Dois casos, um problema - o aborto e o espancamento
Por Paulo Schwartzman.
Olá leitores, depois da folga do feriado de Corpus Christi damos seguimento à nossa Coluna Direito com Paulo. Como não poderia ser diferente, vamos analisar temas que estão gerando as discussões acaloradas nessa semana, quais sejam: o aborto impedido da menina de 11 anos em Santa Catarina e o caso do espancamento da procuradora geral do Município de Registro - SP por seu colega.
Acerca do caso do aborto, recomendo que antes da leitura do presente texto se faça uma revisão dos fatos apurados até então. Tal pode ser realizado aqui[1]. No que tange ao caso do espancamento da procuradora municipal vale a leitura da narrativa exposta aqui[2].
Para aqueles que simplesmente não conseguem aproveitar a forma diletante de se descobrir os fatos por si e querem estes mastigados, aqui estão. Mas novamente recomendo, e muito, a leitura individualizada dos textos sobre os acontecimentos, uma vez que mais ricos em informação, bem como pelo fato do material visual que ali está presente.
Sobre o aborto da criança, vale consignar que esta foi estuprada e, ao se dirigir ao hospital para realizar o procedimento de aborto, foi surpreendida com a negativa em razão de uma norma administrativa que prevê a impossibilidade de se descontinuar a gravidez. Vale um aparte aqui, é bem possível que tal norma seja inconstitucional, mas isso é um assunto que sobeja e muito o quanto abordaremos nesse texto. Após a negativa, ajuizou-se um processo a fim de que fosse dada a autorização para realização do procedimento de aborto. Ocorre que, por infortúnio da criança, estavam em seu caminho uma promotora acomodada e a juíza Joana Riberio Zimmer, as quais, em completa dissonância com o ordenamento brasileiro, protagonizaram o show de horrores que pode ser visto dentro do vídeo da notícia acima. Foi feita uma verdadeira via crucis para a já flagelada menina grávida, que apenas queria sua vida de volta, uma vez que durante toda a condução da audiência tanto a juíza quanto a promotora induziram a criança à manutenção de sua gravidez. Haja vontade de meter o bedelho na vida alheia, vontade essa que passou por cima dos deveres da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e da LONMP (Lei Orgânica do Ministério Público) para respectivamente a juíza e a promotora. Chocante não?
No que se refere ao espancamento, bem brevemente, pode ser dito que a procuradora geral do Município de Registro, Gabriela Samadello Monteiro de Barros, foi esbofeteada por seu colega subordinado o (pelo menos por enquanto) procurador Demétrius Oliveira Macedo. A “razão”, se é que existe razão para agressão física, foi a instauração de um processo administrativo contra Demétrius, processo esse, inclusive, que se referia a atitudes grosseiras que o acusado estaria tendo em relação a outra funcionária do setor.
Mini epítome feita, vamos à interpretação dos fatos, pois, pelo menos sob o prisma que salta aos olhos para mim, estão relacionados. Não se nega que os fatos possuem nuances diferentes, bem como ocorreram em Estados diferentes da Federação, mas há um liame inescapável: ambas as violações absurdas são provenientes de agentes do Estado. Mais que isso, do chamado “alto escalão” do funcionalismo público.
Com efeito, em ambos os casos temos pessoas que se imaginam, ou melhor, que têm certeza de que estão acima da lei. De fato, seja a juíza, a promotora ou o procurador, todos os três reputam ser blindados, a ponto mesmo de, no caso do aborto, infligir sofrimento psicológico incalculável à menina, que, inclusive, foi retirada de sua mãe e posta em acolhimento institucional para “garantir” que o aborto não fosse realizado. Já no caso do espancamento, diga-se de passagem, com um colorido fortemente misógino, pelo próprio contexto em que ocorreu já fica claro que há essa certeza de impunidade por parte do agente público.
Veja, não é que não existam críticas ao setor privado e seus agentes, mas simplesmente é ainda mais inaceitável quando condutas reprováveis vêm de servidores públicos, aqueles que deveriam acima de tudo cuidar pelo bem comum. Exatamente por isso é que é ainda mais reprovável que as violações venham, ainda por cima, de agentes ligados a instituições do Sistema de Justiça.
Fica aqui, como sempre, uma pergunta: que tipo de país é esse em que até aqueles que foram escolhidos para cuidar do público praticam tais atrocidades? Termino, infelizmente, como em minha última coluna: piedade aos brasileiros.
Em tempo, nem tudo está perdido: a menina conseguiu realizar o aborto na quarta feira e o procurador agressor teve sua prisão preventiva decretada. Ainda há esperança.
Notas:
[1] Conteúdo disponível em https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2022/06/21/o-que-se-sabe-sobre-caso-da-menina-de-11-anos-impedida-de-fazer-aborto-em-sc-apos-estupro.ghtml. Acesso em 23/06/2022.
[2] Conteúdo disponível em https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2022/06/23/procurador-que-agrediu-a-chefe-durante-expediente-e-preso-em-sao-paulo.ghtml. Acesso em 23/06/2022.