Tribunal absolve ex-estagiária que denunciou servidor do Ministério Público Federal

Quem pede abertura de sindicância ou inquérito policial contra servidor público, mesmo incorrendo em erro de avaliação, exerce um direito, e não o cometimento de crime.

Fonte: TRF4

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Quem pede abertura de sindicância ou inquérito policial contra servidor público, mesmo incorrendo em erro de avaliação, exerce um direito, e não o cometimento de crime. Por isso, só há crime de denunciação caluniosa se houver dolo específico do denunciante em imputar conduta criminosa falsamente a alguém, sabendo que a pessoa é inocente.


O fundamento levou a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a reverter sentença que condenou uma ex-estagiária da Procuradoria da República em Curitiba pelo crime de denunciação caluniosa contra o ex-chefe imediato. Ao contrário do juízo de origem, o colegiado entendeu que as denúncias contra o servidor federal foram feitas num contexto de "relação laboral conturbada", em que a estagiária se sentiu humilhada pela forma "dura e deselegante" com que foi tratada por ele numa reunião de trabalho.


Para o relator da Apelação Criminal, desembargador federal Leandro Paulsen, as denúncias feitas pela ré ao próprio Ministério Público Federal e à Polícia Civil tiveram o objetivo de apontar aquilo que, na sua compreensão, caracterizava conduta funcional irregular do servidor, diante de possível assédio moral, conduta injuriosa e abuso de autoridade.


"Por fim, o comportamento cliclotímico [variação de humor] da apelante durante o andamento da persecução penal, na fase pré-processual, inclusive com envio de e-mail ao servidor retratando-se quanto aos fatos antes narrados e tentando apaziguar os ânimos não desnatura a circunstância que, à época dos fatos, a ré possa efetivamente ter, em sua psique, se sentido ultrajada e ofendida pelo teor e desenrolar da discussão. Deste modo, na hipótese de ser duvidosa a demonstração do dolo, como no presente caso, resulta imperativo concluir pela solução absolutória, por força do princípio do in dubio pro reo", afirmou no acórdão.


Discussão de trabalho


O bate-boca que deu origem à denúncia do Ministério Público Federal contra Hanna Gabriela Cardoso Nunes Ferreira, hoje advogada, ocorreu no dia 28 de novembro de 2011. O chefe imediato dela no gabinete em Curitiba, assessor jurídico Danilo Andreato Barros Oliveira, teria lhe dirigido "palavras duras" ao reclamar da mudança de horário, de suas faltas e do baixo rendimento no estágio. Segundo os autos, ele teria "levantado a voz", chamando-a de "dissimulada e mimada".


Danilo teria dito que as manifestações elaboradas por Hanna durante o estágio "não prestavam", pois ela "não sabia nada de Direito Penal". Em dado momento, teria sido mais agressivo: "garota, eu posso mandar você calar a boca na hora que eu quiser". Após horas de discussão, o clima entre os dois se deteriorou de vez, segundo o relato de Hanna. Aos gritos, Danilo teria mandado ela se retirar do recinto, levantando-se de sua cadeira e fazendo menção de agredi-la. Ele teria ameaçado chamar a segurança se ela "não fosse embora logo".


Sindicância administrativa


Em função do acontecido, a estagiária protocolou uma reclamação na Procuradoria no dia seguinte, quando o seu contrato de estágio acabou rescindido. Ela imputou ao assessor jurídico a prática de crime contra a honra (artigo 140 do Código Penal) e de abuso de autoridade (artigo 3º da Lei 4.898/65). No mesmo dia, ela também registrou um boletim de ocorrência na polícia.


Provocada, a Procuradoria da República em Curitiba instaurou, então, uma sindicância administrativa para apurar os fatos. Ouvidas as partes litigantes e os demais servidores do gabinete, os membros da comissão de sindicância deram os fatos por esclarecidos, sem indiciar o assessor jurídico. Ficou claro que Danilo foi enérgico com Hanna, repreendendo-a por "comportamento não condizente com o estágio na PR paranaense", mas sem ofendê-la ou agir com abuso, nem fazendo menção de agredi-la. Além disso, a discussão entre ambos se deu por minutos, e não "por horas". Com isso, o então procurador-chefe substituto, João Vicente Beraldo Romão, decidiu arquivar o caso.


A denúncia do MPF


O Ministério Público Federal então ajuizou Ação Penal contra a ex-estagiária, sob a alegação de que ela imputou ao assessor jurídico, falsamente, a prática de crimes. Segundo o MPF, citando depoimento de uma servidora do gabinete, a "representação feita contra o assessor jurídico" não refletiu o que realmente ocorreu na sala dos assessores.


A ex-estagiária foi incursa às penas previstas para o crime de denunciação caluniosa, tipificado no artigo 339 do Código Penal – dar causa à instauração de investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou à ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.


Na véspera do Natal de 2012, a ex-estagiária enviou e-mail ao assessor jurídico, dizendo-se arrependida de sua conduta vingativa, pedindo que ele desistisse do processo, "não por mim, mas pelo meu filho", ressaltou. O e-mail foi anexado à denúncia do MPF, como forma de mostrar a admissão de culpa e tentativa de retratação.


Sentença procedente


A 14ª Vara Federal de Curitiba julgou procedente a Ação Penal, por entender que a ex-estagiária agiu com o propósito de vingança, tanto que confirmou, em oitiva, o envio do e-mail, mostrando-se arrependida, ao ex-chefe. Ela foi sentenciada a dois anos de reclusão mais multa. Na dosimetria, a pena de detenção foi substituída por duas penas restritivas de direito – prestação de serviços comunitários e pagamento de 1/12 avos de salário mínimo por mês de condenação, com valor revertido para entidade de assistência social.


"Nestes termos, não há falar em ausência de provas, porquanto houve efetivamente a prova do fato, sem resquício de dúvida razoável, considerando que existiu ‘instauração de investigação administrativa’ (sindicância), ‘contra alguém’ (vítima destes autos, Danilo Andreato), ‘imputando-lhe crime’ (inicialmente, ameaça, crime contra a honra e abuso de autoridade, classificado como desacato por este Juízo), ‘que o sabe inocente’, restando configurada a prática dolosa do art. 339 do CP pela acusada", escreveu na sentença o juiz federal Alessandro Rafael Bertollo de Alexandre.


Ação Penal: 5027697-20.2014.4.04.7000

Palavras-chave: Denunciação Caluniosa Absolvição Denúncia Sindicância Administrativa CP Abuso de Autoridade

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