A verdade do Direito
A verdade tem três faces, a saber: aquela que narrada por quem conta a história; aquela de quem é o objeto da história; e, por fim, o lado autêntico e verdadeiro que existe na realidade. A verdade dentro do processo judicial não tem tido, infelizmente, a devida atenção da doutrina e dos estudiosos. Existindo distintas concepções sobre a verdade, apesar que muitas não sejam capazes de servir ao âmbito do Direito Processual. A busca da verdade é o meio para que a decisão seja a mais próxima da justiça que possível. A verdade é construída a partir das argumentações desenvolvidas pelos sujeitos cognoscentes, buscada no consenso discursivo entre os participantes.
Introdução
A filosofia prima por
perguntar sobre o real sentido de palavras tão comuns. Sugere Wittgenstein que
podem ter esquecido. Em nossa época contemporânea é complexa a resposta sobre o
questionamento do ser. Ludwig Wittgenstein, um filósofo linguista acreditava que
a questionar o significado das palavras poderemos melhor orientar as tarefas
práticas em nossas vidas. O direito é O Direito. A ciência social aplicada,
normativa e positivista.
A mais famosa definição do
direito[1] é atribuída a Celso. O
direito constitui a arte do bem e do justo: “Ius est ars boni et aequi”.
A definição de Celso indica que o direito se vincula à busca pela justiça (o
bem e o justo), isto é, aos princípios que permitem ordenar corretamente a
sociedade. Indica também que o direito não oferece respostas claras e
definitivas.
O direito é uma “arte”[2] que permite dar diferentes
soluções, dependendo do momento, das pessoas envolvidas, da situação social e
política e das opiniões dos juízes. Considerar o direito como arte significa
introduzir em sua definição a ideia da política, da ponderação de interesses e
da contínua mudança.
O próprio estudo da linguagem
nos faz evidenciar a enorme complexidade da vida social humana. A filosofia do
direito pode ser definida como o corpus de respostas à questão: O que é
o direito? A questão mostra-se enganosamente simples e existe desde os gregos
clássicos, cerca de dois mil e quinhentos
anos atrás, e ainda não se obteve a definitiva resposta.
A filosofia do direito se
propõe traz o entendimento da natureza e do contexto de todo empreendimento
jurídico. O direito é entidade autônoma ou é um processo, um conjunto de
processos, ou, talvez um fenômeno social complexo. E, a legalidade é modo de
pensar? E, a legitimidade uma qualidade moralizante? Enfim, o direito é uma
atitude argumentativa?[3]
A etimologia de jurisprudence
do latim juris, direito e, prudentia, sabedoria, ciência. Portanto, entendo
a filosofia do direito como a busca da ciência ou sabedoria do direito, ou o
entendimento prudente do direito. Ao empregar a terminologia
empreendimento jurídico segundo Beyleveld e Brownsword de submeter a conduta
humana ao domínio das regras.
O positivismo jurídico é
rótulo que abriga um conjunto de abordagens afins do direito que dominaram a
jurisprudência ocidental nos últimos cento e cinquenta anos.
Esse rótulo implica na
inclusão de alguns projetos e respostas diferentes à pergunta: o que é o
direito? mas, em geral, o positivismo jurídico tem afirmado dois elementos
fundamentais, a saber: 1. o direito é uma criação humana, é "posto"
pelo homem de alguma maneira; por exemplo, pela vontade expressa dos
governantes políticos, o soberano, através de um processo de legislação; 2. o
direito pode ser estudado e bem compreendido mediante a adoção da metodologia
desenvolvida pelas chamadas ciências naturais ou físicas nos séculos XVIII e
XIX, o que se conhece como abordagem positivista; em nome da objetividade, essa
abordagem procurava eliminar todas as considerações subjetivas que pudessem
envolver o pensamento do cientista[4].
Após a coleta dos dados
apropriados, em geral, os conceitos com
os quais o legalismo trabalhava, uma metodologia puramente analítica parecia ideal para decompor os
objetos de modo que lhes desse uma forma manipulável, e o cientista. Após, a
coleta dos dados apropriados, em geral, os conceitos com os quais o legalismo trabalhava.
Em verdade, nos derradeiros
tempos, o positivismo jurídico perdeu seu domínio anterior sobre a filosofia do
direito, em parte porque, para concretizar-se, seus projetos de análise conceitual dependiam
de que se questionasse a integridade do empreendimento jurídico e, porque
careciam de consciência social quanto à eficácia social do direito[5].
Em vez de se ter uma abordagem do direito não
submetida aos valores é, em si mesmo uma abordagem carregada de valores,
refletir sobre o direito de uma maneira específica.
Os projetos contrastantes de
diferentes doutrinadores assumem nova aparência quando vemos como criação
histórica em vez de tratá-lo como se todos se preocupassem em lidar com alguma
forma essencial comum e pura, alguma entidade transitórica.
Outra peculiaridade é como os
doutrinadores que se consideram positivistas jurídicos enxergam a tradição? Ao
final da década de cinquenta, H.L.A. Hart, considerado pela maioria como sendo
o principal positivista jurídico dos tempos modernos fez resumo de vários
princípios possíveis do positivismo jurídico, a saber:
1. o argumento de que as leis
são comandos de seres humanos;
2. o argumento de que não há
ligação necessária entre direito e moral, ou entre direito como ele é, e como
deveria ser;
3. o argumento de que a
análise (ou o estudo do significado) dos conceitos jurídicos é (a) uma busca válida
e b) distinta das indagações históricas sobre as causas ou origens do direito,
das indagações sociológicas sobre a relação entre o direito e outros fenômenos
sociais e, da crítica ou avaliação do
direito, quer em termos de moral, objetivos sociais ou funções, quer em outros
termos quaisquer;
4. o argumento de que um
sistema jurídico é um sistema lógico fechado no qual as decisões jurídicas corretas
podem ser inferidas, por meios lógicos, a partir de regras jurídicas
predeterminadas sem referência aos objetivos sociais, políticos e critérios
morais; e 5. o argumento de que os juízos morais não podem ser emitidos, ou
defendidos, como o podem as afirmações de fatos, por meio de argumentação racional,
evidência ou prova (não-cognitivismo em ética). Hart, 1957.
O elemento principal do
positivismo jurídico é que o direito moderno é o direito positivo é algo posto
por seres humanos para fins humanos. O direito moderno pode ser visto como um
relevante instrumento. É, variadamente, apresentado como um instrumento de
poder governamental, ou simplesmente como um instrumento para facilitar uma
interação social básica e apresentar as
condilões para que os indivíduos possam celebrar avenças, contratos, fazer
testamento, transferir propriedades, recorrer a instituições públicas e, etc.
Outro princípio fundamental do
positivismo jurídico[6] é aquele segundo o qual as
leis de qualquer sociedade podem refletir opções morais e políticas, mas não há
nenhuma ligação necessária ou conceitual entre direito e moral. O direito não
precisa ser moral para ter sua validade reconhecida.
John Austin reconhecido como o
fundador da tradição acadêmica do positivismo jurídico em conferências
publicadas no início da década de 1830: a existência do direito é uma coisa,
seu mérito ou demérito é outra. Essa tese da separação é crucial em outro
elemento do positivismo; o direito deve ser identificado mediante o uso de uma
metodologia relativamente simples (em geral empirista).
A existência do direito era
uma questão factual cuja resposta dependia da observação, e não de um complexo
processo de interpretação e avaliação moral. Para determinar a legalidade da promulgação
de uma lei, por exemplo, bastava apenas proceder a um teste de origem de facto.
Isso ressalta uma relevante
característica do positivismo jurídico: era uma filosofia jurídica profundamente
interessada em reforçar o uso do direito como instrumento do Estado moderno.
A priori, o
positivismo parece oferecer metodologia relativamente simples para se identificar
o direito. Mas, Heidegger introduziu a noção de que qualquer fenômeno social é
capaz de interpretações diferentes e multifacetadas. A questão do verdadeiro ser,
a qual natureza pertence? Não pode ser reduzida a uma perspectiva a não ser por
meio de um ato de dominação intelectual de parte daquela perspectiva ou
metodologia em detrimento de outas.
Substitua-se a palavra
"ser" pela palavra "direito", e a segunda das citações
iniciais, in litteris: "Teremos, em nossa própria época, uma resposta à
pergunta sobre o que realmente queremos dizer com a palavra
"direito"? De modo algum. Convém, portanto, que recoloquemos a
questão do significado do "direito". [7]
Mas estaremos hoje, ao menos,
perplexos diante de nossa incapacidade de compreender a palavra
"direito"? De modo algum. Em primeiro lugar, portanto, devemos
redespertar o entendimento do sentido de tal pergunta."
Desenvolvimento.
Henry Bergson que foi um dos
grandes vultos do pensamento filosófico, afirmou que as palavras são prisões dentro das quais se
contêm ideias, que se transformam, que vivem e se ajustam as situações diferentes. É
preciso penetrar nessas prisões, a partir da estrutura gráfica das palavras,
para entrar em contato com a riqueza do conteúdo que nelas se encerra. É o que
pretendemos fazer, em linhas gerais, com a palavra "direito",
vocábulo trabalhado por gerações através dos séculos de tantas lutas e
indagações, tanto, que se confunde com o próprio destino da espécie humana.
A verdade[8] jurídica é,
essencialmente, ato de valor. Porém, não significa que esta dependa de arbítrio
ou de capricho do sujeito que a propaga. Há de se referir a um discurso
coletivo, em que o consenso se torna a pedra angular[9].
O direito à verdade diante de
graves violações de direitos humanos é criação recente. E, tal existência tem
sido afirmada por organizações internacionais e, em alguns países, reconhecido
pelo Judiciário e até mencionada em alentada legislação. Tanto que se chegou até
a criar as comissões da verdade.
No Brasil, a Lei 12.538/2011 a
que criou a Comissão Nacional da Verdade fez menção à efetivação do direito à
memória e à verdade histórica, como um de seus objetivos (artigo 1º), assumindo
haver um direito com tal designação, mas deixando em aberto qual seria seu
total significado jurídico[10].
Há um sério problema
jurídico-dogmático relativo ao direito à verdade que em primo lugar, passa por
questões referentes ao seu fundamento jurídico. No plano internacional, sua
existência in lato sensu, que hoje lhe é atribuída, tem sido afirmada
por inferência aos diferentes direitos previstos em tratados internacionais, tais
como a proibição da tortura, os direitos a um recurso efetivo e às garantias
judiciais, a proteção à família, o direito de criança e adolescente de
preservar sua identidade.
Em âmbito nacional esta tem
sido inferido de direitos e princípios constitucionais, a exemplo da liberdade de
informação, da forma republicana de governo, do princípio democrático e do
direito de acesso à justiça.
Reconheçamos que é obscuro o
significado do direito à verdade na dimensão coletiva, e que da interferência da
tutela jurisdicional. Sendo possível encontrar no pensamento de Hannah Arendt
as indicações para essa investigação, principalmente suscitado pela
catastrófica experiência do totalitarismo alemão, o que aviventa a imaginação
política para a possibilidade e para as exigências da liberdade.
Nada é tão temerário como
afirmar que a própria dogmática jurídica não consegue colocar a propalada
verdade, seja real ou não, no respectivo ou em algum âmbito filosófico, eis
que, não raras vezes, confunde o paradigma ontológico-clássico com o da
filosofia da consciência, resultando em conceito totalmente sincrético e
autocontraditório.
A busca da verdade real[11] oscila entre o ceticismo
e/ou relativismo, ora atua por pura intuição e, ora por mero senso comum, onde
tudo é relativo e esbraveja que não exigem verdades.
A verdade é uma “chatice”
epistêmica típica do direito processual e adquire os contornos do objeto que
visa tutelar, sendo dever da doutrina que pretende ser crítica, trazer à lume
esse busilis e criticar as versões sobre a verdade.
Afinal, jamais, no processo,
pode-se assegurar que o julgador teria alcançado a verdade objetiva e,
sim, ele é dotado de crença segura que transparece através de provas[12] colhidas e explicada por
sua fundamentação da sentença.
O principal problema do reconhecimento da
verdade esbarra no adagio quad non et in actis, non est in mundo[13],
o que não está nos autos não está no mundo. E, o ponto decisivo para a
compreensão do direito e da hermenêutica contemporânea é a compreensão do papel
assumido pelo sujeito perante a modernidade e, depois, na contemporaneidade.
Conclusão
A busca da verdade é não
apenas um busílis a desafiar os intérpretes do Direito, mas também, e,
principalmente, aos filósofos diante de suas inquietações e reflexões ,
notadamente nas ciências sociais aplicadas[14].
Não há uma única verdade
universal e cabível à tudo e a todos. É uma utopia acreditar que exista uma
verdade absoluta, nem mesmo a carcomida definição existente perante a dicotomia
entre a verdade material versus verdade formal, onde esta via de regra,
predomina no âmbito do processo civil, enquanto aquela predomina no direito
processual penal.
Há muitas verdades. Como a verdade por correspondência ou adequação, a
verdade por coerência, a verdade por consenso ou consentimento. A verdade
argumentativa ou comunicativa é particular e se intensifica por meio da
dialética e em colaboração entre os sujeitos cognoscentes do processo (partes e
juiz que tem papel ativo e dinâmico).
A verdade é normativa pois
respeita o devido processo legal, com maior perspectiva publicista e
constitucionalista do processo, e em que,
sendo convalidada pelo respeito ao procedimento e às normas jurídicas, bem como
comprovada por provas idôneas trazidas pelos sujeitos do processo que terá peso
normativo, de modo que a decisão definitiva, mesmo que não tenha sido proferida
com alto grau de certeza do magistrado, mas tenha mesmo assim transitada em
julgado, que acarretará a formação da coisa julgada e pacificação da lide.
A real relevância da verdade
no processo judicial é a de fazer o sujeito cognoscente seguir o caminho
correto e justo para a aplicação do Direito e consolidação ou pacificação da
decisão judicial. A compreensão da verdade dentro do processo judicial
relaciona-se com suas raízes na Filosofia e nas suas lições sobre a
problemática da busca da verdade.
A busca da verdade nada tem a ver com intolerância, preconceito, discriminação e desumanização. Ao revés, é provavelmente a atividade mais humanística e edificante das ciências humanas.
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Notas:
[1]
Baruch Spinoza: para ele, direito significa força, poder, potência. Cada pessoa
possui um determinado poder e direito é aquilo que corresponde ao seu poder. Os
governantes podem criar leis conforme seus interesses porque possuem um poder
maior que o poder dos demais. Spinoza considera absurdo acreditar que o direito
depende do Estado ou da justiça. Ele pensa que o direito indica somente uma
relação de forças. O direito é o poder de cada um; Jean-Jacques Rousseau: o
direito deve expressar a soberania do próprio povo e garantir a ordem e a
segurança sem abolir a liberdade dos membros da sociedade. Em outras palavras,
o direito deve resultar de decisões da própria coletividade e defender seus
interesses.
[2]
Há uma simbiose indispensável entre o Direito e a Arte para haver uma
construção mais humanista e crítica, seja para galgar a paz social, seja para
conceber a justiça. É indispensável haver uma dimensão construtiva da
existência humana com alcance revelar as mais diversas formas que perpassam no
Direito, Arte e Cultura, trazendo vertiginosa
interdisciplinaridade e franca ascensão.
[3]
Segundo Del Vecchio, se a noção comum e vaga de Direito pode às vezes bastar
para certos fins particulares, é, contudo, insuficiente para os fins superiores
do conhecimento. As manifestações vulgares da atividade jurídica são facilmente
reconhecidas por todos, porém, frente aos problemas mais elevados e gerais,
quando se trata de situar a ideia do Direito na ordem do saber, de
determinar-lhe os elementos essenciais, de distingui-la de outros objetos e
categorias afins, surgem dúvidas e dificuldades que a noção vulgar é impotente
para resolver. A solução de tais problemas requer uma investigação que não pode
ser feita por nenhuma ciência jurídica stricto sensu, isto é, do Direito positivo,
porque cada uma destas ciências tem por objeto só uma parte da realidade
jurídica, enquanto a definição lógica deve abranger todos os sistemas
jurídicos, inclusive os não positivos; isto é, indicar o limite de toda a
possível experiência jurídica.
[4]
Se a finalidade do Direito, é a realização da Justiça, qual seria a finalidade
da justiça? É a construção de uma sociedade melhor mais solidária, mais
igualitária sem preconceitos, e discriminação de raça, gênero, cor ou idade.
Uma sociedade livre, sem pobreza e desigualdades sociais na qual a cidadania e
a dignidade da pessoa humana estão no topo da pirâmide jurídica. E, isso
importar em afirmar que jamais se poderá aplicar o direito de forma a
contrariar esta finalidade, ainda que a lei não seja perfeita nem a melhor.
[5]
Immanuel Kant: para ele, direito é o conjunto de regras estabelecidas pelo
Estado para garantir a liberdade de todos os indivíduos e não somente sua
sobrevivência, como dizia Hobbes. O direito positivo é aceitável somente quando
respeita a regra de outro e preserva a liberdade de todos;
Georg Wilhelm Friedrich
Hegel: afirma que não é possível dar uma única definição do direito. Cada época
elabora um direito com finalidades e características diversas. O direito
moderno é o mais elaborado de todos, porque exprime os valores supremos do
gênero humano. Isso é devido ao fato de ser produto do Estado e não
simplesmente de acordos entre indivíduos. O Estado exprime o interesse geral,
garante a aplicação dos princípios morais e realiza a liberdade humana;
Friedrich Carl von Savigny:
define o direito como produto histórico decorrente da consciência coletiva de
cada povo, que se manifesta em suas tradições e costumes. O espírito do povo
revela-se no direito costumeiro que é sistematizado nos trabalhos dos juristas
nacionais (“direito científico”). O legislador estatal pode ser um dos veículos
de expressão do direito do povo, mas não pode ser o único, nem podemos excluir
que determinadas leis entrem em conflito com o espírito do povo.
[6]
Hans Kelsen: define o direito como organização da força ou ordem de coação. As
normas jurídicas são obrigatórias e aplicam-se mesmo contra a vontade dos
destinatários por meio do emprego de força física. O direito vigora em
determinado território porque consegue ser politicamente imposto e reconhecido
pela maioria da população;
Yevgeniy Bronislavovich
Pachukanis: sustentava que o direito é um fenômeno específico da sociedade
burguesa, que não existiu antes do capitalismo nem existirá após sua abolição;
Robert Alexy: considera que
o direito está estritamente vinculado aos preceitos morais vigentes em
determinada sociedade. Isso significa, em primeiro lugar, que as normas
“extremamente injustas” não são válidas, mesmo que as autoridades do Estado as
apliquem.
[7]
Dimitri Dimoulis define o “Direito” (no sentido do direito objetivo) das
sociedades modernas como sendo “um conjunto de normas que objetiva regulamentar
o comportamento social” e atribui a essas normas seis características: a) são criadas, aplicadas, modificadas e
extintas por autoridades que possuem a competência para tanto; b) são escritas e veiculadas em publicações
oficiais a cargo do Estado; c)
objetivam a manutenção da estrutura social, mesmo se, muitas vezes,
promovem interesses dos mais fracos; d) são, geralmente, respeitadas nas relações
sociais, possuindo um grau satisfatório de eficácia social; e) sua eficácia social é garantida pela
ameaça de coação, ou seja, por meio da possível imposição de sanções; e f) são reconhecidas como vinculantes pela
maioria da população que acredita na legitimidade do direito estatal.
[8]
Em concepção grega, a verdade é aletheia que significa o não oculto, o não
dissimulado, e como tal verdadeiro, é o que se manifesta aos olhos do corpo e
do espírito, é a manifestação do que é ou existe tal como é. O falso é pseudos,
o escondido, encoberto, o dissimulado, parece ser, mas não é como parece. A
palavra verdade tem referência nas formas latinas veritas, veritatis,
associado a verus, por verdadeiro, sobre a raiz do proto-germânico em
wero, por certo ou real. No entanto, também aparece na cultura grega arcaica,
onde é interpretado através do pensamento que esconde a palavra aletheia,
que a partir de pesquisas rigorosas, tanto filológicas quanto filosóficas,
designa o alfa privativo do oculto. A etimologia direta nos coloca na Roma
Imperial, onde a concepção surgida na Grécia se transforma no latim veritas.
Contém a noção de verum-bonum, entendido como aquele que na sua bondade
é visto pela razão como o verdadeiro, isto é, aquele idêntico a si mesmo
apreciado como bom, aplicável especialmente na vida cotidiana regulada pelas
leis.
[9]
Dispõe o art. 156, I, do Código de Processo Penal brasileiro: Art. 156.A prova da alegação incumbirá a
quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo
antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas
urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida; O citado artigo permite ao
juiz de ofício a produção de provas em busca da verdade real ou verdade
possível. Segundo Sérgio Marcos de Moraes Pitombo apud Porto e Silva
(1993): a doutrina dá o nome de
princípio da verdade real ou material à regra, em razão da qual o juiz vela
pela conformidade da postulação das partes com a verdade real, a ele revelada,
pelos resultados da instrução criminal.
Mas, acrescenta o que essa verdade de que se cuida não traz a marca da
plenitude, e sendo, pois, realizável a aproximação, trata-se da ‘verdade
possível’; da verdade, dita processual, ou atingível. Assinala Antônio
Magalhães Gomes Filho que a nossa cultura processual penal ainda
predominantemente inquisitória, “valoriza tudo aquilo que possa ser útil ao esclarecimento da chamada verdade real” (
2001).
[10]
Também a Ministra Cármen Lúcia já recorreu à literatura em seus votos,
articulando passagens de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, às
realidades humanas e conflitos apresentados em julgamento. Existem também obras
jurídicas no mercado que, muito embora não se voltem para a regulação jurídica
da arte ou direitos conexos, utiliza-se da arte para iluminar os temas
jurídicos tratados. “Enquanto coisa
assim se ata, a gente sente mais é o que o corpo a próprio é: coração bem
batendo. ...o real roda e põe diante. Essas são as horas da gente. As outras,
de todo tempo, são as horas de todos...amor desse, cresce primeiro; brota é
depois. ... a vida não é entendível”. Trecho da obra citada em seu voto no
julgamento conjunto da ADPF 132 e ADI 4277. Já o Ministro Carlos Ayres Britto,
um verdadeiro poeta de toga, pelo Supremo Tribunal Federal, onde sempre
expressou o seu lado humanista e lírico, com intervenções poéticas em suas
manifestações orais e mesmo em seus votos escritos no julgamento da ADPF 132 e
ADI 4277, citou em seu voto um poema de Fernando Pessoa e um poema alegadamente
psicografado por Chico Xavier.
[11]
Pela prova se busca investigar a verdade dos fatos ocorridos, sobre os quais a
regra jurídica abstrata será aplicada. A descoberta da verdade sempre foi indispensável para o processo, sendo um dos
seus objetivos. Os princípios da verdade formal e real atuam em campos
diferentes, não sendo um oposto ao outro. A verdade formal delimita a prova
utilizada na racionalização da decisão e
a verdade real permite trazer aos autos provas independentemente da vontade ou
iniciativa das partes.
[12]
O procedimento probatório é dividido em quatro fases: a admissão, momento em
que ao analisar as provas mostradas, estas são aceitas por parte do juiz. A
proposição, é quando as partes (Ministério Público e o acusado) propõem ao juiz
as provas. A produção, a fase em que, após as provas serem propostas e
autorizadas, devem ser realizadas de maneira legal e legítima. Por fim, vem a
valoração, a fase em que o juiz vai detalhadamente fazer uma análise das provas
apuradas durante o procedimento. A valoração das provas é a fase em que o juiz
exercerá a função de juízo crítico avaliativo sobre as provas produzidas, tendo
como objetivo: fundamentar sua decisão. O magistrado deve atentar-se para
analisar as provas, resguardando o princípio da vedação da prova ilícita,
segundo o artigo 5º, inciso LVI da CF, pois se ingressar no processo provas
obtidas “por meio ilícitos, deve ser desentranhada” (BRASIL, 1988). Logo, o
juiz não pode fundamentar sua decisão com base em provas ilícitas, e se
acontecer, poderá haver declaração de nulidade da sentença pelo órgão
competente revisor (em grau de recurso).
[13]
O que não está no processo, não está no mundo. Isto parece e é profundo, mas
não é da lavra do advogado. É um axioma jurídico, um brocardo latino: Quod non est in actis, non est in hoc
mundo. O mundo verdadeiro está na lei. Quod non est in actis non est in
mundo é uma expressão latina que atualmente é utilizada no direito processual
da maioria dos países, e está enquadrada
na garantia das pessoas ao devido processo . O brocardo traduz
literalmente como " o que não está nos registros, não está no mundo
"; e, num sentido mais
interpretativo como « o que não está no arquivo, não existe no
processo».
[14]
Explica Marilena Chauí que para a atitude crítica ou filosófica, a verdade nasce
da decisão e da deliberação de encontrá-la, da consciência da ignorância, do
espanto, da admiração e do desejo de saber. Nessa busca, a filosofia é herdeira
de três grandes concepções de verdade, a saber: a do ver-perceber, a do
falar-dizer e a do crer-confiar. E, a respeito da questão-problema da verdade,
ensinou Cristiano Chaves de Farias apud Michele Taruffo reconhece a
impossibilidade se tratar a matéria sem percorrer outras áreas do conhecimento
humano, especialmente, a Filosofia, a Psicologia e a Antropologia e a História.
Enfim, a própria indagação, do que seja a verdade tem intrínseco valor nas
discussões filosóficas.