A Proteção do Direito à Saúde por Mandado de Segurança
A judicialização da saúde por via de mandado de segurança divide a doutrina e a jurisprudência do Brasil, mas, infelizmente faz-se necessária para a defesa do direito à saúde e o direito à saúde, endossando o princípio basilar da preservação da dignidade humana.
O
direito à saúde[1],
o direito à vida e a uma sobrevivência digna cada vez mais é levado até a
apreciação do Judiciário e, diversos pedidos englobam as mais aperfeiçoadas
tecnologias não previstas entre os atos normativos do SUS.
Igualmente,
entre os pedidos há a previsão de medicamentos, produtos e procedimentos que
não seguem padrões anteriores de impetração do writ. Procurou-se
analisar a adequação do mandado de segurança como a via processual apropriada para
se tutelar o direito à saúde e seus corolários.
Devido
à ausência de dilação probatória, há que observe que o mandado de segurança não
seria o instrumento processual mais adequado, devendo, em regra, ser escolhida
a via ordinário, em respeito ao contraditório, a ampla defesa, sem haver prejuízo
do acesso à justiça.
É
recorrente o tema do direito à saúde ser submetido à apreciação do Judiciário
brasileiro e, são muitos os debates em face de sua vasta complexidade. E, a
discussão passa sobre o controle judicial de políticas públicas, a separação de
poderes, o mínimo existencial, a reserva do possível, o modelo institucional e
constitucional do Sistema único de Saúde, entre outros pontos.
De
certa forma a judicialização da saúde revela a grande preocupação do judiciário
e seus reflexos, voltada para o uso de tecnologias avançadas em saúde, bem como
medicamentos e produtos e procedimentos terapêuticos mais eficazes.
Apesar
das críticas a respeito dos parâmetros definidos pelo Judiciário brasileiro,
não é possível deixar de reconhecer o efeito positivo que é a maior
previsibilidade decisória bem como a segurança jurídica. Entre os mais
relevantes exemplos estão os julgamentos onde se fixou os requisitos
cumulativos para fornecimento de medicamentos não previstos em atos normativos
do SUS[2]. Bem como a concessão
judicial de fármaco sem registro sanitário prévio, também estabelecendo
requisitos cumulativos.
De
toda sorte as teses expostas e assumidas pelos tribunais vêm conferindo maior
racionalidade e contribuindo para o bom tratamento coletivo da temática.
Principalmente, em face da grande procura pelo SUS, diante da crise econômica e
social vivenciada pelo país. Obviamente que o aumento da procura do SUS
significa igualmente o crescimento do número de demandas judiciais da saúde. E,
nesse contexto, observar a farta utilização do mandado de segurança para manter
e obter o medicamento ou outra tecnologia.
Considerando
a especificidade do procedimento e, ainda, a necessidade de celeridade e,
ainda, pela ausência de instrução probatória, verifica-se que o mandado de
segurança é meio inadequado para tal tutela.
Em
2018, STJ fixou tese sobre a concessão de medicamentos não padronizados REsp nº
1.657.156/RJ, fixando a seguinte tese: A concessão dos medicamentos não
incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos
seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado
expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do
medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos
fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo
do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA,
observados os usos autorizados pela agência.
Modula-se
(sic) os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima
elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos
distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja,
4/5/2018.
É
importante destacar que os requisitos acima citados são cumulativos e, a parte
deve demonstrar sua incapacidade financeira em adquirir o medicamente e, ainda
comprovar a existência de registro na ANVISA. É de suma importância o laudo
médico que precisa ser fundamentado e circunstanciado, apontando para a
imprescindibilidade e total necessidade do medicamento não padronizado, bem
como a sua respectiva ineficácia do medicamento fornecida pela rede pública de
saúde.
E,
também o relatório deve ser expedido e assinado por médico responsável pelo
tratamento terapêutico do paciente, não importante se vinculado ou não ao SUS.
Como é sabido, o ônus da prova é do autor da ação, afirmando que a prova deve
ser idônea e conclusiva. E, assim o laudo médico deverá conter obrigatoriamente
alguns elementos, não se tratando de mera prescrição ou receituário. Tal
relatório deve ser fundamentado e completo, explicado e detalhado.
E, o
documento ainda deverá ser circunstanciado, no sentido de apresentar
características dos pacientes, exames clínicos realizados e acompanho,
preferencialmente, de cópia do prontuário.
Deve
também comprovar que o médico subscritor do laudo efetivamente conhece e
assiste o paciente. Deve-se verificar se o laudo está no original, devidamente
datado e com a identificação do médico e atualizado. O médico poderá ser
profissional público ou privado. A lei não exige que a prescrição do
medicamente seja feita apenas por médico vinculado ao SUS.
A
Primeira Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo Conselho Nacional de
Justiça foi estabelecido o Enunciado 15 da qual se pode destacar elementos
essenciais das prescrições médicas: o tratamento ou medicamento precisa ser
identificado por sua denominação comum brasileira (DCB), ou então, por sua
Denominação Comum Internacional (DCI), seguida de seu princípio químico ativo.
Destacam-se
ainda: posologia (dosagem), modo e tempo de administração. Caso a prescrição
médica seja distinta daquela expressamente indicada pelo fabricante, deve o
profissional apresentar justificativa técnica.
O
Estado do Rio de Janeiro opôs embargos declaratórios em face de acórdão
proferido no REsp 1.657.156/RJ, justamente para que fosse obrigatória a
observância do Enunciado 15 da Primeira Jornada de Direito da Saúde.
Não
foram acolhidos tais embargos, sob o fundamento de que não cabe ao STJ definir
a prova a ser recebida pelos juízes das instâncias ordinárias. E, segundo o
Relator Benedito Gonçalves, incumbe ao juiz verificar, cada caso concreto, se
as informações consignadas no laudo médico são suficientes para instrução e
formação de seu convencimento. Se entender que o laudo em questão for
insatisfatório, poderá solicitar outras provas, de acordo com o artigo 370 CPC.
Salientou-se, também, que o laudo médico não é vinculativo, devendo ser
necessariamente submetido ao contraditório.
Através
do meio de embargos de declaração fora trazida a pretensão de que o requisito
da ineficácia do medicamento fornecido pelo SUS[3] fosse absoluta. Noutros
termos, pretendeu-se a fixação de requisito segundo o qual o fármaco fornecido pela
rede pública não produzisse qualquer efeito terapêutico ao paciente.
O STJ
afastou tal pedido, sustentando que, com certeza, algum efeito deve produzir o
medicamento fornecido pela rede pública.
Do
contrário, nem seria produzido ou comercializado. E, firmou-se que caberá ao
julgador analisar se o medicamento pretendido traz ou não alguma melhoria na
resposta terapêutica, quando comparado com o fármaco fornecido pelo SUS.
A
respeito da ineficácia do tratamento terapêutico fornecido pela rede pública de
saúde é tratado no Enunciado 12 das Jornadas de Direito da Saúde, com expressa
referência ao REsp retromencionado.
Observou-se
que a decisão do STJ ora em comento, está restrita ao fornecimento de
medicamentos não padronizados, não abrangendo, portanto, a dispensação de
produtos de interesse para a saúde (órteses, próteses e, etc.), nem a
realização de procedimentos terapêuticos.
Enquanto não existam julgamentos específicos,
tal tese pode ser reconhecida como relevante para a fase instrutória e
decisória nas ações de saúde que não envolvam medicamentos, de modo a ser
abrangido todo o espectro da assistência terapêutica integral.
E, nesse sentido, há também o Enunciado 75 da
Terceira Jornada de Direito da Saúde que fixou os requisitos estabelecidos no
julgamento do REsp 1.657.156. se aplica a quaisquer pedidos de tratamentos de
saúde não previstos em políticas públicas.
É
indispensável tecer considerações sobre o mandado de segurança que está
previsto no artigo 5, LXIX de CF/1988, sendo disciplinado pela Lei 12.016/2009,
sendo destinado a proteger o direito líquido e certo, ofendido por ilegalidade
ou abuso do poder praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica
no exercício de atribuições do Poder Público.
Sublinhe-se sua subsidiariedade já que só pode
ser usado nas hipóteses de não cabimento de habeas corpus ou habeas data. Destacando-se
a sumariedade e a celeridade do procedimento. Em geral, o momento de produção
de prova pelo impetrante corresponde à própria propositura do writ, por
meio de documentação pré-constituída e anexada à exordial.
E, as
provas demonstram tanto a existência concreta do direito líquido e certo,
quanto a prática de ilegalidade ou abuso de poder que devem acompanhar a
petição inicial, não havendo a possibilidade posterior apresentação.
No
entanto, há duas exceções, a saber: a)
quando a documentação não estiver ao alcance do impetrante, hipótese em que
deve ser requerida sua exibição em juízo; e b) quando as informações da
autoridade coatora ou a resposta da pessoa jurídica interessada vierem
acompanhadas de outros documentos, situação em que, em respeito ao
contraditório, o impetrante terá direito à contraprova por meio de novos
documentos, conforme artigo 435, caput, do Código de Processo Civil.
A
autoridade coatora e a pessoa jurídica interessada, por sua vez, poderão
apresentar documentos quando apresentada as informações e resposta à demanda.
Conveniente esclarecer o que vem a ser o
direito líquido e certo. E, em geral, líquido e certo é aquele direito que pode
ser comprovado de plano, por meio de prova documental pré-constituída. E, a
liquidez e certeza dizem respeito ao fato, sobre o qual a prova deve se
dedicar. E, verifica-se que a principal discussão no writ possui
natureza fática. Não importa a complexidade da tese jurídica.
O direito líquido e certo é considerado como
uma condição especial da ação, de modo que uma vez ausente a prova
pré-constituída da situação fática, o mandado de segurança deverá ser extinto
sem julgamento de mérito.
E, as
condições da ação devem ser suficientemente aferidas, examinando-se as
alegações da peça exordial. E, as condições além de analisadas devem ser
mantidas ao longo de todo processo, ainda que estejam sujeitas a alterações. E,
assim, o julgador avaliará tais modificações com fulcro em provas existentes
nos autos. E, assim, notar que o fato e as condições da ação ao serem
analisadas seja no momento intermediário ou final do processo, não as
transformam em mérito.
É
equivocado afirmar que as condições da ação não podem ser avaliadas com base em
prova dos autos, sendo certo que a rejeição da pretensão por inobservância de
requisito de ordem instrumental não resulta em solução do mérito da causa.
Assim, o direito líquido e certo, condição especial da ação mandamental, é
verificado pelo julgador em duas ocasiões basicamente: ao despachar a petição
inicial e ao sentenciar.
E, se
a ausência de direito líquido e certo já for constatado logo no início, o
processo deverá ser extinto por carência de ação. A cognição é sumária,
realizando-se um juízo de aparência. E, nessa etapa, basta plausabilidade de
existência da liquidez e da certeza. Posteriormente, quando da prolação de
decisão final, realiza-se um juízo de certeza, em cognição exauriente. E, nesse
segundo estágio, o juiz confirma ou não, a plausabilidade de existência do direito
líquido e certo.
Isto é, completado o contraditório, o juiz
volta a apreciar as provas documentais trazidas pelas partes. E, se as provas permitirem
um juízo de certeza quanto à existência ou inexistência do direito do
impetrante, será proferida uma sentença de mérito. Por outro viés, se as provas
foram insuficientes, a segurança será negada sem resolução do mérito, ou seja, o
processo será extinto por carência de ação, por faltar uma condição especial de
procedibilidade.
Em
tempo, convém recordar que a coisa julgada estará diretamente referente ao
direito líquido e certo. E, caso haja prova suficiente sobre a existência ou
não do direito líquido e certo que foi alegado pelo impetrante, o feito é
extinto com julgamento de mérito, produzindo coisa julgada material.
E, por
outro viés, se a aludida prova for insuficiente, não se analisa o mérito,
produzindo apenas a coisa julgada formal. E, assim, respeitado o prazo
decadencial de cento e vinte dias, o pedido mandamental poderá ser renovado, conforme
prevê o artigo 6, §6º da Lei 12.016/2009. Afora isso, poderá se optar pelas
vias ordinárias, seja ultrapassado ou não o lapso temporal decadencial.
Eis
que o artigo 196 do texto constitucional brasileiro vigente traz a previsão do
direito à saúde, sendo frequentemente declarado nos mais diversos meios e,
lendo o enunciado, verifica-se que tal direito é previsto de forma qualificada,
e, não se refere a um simples e absoluto direito à saúde.
Sendo
direito de todos e dever do Estado, deve se entender e conjugar todos os
elementos contidos no dispositivo legal. O direito à saúde será garantido
através de políticas sociais, econômicas, isto é, políticas públicas. E, deve
haver políticas públicas direcionadas à redução de risco de doenças e ao acesso
universal e igualitário dos pacientes cidadãos.
Traduz-se
que há o direito à saúde tutelado em sua face coletiva, o que não pode deixar
de ser notado. E, pode ser intuído que o direito à saúde, em geral, refere-se
àquilo que resta previsto nas políticas públicas respectivas. E, caso haja
negativa, devidamente documentada, seja de algum medicamento ou tecnologia
prevista no programa oficial do SUS, não resta dúvida que o indivíduo tem
direito líquido e certo violado podendo se valer do writ para se afastar
da ofensa[4].
E,
nesse sentido, há o Enunciado 96, da Terceira Jornada de Direito da Saúde,
promovida pelo CNJ, em março de 2019, que fixou o seguinte teor:
“Somente
se admitirá a impetração de mandado de segurança em matéria de saúde pública
quando o medicamento, produto, órtese, prótese ou procedimento constar em lista
RENAME, RENASES ou protocolo do Sistema Único de Saúde – SUS. 21”
Por
outro lado, em se tratando de tecnologia não incorporada em lista oficial, a situação
precisa ser analisada de maneira distinta, havendo diversos fatos a serem conjugados,
exigindo maior cautela por parte do intérprete-aplicador do direito. Com
efeito, um primeiro ponto que merece destaque corresponde a uma possível
controvérsia científica sobre a tecnologia pretendida.
Não é
aceitável que a discussão científica seja solucionada pelo simples argumento de
que o direito à saúde é previsto constitucionalmente, sob pena de esvaziamento
da análise. A verificação das evidências científicas a respeito da eficácia,
efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento em análise,
comparando-o, em termos de custo-benefício, com as tecnologias[5] já existentes, tratando-se
de atribuição do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional da
Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC).
Não
olvidar a escassez de recursos, bem como o crescente número de usuários e
tecnologias disponíveis no mercado.
E,
assim, cada gestão coletiva dos recursos procura dar maior número de
atendimento aos usuários em prestígio da igualdade e universalidade.
Diante
da grande multiplicidade de tecnologias ligadas a saúde, é preciso haver
padronização, sem o que se torna impossível atender os milhões de usuários do
SUS. Ao lado da autonomia prescritiva do médico, também existe o direito dos
pacientes à escolha do produto, medicamente ou procedimento mais conveniente e
mais eficaz. Assim, se vislumbra inúmeras possibilidades de escolha. E, assim,
é preciso que o Judiciário deixe de considerar a inquestionável prescrição médica,
equilibrando os interesses antagônicos envolvidos e contribuindo para a
integração do sistema de saúde.
Assim,
é necessário que existam as listas oficiais do SUS, referentes aos
medicamentos, produtos e procedimentos, sejam vistas como a regra de
dispensação, podendo, inclusive, servirem de parâmetro objetivo de decisão por
parte do Judiciário.
Tais
atos normativos também não podem ser tidos como absolutos, incontestáveis e,
nas hipóteses em que seja contestada a padronização, é preciso, minimamente,
que se observe o devido processo legal, com instalação do contraditório e
garantia da ampla defesa.
Noutros termos, não se pode aceitar a
existência de direito líquido e certo ao medicamento, produto ou procedimento terapêutico
não previsto nas listas oficiais do SUS. E, pode haver o direito, mas este não
se reveste de liquidez e certeza.
E,
dessa forma, a demanda for levada à apreciação do Judiciário, deve-se seguir a
via processual que preveja a dilação probatória, a fim de que sejam devidamente
analisadas tanto a necessidade da tecnologia não padronizada quanto à
ineficácia da tecnologia padronizada à luz da tese firmada pelo STJ em 2018.
Diante da propositura de ação ordinária, é
possível a realização de prova pericial, permitindo a colheita de maiores
informações sobre o quadro de saúde do impetrante. E, com isso, não há dúvida
que a sentença a ser proferida se mostra mais qualificada, já que poderá
cotejar os documentos médicos trazidos pelo requerente com as conclusões do
perito, tendo, assim, maiores e melhores condições de acolher ou não, o pedido
exordial.
Relevante
sublinhar que a padronização terapêutica do SUS não é absoluta. E, também
suscita discussão. Mas, é fundamental que tal debate ocorre em adequado
ambiente, permitindo que todos conheçam e se contraponham à parte contrária,
sobretudo, com a possibilidade de produção de prova.
Em território mandamental, tal cenário é
impróprio. Não sendo possível realizar perícia e nem espaço para isento profissional
técnico esclarecer se a tecnologia pedida é realmente necessária, se o
tratamento oferecido pelo SUS é ineficaz, se o medicamento é adequado à doença,
se o fármaco poderá ser substituído por outro já disponível em rede pública, ou
ainda, se existem alternativas menos onerosas.
Ainda
que haja laudo médico circunstanciado e fundamentado, não se mostra escorreito
impedir que o ente público tenha oportunidade de se contrapor, de forma
adequado, ao pleito de medicamento, produto ou procedimento terapêutico não
padronizado.
Parte
da doutrina aponta que o mandado de segurança é inadequado para postular
direito individual à saúde, pois os fatos dependem de provas e, tais alegações
de ausência de atendimento do SUS e o risco de morte. Para este, não há direito
líquido e certo a determinado medicamento não previsto em política pública,
sobretudo, quando prescrito por médico particular. E, o fornecimento é possível
desde que precedido de dilação probatória.
O
mandado de segurança é inadequado por não prever fase instrutória, limitando,
de forma sumária, a discussão e ofendendo, simultaneamente, o devido processo
legal, o contraditório e a ampla defesa, além do acesso igualitário e universal
ao SUS.
Igualmente,
mostra-se inadequado o mandado d de segurança como instrumento próprio para
urgência típica das demandas da saúde. Pois, há a tutela provisória de
urgência, a ser proposta em ação ordinária, lastreada em laudo médico anexado à
peça exordial. E, assim, afasta-se a eventual demora no provimento
jurisdicional, sem que se tenha afetado o devido processo legal.
Aliás, a tutela provisória da evidência também
pode ser utilizada. De acordo com o artigo 311, inciso II, do Código de
Processo Civil, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco
ao resultado útil do processo, a tutela da evidência será deferida se os fatos
dependerem de comprovação documental e se houver tese fixada em julgamento de
casos repetitivos ou em súmula vinculante.
Vide o
caso. O REsp nº 1.657.156/RJ foi julgado sob a sistemática dos recursos
repetitivos, sendo originada tese de observância obrigatória. Assim, caso o
laudo médico seja fundamentado e circunstanciado acerca da tecnologia não
padronizada e da ineficácia da alternativa padronizada, é possível a concessão
de tutela da evidência.
Sintetizando
a explanação acima, o direito à saúde, mais precisamente o direito à tecnologia
não prevista em listas oficiais, deve ser discutido no bojo de ações ordinárias,
com possibilidade de produção probatória, a fim de que haja um equilíbrio entre
o acesso à justiça, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Um
levantamento jurisprudencial nos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, São
Paulo e Rio de Janeiro demonstra que não há consenso sobre a inadequação do
mandado de segurança como instrumento processual para se tutelar o direito à
saúde, com destaque para a dispensa de medicamentos.
O tema não é pacífico e, há decisões em ambos
os sentidos. E, constata-se certo crescimento da corrente jurisprudencial que
considera inadequada, dada a ausência da dilação probatória.
Vide o Mandado de Segurança nº
1.0000.18.021395-1/000 (fornecimento de sonda), entendeu-se que a liquidez e a
certeza do direito não foram verificadas com base nas provas juntadas pelo
impetrante, mostrando-se imprescindível a dilação probatória. Diante disso,
julgou-se inadequada a via do mandado de segurança no caso em apreço,
cassando-se a liminar anteriormente concedida e denegando-se a segurança, sem
prejuízo da discussão nas vias ordinárias.
No Mandado de Segurança nº 1.0000.18.029194-0/000 (fornecimento de medicamentos e insumos), a despeito de voto divergente, considerou-se o relatório médico particular como um documento unilateral, afastado do contraditório constitucional, não constituindo prova exaustiva do fundamento fático sustentado pela impetrante. Tal documento foi visto como mero indício da alegação, não possuindo autoridade suficiente para embasar direito líquido e certo. Assim, não ficou comprovada a superioridade do tratamento pleiteado em relação ao padronizado pelo gestor público, nem não ficou demonstrada a inexistência de tratamento similar com a mesma eficácia. Nessa linha, acolheu-se a preliminar de inadequação da via eleita.
No
Mandado de Segurança nº 1.0188.17.012213-2/001 (fornecimento de medicamento),
consignou-se que, em ações ordinárias, o relatório médico particular poderia
servir de fundamento para antecipação da tutela jurisdicional, caso atestasse a
urgência do tratamento e a impossibilidade de substituição por tecnologia
fornecida pelo SUS.
Porém,
considerando a natureza do laudo apresentado (particular), entendeu-se
imprescindível a dilação probatória para a efetiva elucidação do fato.
Anotou-se que o contraditório e a ampla defesa deveriam ser garantidos ao Poder
Público nos processos em geral, o que incluiria, por óbvio, as ações sobre
direito à saúde. Diante da necessidade de dilação probatória, a via eleita foi
considerada inadequada.
Na
Apelação Cível nº 1001645-65.2019.8.26.0038, pontuou-se a falta de relatório
médico nos moldes da tese fixada pelo STJ, não bastando a mera prescrição
acerca dos fármacos a serem utilizados. Afirmou-se que o direito líquido e certo
não estava demonstrado, mostrando-se necessária a dilação probatória com a realização
de perícia. Diante disso, julgou-se inadequada a via eleita (mandado de segurança),
confirmando-se a sentença de extinção do feito sem julgamento do mérito.
Na
Apelação Cível nº 1001729-30.2018.8.26.0514 (fornecimento de certa insulina,
medidor, tiras reagentes e agulhas), entendeu-se que não ficara comprovado que
o tratamento pleiteado era imprescindível e não poderia ser substituído pelas
tecnologias já incorporadas ao SUS. Inexistente tal prova e tendo em vista a
impossibilidade de dilação probatória em sede mandamental, denegou-se a ordem.
Na Apelação Cível nº 1004923-37.2018.8.26.0482
(tratamento de asma e alergia), considerou-se que, dada a especificidade do
tratamento pleiteado, o caso comportava dilação probatória. Salientou-se que
haveria uma análise mais adequada se o procedimento previsse tal fase
instrutória, permitindo aferir a real necessidade do tratamento. Como a via
eleita não permitia dilação probatória, denegou-se a segurança.
Na
Remessa Necessária nº 1006138-19.2017.8.26.0309, destacou-se que o relatório
médico apresentado era breve e não esclarecia se o fornecimento pretendido era
o único eficaz no tratamento da doença.
Salientou-se
que o protocolo clínico não deveria ser visto como um entrave burocrático,
podendo ser superado desde que houvesse prova técnica inequívoca em sentido
contrário. Concluiu-se que a necessidade dos medicamentos não ficara provada.
Tendo em vista a especificidade do rito mandamental, denegou-se a ordem,
podendo a impetrante buscar o fornecimento pela via adequada.
Na Apelação Cível nº 1004961-65.2018.8.26.0024,
também foi reconhecida a inadequação da via eleita. Fundamentou-se com a
constatação de que não ficara comprovada, de plano e de acordo com a tese
definida pelo STJ, a ineficácia dos medicamentos fornecidos pelo SUS para
tratamento da moléstia. Considerou-se controvertida a questão, não havendo
liquidez e certeza do direito invocado.
Todos
os julgados acima são recentes e estão no sentido da necessidade de produção de
prova, dilação não permitida na sede mandamental. Diante disso, impôs-se a
extinção dos processos, sem julgamento de mérito e sem prejuízo de nova
discussão (de preferência, pelas vias ordinárias).
O
direito à saúde é disciplinado qualificadamente pela Constituição Federal
brasileira de 1988 devendo ser garantido por meio de programas socioeconômicos
direcionados à redução de riscos de doenças e ao acesso universal e igualitário
dos usuários.
A
revisão e execução de políticas públicas visam a atingir o maior número
possível de usuários, com o fornecimento progressivo de ações e serviços de
saúde.
Assim,
utilizam-se as listas oficiais que apresentam os instrumentos fundamentais de
implementação das referidas políticas públicas, prestigiando a universalidade e
a igualdade entre os usuários do sistema de saúde. E tais programas devem ser a
regra, e a dispensa de medicamentos, produtos e terapias, a exceção para não
haver comprometimento de tratamento coletivo das diversas necessidades de saúde
da população.
Por
não permitir ciosa verificação do fato alegado, o mandado de segurança não se
apresenta como via processual adequada para se pleitear medicamento, produto ou
terapia não previstos nas listas oficiais do SUS. Diferentemente, é o caso do
mandado de segurança coletivo que visa assegurar direito coletivo, que é o que
pertence a uma coletividade ou categoria, representada por partido político, organização
sindical ou entidade de classe, bem como associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelo menos um ano, na forma da Constituição Federal de 1988.
O STJ
diferenciou a natureza jurídica da representação na ação coletiva da no Mandado
de Segurança Coletivo, in litteris:
Art.
5º (...)
XXI -
as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade
para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
LXX -
o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: b) organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou
associados; (Constituição Federal, 1988)
Na
análise conjunta do artigo 5º, inciso XXI e LXX, “b”, ambos da Constituição
Federal, é possível observar que, no Mandado Coletivo, a associação é
substituta processual, ou seja, a associação “atua em nome próprio defendendo
direito alheio pertencente aos associados ou parte deles”
É
preciso que a imprescindibilidade da tecnologia pretendida e a ineficácia da
alternativa disponível em rede pública de saúde seja inconteste, conforme tese
já fixada pelo STJ, devendo ser aferidas satisfatoriamente em cada caso
concreto.
Desta
forma, a via ordinária seria o procedimento mais adequado, já que, ao permitir
a dilação probatória, conjuga o necessário acesso à justiça com o respeito ao
contraditório, ampla defesa, sem prejuízo da urgência reclamada em muitos casos
e, mais, sem comprometimento das políticas públicas de saúde.
Em
julgamento finalizado em 08.06.2022 a Segunda Seção do STJ entendeu ser
taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela ANS, não
estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem os tratamentos não
previstos na lista.
Porém,
o colegiado fixou parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos
custeiem os procedimentos não previstos na lista, a exemplo de terapias com
recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e, que tenham
comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.
A
decisão ocorreu por maioria de votos e, a seção definiu as seguintes teses, a
sabe:
1. O
rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;
2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é
obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a
cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao
rol;
3. É
possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo
contratual para a cobertura de procedimento extra rol;
4. Não
havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS,
pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo
médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido
expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde
suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina
baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome
nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando
possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com
expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol
de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da
competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade
passiva ad causam da ANS.
Em
relação às quatro condicionantes do item "4", a seção citou os
enunciados 23, 33 e 97 das Jornadas de Direito em Saúde.
Prevaleceu
na sessão a posição do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que incorporou em
seu voto acréscimos trazidos em voto-vista pelo ministro Villas Bôas Cueva,
apresentado nesta quarta. Também votaram com o relator os ministros Raul
Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.
Ficaram
vencidos no julgamento a ministra Nancy Andrighi, e os ministros Paulo de Tarso
Sanseverino e Moura Ribeiro, para os quais o rol da ANS[6] teria caráter meramente
exemplificativo.
Com
base nas balizas estabelecidas no julgamento, a Segunda Seção entendeu, no
EREsp 1.886.929, que o plano de saúde é obrigado a custear tratamento não
contido no rol para um paciente com diagnóstico de esquizofrenia, e, no EREsp
1.889.704, que a operadora deve cobrir tratamento para uma pessoa com
transtorno do espectro autista, porque a ANS já reconhecia a terapia ABA como
contemplada nas sessões de psicoterapia do rol de saúde suplementar.
Ainda
que a lista seja taxativa, Salomão salientou que, em diversas situações, é
possível ao Judiciário determinar que o plano garanta ao beneficiário a
cobertura de procedimento não previsto pela agência reguladora, a depender de critérios
técnicos e da demonstração da necessidade e da pertinência do tratamento.
O
Ministro Salomão também reforçou que, em nenhum outro país do mundo, há lista
aberta de procedimentos e eventos em saúde de cobertura obrigatória pelos
planos privados pelo sistema público. Ele lembrou, ainda, que a lista da ANS é
elaborada com base em profundo estudo técnico, sendo vedado ao Judiciário, de
forma discricionária, substituir a administração no exercício de sua função
regulatória.
Em seu
voto-vista, ao apresentar parâmetros para que a taxatividade do rol seja
excepcionalmente mitigada, o ministro Villas Bôas Cueva lembrou que a ANS, ao
elaborar a lista, deve considerar que a assistência suplementar à saúde
compreende todas as ações necessárias para a prevenção da doença e a
recuperação, manutenção e reabilitação física, mental e psicológica do
paciente, observados os termos da lei e o contrato firmado entre as partes.
Segundo
o ministro, a agência reguladora define o rol a partir de sucessivos ciclos de
atualização, em prazo que foi reduzido de dois anos para seis meses. Para essa
atualização, apontou, são levadas em consideração análise técnicas e de impacto
orçamentário, além de receber sugestões de órgãos públicos e da sociedade
civil.
"O
que consta no rol da ANS – atualizado periodicamente, com auxílio técnico e
participação social e dos demais atores do setor –, são procedimentos mínimos
obrigatórios para tratar doenças catalogadas pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) e que devem, necessariamente, ser oferecidos pelas operadoras de planos
de saúde. Todavia, essas são exigências mínimas obrigatórias, não sendo vedada
a contratação de coberturas ampliadas", afirmou.
Para o
magistrado, o modelo de saúde suplementar adotado pela legislação brasileira é
de um rol taxativo mínimo, devendo o consumidor ser esclarecido dessa limitação
em todas as fases da contratação e da execução dos serviços para, assim,
decidir entre as opções disponíveis no mercado.
Entretanto, o ministro Cueva apontou que essa
posição não deve ser considerada absoluta. Ele destacou que a atividade
administrativa regulatória é sujeita ao controle do Judiciário, a quem compete
combater eventuais abusos, arbitrariedades e ilegalidades no setor.
"Desse
modo, o Judiciário não pode ser conivente com eventuais ineficiências da ANS,
devendo compatibilizar, em casos específicos, os diversos interesses
contrapostos: operadora e usuário desassistido, saúde de alguns e saúde de
outros (mutualidade), vigilância em saúde suplementar e atendimento integral a
beneficiários doentes", completou o ministro. Vide os EREsp 1886929 e
EREsp 1889704.).
É
importante entender qual a diferença entre um rol de procedimentos taxativo ou
exemplificativo:
Taxativo:
segue uma lista definitiva (limitada) definida pela agência legisladora. Neste
caso, a lista usada será a Resolução Normativa (RN) Nº 465, de 24 de fevereiro
de 2021, que incorporou 69 (sessenta e nove) novos procedimentos ao rol;
Um rol
exemplificativo é aquele que lista procedimentos mínimos obrigatórios, porém,
contempla procedimentos mais modernos e técnicas específicas, assim como
indicações médicas não constantes no rol de procedimentos.
Algo
importante a se entender quando falamos do rol exemplificativo, o que
atualmente está em vigência, é que ele é passível de interpretação. Isso
significa que podem ser concedidos procedimentos além dos previstos.
A Lei
14.307/2022, referente ao processo de atualização das coberturas do rol de
procedimentos da ANS. A legislação em questão trata da obrigatoriedade no
custeio de tratamentos orais e de uso domiciliar para o câncer.
Ela
aborda ainda novos prazos para a atualização do rol de procedimentos da ANS,
bem como a criação de uma comissão para análise de novos procedimentos e outros
pontos. Sendo assim, a agência reguladora segue sendo responsável pela
elaboração do rol de procedimentos de cobertura mínima pelos planos de saúde e
já se posicionou favorável a taxatividade da lista.
O entendimento do STJ[7] é de que a lista, embora
taxativa, admita algumas exceções, como terapias recomendadas expressamente
pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tratamentos para câncer, portadores de
HIV ou algum tipo de mutação genética que atinge mais pessoas, também terão
continuidade no tratamento.
Há ainda a previsão para caso não haja substituto terapêutico ou depois que os procedimentos incluídos na lista da ANS forem esgotados, o plano arca com a cobertura de tratamento fora do rol, indicado pelo médico ou odontólogo assistente. Aquelas situações que atingem a maioria das pessoas, situações normais e comuns continuarão sendo atendidas.
Referências
ANS.
Esclarecimentos da ANS sobre taxatividade do Rol de Coberturas Obrigatórias. Disponível
em: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/sobre-ans/esclarecimentos-da-ans-sobre-taxatividade-do-rol-de-coberturas-obrigatorias
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Luiz Mário Araújo Camacho. Mandado de Segurança Coletivo beneficia todos os
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GOMES,
Josiane Araújo. Contratos de Planos de Saúde: a Busca Judicial Pelo Equilíbrio
de Interesses entre Usuários e as Operadoras de Planos de Saúde. Belo
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MELQUÍADES,
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Pandemia do Novo Coronavírus. São Paulo: RT, 2020.
NEVES,
Daniel Amorim Assumpção. Ações Constitucionais. 2.ed. São Paulo: Método, 2013.
Notícias
STJ. Rol da ANS é taxativo, com possibilidades de cobertura de procedimentos
não previstos na lista. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/08062022-Rol-da-ANS-e-taxativo--com-possibilidades-de-cobertura-de-procedimentos-nao-previstos-na-lista.aspx
Acesso em 14.6.2022.
RESOLUÇÃO
NORMATIVA - RN Nº 465 DE 24 DE FEVEREIRO DE 2021 Disponível em: https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=NDAzMw==
Acesso em 14.6.2022.
SILVA,
José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 37ª edição. São Paulo:
Malheiros Editores, 2014.
SILVA,
Júlio César Ballerini. Direito à Saúde Na Justiça. Teoria e Prática. São Paulo: Imperium, 2020.
THEODORO
JUNIOR, Humberto. Lei do Mandado de Segurança Comentada. Artigo por artigo.
2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Notas:
[1]
A Organização Mundial da Saúde (OMS) fixa em sua Constituição tanto o conceito
de saúde, como os princípios que devem reger a proteção da saúde de todos os
povos, invocando para tanto os princípios da felicidade, relações harmoniosas e
seguridades dos povos.3 Define saúde como um: “estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou
enfermidade”. Na sequência, estabelece
os princípios que devem guiar a compreensão da saúde, que podem ser
sintetizados nos seguintes pontos: (i) Igualdade: é um direito fundamental garantido a todo ser humano, sem
distinção de raça, religião, ideologia política e condição econômica social;
(ii) Paz e segurança: a saúde de todos os povos é uma condição fundamental para
atingir a paz e a segurança, por depender de uma ampla cooperação das pessoas e
do Estado; (iii) Fomento e proteção evita o perigo comum: os resultados
alcançados por cada Estado no fomento e desenvolvimento da proteção à saúde são
valiosos para todos; principalmente, em
relação às doenças transmissíveis que constituem um período comum; (iv)
Desenvolvimento da criança: a criança tem uma importância fundamental, sendo indispensável o estimulo à capacidade
de viver em harmonia com o mundo que muda constantemente; (v) Conhecimento:
estender para todos os povos os benefícios dos conhecimentos médicos,
psicológicos e afins são essenciais para alcançar o mais alto grau de saúde;
(vi) Informação: a opinião pública bem
informada e a cooperação ativa por parte do público são de importância capital
para a melhoria da saúde de um povo; (vii) Responsabilidade do Estado: o
governo tem responsabilidade pela saúde de seu povo, principalmente, deve
adotar medidas sanitárias e sociais adequadas.
A saúde é um direito fundamental do ser humano e tem como fim garantir
às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social,
segundo arts. 2º e 3º, parágrafo único, da Lei 8.080/1990, a Lei Orgânica da
Saúde (LOS), que adota o conceito da Organização Mundial da Saúde. Prevê ainda
que a análise dos níveis de saúde da população expressa a organização social e
econômica do País, tendo como fatores determinantes e condicionantes,
destacando, dentre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o
acesso aos bens e serviços essenciais.
[2]
O SUS tem como principais atribuições,
além de outras que pode ser fixadas por lei: (i) controlar e fiscalizar
procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da
produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros
insumos; (ii) executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem
como as de saúde do trabalhador; (iii) ordenar a formação de recursos humanos
na área de saúde; (iv) participar da formulação da política e da execução das
ações de saneamento básico; (v) incrementar, em sua área de atuação, o
desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação;53 (vi) fiscalizar e
inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem
como bebidas e águas para consumo humano; (vii) participar do controle e
fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e
produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; (viii) colaborar na proteção do
meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
[3]
O SUS conta com uma ampla gama de normas que buscam regulamentar a Constituição
Federal e indicar caminhos mais precisos para consecução de seus fins. Apontam-se como principais textos a Lei
Federal 8.080, de 19 de setembro de 1990, conhecida como Lei Orgânica da Saúde
(LOS) e a Lei Federal 8.142, de 28.12.1990. Merecem especial atenção as normas
operacionais do Sistema: a Norma Operacional Básica de Saúde (NOB) e a Norma Operacional
de Assistência à Saúde (NOAS-SUS), além
da Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que define o Sistema Nacional de
Vigilância Sanitária e cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Lei
9.787, de 10 de fevereiro de 1999, que estabelece o Medicamento Genérico; Lei
9.961, de 28 de Janeiro de 2000 - Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS); além de uma série de decretos, portarias e resoluções. Apenas a título
de exemplificação, pode-se constatar que muitas dúvidas geradas no decorrer da
investigação do sentido e alcance da norma constitucional vão encontrar
soluções fixadas nas normas infraconstitucionais. Se por um lado, reside aqui o perigo de se
inverter a ordem da interpretação, ou seja, interpretar a Constituição de
acordo com a legislação ordinária, por outro, há de se considerar que a
legislação deve ser utilizada para preencher de forma legítima os conteúdos
abertos e imprecisos estabelecidos na Constituição.
[4]
O Direito Sanitário é o ramo que estuda de forma metódica o direito à saúde,
consistindo uma disciplina autônoma, uma vez que, segundo Sueli Gandolfi
Dallari e Vidal Serrano Nunes Jr.: “uma vez alicerçado em princípios e
parâmetros próprios, forjados à luz de seu objetivo maior qual seja, o
regramento de atividades públicas e privadas relacionadas à saúde”. Na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo há o grupo de pesquisa, vinculado
ao CNPQ, sobre o tema, vinculado ao Departamento de Teoria Geral do Direito.
[5]
Um dos maiores problemas práticos na gestão do SUS é o reconhecimento e
valoração dos protocolos estabelecidos pelo Poder Público, os quais são
considerados por alguns como uma limitação ao direito à saúde e, por outros,
como uma forma efetiva de cumprimento do dever constitucional, por estabelecer
parâmetros de universalidade e a igualdade. Visando complementar os termos do
art. 6, inciso I, alínea “d”, da LOS, foi introduzida a alteração na Lei
12.401/2011, que trouxe um importante aporte hermenêutico para aplicação da
legislação do SUS, em especial, diante da constante judicialização do tema, ao
fixar parâmetros para compreensão da política de assistência terapêutica
integral. Destacam-se as seguintes definições legais de “produtos de interesse
para a saúde” e de “protocolo clínico e diretriz terapêutica”: (a) Produtos de interesse para a saúde:
órteses, próteses, bolsas coletoras e equipamentos médicos; (b) Protocolo Clínico e Diretriz
Terapêutica: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou
do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais
produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos
de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados
terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS. Dessa forma, os protocolos clínicos e as
diretrizes terapêuticas deverão estabelecer: (i) quais são os medicamentos ou
produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à
saúde de que tratam; (ii) indicar, em casos de perda de eficácia e/ou de surgimento
de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas pelo medicamento,
produto ou procedimento de primeira escolha.
[6]
Importante ressaltar que a ANS vem
aprimorando sistematicamente o processo de atualização do rol, tornando-o mais
ágil e acessível, bem como garantindo extensa participação social e primando
pela segurança dos procedimentos e eventos em saúde incorporados, com base no
que há de mais moderno em ATS - avaliação de tecnologias em saúde, primando
pela saúde baseada em evidências;
[7] Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu salvo-conduto nesta terça-feira, 14/06/2022, para três pessoas cultivarem maconha para fins medicinais. A autorização é para extração do óleo canabidiol, usado no tratamento de doenças como epilepsia, estresse pós-traumático e ansiedade. A decisão é inédita no tribunal e deve facilitar o cultivo artesanal da cannabis quando há prescrição médica. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já autoriza a importação de produtos derivados de maconha para tratamentos de saúde. O plantio caseiro, no entanto, mais acessível, ainda não foi regulamentado. Os ministros analisaram recursos de pacientes e familiares que fazem uso contínuo de produtos à base de maconha e pediram autorização prévia para o plantio da cannabis sem correr o risco de serem enquadrados na Lei das Drogas. A decisão só vale para os casos analisados, mas deve direcionar julgamentos semelhantes em instâncias inferiores.