A verdade do Direito

A verdade tem três faces, a saber: aquela que narrada por quem conta a história;  aquela de quem é o objeto da história; e, por fim, o lado autêntico e verdadeiro que existe na realidade. A verdade dentro do processo judicial não tem tido, infelizmente, a devida atenção da doutrina e dos estudiosos. Existindo distintas concepções sobre a verdade, apesar que muitas não sejam capazes de servir ao âmbito do Direito Processual. A busca da verdade é o meio para que a decisão seja a mais próxima da justiça que possível. A verdade é construída a partir das argumentações desenvolvidas pelos sujeitos cognoscentes, buscada no consenso discursivo entre os participantes.

Fonte: Gisele Leite

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Introdução

A filosofia prima por perguntar sobre o real sentido de palavras tão comuns. Sugere Wittgenstein que podem ter esquecido. Em nossa época contemporânea é complexa a resposta sobre o questionamento do ser. Ludwig Wittgenstein, um filósofo linguista acreditava que a questionar o significado das palavras poderemos melhor orientar as tarefas práticas em nossas vidas. O direito é O Direito. A ciência social aplicada, normativa e positivista.

A mais famosa definição do direito[1] é atribuída a Celso. O direito constitui a arte do bem e do justo: “Ius est ars boni et aequi”. A definição de Celso indica que o direito se vincula à busca pela justiça (o bem e o justo), isto é, aos princípios que permitem ordenar corretamente a sociedade. Indica também que o direito não oferece respostas claras e definitivas.

O direito é uma “arte”[2] que permite dar diferentes soluções, dependendo do momento, das pessoas envolvidas, da situação social e política e das opiniões dos juízes. Considerar o direito como arte significa introduzir em sua definição a ideia da política, da ponderação de interesses e da contínua mudança.

O próprio estudo da linguagem nos faz evidenciar a enorme complexidade da vida social humana. A filosofia do direito pode ser definida como o corpus de respostas à questão: O que é o direito? A questão mostra-se enganosamente simples e existe desde os gregos clássicos, cerca de dois mil e  quinhentos anos atrás, e ainda não se obteve a definitiva resposta.

A filosofia do direito se propõe traz o entendimento da natureza e do contexto de todo empreendimento jurídico. O direito é entidade autônoma ou é um processo, um conjunto de processos, ou, talvez um fenômeno social complexo. E, a legalidade é modo de pensar? E, a legitimidade uma qualidade moralizante? Enfim, o direito é uma atitude argumentativa?[3]

A etimologia de jurisprudence do latim juris, direito e, prudentia, sabedoria, ciência. Portanto, entendo a filosofia do direito como a busca da ciência ou sabedoria do direito, ou o entendimento prudente do direito. Ao empregar a terminologia empreendimento jurídico segundo Beyleveld e Brownsword de submeter a conduta humana ao domínio das regras.

O positivismo jurídico é rótulo que abriga um conjunto de abordagens afins do direito que dominaram a jurisprudência ocidental nos últimos cento e cinquenta anos.

Esse rótulo implica na inclusão de alguns projetos e respostas diferentes à pergunta: o que é o direito? mas, em geral, o positivismo jurídico tem afirmado dois elementos fundamentais, a saber: 1. o direito é uma criação humana, é "posto" pelo homem de alguma maneira; por exemplo, pela vontade expressa dos governantes políticos, o soberano, através de um processo de legislação; 2. o direito pode ser estudado e bem compreendido mediante a adoção da metodologia desenvolvida pelas chamadas ciências naturais ou físicas nos séculos XVIII e XIX, o que se conhece como abordagem positivista; em nome da objetividade, essa abordagem procurava eliminar todas as considerações subjetivas que pudessem envolver o pensamento do cientista[4].

Após a coleta dos dados apropriados,  em geral, os conceitos com os quais o legalismo trabalhava, uma metodologia puramente  analítica parecia ideal para decompor os objetos de modo que lhes desse uma forma manipulável, e o cientista. Após, a coleta dos dados apropriados, em geral, os conceitos com os quais o legalismo trabalhava.

Em verdade, nos derradeiros tempos, o positivismo jurídico perdeu seu domínio anterior sobre a filosofia do direito, em parte porque, para concretizar-se,  seus projetos de análise conceitual dependiam de que se questionasse a integridade do empreendimento jurídico e, porque careciam de consciência social quanto à eficácia social do direito[5].

Em vez de se ter uma abordagem do direito não submetida aos valores é, em si mesmo uma abordagem carregada de valores, refletir sobre o direito de uma maneira específica.

Os projetos contrastantes de diferentes doutrinadores assumem nova aparência quando vemos como criação histórica em vez de tratá-lo como se todos se preocupassem em lidar com alguma forma essencial comum e pura, alguma entidade transitórica.

Outra peculiaridade é como os doutrinadores que se consideram positivistas jurídicos enxergam a tradição? Ao final da década de cinquenta, H.L.A. Hart, considerado pela maioria como sendo o principal positivista jurídico dos tempos modernos fez resumo de vários princípios possíveis do positivismo jurídico, a saber:

1. o argumento de que as leis são comandos de seres humanos;

2. o argumento de que não há ligação necessária entre direito e moral, ou entre direito como ele é, e como deveria ser;

3. o argumento de que a análise (ou o estudo do significado) dos conceitos jurídicos é (a) uma busca válida e b) distinta das indagações históricas sobre as causas ou origens do direito, das indagações sociológicas sobre a relação entre o direito e outros fenômenos sociais e, da crítica ou  avaliação do direito, quer em termos de moral, objetivos sociais ou funções, quer em outros termos quaisquer;

4. o argumento de que um sistema jurídico é um sistema lógico fechado no qual as decisões jurídicas corretas podem ser inferidas, por meios lógicos, a partir de regras jurídicas predeterminadas sem referência aos objetivos sociais, políticos e critérios morais; e 5. o argumento de que os juízos morais não podem ser emitidos, ou defendidos, como o podem as afirmações de fatos, por meio de argumentação racional, evidência ou prova (não-cognitivismo em ética). Hart, 1957.

O elemento principal do positivismo jurídico é que o direito moderno é o direito positivo é algo posto por seres humanos para fins humanos. O direito moderno pode ser visto como um relevante instrumento. É, variadamente, apresentado como um instrumento de poder governamental, ou simplesmente como um instrumento para facilitar uma interação social básica e  apresentar as condilões para que os indivíduos possam celebrar avenças, contratos, fazer testamento, transferir propriedades, recorrer a instituições públicas e, etc.

Outro princípio fundamental do positivismo jurídico[6] é aquele segundo o qual as leis de qualquer sociedade podem refletir opções morais e políticas, mas não há nenhuma ligação necessária ou conceitual entre direito e moral. O direito não precisa ser moral para ter sua validade reconhecida.

John Austin reconhecido como o fundador da tradição acadêmica do positivismo jurídico em conferências publicadas no início da década de 1830: a existência do direito é uma coisa, seu mérito ou demérito é outra. Essa tese da separação é crucial em outro elemento do positivismo; o direito deve ser identificado mediante o uso de uma metodologia relativamente simples (em geral empirista).

A existência do direito era uma questão factual cuja resposta dependia da observação, e não de um complexo processo de interpretação e avaliação moral. Para determinar a legalidade da promulgação de uma lei, por exemplo, bastava apenas proceder a um teste de origem de facto.

Isso ressalta uma relevante característica do positivismo jurídico: era uma filosofia jurídica profundamente interessada em reforçar o uso do direito como instrumento do Estado moderno.

A priori, o positivismo parece oferecer metodologia relativamente simples para se identificar o direito. Mas, Heidegger introduziu a noção de que qualquer fenômeno social é capaz de interpretações diferentes e multifacetadas. A questão do verdadeiro ser, a qual natureza pertence? Não pode ser reduzida a uma perspectiva a não ser por meio de um ato de dominação intelectual de parte daquela perspectiva ou metodologia em detrimento de outas.

Substitua-se a palavra "ser" pela palavra "direito", e a segunda das citações iniciais, in litteris: "Teremos, em nossa própria época, uma resposta à pergunta sobre o que realmente queremos dizer com a palavra "direito"? De modo algum. Convém, portanto, que recoloquemos a questão do significado do "direito". [7]

Mas estaremos hoje, ao menos, perplexos diante de nossa incapacidade de compreender a palavra "direito"? De modo algum. Em primeiro lugar, portanto, devemos redespertar o entendimento do sentido de tal pergunta."

Desenvolvimento.

Henry Bergson que foi um dos grandes vultos do pensamento filosófico, afirmou que as  palavras são prisões dentro das quais se contêm ideias, que se transformam, que vivem  e se ajustam as situações diferentes. É preciso penetrar nessas prisões, a partir da estrutura gráfica das palavras, para entrar em contato com a riqueza do conteúdo que nelas se encerra. É o que pretendemos fazer, em linhas gerais, com a palavra "direito", vocábulo trabalhado por gerações através dos séculos de tantas lutas e indagações, tanto, que se confunde com o próprio destino da espécie humana.

A verdade[8] jurídica é, essencialmente, ato de valor. Porém, não significa que esta dependa de arbítrio ou de capricho do sujeito que a propaga. Há de se referir a um discurso coletivo, em que o consenso se torna a pedra angular[9].

O direito à verdade diante de graves violações de direitos humanos é criação recente. E, tal existência tem sido afirmada por organizações internacionais e, em alguns países, reconhecido pelo Judiciário e até mencionada em alentada legislação. Tanto que se chegou até a criar as comissões da verdade.

No Brasil, a Lei 12.538/2011 a que criou a Comissão Nacional da Verdade fez menção à efetivação do direito à memória e à verdade histórica, como um de seus objetivos (artigo 1º), assumindo haver um direito com tal designação, mas deixando em aberto qual seria seu total significado jurídico[10].

Há um sério problema jurídico-dogmático relativo ao direito à verdade que em primo lugar, passa por questões referentes ao seu fundamento jurídico. No plano internacional, sua existência in lato sensu, que hoje lhe é atribuída, tem sido afirmada por inferência aos diferentes direitos previstos em tratados internacionais, tais como a proibição da tortura, os direitos a um recurso efetivo e às garantias judiciais, a proteção à família, o direito de criança e adolescente de preservar sua identidade.

Em âmbito nacional esta tem sido inferido de direitos e princípios constitucionais, a exemplo da liberdade de informação, da forma republicana de governo, do princípio democrático e do direito de acesso à justiça.

Reconheçamos que é obscuro o significado do direito à verdade na dimensão coletiva, e que da interferência da tutela jurisdicional. Sendo possível encontrar no pensamento de Hannah Arendt as indicações para essa investigação, principalmente suscitado pela catastrófica experiência do totalitarismo alemão, o que aviventa a imaginação política para a possibilidade e para as exigências da liberdade.

Nada é tão temerário como afirmar que a própria dogmática jurídica não consegue colocar a propalada verdade, seja real ou não, no respectivo ou em algum âmbito filosófico, eis que, não raras vezes, confunde o paradigma ontológico-clássico com o da filosofia da consciência, resultando em conceito totalmente sincrético e autocontraditório.

A busca da verdade real[11] oscila entre o ceticismo e/ou relativismo, ora atua por pura intuição e, ora por mero senso comum, onde tudo é relativo e esbraveja que não exigem verdades.

A verdade é uma “chatice” epistêmica típica do direito processual e adquire os contornos do objeto que visa tutelar, sendo dever da doutrina que pretende ser crítica, trazer à lume esse busilis e criticar as versões sobre a verdade.

Afinal, jamais, no processo, pode-se assegurar que o julgador teria alcançado a verdade objetiva e, sim, ele é dotado de crença segura que transparece através de provas[12] colhidas e explicada por sua fundamentação da sentença.

O principal problema do reconhecimento da verdade esbarra no adagio quad non et in actis, non est in mundo[13], o que não está nos autos não está no mundo. E, o ponto decisivo para a compreensão do direito e da hermenêutica contemporânea é a compreensão do papel assumido pelo sujeito perante a modernidade e, depois, na contemporaneidade.

Conclusão

A busca da verdade é não apenas um busílis a desafiar os intérpretes do Direito, mas também, e, principalmente, aos filósofos diante de suas inquietações e reflexões , notadamente nas ciências sociais aplicadas[14].

Não há uma única verdade universal e cabível à tudo e a todos. É uma utopia acreditar que exista uma verdade absoluta, nem mesmo a carcomida definição existente perante a dicotomia entre a verdade material versus verdade formal, onde esta via de regra, predomina no âmbito do processo civil, enquanto aquela predomina no direito processual penal.

Há muitas verdades. Como  a verdade por correspondência ou adequação, a verdade por coerência, a verdade por consenso ou consentimento. A verdade argumentativa ou comunicativa é particular e se intensifica por meio da dialética e em colaboração entre os sujeitos cognoscentes do processo (partes e juiz que tem papel ativo e dinâmico).

A verdade é normativa pois respeita o devido processo legal, com maior perspectiva publicista e constitucionalista do processo, e em  que, sendo convalidada pelo respeito ao procedimento e às normas jurídicas, bem como comprovada por provas idôneas trazidas pelos sujeitos do processo que terá peso normativo, de modo que a decisão definitiva, mesmo que não tenha sido proferida com alto grau de certeza do magistrado, mas tenha mesmo assim transitada em julgado, que acarretará a formação da coisa julgada e pacificação da lide.

A real relevância da verdade no processo judicial é a de fazer o sujeito cognoscente seguir o caminho correto e justo para a aplicação do Direito e consolidação ou pacificação da decisão judicial. A compreensão da verdade dentro do processo judicial relaciona-se com suas raízes na Filosofia e nas suas lições sobre a problemática da busca da verdade.

A busca da verdade nada tem a ver com intolerância, preconceito, discriminação e desumanização. Ao revés, é provavelmente a atividade mais humanística e edificante das ciências humanas.

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Notas:


[1] Baruch Spinoza: para ele, direito significa força, poder, potência. Cada pessoa possui um determinado poder e direito é aquilo que corresponde ao seu poder. Os governantes podem criar leis conforme seus interesses porque possuem um poder maior que o poder dos demais. Spinoza considera absurdo acreditar que o direito depende do Estado ou da justiça. Ele pensa que o direito indica somente uma relação de forças. O direito é o poder de cada um; Jean-Jacques Rousseau: o direito deve expressar a soberania do próprio povo e garantir a ordem e a segurança sem abolir a liberdade dos membros da sociedade. Em outras palavras, o direito deve resultar de decisões da própria coletividade e defender seus interesses.

[2] Há uma simbiose indispensável entre o Direito e a Arte para haver uma construção mais humanista e crítica, seja para galgar a paz social, seja para conceber a justiça. É indispensável haver uma dimensão construtiva da existência humana com alcance revelar as mais diversas formas que perpassam no Direito, Arte e Cultura, trazendo vertiginosa  interdisciplinaridade e franca ascensão.

[3] Segundo Del Vecchio, se a noção comum e vaga de Direito pode às vezes bastar para certos fins particulares, é, contudo, insuficiente para os fins superiores do conhecimento. As manifestações vulgares da atividade jurídica são facilmente reconhecidas por todos, porém, frente aos problemas mais elevados e gerais, quando se trata de situar a ideia do Direito na ordem do saber, de determinar-lhe os elementos essenciais, de distingui-la de outros objetos e categorias afins, surgem dúvidas e dificuldades que a noção vulgar é impotente para resolver. A solução de tais problemas requer uma investigação que não pode ser feita por nenhuma ciência jurídica stricto sensu, isto é, do Direito positivo, porque cada uma destas ciências tem por objeto só uma parte da realidade jurídica, enquanto a definição lógica deve abranger todos os sistemas jurídicos, inclusive os não positivos; isto é, indicar o limite de toda a possível experiência jurídica.

[4] Se a finalidade do Direito, é a realização da Justiça, qual seria a finalidade da justiça? É a construção de uma sociedade melhor mais solidária, mais igualitária sem preconceitos, e discriminação de raça, gênero, cor ou idade. Uma sociedade livre, sem pobreza e desigualdades sociais na qual a cidadania e a dignidade da pessoa humana estão no topo da pirâmide jurídica. E, isso importar em afirmar que jamais se poderá aplicar o direito de forma a contrariar esta finalidade, ainda que a lei não seja perfeita nem a melhor.

[5] Immanuel Kant: para ele, direito é o conjunto de regras estabelecidas pelo Estado para garantir a liberdade de todos os indivíduos e não somente sua sobrevivência, como dizia Hobbes. O direito positivo é aceitável somente quando respeita a regra de outro e preserva a liberdade de todos;

Georg Wilhelm Friedrich Hegel: afirma que não é possível dar uma única definição do direito. Cada época elabora um direito com finalidades e características diversas. O direito moderno é o mais elaborado de todos, porque exprime os valores supremos do gênero humano. Isso é devido ao fato de ser produto do Estado e não simplesmente de acordos entre indivíduos. O Estado exprime o interesse geral, garante a aplicação dos princípios morais e realiza a liberdade humana;  

Friedrich Carl von Savigny: define o direito como produto histórico decorrente da consciência coletiva de cada povo, que se manifesta em suas tradições e costumes. O espírito do povo revela-se no direito costumeiro que é sistematizado nos trabalhos dos juristas nacionais (“direito científico”). O legislador estatal pode ser um dos veículos de expressão do direito do povo, mas não pode ser o único, nem podemos excluir que determinadas leis entrem em conflito com o espírito do povo.

[6] Hans Kelsen: define o direito como organização da força ou ordem de coação. As normas jurídicas são obrigatórias e aplicam-se mesmo contra a vontade dos destinatários por meio do emprego de força física. O direito vigora em determinado território porque consegue ser politicamente imposto e reconhecido pela maioria da população;

Yevgeniy Bronislavovich Pachukanis: sustentava que o direito é um fenômeno específico da sociedade burguesa, que não existiu antes do capitalismo nem existirá após sua abolição;

Robert Alexy: considera que o direito está estritamente vinculado aos preceitos morais vigentes em determinada sociedade. Isso significa, em primeiro lugar, que as normas “extremamente injustas” não são válidas, mesmo que as autoridades do Estado as apliquem.

[7] Dimitri Dimoulis define o “Direito” (no sentido do direito objetivo) das sociedades modernas como sendo “um conjunto de normas que objetiva regulamentar o comportamento social” e atribui a essas normas seis características: a)     são criadas, aplicadas, modificadas e extintas por autoridades que possuem a competência para tanto; b)     são escritas e veiculadas em publicações oficiais a cargo do Estado; c)     objetivam a manutenção da estrutura social, mesmo se, muitas vezes, promovem interesses dos mais fracos; d)     são, geralmente, respeitadas nas relações sociais, possuindo um grau satisfatório de eficácia social; e)     sua eficácia social é garantida pela ameaça de coação, ou seja, por meio da possível imposição de sanções; e f)      são reconhecidas como vinculantes pela maioria da população que acredita na legitimidade do direito estatal.

[8] Em concepção grega, a verdade é aletheia que significa o não oculto, o não dissimulado, e como tal verdadeiro, é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito, é a manifestação do que é ou existe tal como é. O falso é pseudos, o escondido, encoberto, o dissimulado, parece ser, mas não é como parece. A palavra verdade tem referência nas formas latinas veritas, veritatis, associado a verus, por verdadeiro, sobre a raiz do proto-germânico em wero, por certo ou real. No entanto, também aparece na cultura grega arcaica, onde é interpretado através do pensamento que esconde a palavra aletheia, que a partir de pesquisas rigorosas, tanto filológicas quanto filosóficas, designa o alfa privativo do oculto. A etimologia direta nos coloca na Roma Imperial, onde a concepção surgida na Grécia se transforma no latim veritas. Contém a noção de verum-bonum, entendido como aquele que na sua bondade é visto pela razão como o verdadeiro, isto é, aquele idêntico a si mesmo apreciado como bom, aplicável especialmente na vida cotidiana regulada pelas leis.

[9] Dispõe o art. 156, I, do Código de Processo Penal brasileiro:   Art. 156.A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;   O citado artigo permite ao juiz de ofício a produção de provas em busca da verdade real ou verdade possível. Segundo Sérgio Marcos de Moraes Pitombo apud Porto e Silva (1993):  a doutrina dá o nome de princípio da verdade real ou material à regra, em razão da qual o juiz vela pela conformidade da postulação das partes com a verdade real, a ele revelada, pelos  resultados da instrução criminal. Mas, acrescenta o que essa verdade de que se cuida não traz a marca da plenitude, e sendo, pois, realizável a aproximação, trata-se da ‘verdade possível’; da verdade, dita processual, ou atingível. Assinala Antônio Magalhães Gomes Filho que a nossa cultura processual penal ainda predominantemente inquisitória, “valoriza tudo aquilo que possa ser útil ao  esclarecimento da chamada verdade real” ( 2001).

[10] Também a Ministra Cármen Lúcia já recorreu à literatura em seus votos, articulando passagens de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, às realidades humanas e conflitos apresentados em julgamento. Existem também obras jurídicas no mercado que, muito embora não se voltem para a regulação jurídica da arte ou direitos conexos, utiliza-se da arte para iluminar os temas jurídicos tratados.  “Enquanto coisa assim se ata, a gente sente mais é o que o corpo a próprio é: coração bem batendo. ...o real roda e põe diante. Essas são as horas da gente. As outras, de todo tempo, são as horas de todos...amor desse, cresce primeiro; brota é depois. ... a vida não é entendível”. Trecho da obra citada em seu voto no julgamento conjunto da ADPF 132 e ADI 4277. Já o Ministro Carlos Ayres Britto, um verdadeiro poeta de toga, pelo Supremo Tribunal Federal, onde sempre expressou o seu lado humanista e lírico, com intervenções poéticas em suas manifestações orais e mesmo em seus votos escritos no julgamento da ADPF 132 e ADI 4277, citou em seu voto um poema de Fernando Pessoa e um poema alegadamente psicografado por Chico Xavier.

[11] Pela prova se busca investigar a verdade dos fatos ocorridos, sobre os quais a regra jurídica abstrata será aplicada. A descoberta da verdade sempre foi  indispensável para o processo, sendo um dos seus objetivos. Os princípios da verdade formal e real atuam em campos diferentes, não sendo um oposto ao outro. A verdade formal delimita a prova utilizada na  racionalização da decisão e a verdade real permite trazer aos autos provas independentemente da vontade ou iniciativa das partes.

[12] O procedimento probatório é dividido em quatro fases: a admissão, momento em que ao analisar as provas mostradas, estas são aceitas por parte do juiz. A proposição, é quando as partes (Ministério Público e o acusado) propõem ao juiz as provas. A produção, a fase em que, após as provas serem propostas e autorizadas, devem ser realizadas de maneira legal e legítima. Por fim, vem a valoração, a fase em que o juiz vai detalhadamente fazer uma análise das provas apuradas durante o procedimento. A valoração das provas é a fase em que o juiz exercerá a função de juízo crítico avaliativo sobre as provas produzidas, tendo como objetivo: fundamentar sua decisão. O magistrado deve atentar-se para analisar as provas, resguardando o princípio da vedação da prova ilícita, segundo o artigo 5º, inciso LVI da CF, pois se ingressar no processo provas obtidas “por meio ilícitos, deve ser desentranhada” (BRASIL, 1988). Logo, o juiz não pode fundamentar sua decisão com base em provas ilícitas, e se acontecer, poderá haver declaração de nulidade da sentença pelo órgão competente revisor (em grau de recurso).

[13] O que não está no processo, não está no mundo. Isto parece e é profundo, mas não é da lavra do advogado. É um axioma jurídico, um brocardo latino:  Quod non est in actis, non est in hoc mundo. O mundo verdadeiro está na lei. Quod non est in actis non est in mundo é uma expressão latina que atualmente é utilizada no direito processual da maioria dos países, e está enquadrada  na garantia das pessoas ao devido processo . O brocardo traduz literalmente como " o que não está nos registros, não está no mundo "; e, num sentido mais  interpretativo como « o que não está no arquivo, não existe no processo».

[14] Explica Marilena Chauí que para a atitude crítica ou filosófica, a verdade nasce da decisão e da deliberação de encontrá-la, da consciência da ignorância, do espanto, da admiração e do desejo de saber. Nessa busca, a filosofia é herdeira de três grandes concepções de verdade, a saber: a do ver-perceber, a do falar-dizer e a do crer-confiar. E, a respeito da questão-problema da verdade, ensinou Cristiano Chaves de Farias apud Michele Taruffo reconhece a impossibilidade se tratar a matéria sem percorrer outras áreas do conhecimento humano, especialmente, a Filosofia, a Psicologia e a Antropologia e a História. Enfim, a própria indagação, do que seja a verdade tem intrínseco valor nas discussões filosóficas.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Filosofia do Direito Direito Processual Epistemologia Sociologia do Direito Verdade

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