Tribunal mantém sequestro humanitário de precatórios para portadora de HIV
A medida autoriza a liberação dos créditos remanescentes na sua totalidade, visando garantir a supremacia do direito à vida e à dignidade da pessoa humana.
O Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a recurso ordinário da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto contra decisão que autorizou o sequestro humanitário de precatórios judiciais de uma chefe de serviço portadora do vírus HIV. A medida autoriza a liberação dos créditos remanescentes na sua totalidade, visando garantir a supremacia do direito à vida e à dignidade da pessoa humana.
Os precatórios são decorrentes da condenação da Faculdade de Medicina em reclamação trabalhista ajuizada pela profissional. O juízo da 4ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto (SP) deferiu a antecipação de parte do pagamento, nos termos do artigo 100, parágrafo 2º, da Constituição da República. O restante do crédito deveria ser pago na ordem cronológica, conforme determina a lei.
Em novo pedido, a trabalhadora argumentou que, devido ao uso de muitos medicamentos e dos efeitos colaterais produzidos, tinha de se submeter regularmente a procedimentos cirúrgicos. Essa circunstância acarretava aumento nas despesas mensais. Por isso, pediu o pagamento do restante do crédito com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.
A Procuradoria do Estado de São Paulo, na defesa da Faculdade, sustentou que a credora já havia sido beneficiada pela preferência no pagamento do precatório nos limites fixados em lei. Afirmou ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Emenda Constitucional 62/2009 (Emenda dos Precatórios), que veda o sequestro de renda e estabelece limites para os pagamentos, deve continuar a ser aplicada até dezembro de 2020.
Dignidade
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) autorizou o sequestro de quantia suficiente para a liquidação dos créditos devidos. Para o TRT, a situação da trabalhadora era bastante delicada, e as privações decorrentes de sua situação financeira e de saúde afetavam também seu filho menor, o que colidia com o resguardo à dignidade da pessoa humana. “A constrição humanitária não visa suprir prestação de serviço estatal, mas efetivar direito judicialmente já garantido, transitado em julgado, cuja inadimplência acarreta restrições a outros direitos, entre eles o da vida digna”, registra o acórdão.
A Faculdade recorreu ao TST sustentando, entre outros argumentos, que o sequestro de rendas determinado viola os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Segundo a instituição, a profissional deveria acionar a Justiça para garantir a proteção à sua saúde, que é obrigação do Estado.
Vulnerabilidade
O relator, ministro José Roberto Freire Pimenta, explicou que a lei estabelece as circunstâncias em que o credor de precatórios deve ter tratamento prioritário, em virtude de suas condições peculiares de vulnerabilidade. Entretanto, a seu ver, existem situações excepcionais em que portadores de doenças graves se defrontam com risco de dano irremediável à sua saúde ou mesmo à sua vida e, por isso, não podem aguardar a tramitação do precatório, mesmo que na ordem preferencial.
No caso, o ministro destacou que ficou demonstrado que o não pagamento do crédito vem acarretando sérias limitações financeiras à credora, que, além de ser portadora de doença incurável, é a única provedora do seu lar. O voto do relator cita precedente do Órgão Especial do TST que autorizou o sequestro humanitário em situações excepcionais como a do caso, de forma a garantir a supremacia do direito à vida e à dignidade da pessoa humana.
A decisão foi unânime.
O número do processo foi omitido para preservar a intimidade da trabalhadora.