Uma visão político-democrático da comissão parlamentar de inquérito

Leandro Cara Artioli, é advogado associado do escritório Resina & Marcon Advogados Associados, pós-graduando em Direito Empresarial pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus; Diretor Jurídico da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público IGEPLAM.

Fonte: Leandro Cara Artioli

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Leandro Cara Artioli ( * )

A Comissão Parlamentar de Inquérito tem sua fundamentação descrita no art. 58 da Constituição Federal, cujas regulamentações são reservadas ao regimento interno do Congresso Nacional ou das casas legislativas.

Considerando isso a Constituição Federal regula de forma simplificada a cientificidade do processo administrativo utilizado, isto é, as regras do procedimento administrativo instaurado, o que, no entanto, não se furta a determinadas exigências infraconstitucionais.

A formação da Comissão Parlamentar de Inquérito se dá através da observância de regras que a torne válida, entre as quais a necessidade de requerimento de um terço dos membros da respectiva casa, a determinação precisa do fato investigado e a fixação de prazo certo de investigação.

Em se tratando da composição da CPI, o art. 58, § 1º da Constituição Federal assegura, "tanto quanto possível", a participação proporcional dos blocos ou partidos parlamentares da Casa Legislativa.

Nesse sentido, não se pode concluir, contudo, que na comissão deva constar tantos membros quantos forem o número de partidos políticos, isso porque "equivaleria a dar força desproporcional às pequenas bancadas"(1).

Quer-se dizer, então, que é constitucional a inexistência de representação de determinado partido político na CPI, tendo em vista a regra da proporcionalidade descrita no § 1º, art. 58, da Constituição Federal.

Entretanto, "objetivando impedir na composição das comissões parlamentares, em atenção ao ideal democrático de proteção das minorias", a exclusividade dos partidos com maior representatividade, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados determina a inclusão de ao menos um membro da minoria nas comissões, ainda que pela regra da proporcionalidade não lhe seja permitido.

Isso quer dizer que se pela regra da proporcionalidade o partido da respectiva casa não tiver direito à sua inclusão, a expressão "tanto quanto possível" prevista na Constituição Federal assegura-lhe, por outro lado, esse direito. Portanto, visando tornar a comissão parlamentar de inquérito um instrumento democrático de investigação, toda comissão da Câmara dos Deputados será integrada por no mínimo um membro da minoria parlamentar.

Por conseguinte, buscando conceder ao Poder Legislativo um instrumento de informação capaz de fornecer-lhe conhecimentos intrínsecos sobre matérias complexas ou politicamente de difícil acesso, com anseio de averiguar a responsabilidade civil, penal, política e por improbabilidade administrativa do investigado, a Constituição Federal em seu art. 58 § 3º atribui à comissão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.

Em outras palavras, a CPI tem prerrogativas inerentes à investigação realizada pelo poder judiciário, onde se inclui a decretação de indisponibilidade de bens, conforme decidido pelo STF no julgamento do Mandado de Segurança n º 23.452, em 16 de setembro de 1999, de relatoria do Ministro Celso de Mello, sendo afastada a possibilidade de realizar busca domiciliar e interceptação telefônica, medidas estas próprias do Poder Judiciário e tuteladas constitucionalmente.

Por outro lado, não se pode admitir que esses ideais democrático e os poderes investigativos da comissão ultrapassem os limites constitucionais impostos por nossa lei suprema, entre eles os direitos e garantias individuais, sob pena de conceder à investigação legislativa poderes ofensivos à ordem constitucional e contrários á liberdade e justiça prescritas no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal.

Considerando a importância da existência constitucional das comissões, tem-se como fator fundamental de eficácia, a idoneidade dos trabalhos realizados, já que o bem juridicamente tutelado é a coisa pública, diretamente ligada à coletividade, que por sua vez tem interesse na moralidade administrativa dos seus representantes.

Como se sabe, os trabalhos na comissão parlamentar são realizados através de votação, cujas diligências são delimitadas pela maioria de seus integrantes, que devido à regra da proporcionalidade concede à maioria quase que o absoluto domínio da investigação.

Em outras palavras, se a escolha por específica diligência fica adstrita à votação, logicamente que a maioria parlamentar da casa legislativa, que constitui a maioria dos integrantes da comissão, tem o controle pacífico da investigação, restando à minoria a sujeição às determinações daqueles que tem maior representatividade.

Assim, a sobreposição dos interesses do governo ao interesse público na tutela da legalidade da gestão pública, possibilita à maioria parlamentar desvirtuar o procedimento investigatório que seja contra seus próprios interesses, por vezes diversos da incumbência constitucional de gerir o bem público.

O professor Mário Eduardo Martinelli destaca que:

"Se a minoria dentro de uma CPI pudesse, por si só, determinar diligências instrutórias, escapando da premeditada inércia da força governista majoritária, a CPI passaria a funcionar efetivamente como um canal de expressão política da oposição parlamentar, por meio do qual a minoria parlamentar poderia apurar de verdade as denúncias de irregularidades e abusos governamentais, tornando fecunda a utilização na CPI de seus poderes de investigação próprios das autoridades judiciais"(2).

Para isso tornar-se efetivo, portanto, deveria ser inaplicável o artigo 47 da Constituição Federal às comissões parlamentares de inquérito, a fim de tornarem eficazes os ideais democráticos e afastar a prerrogativa exclusiva da maioria dos integrantes da CPI, que em regra constituem a maioria parlamentar da respectiva casa legislativa, de propor diligências, muitas delas inócuas, ou vetar outras de relevância investigativa que são requeridas pelos parlamentares de menor representatividade.

Por certo e com lástimas à situação política atual, conceder à minoria força para realizar diligências consistiria em aplicar os princípios imperativos de nossa Constituição, já que não só a maioria parlamentar teria o poder de administrar a comissão de acordo com sua conveniência, efetivando o regime político que predita ser do povo a origem do poder, que predita ser um Estado de direitos, que predita ser democrático.


Notas:

* Leandro Cara Artioli, é advogado associado do escritório Resina & Marcon Advogados Associados, pós-graduando em Direito Empresarial pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus; Diretor Jurídico da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público IGEPLAM. [ Voltar ]

1 - Nelson de Souza Sampaio. Do Inquérito Parlamentar. São Paulo: FGV, 1964, citado por Mario Eduardo Martinelli. Revista Jurídica Logos, p. 226Voltar

2 - Mário Eduardo Martinelli. Uma Concepção Democrático-Republicana da Comissão Parlamentar de Inquérito. Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 3, p. 228.Voltar

Palavras-chave: comissão parlamentar

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