STF revê contrabando como crime menor

Decisões judiciais têm derrubado o princípio da insignificância usado para livrar da prisão os operários da indústria ilegal de cigarros

Fonte: STF

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O contrabando de cigarro do Paraguai para o Brasil chegou a uma proporção que levou o Judiciário a rever a prática como crime de baixo poder ofensivo. Decisões judiciais têm derrubado o princípio da insignificância usado para livrar da prisão os operários do contrabando. Caso exemplar ocorreu em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro de 2012, ao negar pedido de habeas corpus alegando o princípio da insignificância em caso de condenação por contrabando de cigarros pela Justiça Federal em Santa Catarina.


Embora a jurisprudência da Suprema Corte possibilite enquadrar o crime de descaminho no princípio da insignificância quando o valor dos impostos sonegados for inferior a R$ 10 mil, o STF considerou que se trata de contrabando e, nesse caso, o objeto material sobre o qual recai a conduta é a mercadoria total ou parcialmente proibida. Na avaliação dos ministros do STF, existe um bem maior em risco do que impostos sonegados: a saúde pública.


“O objetivo precípuo dessa tipificação formal é evitar o fomento de transporte e comercialização de produtos proibidos por lei. Assim, não se trata tão somente de sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas sim de possibilitar a tutela, dentre outros bens jurídicos, da saúde pública”, disse o ministro Gilmar Mendes ao negar o habeas corpus. “No contrabando, o desvalor da conduta é maior, sendo, portanto de afastar, em princípio, a aplicação do princípio da insignificância.”


A decisão tem norteado as cortes menores do Judiciário. O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região reformou sentença que absolveu um homem preso pela PRF com cigarros paraguaios ao desviar do posto de controle da BR-277 usando uma estrada rural de Santa Terezinha do Itaipu, a 20 km da fronteira com o Paraguai. A absolvição sumária em primeira instância se baseou no princípio da insignificância (a mercadoria não ultrapassava R$ 12 mil). O Ministério Público Federal recorreu contra a sentença no TRF-4.


No entender do desembargador federal Élcio Pi­­nheiro de Castro, esse tipo de crime transcende o limite fiscal, pois agride a saúde pública e a atividade industrial brasileira. Ele se baseou no posicionamento do STF, que considera incabível o uso do princípio da insignificância em casos de contrabando. O entendimento do relator foi acompanhado pelos demais integrantes do TRF-4.


Até essa revisão judicial, contrabandistas de cigarro eram enquadrados apenas no artigo 334 do Código Penal, com pena de reclusão de um ano a quatro anos. Agora, eles podem também ser enquadrados nos tipos penais que preveem crimes contra a saúde pública, constantes, por exemplo, nos artigos 276 e 278, com pena de reclusão de um ano a cinco anos e multa.


Máfia do cigarro usa estratégia de seguradoras


A máfia do cigarro contrabandeado do Paraguai para o Brasil encontrou no merca do de seguros uma estratégia para diluir os prejuízos com eventuais apreensões. Passou a usar um sistema idêntico ao resseguro, operação pela qual o segurador transfere a outro uma parte do risco assumido ao emitir uma apólice e cede também parte da responsabilidade e do prêmio recebido. Nessa lógica, os barões do contrabando fecham um carregamento de cigarro fracionando-o em cotas, de maneira a dividir o prejuízo em caso de perda ou compartilhar o lucro em caso de sucesso na transação.


Essa era a estratégia usada, por exemplo, pelo empresário preso em outubro pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu. Dono de uma casa de shows na cidade, Éderson Foletto seria o financiador de uma quadrilha de contrabando, fornecendo recursos financeiros para a compra de mercadorias contrabandeadas do Paraguai, sobretudo cigarros e eletrônicos. “Ele funcionava como agente financiador, mas tinha participação ativa na quadrilha”, ressalta o delegado da PF em Foz, Ricardo Cubas César.


Investimento


Foletto buscava comerciantes da fronteira dispostos a investir em um carregamento de cigarro. Ele propunha um determinado porcentual, conforme o poder financeiro de cada um, e assim fechava quatro ou cinco cargas com o dinheiro de quatro ou cinco pessoas. Se apenas uma dessas cargas chegasse ao destino já seria o suficiente para salvar o valor investido. Acima disso, o lucro era partilhado conforme a participação de cada um no investimento.


O negócio implica em algum risco, mas é altamente lucrativo. Os contrabandistas nunca usam os próprios bens, de forma a evitar perdas e não deixar rastros. Os carros lotados de cigarro usados para desviar o controle policial são roubados ou financiados em nome de laranjas. A perda se restringe à carga, facilmente reposta. Um carro de passeio transporta em média 25 caixas, com 500 maços cada, uma perda pequena diante da capacidade de produção do Paraguai e da estrutura usada para enviar ao Brasil.


Para evitar grandes perdas, os contrabandistas recrutam caminhoneiros endividados. Pagam R$ 15 mil pelo frete de um caminhão e R$ 5 mil para o motorista. Uma carreta transporta entre 700 e 800 caixas, que pode resultar em um lucro líquido de R$ 500 mil numa cidade como São Paulo. Os barões do contrabando não perdem nada mais além da carga. Ao dono do caminhão, em caso de apreensão, cabe uma multa entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão. A multa é estipulada pelo valor do cigarro, avaliado em US$ 1,50 o maço pela Receita Federal.

Palavras-chave: direito público direito penal princípio da insignificância

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1 Comentários

Adilson Advogado24/03/2014 18:48 Responder

Demais disso, como se trata de \\\"contrabando\\\", ou seja, internação de mercadoria de importação proibida, não há que se falar em \\\"imposto\\\".

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