupações práticas extremamente envolventes, cujos efeitos o mesmo
Convívio inspira a dramática passagem «peregrino, quase um mendigo, tenho
andado mostrando contra a minha vontade a roda da fortuna que tão injustamente
contra mim se tem voltado.
Verdadeiramente,
tenha sido, as mais das vezes, barco sem vela e sem governo, levado a portos
diversos e abismos pelos ventos secos, envoltos no miasma da cruel pobreza.»
(Cv I III 4-5). Refletindo sobre o tema, Dante desenvolve uma longa analogia
entre os céus e as ciências. A ciencia moral, mostra-se superior a metafisica,
logo abaixo da ciencia teológica. E conclui que a ciencia moral detém um
primado “arquitetônico” idêntico ao que Aristóteles atribui aos fundamentos da
ética a Nicômaco”.
Seria
esse primado arquitetônico aquilo que os romanos, de sua parte, já enxergavam
na dinâmica dos fatos: uma poderosa fonte produtora de Direito.
“Ex
facto oritur jus” – conforme o brocardo. Nas sociedades primitivas, a ideia
de um Direito ideal, superior, confundia-se com os desígnios dos deuses.
Entre
os gregos, especialmente, a consciência jurídica era algo indissociável da
noção de comunidade enquanto polis. A extensão da facultas agendi
confundia-se com a simples expressão e o exercício da cidadania, sem o aparato
legal do Direito contemporâneo, que, se por um lado, dignifica e singulariza o
sujeito da relação jurídica, por outro lado, reifica o objeto da pretensão juridicamente
posta.
Ao
exercitar a sua personalidade e a sua capacidade, o cidadão romano, por exemplo,
unifica as duas condições fundamentais da cidadania – status libertatis
estatus civitatis – na mesma prerrogativa de cidadania.
Essa introdução
no mundo jurídico do Ego magnetizado pela norma foi a base de fundação do direito
subjetivo e a proteção dos direitos fundamentais do cidadão. E, o direito natural
foi o habitáculo perfeito para essa nova servidão do Dever Ser.
Os gregos
tiveram o senso inato do que significa ‘natureza’. O conceito de natureza,
elaborado por eles em primeira mão, tem indubitável origem na sua constituição
espiritual. Muito antes de o espírito grego ter delineado essa ideia, eles já
consideravam as coisas do mundo numa perspectiva tal que nenhuma delas lhes
aparecia como parte isolada do resto, mas sempre como um todo ordenado em
conexão viva, na e pela qual tudo ganhava posição e sentido.
Alguns
milênios mais tarde, a humanidade voltará a reconhecer que a natureza tinha
razão. Pode-se, então, afirmar que a ordem jurídica fundada nos princípios há
de devolver ao homem o humanismo perdido neste último século de mundialização[18].
E,
juntamente com os doutrinadores é preciso crer nas teorias críticas do Direito
que afirmam: "promovem a contestação das noções rígidas e irrefletidas do juspositivismo,
tais como: a autossuficiência do direito positivo, a identificação sem mais
entre jus e lex, a subsunção silogístico-axiomática do fato à
norma por um formalismo lógico-mecânico, o caráter apolítico e neutro da lei e da
hermenêutica, a separação absoluta entre o Direito e a Moral, a pureza
científica dogmatista, a negação da lógica dos juízos de valor no raciocínio
jurídico, a completude objetiva e hermética do ordenamento legislado.
E,
conclui, brilhantemente, o autor: A crise jurídica é dupla. É a crise do
Direito que vem se desconstituindo ea crise do Direito que ainda não se
constituiu em substituição. É necessário ir além do rompimento do
juspositivismo e alcançar a sua superação. Urge que as teorias críticas
apresentem alternativas construtivas para um novo Direito. Deveras, a crítica
sem proposta é delação resignada".
Inegável
que vivenciamos a mais grave de todas as crises[19] já enfrentadas pelo
Direito. Pois, os ideais de multilateralidade entre as nações são esquecidos
pelos poderosos, sob a invocação da lei do mais forte.
Nas
suas sucessivas conquistas científicas e tecnológicas, o homem apenas
suspeitava que um dia era capaz de alcançar a perfeição. Operando o Direito, no
paroxismo de sua soberba.
A
razão solitária deverá resgatar o mundo que nos restas e livrá-lo de tiranias
ambiciosas que matam sem dó nem piedade, seja em nome de deus que cospem fogo
atômico sobre campos de concentração e sopram ventos de urânio sobre os
inocentes, escolhendo a culpa que mandam publicar nas manchetes sangrentas dos
seus jornais e noticiários.
Infelizmente,[20] não basta invocar a lei,
deve-se começar invocando o princípio fundamental da equidade, que é a matriz
de todos os demais.
E, na suprema fraternidade entre os homens, será suficiente para preservar o patrimônio que é a dignidade humana. Eis aí, o verdadeiro destino do Direito. Deixar de ser mero sistema imperativo-atributivo, custodiado pela sanção, para se transformar em efetiva consciência coletiva, cristalizado na espontaneidade do dever de todos, aí sim. Se obterá o verdadeiro legado a Justiça[21].
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[1]
O pós-positivismo é designação provisória e genérica de um ideário difuso, no
qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras,
trazendo aspectos da alcunhada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos
direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa
humana. Basicamente, leva em consideração os princípios e valores para
determinar a interpretação legal. Transcende sua visão de Direito apartado de
outras ciências sócias, o que significa que este nega a separação entre Direito
e moral. O positivismo é postura filosófica que destaca a relevância da
objetividade e da necessidade de estudar os componentes observáveis. Já o
pós-positivismo é uma filosofia que rejeita o positivismo e apresenta novos
pressupostos, a fim de desvendar a verdade. Não foi mera revisão do
positivismo, mas rejeição completa dos valores centrais do positivismo e aponta
que o raciocínio científico é bastante semelhante ao nosso raciocínio de senso
comum. Ao contrário dos positivistas, pós-positivistas salientam que nossas
observações nem sempre podem ser invocadas já que elas também podem ser
sujeitas ao erro. É por isso que os pós-positivistas são considerados realistas
críticos, que são críticos da realidade que eles estudam. Uma vez que eles são
críticos da realidade, pós-positivistas não dependem de um único método de
investigação científica. Eles acreditam que cada método pode ter erros. Estes
só podem ser evitados se um maior número de métodos é usado. Isto é referido
como a triangulação.
[2] O paradigma do neoconstitucionalismo, notadamente, a dimensão normativa e de concepção política de específica forma de Estado de Direito traz propostas e contradições e, ainda, os percalços peculiares do Estado Social. Persiste ainda a pretensão de se fundar um constitucionalismo verdadeiro que apesar de dotado de grande potencial hermenêutico, prossegue consistente. A Constituição assume essa posição graças a ingredientes culturais forjados historicamente: a dignidade humana, o pluralismo, a democracia constitucional, a inevitabilidade do conflito e a Constituição como veículo de consensos. Parte-se da necessidade de caracterização do Estado constitucional de Direito e suas bases sociopolíticas e tem como objetivos descrever a mudança de paradigmas no sistema de fontes do Direito no Estado constitucional e identificar os seus fundamentos."
[3]
Segundo Bonavides, Alexy teria encontrado três teses acerca da distinção entre
regras e princípios. A primeira assegurava que nenhum dos critérios distintivos
seria suficiente para, isolado dos demais, garantir o acerto da diferenciação;
a segunda é a que admite a diferença entre regras e princípios com base no grau
de generalidade; a terceira tese (única aceita como válida por Alexy) defende
que a diferença entre regras e princípios se estabelece tanto em razão de grau,
como de qualidade. É o critério gradualista-quantitativo.
[4]
A teoria de Dworkin é então apresentada como uma teoria que, inicialmente,
preocupa-se em entender a controvérsia no direito. Por isso, esta se vale de
argumento dos desacordos teóricos e do argumento relacionado do ferrão semântico.
Esses argumentos revelam uma característica política da prática jurídica que o
positivismo analítico desconsiderou, ao tentar entender essa prática da
filosofia da linguagem. Ao interpretativismo é contraposto então o desafio
proposto por uma teoria positivista contemporânea, a qual, ainda que não
discorde do caráter normativo da prática, pretende defender o descritivismo na
teoria. A resposta ao desafio, é apresentada a formulação mais recente do
interpretativismo, a partir de obras de Dworkin "Justiça de Toga e Justice
for Hedgehogs. Onde formulou entendimento para a teoria interpretativa. A
necessidade de ressignificação da dogmática jurídica, tida como instrumento que
nos permite lidar com a controvérsia aceitando o caráter conflitivo e sempre
incompleto da prática jurídica.
[5]
A princípio, Robert Alexy verifica que o conceito correto ou adequado de
direito é resultado da relação de três elementos: legalidade conforme o
ordenamento, eficácia social e correção material. Sem esses três elementos,
obter-se-á um conceito de direito positivista ou jusnaturalista. Um dos pontos
mais importantes da teoria de Alexy é a distinção entre princípios e regras
utilizada para analisar a estrutura das normas de direitos fundamentais.
Segundo o doutrinador, essa distinção é a base da teoria da fundamentação no
âmbito desses direitos e a chave para a solução de problemas centrais da
dogmática dos direitos fundamentais (p. 85). Sem essa distinção não pode haver
nem uma teoria adequada sobre as restrições e as colisões entre esses direitos,
nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no sistema
jurídico. Por isso, Alexy afirma que essa distinção é uma das
"colunas-mestras" do edifício da teoria dos direitos fundamentais.
O doutrinador faz uma
distinção precisa entre regras e princípios e uma utilização sistemática dessa
diferença em sua teoria. O método adotado não é em relação ao grau de
generalidade ou abstração das normas, como é usualmente descrito pela doutrina
tradicional. Trata-se de uma distinção qualitativa. Isso porque, seguindo a
concepção de Alexy, princípios são mandamentos de otimização, ou seja, normas
que ordenam que algo seja feito na maior medida possível, de acordo com as
possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto (p. 90)3. Por outro lado,
regras são mandamentos definitivos, ou seja, normas que só podem ser cumpridas
ou não, sendo realizadas por meio da lógica "tudo ou nada". Isso
implica formas diversas de solucionar conflitos entre regras e colisões entre
princípios: enquanto o primeiro deve ser solucionado por meio de subsunção, a
colisão deve ser resolvida por meio do sopesamento. Cabe aqui explicar o que
significa cada método.
[6]
A argumentação jurídica é a capacidade de gerar uma interpretação convincente
do conteúdo de uma lei, através de um discurso escrito ou oral. Sem dúvidas,
essa é um dos artifícios legais mais importantes para a atuação do advogado. A
primeira função da argumentação jurídica está diretamente relacionada com a
possibilidade de contribuição para o desenvolvimento de outras disciplinas e a
possibilidade de uma melhor compreensão do fenômeno jurídico e da prática
argumentativa. Quais são os tipos de argumentação jurídica? argumento de
autoridade; argumento de oposição; argumento de analogia; argumento de causa e
efeito.
[7]
Ressalte-se que o doutrinador em estudo alerta que os chamados bens coletivos
não irão se apresentar apenas como adversários dos direitos individuais. Eles
também podem significar o pressuposto ou meio de realização desses direitos. O
que há, na verdade, é um caráter ambivalente do bem coletivo, quando temos, por
exemplo, o fato de que as indústrias de tabaco devem informar os danos do
cigarro à saúde, que é uma restrição à liberdade do exercício profissional,
extraímos um valor coletivo da defesa da população contra os perigos à saúde, e
um valor individual de proteção da vida e saúde do próprio indivíduo.
Hipótese curiosa é a da
possibilidade de embate entre regras e princípios e, caso possível, qual seria
a precedência entre eles. De acordo com Alexy, este embate é possível, sendo
que ambas as normas devem estar sujeitas à Constituição. Assim, tendo as regras
menos generalidade e mais grau de certeza do que os princípios, elas têm
prioridade em um eventual embate.
[8]
A teoria de Alexy procura dar resposta a essas indagações com pretensão de
cientificidade. Para isso, defende que os direitos fundamentais possuem caráter
de princípios e, nessa condição, eles eventualmente colidem, sendo assim
necessária uma solução ponderada em favor de um deles. [2] Para tanto,
considera os princípios como um mundo de dever ser ideal, isto é, não diz como
as coisas são, mas como se as deve pensar, com o objetivo de evitar
contradições.
[9]
Os princípios, como as regras, são fundamentos para os casos concretos, mas com
aplicações distintas.
Assim, a distinção apontada
pelo autor é a que se refere às regras como normas que podem ser cumpridas ou
não, e aos princípios como normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas. Nesta mesma
linha de raciocínio, as colisões de direitos fundamentais devem ser
consideradas como uma colisão de princípios, sendo que o processo para a
solução de ambas as colisões é a ponderação.
[10] Enquanto as regras pertencem ao mundo do
juridicamente existente e do peremptoriamente válido, os princípios estão no
indefinido mundo do possível ou do concomitantemente possível. No conflito de
regras, uma elimina a outra, por questão de invalidade. Na colisão entre
princípios, um apenas afasta o outro no momento da resolução do embate, quando
as possibilidades jurídicas e fáticas de um deles forem maiores do que as do
outro. Alexy, em sua obra Teoria de los Derechos Fundamentales,
apresenta a Lei de Colisão para solucionar a colisão de princípios utilizando
um julgado do tribunal constitucional, que diz respeito à não realização da
audiência oral tendo em vista a saúde delicada do acusado que sofre risco de
infarto. Neste caso, há uma colisão entre o princípio da aplicação do direito
penal (P1 — que obriga a audiência oral) com o princípio de proteção do direito
à vida e integridade do acusado (P2 — que proíbe a audiência oral).
[11]
Vejamos como Robert Alexy explica, através de suas fórmulas, a questão do peso
para que haja a aplicação da ponderação: Gpi, jC = IPiC
WPjC
Onde, G é o peso final I é
o grau de intensidade da intervenção no outro direito fundamental W é a
importância do direito fundamental
justificador da intervenção C é a circunstância fática e jurídica Pi é um
direito fundamental Pj é outro direito fundamental. Sendo que, os pesos
atribuídos às variáveis são os seguintes: 2º = 1 é considerado peso leve; 2¹ =
2 é considerado peso médio; 2² = 4 é considerado peso grave; Então,
considerando que dois princípios estão em colisão: Se o resultado for maior que
1 o direito fundamental Pi precede Pj conforme a ordem em Gpi,jC. Se menor,
inverte-se a ordem em Gpi, jC para Gpj, iC, o que quer dizer que o direito
precedente será Pj e não Pi.
[12]
Vige problema sério em se permitir a falta de diferença a priori entre regras e
princípios. Assim, competiria ao intérprete essa tarefa. Não há norma a priori:
é o intérprete quem a ria. E mesmo
existindo sentidos comumente aceitos, clareza em uma aplicação costumeira de um
texto, pode o intérprete deixar de aplicá-la ou mesmo infringi-la, mediante uma
nova interpretação, em que as suas razões superiores se sobrepõem às razões
justificadoras do legislador ao editar a norma.
[13] O "grau de abstração", dizendo que os princípios apresentam elevado grau de abstração enquanto as regras têm reduzida abstração (reportou-se a Esser); O "Grau de determinabilidade", assegurando que nos casos concretos os princípios, por serem vagos e indeterminados, necessitam de mediação, do legislador ou do juiz, para serem concretizados, enquanto as regras podem ser aplicadas diretamente (reportou-se, outra vez, a Esser); O "Carácter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito", de vez que ocupam o papel ou função de fundamento no ordenamento jurídico ou importância que detêm, com posição de supremacia na escala hierárquica (reportou-se a Guastini); A ‘Proximidade’ "da ideia de direito", destacando que os princípios seriam ‘standards’ que (segundo Dworkin) estariam radicados nas exigências da ‘justiça’, ou (segundo Larenz), na ‘ideia de direito’, enquanto as regras poderiam apresentar conteúdo "meramente funcional";
[14]
Observando as características básicas dos princípios, ensina Canaris (1996): a)
não valem sem exceção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição - a
decisão do julgador pode ser válida e eficaz, mesmo quando baseada em princípio
singular que poderia levá-lo a uma decisão antagônica; b) não têm a pretensão
de exclusividade - diversas vezes os princípios estão conectados; uma mesma
consequência jurídica, característica de um determinado princípio, também pode
ser conectada com outro princípio; c)
ostentam seu sentido próprio apenas numa combinação de complementação e
restrição recíprocas - devem ser analisados de forma plena, e na da aplicação
de um ou mais princípios se tenha em mente e faça parte da decisão final a
ponderação dos demais princípios contrapostos e limitativos. Deve-se buscar os
limites existentes entre os princípios, pois estes só adquirem seu significado
próprio quando se ligam entre si, para, a partir de várias premissas,
adequarem-se ao caso concreto; d) precisam, para sua realização, de uma
concretização através de subprincípios e valores singulares, com conteúdo
material próprio – os princípios não existiriam sem outros subprincípios e
valorações de conteúdo material, não são capazes de aplicação imediata, antes
devendo ser normativamente consolidados ou normatizados.
[15]
Na ponderação, deve-se ter em conta a intensidade e a importância da
intervenção em um direito fundamental.
Essas manifestações fazem referência a uma regra constitutiva para as
ponderações do Tribunal Constitucional Alemão que pode ser formulada da
seguinte maneira: “Quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado
direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores
dessa intervenção”. A bem da verdade é que Alexy, através dessa máxima,
procurava explicar racionalmente o grau de importância das consequências
jurídicas de ambos os princípios em colisão. Em outras palavras, na
eventualidade de o embate não ter sido solucionado pelos critérios anteriores,
coloca as consequências jurídicas dos princípios ainda em colisão numa balança
(metáfora do peso), a fim de precisar qual delas é racionalmente mais
importante naquele caso concreto.
[16] Canotilho (2000) assegurou que os princípios são qualitativamente distintos das regras, apontando diversos aspectos dessa distinção, dos quais podemos destacar: 1.°) Uma regra é ou não é cumprida, um princípio possui vários graus de concretização, variando em razão de condicionalismos fáticos e jurídicos; 2.°) Os princípios podem coexistir, apesar de serem antinômicos, as regras em conflito excluem-se. Aqueles permitem "balanceamento de valores e interesses", as regras exigem o tudo ou nada; 3.°) Os princípios podem envolver problemas de validade e de peso, as regras só enfrentam questão de validade.
[17]
Segundo a lei de ponderação, há de se fazer em três planos: 1 — Definir a
intensidade da intervenção, ou seja, o grau de insatisfação ou afetação de um
dos princípios; 2 — Definir a importância dos direitos fundamentais
justificadores da intervenção, ou seja, a importância da satisfação do
princípio oposto; 3 — Realizar a ponderação em sentido específico, i.e., se a
importância da satisfação de um direito fundamental justifica a não satisfação
do outro.
[18]
O sucesso dos princípios, quiçá, encontre-se em um dos seus traços mais
marcantes, ou seja, na dimensão que não é própria das regras jurídicas: a do
peso ou importância. Assim, quando se entrecruzam vários princípios, quem
houver de resolver o conflito deverá levar em conta o peso relativo de cada um
deles, em cada caso concreto. As regras não possuem tal dimensão. Não podemos
afirmar que uma delas, no interior do sistema normativo, é mais importante do
que outra, de modo que, no caso de conflito entre ambas deva prevalecer uma em
virtude do seu peso maior. Se duas regras entram em conflito (antinomia
jurídica própria), uma delas não é válida. Sim, as regras, no universo da
normatividade jurídica, são partidárias do "tudo ou nada", os
princípios por outro lado, contemporizam, podem ser contrapostos sem se excluírem
mutuamente, e ser mais ou menos convenientes para certo caso concreto, e a
contrario senso em outro caso, sem que com isso percam sua validade normativa.
Por isso se diz do conflito entre normas antinomia jurídica própria, e do entre
princípios, imprópria.
[19]
No Direito, um dos postulados hermenêuticos seria o postulado da unidade do
ordenamento jurídico; dele decorrendo um “subelemento” que Ávila chama de
postulado da coerência, que — aparentemente — decorreria da hierarquia das
normas. Veja-se a seguinte passagem da obra agora resenhada: Essa noção de hierarquia, conquanto
importante para explicar, entre outros fenômenos, o ordenamento jurídico como
estrutura escalonada de normas, é insuficiente para cobrir a complexidade das
relações entre as normas jurídicas. Com efeito, várias perguntas ficam sem
resposta, segundo esse modelo. Quais são as relações existentes entre as regras
e os princípios constitucionais? São somente os princípios que atuam sobre as
regras ou será que as regras também agem simultaneamente sobre o conteúdo
normativo dos princípios? Quais são as relações existentes entre os próprios
princípios constitucionais? Todos os princípios possuem a mesma função ou há
alguns que ora predeterminam o conteúdo, ora estrutura a aplicação de outros?
Quais são as relações entre as regras legais, já consideradas válidas, e os
princípios e as regras de competência estabelecidos na Constituição? São
somente as normas constitucionais que atuam sobre as normas
infraconstitucionais ou será que essas também agem sobre aquelas? Para
responder a essas questões, propõe-se, como complementação a este modelo de
sistematização linear, simples e não gradual, cuja falta de implementação traz
consequência que se situa preponderantemente no plano da validade, um modelo de
sistematização circular (as normas superiores condicionam as inferiores, e as
inferiores contribuem para determinar os elementos das superiores), complexo
(não há apenas uma relação vertical de
hierarquia, mas várias relações horizontais, verticais e entrelaçadas entre as
normas) e gradual (a sistematização será tanto mais perfeita quanto maior for a intensidade da observância
dos seus critérios), cuja consequência preponderante está alocada no plano da
eficácia. Entre em cena o postulado da coerência.
[20]
Ainda que Humberto Ávila entenda que o intérprete cria a norma (norma =
imputação da interpretação ao texto de lei), ele reconhece que há traços
mínimos de significado “incorporados ao uso ordinário ou técnico da linguagem”:
um Wittgenstein diria que aí estão os “jogos de linguagem”; um Heidegger
invocaria o “enquanto hermenêutico”; um Miguel Reale preferiria falar em
“condição a priori intersubjetiva”; um Aulis Aarnio optaria por falar em
“condições dadas da comunicação”; um Bydlinsk falaria na “comunidade
linguística”. Por isso, ainda que o intérprete lance sentido ao texto e que o
resultado desse lançamento seja a norma, é impossível negar que há
limites: Compreender “provisória” como
permanente, “trinta dias” como mais de trinta dias, “todos os recursos” como
alguns recursos, “ampla defesa” como restrita defesa, “manifestação concreta de
capacidade econômica” como manifestação provável de capacidade econômica, não é
concretizar o texto constitucional. É, a pretexto de concretizá-lo, menosprezar
seus sentidos mínimos. Essa constatação explica por que a doutrina tem tão
efusivamente criticado algumas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal.
[21]
Há ainda outros critérios distintivos exibidos na obra, mas não cabe, numa
resenha e dentro de nossas finalidades, exaurir todos esses pontos. Um quadro esquemático é proposto pelo próprio
Ávila, e segue abaixo: In: DA SILVEIRA, Marcelo Pichioli: