Excelência, deixa eu ficar preso até o jantar?
Por Paulo Schwartzman.
Sim leitores, a frase acima é real e saiu da boca de Luan Vitor da Silva de 20 anos, que foi preso em flagrante por supostamente ter cometido um roubo de celular na madrugada de sábado (03/06/2022). Segundo Luan, ele estava faminto, e por isso teria feito o pedido inusitado durante sua audiência de custódia, na qual acabara de ser decretada sua soltura. Vale ouvir o áudio, na íntegra, aqui[1], bem como ler matéria explicando mais sobre o caso, aqui.[2]
O caso em si choca por diversos motivos, mas acredito que aquele que mais salta aos olhos é o fato de que o jovem preferia não ter sua liberdade do que não ter o que comer. Essa situação denota a precariedade em que vive grande parte da população no Brasil de hoje, uma vez que, pelo menos para o rapaz do vídeo, era melhor o cárcere que a volta à sua vida cotidiana.
Gostaria de frisar que este não é o primeiro caso em que alguém quer permanecer preso, mesmo com a possibilidade de viver solto. Cito, como exemplo, o caso do pai que tentou ir encarcerado para ficar com seu filho que já era detento, esse caso peculiar pode ser acompanhado aqui.[3]
O que é diferente do caso do pai que gostaria de ficar com o filho para o caso em tela é o motivo pelo qual a pessoa gostaria de ficar encarcerada. Se no caso paterno-filial a ideia era se reaproximar de sua prole, na situação em comento a motivação era a manutenção básica de sua vida, por meio da alimentação “adequada”. E ponho essas aspas no adequada, pois é de conhecimento comum que a alimentação nos presídios já é precária.
Fico aqui a pensar o quão ruim deve ser a situação de alguém ir para o cárcere parecer melhor que a liberdade. Fico também me questionando quanto sofrimento não é imposto para as pessoas que tentam tocar suas vidas, mas em condições tão precárias que o cárcere parece uma alternativa viável.
É certo que o Estado tem a obrigação com seus custodiados em fornecer condições básicas de vida, como um teto, saúde e alimentação razoável, mas não é isso que o Estado tem que garantir para os não encarcerados também? Onde erramos como sociedade a ponto de a vida na prisão e fora dela se assemelharem a um ponto em que as grades se afiguram como saída possível?
No caso em tela a juíza do caso permitiu que o custodiado jantasse na prisão, mas o buraco não seria muito mais profundo? Na sociedade em que a pena de um crime se afigura como “prêmio” é gesto de humanidade manter um cidadão preso? Piedade aos brasileiros, nossa Constituição é, como diria Lassale, “uma mera folha de papel”.
Notas:
[1] Conteúdo disponível em https://www.instagram.com/reel/CehgrXTFlWd/?igshid=YmMyMTA2M2Y=. Acessado em 08/06/2022
[2] Conteúdo disponível em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/06/06/jovem-pede-para-nao-ser-solto-de-presidio-em-mg-para-poder-se-alimentar.htm. Acessado em 08/06/2022
[3] Conteúdo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=b12VBNGZVWw. Acessado em 08/06/2022.