TJ confirma sentença que obriga o Estado do Paraná a fornecer medicamento a paciente com doença rara

Reza o artigo 196 da Carta Magna: ?A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.?

Fonte: TJPR

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A 4.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, manteve a sentença do juiz André Carias de Araujo, da Comarca de Bandeirantes, que, em ação proposta pelo Ministério Público, determinou (confirmando a liminar concedida) que o Estado do Paraná forneça a uma paciente (J.O.N.) que sofre da doença de Gaucher e de epilepsia os medicamentos “topiramato 50mg” e “trileptal (oxcarbazepina) 300mg”, conforme prescrição médica, enquanto perdurar o tratamento.

           
O recurso de apelação


Inconformado com a decisão de 1.º grau, o Estado do Paraná interpôs recurso de apelação pedindo a reforma da sentença. Arguiu, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do Ministério Público, visto que este não está autorizado a tutelar interesse individual homogêneo disponível, devendo, em razão disso, o processo ser extinto, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.

 
Ainda em sede preliminar defendeu a necessidade do chamamento ao processo da União Federal e do Município de Bandeirantes, na condição de litisconsortes passivos necessários, tendo em vista a competência solidária entre os três entes da federação em relação ao Sistema Único de Saúde, decorrendo daí a incompetência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito, impondo-se, com isso a remessa dos autos à Justiça Federal.

 
Pleiteou, também, a nulidade da sentença ante o cerceamento do seu direito de defesa, porquanto se faz necessária a produção de prova pericial para demonstrar se os medicamentos pleiteados são ou não adequados e eficazes ao tratamento da moléstia que acomete a interessada (J.O.N.).

 
No mérito argumentou que o atendimento do pedido postulado na inicial conduz à ingerência do Poder Judiciário na política nacional de medicamentos, em nítida violação ao princípio da separação de poderes, previstos no artigo 2.º da Constituição Federal.

 
Aduziu que os recursos públicos são escassos e a decisão de como investi-los é eminentemente política, não tendo o Poder Judiciário condições de avaliar o impacto de suas decisões sobre a estrutura do Estado com um todo, devendo-se, em razão disso, respeitar a “reserva do possível”.

 
Discorreu sobre a amplitude a ser conferida à interpretação do art. 196 da Constituição Federal, asseverando que, pelos recentes julgados do Supremo Tribunal Federal, o fornecimento gratuito de medicamentos está sujeito à comprovação de necessidade e hipossuficiência. Além disso, disse ser incabível falar, no caso dos autos, em mínimo existencial.

 
O voto do relator


O relator do recurso, desembargador Abraham Lincoln Calixto, assim iniciou a fundamentação do seu voto: “Antes de adentrar o mérito da questão [...], cumpre apreciar a preliminar suscitada pelo apelante quanto à ilegitimidade ativa, para desde já afastá-la”. “Em que pese o argumento ventilado pelo apelante, a legitimidade ativa do Ministério Público para o ajuizamento da presente ação decorre do artigo 127 da Constituição Federal [“O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”]”.

 
Quanto à alegada necessidade de chamamento ao processo da União Federal e do Município de Bandeirantes, na qualidade de litisconsortes passivos necessários, ponderou o relator que, “considerando que os entes federados são responsáveis solidários pelo fornecimento de medicamentos aos cidadãos através do Sistema Único de Saúde, é possível que a demanda seja proposta unicamente em face do Estado do Paraná [...]”.

 
O desembargador relator rejeitou também a preliminar de nulidade da sentença, sob o argumento de que inexistiu o alegado cerceamento de defesa. “[...] o julgamento antecipado da lide ocorre quando a prova carreada aos autos for suficiente para formar a convicção do julgador e não houve mais pontos controvertidos a serem esclarecidos (artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil).”

 
“No caso dos autos, não obstante o apelante tenha protestado pela produção de prova pericial às fls. 204/205, o feito comportava julgamento antecipado, eis que a questão debatida era, preponderantemente, de direito e os fatos encontravam-se comprovados pela prova documental encartada aos autos, mostrando-se plenamente capaz de possibilitar ao Magistrado a formação de um juízo de convencimento. E isso porque a discussão travada na demanda gira em torno de uma única questão, qual seja, se o interessado tem ou não o direito de receber do ente estadual o medicamento postulado na inicial.”

 
Ademais, a necessidade dos fármacos para garantir a sobrevida da paciente restou suficiente demonstrada pelos documentos encartados aos autos (fls. 33 e 39), prova esta que consiste em laudo médico que acompanha a evolução da doença [...].”
 
 
Segundo entendimento já consolidado e consagrado no âmbito desta Egrégia Corte [TJPR], sendo a medicação prescrita por profissional habilitado e devidamente capacitado, que acompanha o tratamento e as reais necessidades da paciente, não há que se falar em dilação probatória para que seja demonstrada a eficácia do tratamento.”
 
 
No que diz respeito ao mérito, consignou o relator: “O direito à saúde, garantido constitucionalmente, impõe aos entes federativos a obrigação de atendimento às demandas que possam propiciar aos cidadãos uma vida sem comprometimento que afete seu equilíbrio físico ou mental”.
 
 
A saúde, por ser uma prerrogativa fundamental, é um direito de todos e dever do Estado, cuja acepção engloba todos os entes da federação, o qual deve possibilitar seu acesso à população.”
 
 
Reza o artigo 196 da Carta Magna: ‘A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.’"
 
 
“Por ser a saúde constitucionalmente prevista como um direito social cabe aos entes da federação zelar por ela em toda a sua amplitude, resguardando o acesso universal a todos os que dela necessitam, para que os direitos postos à disposição dos economicamente superiores sejam iguais aos colocados à disposição dos economicamente necessitados, inclusive no custeio de tratamento, o que é precisamente o caso dos autos.”
 
 
“Desta forma, sendo a saúde um direito social assegurado através de uma contraprestação dos entes públicos, tem o substituído do apelado amparo jurídico ao tratamento do qual necessita, como parcela mínima para a sua condição existencial digna, razão pela qual não pode o Estado do Paraná deixar de cumprir preceito fundamental que garante o acesso à saúde em sua plenitude, como o está fazendo.”
 
 
Anote-se, apenas, que por mais relevantes que sejam as dificuldades orçamentárias dos órgãos públicos ou por mais necessária que seja a regulamentação dos procedimentos atinentes ao Sistema Único de Saúde, não é possível desrespeitar a Constituição Federal, sob pena de completo desrespeito à ordem jurídica, privilegiando-se meros regulamentos, e, mais ainda, dando poderes ao administrador para, sob os mais variados pretextos, descumprir a Lei Maior.”
 
 
“Em decorrência disso, não devem ser aceitos como válidos   procedimentos administrativos que tenham por fim criar entraves burocráticos no atendimento ao direito fundamental à saúde e à vida. Tais procedimentos somente serão legítimos se estiverem em consonância com as disposições da Magna Carta, e desde que não pretendam por via oblíqua afastar o dever e a responsabilidade dos entes federativos em assegurar os direitos fundamentais à população, e não atentem contra o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida digna.”
 
 
Daí porque, não cabe ao Estado determinar qual o medicamento deverá fornecer, pois o objetivo maior é garantir eficácia ao tratamento do paciente. Aliás, insta salientar que o apelante não fez nenhuma consideração específica em relação ao fato do medicamento pleiteado na inicial beneficiar o paciente.”
 
 
Por conseguinte, não pode questionar, de forma genérica, a eficácia do fármaco, já que o médico que acompanha o tratamento da paciente é profissional devidamente habilitado e tem conhecimentos técnicos para prescrever o medicamento mais adequado ao tratamento da moléstia.”
 
 
Por outro lado, nenhuma razão sustenta o inconformismo do recorrido em relação à violação da separação de poderes e do artigo 2.º da Constituição Federal, pois no presente feito não há invasão de competência do Poder Executivo, mas sim o cumprimento de norma constitucional que determina ao Poder Judiciário apreciar lesão ou ameaça ao direito (artigo 5.º, inciso XXXV, da Carta Magna).”
 
 
Ademais, insta destacar que a decisão judicial que determina o fornecimento de medicação pelo ente estatal responsável decorre de imposição constitucional.”
 
 
“Por todos esses motivos, a pretensão do Estado do Paraná de que o pedido formulado na inicial seja julgado improcedente não tem como proceder, devendo ser mantida a sentença hostilizada nesse tocante.”, finalizou.
 
 
Participaram do julgamento as desembargadoras Maria Aparecida Blanco de Lima e Lélia Samardã Giacomet, que acompanharam o voto do relator.
 

Apelação Cível n.º 750054-7

Palavras-chave: Gratuidade; Fornecimento; Remédio; Saúde; Doença rara

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