Radiografia atual da crise
Ives Gandra da Silva Martins, graduou-se em em 1958. Doutor em Direito com a Tese: "Teoria da Imposição Tributária". Fundador e presidente do Centro de Extensão universitária - CEU. Professor Emérito da Universidade Mackenzie. Publicou mais de 50 livros individualmente, 200 em co-autoria e mais de 1000 estudos sobre direito, econômia, filosofia, história, literatura, sociologia e música.
Ives Gandra da Silva Martins ( * )
Retornei de Portugal, em fins de Abril, onde proferi, em Universidades portuguesas, palestras sobre direito, economia e política.Causaram-me positiva impressão dois aspectos, na análise que a grande maioria dos professores portugueses faz da atual crise econômica. O primeiro deles é que o Brasil está surgindo como um país com liderança mundial e possibilidades de sair da crise mais cedo.
O segundo é que, apesar de culturalmente menos preparado que os líderes dos demais países, o Presidente Lula tem maior sensibilidade política que a esmagadora maioria deles, sabendo conviver com os liberais extremistas e com os radicais socialistas, com particular habilidade e talento.
Em uma das palestras, quando recebi a Cátedra Lloyd Braga de 2009, na Universidade do Minho, lembrei aos intelectuais lusitanos - que, no almoço, tinham se referido à maior resistência do Brasil à crise, responsável pela elevação do desemprego em Portugal e na Espanha, a números nunca vistos depois da 2ª. guerra mundial - que o Presidente Juscelino Kubitschek, certa vez, com pertinência, afirmara: "No Brasil, o otimista pode errar, mas o pessimista começa errando". E que tal visão daquele presidente, que dera o grande impulso desenvolvimentista ao Brasil, representava, de rigor, a maneira de ser do brasileiro.
Concordo com a avaliação que meus colegas portugueses e espanhóis fizeram sobre a atual realidade do país, muito embora gostasse de que, pelo menos, três pontos fossem melhor examinados pelas autoridades brasileiras, nesta luta para sair da crise.
O primeiro é o inchaço da máquina administrativa - em que ainda viceja o hábito de contratação de não concursados - , nó górdio a ser desatado. O Palácio do Planalto, por exemplo, possui o dobro dos servidores que trabalham junto ao Presidente Obama, na Casa Branca, e em torno de 40% mais do que nos tempos do Presidente Fernando Henrique. As despesas de custeio de uma insensata estrutura esclerosada, cuja burocracia cria carga pesadíssima sobre a sociedade e exigências desmedidas ao cidadão, é um fator que, se o Presidente Lula decidisse lancetar, auxiliaria enormemente o país. É bem verdade que é da índole presidencial uma grande tolerância com relação a esta multiplicidade de aliados e amigos do rei. Ocorre que tal condescendência afeta não só a eficiência da máquina, como gera multiplicação de exigências burocráticas sobre o povo, inexistentes nos demais países, o que acaba por tirar-nos competitividade empresarial.
O segundo ponto é a capitulação permanente às exigências desmedidas e irracionais de nossos vizinhos (Bolívia, Venezuela, Equador, Paraguai e Argentina), fazendo com que o País se torne no alvo principal do esporte favorito de seus presidentes, qual seja, o de se promoverem atacando o Brasil. E quanto mais atacam, mais concessões faz o Brasil. Se, de um lado, o discurso internacional do Presidente Lula frente aos países desenvolvidos tem sido elogiado e demonstra altivez e competência, no que diz respeito aos países latino-americanos, tem-se a impressão de que o País é o eterno derrotado e demonstra fraqueza permanente.
O terceiro ponto diz respeito ao terceiro setor, que, especialmente em período de crise, no âmbito da assistência social, da saúde e da educação, faz pelos brasileiros mais do que os governos das três esferas da Federação. Não obstante, continua não merecendo das autoridades tributárias, pressionadas pelas despesas governamentais que continuam a crescer, a atenção necessária. Veja-se, por exemplo, a fortaleza das Universidades americanas, mantidas por incentivos fiscais concedidos a seus doadores, ao lado da perseguição sistemática promovida pelas autoridades fiscais e previdenciárias às universidades brasileiras, que complementam o insuficiente estamento educativo oficial.
É de se elogiar, todavia, no início da crise, duas medidas do governo Lula que, a meu ver, compensaram a perda do mercado externo, a queda dos financiamentos do exterior e a redução dos preços das "commodities": a rápida estimulação do mercado interno em setores essenciais mediante incentivos fiscais e a disponibilização de financiamentos oficiais para compensar a falta dos internacionais. Acrescente-se a solidez do sistema financeiro, lastreado, em grande parte, em títulos governamentais. A forte banca brasileira vale o que vale o governo.
Em que pesem problemas atávicos e históricos de uma das mais ineficientes máquinas burocráticas do globo, a equipe econômica escolhida pelo Presidente Lula tem demonstrado competência no enfrentar a crise, tendo eu podido realçar estes aspectos positivos, em algumas das palestras proferidas em Portugal.
Notas:
* Ives Gandra da Silva Martins, graduou-se em em 1958. Doutor em Direito com a Tese: "Teoria da Imposição Tributária". Fundador e presidente do Centro de Extensão universitária - CEU. Professor Emérito da Universidade Mackenzie. Publicou mais de 50 livros individualmente, 200 em co-autoria e mais de 1000 estudos sobre direito, econômia, filosofia, história, literatura, sociologia e música.
Artigo publicado na Folha de São Paulo em 08/05/2009. [ Voltar ]